Apesar de o BC ter desistido
de trazer a inflação à meta, adotando um objetivo para lá de medíocre (alcançar
um número menor do que o de 2012), e a despeito de controles de preços como há
muito não se via, aquela atingiu 5,91% no ano passado, ficando pelo quarto ano
consecutivo bastante acima de 4,5%. Sob a atual diretoria o desvio da inflação
com relação à meta foi, em média até agora, 1,6% por ano, marca nada invejável,
ainda mais num ambiente global em que o problema tem sido precisamente o
oposto.
Há quem ainda acredite,
equivocadamente, que o problema vem dos preços dos alimentos. Estes, de fato,
subiram fortemente no ano passado, quase 8,5%. Os preços dos produtos
consumidos no domicílio aumentaram 7,7%, enquanto o preço da comida fora de
casa se elevou ainda mais, 10%, discrepância relativamente modesta, mas
reveladora.
Mais importante, porém,
é a diferença entre os preços dos alimentos no atacado e no varejo. De acordo
com a Fundação Getúlio Vargas, os preços de produtos agrícolas no atacado
caíram 1,8% no ano passado, desempenho difícil de reconciliar à primeira vista com
o comportamento dos preços ao consumidor.
A verdade, porém, é
que, em ambos os casos, as razões da discrepância são as mesmas, associadas de
perto à natureza da inflação dos últimos anos.
Considere a diferença
entre a inflação de alimentos no domicílio e fora dele. É claro que o prato de
arroz e feijão consumido fora do domicílio é distinto daquele servido em casa.
No primeiro caso há custos, tais como aluguéis, o salário do cozinheiro, dos
garçons, etc., não presentes no segundo. Posto de outra forma, o prato do
restaurante contém uma medida considerável de serviços além de arroz e feijão.
Da mesma forma, os
alimentos colocados à disposição dos consumidores num supermercado carregam
consigo uma variedade de serviços: aluguéis, transportes, pessoal, etc. O
feijão do varejo não é o mesmo feijão do atacado, mas um produto mais elaborado
(por exemplo, está ao alcance do consumidor, que não precisa viajar para uma
região produtora para obtê-lo).
O conteúdo de serviços
explica, pois, porque o feijão do supermercado é mais caro que o do atacado e,
da mesma forma, porque o prato de feijão do restaurante é ainda mais caro, mas
não esclarece o motivo do ritmo de aumento de preços ser distinto.
Ocorre que a inflação de
serviços tem sido particularmente intensa. Apenas no ano passado atingiu pouco
menos de 9%, bastante acima do IPCA.
Não é difícil entender esta
dinâmica. Por um lado, premidos por um mercado de trabalho bastante apertado,
os salários têm aumentado a uma velocidade bem maior que a da produtividade do
trabalho. Assim, nos 12 meses terminados em novembro de 2013, o salário médio
nominal aumentou 8%, enquanto o crescimento da produtividade deve ter ficado na
casa de 1%, implicando aumento do custo unitário do trabalho.
Por outro lado, ao
contrário dos bens em geral, serviços não estão sujeitos à concorrência internacional.
Enquanto no caso dos primeiros o repasse dos custos é limitado pelo preço do
concorrente externo, quando se trata de serviços, o limite é a demanda, isto é,
quanto o consumidor está disposto a pagar. Em particular, a demanda tem sido
forte o suficiente para acomodar aumentos da ordem de 9% nos últimos 3 anos.
É este o fenômeno que elucida
o aparente paradoxo de preços de alimentos em queda no atacado e em alta no
varejo: trata-se da “face oculta” da inflação de serviços.
Esclarece também, a
propósito, a miopia dos que fazem uma explicação “contábil” da inflação, apenas
multiplicando os aumentos de preços dos produtos por sua ponderação no IPCA. Sem
uma base teórica que lhes permita entender o comportamento por trás dos fatos
econômicos, repetem chavões sobre preços de alimentos e não conseguem capturar
os elementos essenciais da dinâmica inflacionária no Brasil.
Não dá para ignorar o
outro lado
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(Publicado 15/Jan/2014)
47 comentários:
Alex você conhece algum pesquisador de economia aqui em pernambuco?
Conheço, superficialmente, o Alexandre Rands e me lembro da Maria da Conceição Sampaio de Sousa na área de modelos computáveis de equilíbrio geral (mas isto faz uns 20 anos!).
