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segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Só acaba quando termina


A análise dos cenários para a inflação divulgados pelo BC sugere haver condições para redução da Selic até 4% ao ano. Para que isto se materialize, porém, o BC precisa dirimir dúvidas sobre a potência da política monetária.

O Banco Central divulgou seu Relatório Trimestral de Inflação na semana passada, detalhando o raciocínio por trás das decisões de política monetária e, crucialmente, incluindo suas projeções de inflação até o final de 2022. Tais previsões são construídas com base em quatro cenários no que diz respeito à evolução da Selic e da taxa de câmbio e, além de balizarem as escolhas do BC, também contêm informações relevantes para os analistas, em particular o espaço disponível para a redução adicional da taxa de juros, que poderia, a princípio, cair para 4% ao ano.

Para entender isto, consideremos inicialmente as premissas que embasam cada cenário contemplado pelo BC. O primeiro deles se pergunta o que ocorreria com a inflação caso a tanto a Selic quanto a taxa de câmbio ficassem constantes daqui até o Juízo Final (ou quando o Palmeiras finalmente ganhar um mundial, o que vier primeiro, se bem que o Juízo Final é favorito), respectivamente em 5% ao ano (o nível que prevalecia antes da última reunião do Copom) e R$ 4,20/US$ (a média na semana que antecedeu o Copom).

Premissas

Dez-19
Dez-20
Dez-21
Dez-22
R$/US$
4,15
4,10
4,00
4,00
% no ano
 (1,2)
 (2,4)
 (2,4)
 0,0
Selic
4,50
4,50
6,25
6,50
Pontos base
 (50)
 (50)
 125
150

O segundo cenário projeta a inflação sob a suposição que tanto a Selic quanto a taxa de câmbio sigam as trajetórias esperadas pelos economistas que contribuem para a pesquisa Focus. A tabela acima resume a evolução esperada de ambas as variáveis, em particular sugerindo que a Selic, já reduzida para 4,5% ao ano na semana passada, se encontraria no mesmo patamar ao final do ano que vem, mas com redução para 4,25% entre fevereiro e agosto de 2020.

Projeções de inflação
4Q19
1Q20
2Q20
3Q20
4Q20
1Q21
2Q21
3Q21
4Q21
1Q22
2Q22
3Q22
4Q22
(1) Selic e câmbio constantes
4,0
3,8
3,7
3,8
3,6
3,3
3,4
3,7
3,7
3,8
3,8
3,9
3,9
(2) Selic e câmbio de mercado
4,0
3,7
3,7
3,8
3,5
3,2
3,3
3,5
3,4
3,4
3,4
3,4
3,4
(3) Selic de mercado
4,0
3,8
3,8
3,9
3,7
3,4
3,5
3,7
3,7
3,7
3,6
3,6
3,5
(4) Câmbio de mercado
4,0
3,7
3,6
3,7
3,4
3,1
3,2
3,4
3,4
3,5
3,6
3,7
3,8
Efeito da Selic (3) – (1)
0,0
0,0
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,0
0,0
 (0,1)
 (0,2)
 (0,3)
 (0,4)
Efeito do câmbio (4) – (1)
0,0
 (0,1)
 (0,1)
 (0,1)
 (0,2)
 (0,2)
 (0,2)
 (0,3)
 (0,3)
 (0,3)
 (0,2)
 (0,2)
 (0,1)
Efeito combinado (2) – (1)
0,0
 (0,1)
0,0
0,0
 (0,1)
 (0,1)
 (0,1)
 (0,2)
 (0,3)
 (0,4)
 (0,4)
 (0,5)
 (0,5)

O terceiro cenário é uma mistura: considera a trajetória da Selic embutida na primeira tabela, mas mantém a taxa de câmbio “congelada” a R$ 4,20/US$. O último cenário é também híbrido, mas, no caso, “congela” a Selic a 5% ao ano e permite que a taxa de câmbio siga as previsões dos analistas.

A primeira conclusão importante da tabela diz respeito à inflação projetada para 2020 e 2021: em todos os cenários a inflação se encontra abaixo da meta para aqueles anos (4,00% e 3,75%), embora no caso de 2021 a diferença seja muito pequena nos dois cenários que mantêm a taxa de câmbio parada em R$ 4,20/US$. Tomadas ao pé da letra, tais previsões sugerem que a taxa de juros pode continuar caindo. Mas quanto?

O efeito da taxa Selic sobre a inflação nos modelos do BC pode ser inferido pela diferença entre o cenário (3) e o cenário (1): em ambos os casos a trajetória da taxa de câmbio é a mesma (parada em R$ 4,20/US$), logo a diferença na projeção de inflação só pode se originar da diferença na trajetória da taxa Selic. Em 2020 a diferença na projeção de inflação atinge 0,1% e em 2022 chega a 0,4%.

No cenário (3) a taxa Selic fecha 2020 em 4,50%, 50 pontos base abaixo da considerada no cenário (1), 5,00%, e passa seis meses 75 pontos base abaixo deste nível (de fevereiro a agosto, como notado acima), atingindo 6,25% no final de 2021, 125 pontos base acima da taxa de juros que prevalecia até a semana passada. É possível, portanto, concluir que o efeito de um aumento de 1% na taxa Selic, tudo o mais constante, reduza a inflação em algo como 0,2-0,3% (e vice-versa).

Já a comparação entre o cenário (4) e o cenário (1) isola o efeito da taxa de câmbio sobre a inflação, visto que a trajetória da Selic é a mesma em ambos. Fazendo um exercício similar ao exposto no parágrafo anterior podemos inferir que o efeito da desvalorização de 1% do real frente ao dólar eleva a inflação em algo como 0,08-0,09% no horizonte relevante.

Mantendo, pois, a interpretação literal das projeções do Copom para a inflação, considerando que no cenário (2) a inflação se encontra 0,5% abaixo da meta para 2020 (3,5% versus 4,0%) e 0,35% abaixo da meta para 2021 (3,4% versus 3,75%), haveria espaço para o BC reduzir a Selic para 4% ao ano e, ainda assim, se manter alinhado à trajetória de metas.

Há, porém, mais coisas entre o céu e a terra do que os modelos conseguem capturar, fatores que o BC inclui em seu chamado “balanço de riscos”. São fenômenos que puxam a inflação acima ou abaixo do indicado pelas previsões do modelo, mas que, seja por sua natureza recente, seja por limitações dos dados, não podem ser devidamente incorporados a ele.

Em sua comunicação o BC enfatizou desenvolvimentos nos mercados de crédito e de capitais que podem aumentar a potência da política monetária. Neste caso, o impacto sobre a inflação de uma redução adicional da Selic seria maior do que os 0,2-0,3% hoje implicado pelos modelos. Não é por outro motivo que o último parágrafo da ata do Copom abre com “O Copom entende que o atual estágio do ciclo econômico recomenda cautela na condução de política monetária.

Dado, porém, que a próxima decisão sobre a Selic só ocorrerá em fevereiro, creio haver tempo suficiente para dirimir boa parte das dúvidas do comitê acerca do impacto da redução adicional da taxa de juros sobre a inflação. Estamos perto do fim do longo ciclo de afrouxamento monetário, mas parece ainda haver espaço para que a Selic ainda caia sem prejuízo para o controle da inflação.




(Publicado 26/Dez/2019)

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

É!


Ao contrário do que afirma o slogan, água é sim uma mercadoria e é sob esta ótica que temos as melhores condições de prover água limpa e saneamento, ainda que com regulamentação e subsídios.

“Água é um direito; não uma mercadoria”. Foi com este slogan que os partidos de esquerda no Congresso Nacional rejeitaram o novo marco regulatório do saneamento. Por ser essencial à vida, água não deveria, segundo esta visão, ser objeto de produção mercantil. Como de hábito, esta perspectiva não corre qualquer risco de estar certa.