Alguém pode colaborar?
Ah: e o Gustavo Maia Gomes.
Alexandre,
Nos seus anos de banco central (2003-2006), a inflação ficou acima da meta em três dos quatro anos. Terá sido incompetência também?
Tati
Os preços do IPA refletem também custos de transporte. Ou você acha que os alimentos são teletransportados das propriedades produtoras até os centros atacadistas?
A diferença fundamental entre a evolução do IPA Agrícola e do IPCA Alimentos está nas diferentes ponderações dos índices. O IPA dá mais peso para produtos que tiveram forte deflação em 2013 e o IPCA Alimentos mais peso para produtos que subiram (e muito).
Sério, sou teu fã, mas esse teu post deixou a desejar...
Marcos
Alexandre, se a produtividade cresce menos que o aumento salarial, como pequenos empresários devem fazer?
" Terá sido incompetência também?"
Obviamente não, que pergunta...
A começar porque entrei em novembro de 2003 e saí em abril de 2006. Posso ser responsabilizado pela inflação de 2004, 2005 e 2006 (com boa - ou má - vontade 2007 também).
Ficamos acima em 2004 (+2,1%)e 2005 (+1,2) e abaixo em 2006 (-1,4%). Na média um desvio de +0,6%, mas com trajetória decrescente. Se quiser incluir 2007 (meio no limite das defasagens, mas vá lá), o desvio foi 0% e a média cai para 0,5%.
A média do desvio desta diretoria é 1,6%. Ganhamos fácil...
Se o governo mandar o BC atingir em 2014 um IPCA menor que o de 2013, com confiabilidade de, digamos, 75% e, além disso, menor que 6,5% com 90% de confiabilidade, qual seria a taxa Selic que o BC teria usar? "Estimo" uns 13%.
Dantas
Olhando o seu "trabalho" no BC podemos ver outra coisa: contra os pares (emergentes ou latam) viemos de uma inflação acima dos pares até 2003, fomos convergindo e mesmo ficando abaixo da média até 2008, ano de inflação alta para todos.
Já de 2009 para cá estamos com inflação acima do latam e convergimos para a inflação alta dos emergentes, ali em 6%.
Olhando para inflação hoje voltamos para era pré-Alexandre.
"Tati"
Oreiro?
Alexandre,
Os preços do atacado também embutem serviços de transporte. Ou você acha que os produtos chegam nos mercados atacadistas por teletransporte?
Além disso, as diferenças entre o IPA Agrícola e o IPCA Alimentos derivam de ponderações distintas para produtos distintos. No caso do IPA, tem peso maior os produtos que tiveram deflação em 2013. No IPCA predominam produtos cujos preços subiram (em alguns casos bastante) em 2013.
Sério, sou seu fã, mas nessa você errou feio...
Vlw
Marcos
"Os preços do atacado também embutem serviços de transporte. Ou você acha que os produtos chegam nos mercados atacadistas por teletransporte?"
E quem usa mais transporte? E mais manipulação (a carne, por exemplo, vem cortada no supermercado)? E para quem o peso do aluguel é maior?
"Quem usa mais transporte?"
Não sei e você está chutando. Para chegar no mercado atacadista, volumes imensos de produto devem ser transportados, o que dá um belo custo de transporte. Não comparei com o custo do varejo (e nem você), que deve transportar uma fatia muito reduzida daquela imensa produção para seus respectivos estabelecimentos. Assim sendo, não dá para argumentar sem analisar os dados. O fato é que ambos tem custo de transporte embutido no preço.
Sobre o custo do aluguel, o mesmo se aplica.
Sobre os demais serviços (ex: corte da carne), você tem razão.
De qualquer modo, você errou (errou feio, errou rude!) ao culpar os serviços pela discrepância gigantesca do IPCA Alimentos com o IPA Agrícola, quando na verdade tudo se deve às ponderações.
Aplicando o seu mesmo raciocínio (errado), "quem usa mais manipulação da carne", o alimento no lar ou fora do domicílio? Por que será que a diferença entre esses preços é tão pequena e com o IPA agrícola, absurda? Será apenas serviços? Não!São as ponderações! Corrija-se!