Propriedade bem definida
Propriedade mal definida
Rival
Bens privados (comida, bicicletas, computadores)
Bens comuns (parques, mar)
Não-rival
"Clubes" (TV a cabo, teatro)
Bens públicos (segurança, justiça, defesa)

De acordo com suas características, bens podem ser classificados como “rivais” ou “não-rivais”. Bens rivais são definidos como aqueles cujo consumo por alguém torna impossível o consumo para os demais. O almoço que devorei há pouco, por exemplo, é um bem rival: o que comi não está disponível para ninguém mais. O mesmo se aplica ao computador no qual escrevo estas mal traçadas.

Há, em contraste, bens cuja utilização por alguma pessoa não previne seu uso pelos demais (não-rival). Informação é um exemplo óbvio. Este artigo pode ser lido por mais de uma pessoa ao mesmo tempo (espero que sim!), sem que o consumo de uma afete os das demais. Outros exemplos incluem a defesa do país, a segurança pública, ou uma série, num serviço de streaming.

Já pela ótica institucional, bens podem ter direitos de propriedade bem definidos ou mal definidos. Não há dúvida sobre quem pertence minha casa, ou, ainda mais importante, minha bicicleta. Por outro lado, uma área comum (um parque, ou o mar) não tem um “dono”. Todos podem utilizá-la sem pagamento, o que caracteriza a fraqueza do direito de propriedade.

Quando os bens não são rivais e os direitos de propriedade são fracos, temos o caso de bens públicos: o estado fornece serviços como defesa (um exército), ou segurança (policiamento), se financiando por meio de impostos.

Há bens não-rivais, mas com direitos de propriedade melhor definidos. Assinamos os serviços de streaming, ou TV a cabo, por exemplo, para ter acesso (legal) a estes bens, o que os caracteriza como bens de clube. Ocorre, claro, pirataria em algum grau, porque nem sempre é possível fazer valer 100% do direito de propriedade.

Temos também bens rivais, mas cuja propriedade não é bem definida. Quando meu carro está na Marginal Pinheiros às 18:00 ele ocupa um espaço que não pode ser ocupado por outro veículo. Todavia, como nada me custa ocupar este espaço, nem aos demais, tipicamente ignoramos os custos impostos a terceiros pelo uso deste bem (espaço na Marginal).

O resultado típico de bens rivais cujo direito de propriedade é mal definido é a sobreutilização destes recursos, no caso, congestionamentos, mas que, de maneira geral, são caracterizados como a Tragédia dos Comuns, isto é, utilização exagerada de um recurso escasso devida a incentivos incorretos. O fracasso da COP25 esta semana ilustra uma das facetas deste dilema: sem direitos de propriedade bem definidos sobre a emissão de carbono (os créditos de carbono, por exemplo), a racionalidade individual leva à produção além do ótimo social.

Já no caso de bens rivais, mas com direitos de propriedade bem definidos, vale a relação mercantil. O que a teoria econômica sugere desde Adam Smith, também validado pela experiência histórica, é que a produção de bens cujo consumo seja exclusivo e cujos direitos de propriedade sejam fortes, a melhor forma de organização da produção é mercantil, isto é, para usufruir de um bem não rival, o consumidor deve pagar ao produtor.

Sob certas circunstâncias, em particular competição (mais sobre isto num segundo), é possível demonstrar que esta forma de organização da produção e de consumo tipicamente gera os melhores resultados possíveis em termos de provisão destes bens. É precisamente por isto que, ao entrarmos num supermercado, temos uma enorme variedade de coisas à nossa disposição, enquanto um venezuelano, norte-coreano, ou cubano, como regra, só encontra prateleiras vazias.

Como deve ficar claro a esta altura do texto, a água é um bem rival. Ao usá-la, para qualquer fim, impeço que outros a utilizem. Da mesma forma, direitos de propriedade são bem definidos, sem o que haveria sobreutilização de um recurso valioso (basta imaginar o desperdício que haveria se nada fosse cobrado por ela). Água é, portanto, sim uma mercadoria e é isto que garante sua disponibilidade para o consumo.