"Não comparei com o custo do varejo (e nem você), que deve transportar uma fatia muito reduzida daquela imensa produção para seus respectivos estabelecimentos."
Fatia muito reduzida? O produto desaparece no caminho? A capilaridade do varejo não te sugere nada? É mais caro transportar de caminhão ou van? Economias de escala te dizem alguma coisa?
"Sobre o custo do aluguel, o mesmo se aplica."
Ah tá, O aluguel da loja do Pão de Açúcar na Gabriel Monteiro da Silva custa o mesmo que um depósito em Barueri...
Corrija-se e pare de bá-blá-blá!
Tá ficando igual ao Oreiro!
Anônimo e Alex,
Conheço alguns pesquisadores aqui e daqui de Pernambuco. Mas, em qual área de interesse??
Todo mundo pode errar; o tempo está aí, para todos.
Somente não se pode é deixar de aprender,... eh, eh
Ângelo
Meus caros,
O PIMES tem um bom curso de economia (claro, não boto minha mão no fogo por todos os professores de lá). Posso citar o Raul Silveira e a Tatiane Menezes de cabeça. Mas tem mais gente boa por lá (os departamentos nordestinos tem melhorado muito nos últimos anos).
Alexandre,
Você poderia comentar a entrevista da Luiza Trajano no Manhattan Connection.
"Obviamente não, que pergunta..."
Sem contar que na época, eles estavam tentando trazer a inflação para a meta. Não para dentro da banda...
Abraços,
Faísca
Alexandre, corrija-se!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Ferreira e Fragelli dão uma bela mijada no Bresser e cia. No Valor de hoje.
Alex, olha alguma tabela de insumo produto, se diferenciar atacado e varejo então vc olha o uso do insumo transporte. Mas creio que você esteja certo mesmo.
Alex,
Ouvi um economista afirmar que no oligopólio há uma efetiva concorrência intercapitalista.
Isso procede?
É óbvio que não existe concorrência perfeita, mas sempre deve haver competição, não?
Corrija-se!!!!
Preciso entender: o varejista compra do atacadista, mas , de alguma forma, os custos são menores para o varejista do que para o atacadista.
Alguém criou o custo marginal negativo e diz para eu me corrigir, é isto?
Alex, e colegas, diante da ata do BC, aonde iremos parar?
13%aa ?
14% ?
Estes aumentos conta-gotas de meio em meio poderão reverter todo o resto?
Para cada prato de feijão precisa de um cozinheiro e um garçom.
Para cada saca de feijão (que corresponde a muitos pratos) precisa de um peão.
Para cada caminhão de feijão (muitas sacas) precisa de um motorista
Alex, não sou economista mas não tive nenhuma dificuldade em entender, portanto a questão não é de falta de boa técnica, mas de déficit cognitivo
"... entrevista da Luiza Trajano no Manhattan Connection ..."
Bobo sou eu ... Resolvi estudar e (tentar) falar português corretamente, além de aspirar uma profissão liberal ao invés de vender geladeira e fogão. Por que não fui ser Prático de Ancoragem de navio no porto ... 100K/mês, por baixo !
"A taxa de câmbio é invenção de Deus para humilhar os economistas. É imprevisível, pode ficar no mesmo patamar ou não",
Esta brilhante observação é do Luciano Coutinho. Mas pergunto, pq então os quermesseiros teimam em defender uma taxa de câmbio desvalorizada?
Daqui a pouco, quando mercado financeiro terminar de "meter" o país no corner, vão dar razão a você. Até então, a sua cruzada contra a política econômica não passava de impertinência e "pit-bullice". Vamos ver quem estava/está certo! Vamos ver o estrago para pôr novamente os bois na frente do carro!
E os 10% do garçom?
Será que a búlgara campineira vai dar vexame hoje em Davos? Merckel nela.
Onde estão os heterodoxos brasileiros que adoravam a experiência argentina? às vezes pintavam por aqui falando de certo um otimismo cauteloso com o modelo.
Acho que a Argentina verá volta do tango nesse século 21. Depressão, drama e lirismo são bons para a arte.
Dantas
e o PESO ARGENTINO, eihm ???
Já tungaram 17.5% ontem !!!
Por aqui ... o 2o. SEM, com eleição, vai ser aquela B@#$%TA que conehcemos da década de 80-90... lamnetÁvel
"Você poderia comentar a entrevista da Luiza Trajano no Manhattan Connection."
Putz, não vi, nem tenho vontade de ver. Alguém quer se dar ao trabalho?
Alex
vou resumir:
A Luiza feliz da vida com o programa minha casa melhor que salvou ela e todo o setor, repetia em histeria: não tem bolha, não tem bolha, não tem bolha.
O Mainardi foi o Mainardi.
E a repercussão foi ainda mais tediosa, feminismo, esquerdopatia, o de sempre.
Vc fez bem em não ver. Na verdade vc já viu.
Putz, não vi, nem tenho vontade de ver. Alguém quer se dar ao trabalho?
Luiza está achando ótimo receber empréstimo subsidiado do BNDES para vender produto chinês para clientes subsidiados do Minha Casa Minha Vida.
Se eu fosse ela também estaria achando ótimo este governo. Mas eu sou um mero pagador de impostos que está bancando a conta da festa dela.
Eu assisti a entrevista, ao vivo.
Particularmente, gostei. Foi uma entrevista de quem fez e faz, com sucesso.
Só discordo do tom imoderadamente otimista que ela adotou, contudo, entendo o motivo de tal.
Ângelo
Ja estou salivando, à espera da subida fenomenal dos juros no final de 2014 e em 2015, afinal, temos que transformar crises em grandes oportunidades! :)
INFLAÇÃO DE SERVIÇOS
Alex,
em 2010 eu me mudei de Belém/PA para Recife/PA. Contratei a Confiança Mudanças. Quase 2 mil quilômetros... Minha mudança custou 4.500,00.
Essa semana vou me mudar, aqui dentro de Recife mesmo. Na verdade, vou permanecer no mesmo bairro. A distância entre os dois apartamentos fica em torno de 4 km. A mobília, de 2010 pra cá, aumentou um pouco, é verdade, mas muito pouco. Pela mesma empresa, essa mudança custa hoje 5.500,00. Inflação absurda...
"...em 2010 eu me mudei de Belém/PA para Recife/PA. Contratei a Confiança Mudanças. Quase 2 mil quilômetros... Minha mudança custou 4.500,00.
Essa semana vou me mudar, aqui dentro de Recife mesmo. Na verdade, vou permanecer no mesmo bairro. A distância entre os dois apartamentos fica em torno de 4 km. A mobília, de 2010 pra cá, aumentou um pouco, é verdade, mas muito pouco. Pela mesma empresa, essa mudança custa hoje 5.500,00. Inflação absurda..."
Mas também contratou uma empresa de Belém!!!! Imagina o custo de levar os caminhões de Belém para Recife para fazer sua mudança em Recife (e depois levar de volta à Belém). Contrata uma empresa de Recife, mesmo!!!! 8)
Alex,
Obrigado por mais uma entrevista lúcida no Brasil econômico.
Espero que um dia suas entevistas tenham ressonância em Banânia.
Abraço
Li sua entrevista no Brasil Econômico. Você é critico da atual política de câmbio e congelamento de preços (combustível, utilities, tarifas, etc) do governo. Ao mesmo tempo, defende o cumprimento da meta de inflação. Pergunta: se não houver intervenções na política cambial é possível manter os preços do pãozinho, ônibus, remédios, entre outros, sobre controle, tendo em vista que são todos sensíveis ao Dolar?
"Pergunta: se não houver intervenções na política cambial é possível manter os preços do pãozinho, ônibus, remédios, entre outros, sobre controle, tendo em vista que são todos sensíveis ao Dolar? "
Já ouviu falar de oferta e procura?
Pô Jorge, tem o mundo de um lado e a Argentina do outro. Quem estará certo? Todo ato tem consequencias Jorge. Nesse caso nem são consequências tão secundárias e sim primárias.
"Pergunta: se não houver intervenções na política cambial é possível manter os preços do pãozinho, ônibus, remédios, entre outros, sobre controle, tendo em vista que são todos sensíveis ao Dolar? "
Eu sugeriria você procurar nos arquivos do blog alguns posts (bem didáticos) que analisam a atual situação da economia brasileira. Faz-se necessário fazer uma análise de equilíbrio geral e não parcial (e o Alex faz isto muito bem) para entender os problemas atuais que nós temos.
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