Cabem, todavia, ressalvas. A começar que a distribuição de água é um monopólio natural. É puro desperdício duplicar (ou triplicar) a rede de distribuição para criar competição. Neste caso, como em qualquer monopólio, cabe um papel central para a regulação, que deve manter o equilíbrio entre os incentivos para a produção e os limites à exploração do poder monopolista. Como resolver este problema é tarefa que deixo para meus colegas microeconomistas.

Não menos importante, há consequências da provisão destes bens (água limpa e saneamento) que vão além de lucros gerados pelas concessionárias e mesmo do bem-estar de quem paga por estes serviços. A saúde da população melhora além daquilo que cada um está disposto a pagar, o que, em jargão da profissão, significa uma “externalidade positiva”. Neste caso, faz sentido subsidiar a provisão destes bens para que o comportamento individual seja congruente com o benefício social.

Posto de outra forma, mesmo que a provisão de água e saneamento seja privada, cabe definir tarifas, em particular para a população mais pobre, que encorajem seu uso.

Só não é possível manter o status quo atrás de slogans vazios, cujo maior feito até agora foi manter quase metade da população brasileira sem acesso a saneamento.


(Publicado 18/Dez/2019)

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Condenado à reforma


Os números mais recentes de atividade, notadamente o PIB, sugerem alguma aceleração que deve se materializar em crescimento algo mais vigoroso em 2020, impulsionado principalmente pela redução da taxa real de juros. A batalha, contudo, não está ganha e o país precisa manter o esforço reformista.

A divulgação do resultado do PIB do terceiro trimestre trouxe certo alento. Em conjunto com a revisão do número para 2018 (de 1,1% para 1,3%) implicou melhora das projeções para o crescimento de 2019, da faixa de 0,9-1,0%, para 1,1%. Não se trata, claro, de nada que nos faça ulular de alegria, mas considerando que havia quem apostasse em “recessão técnica” (um conceito ultrapassado, mas surpreendentemente resistente) este ano, a modesta aceleração do ritmo de expansão nos últimos dois trimestres é uma boa notícia.

A questão mais importante, todavia, não é o que aconteceu em 2019 (já estamos em meados de dezembro!), mas sim saber se “agora vai”. Há certo consenso acerca de um ritmo na casa de 2,0-2,5% para o ano que vem, mas não é menos verdade que há um ano também esperávamos (e definitivamente me incluo no grupo) expansão desta ordem para 2019, agora frustrada. Por que haveríamos de estar certos na atual conjuntura?

Expansão IV-2016 a III-2019 (preços constantes de III-2019)

% aa
R$ bi
Agropecuária - total
5,1%
 10,6
Indústria - total
1,1%
 9,8
Serviços - total
1,6%
 48,5
Valor adicionado a preços básicos
1,6%
 68,2
PIB a preços de mercado
1,7%
 84,0
Despesa de consumo das famílias
2,4%
 75,2
Despesa de consumo da administração pública
-0,3%
- 2,8
Formação bruta de capital fixo
3,8%
 27,9
Exportação de bens e serviços
2,1%
 14,2
Importação de bens e serviços (-)
5,9%
 40,1

Começo notando que na dinâmica de recuperação cíclica (diferentemente do crescimento potencial, ou de longo prazo) o principal impulso vem da retomada do consumo das famílias, que desde o final da recessão (no último trimestre de 2016) cresce a pouco menos de 2,5% ao ano, expansão equivalente a R$ 75 bilhões no período. Embora o investimento (apelido da “formação bruta de capital fixo”) apresente um crescimento um pouco mais rápido, algo inferior a 4% ao ano, muito por força dos últimos dois trimestres, em termos absolutos sua contribuição para o aumento da demanda é bem menor, R$ 28 bilhões no mesmo período, cerca de 1/3 da contribuição do consumo das famílias.

Mesmo considerando uma provável aceleração do investimento, não esperamos um padrão muito distinto à frente. O consumo, impulsionado pela queda da taxa real de juros e pela expansão da renda do trabalho deve seguir como principal motor de aumento da demanda interna, responsável como algo perto de 2/3 de seu crescimento, o restante se originando do investimento, dado que o consumo do governo deve ficar aproximadamente constante.

O crucial é que ambas as forças dão sinais de estarem firmemente enraizadas neste momento. O consumo, conforme notado, pela queda do juro real e pelo aumento seguro, embora não muito rápido, da renda do trabalho. Já o investimento, à parte a queda das taxas longas de juros, é também estimulado pela melhora da perspectiva de evolução da dívida pública, de certa estabilidade nos próximos anos, em direto contraste com a vertiginosa expansão dos últimos 5-6 anos.

O risco de desenvolvimentos negativos nesta frente caiu bastante, ainda que não tenha sido eliminado. Como temos insistido, a estabilização definitiva da dívida requer a continuidade do processo reformista no campo fiscal. Sem isto, a perspectiva de reversão do endividamento se torna bem mais remota e os receios quanto à sustentabilidade da dívida pública podem aflorar novamente, com efeitos negativos sobre o desempenho do investimento e, portanto, da recuperação.

O crescimento na faixa de 2-2,5% deve levar a uma modesta queda da taxa anual de desemprego, de 12% em 2019 para algo abaixo de 11,5% em 2020, talvez a faceta mais importante para a população em geral. A manutenção do desemprego ainda elevado e as expectativas de inflação bem controladas devem manter a inflação abaixo da meta no ano que vem, apesar das pressões pontuais no fim deste ano, permitindo ao BC provavelmente alguma redução adicional da Selic no primeiro trimestre e sua manutenção ao redor de 4% durante 2020.

Não há ainda louros sobre os quais descansar. A perda de ímpeto reformista pode ser apenas uma questão sazonal, já que a atividade parlamentar normalmente decai no final do ano, ou sinal de receio do Executivo quanto ao seu êxito à luz da crise chilena. Espero, para nosso bem, que seja a primeira alternativa, porque não me restam dúvidas que o país segue condenado a se reformar.




(Publicado 11/Dez/2019)

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Jogo de soma negativa


O protecionismo, ao ameaçar a viabilidade das cadeias de suprimentos, desempenha papel central na desaceleração econômica global, cujos reflexos sentimos no Brasil por meio do preço das commodities e do dólar. É ilusão achar que haverá ganhadores neste jogo.

A semana começou com uma surpresa nada surpreendente: o presidente Trump, contrariado com a desvalorização recente do real e do peso argentino, anunciou que irá recolocar tarifas sobre importações de aço e alumínio destes países, reforçando o protecionismo que tem sido a marca registrada de seu governo no campo econômico. Não nos escapa a ironia, à luz dos esforços da diplomacia (na falta de melhor termo) nacional para se alinhar aos EUA, que o Brasil se encontre na linha de fogo da guerra comercial, mas não é exatamente disto que pretendo falar hoje.

Há uma desaceleração da economia mundial em curso. O FMI estima o crescimento em 2019 na casa de 3% e projeta a expansão de 3,4% em 2020, não apenas bem abaixo do registrado nos últimos anos (3,8% em 2017 e 3,6% em 2018), mas também inferiores às previsões feitas no início do ano.

Muito embora as chances desta desaceleração resultar em recessão global sejam percebidas como menores do que há um ou dois meses, seus efeitos já são sentidos. Desde maio deste ano as estimativas do CPB (Netherlands Bureau for Economic Policy Analysis) sugerem encolhimento do comércio internacional, o que não ocorria desde o final de 2009 (mas, noto, numa escala incomparavelmente menor do que a registrada durante aquela crise) e muito provavelmente fecharemos 2019 com a primeira redução no volume de comércio desde aquele ano.

Fonte: CPB

Não é por outro motivo que a produção industrial global também se encaminha para seu pior resultado desde 2009, embora mais uma vez destacando que estamos longe daquele quadro recessivo. Como o setor é bem mais exposto ao comércio internacional do que no caso dos serviços, esta dinâmica é consistente com o fenômeno de retração acima descrito. Assim, países cuja expansão esteja mais ligada ao setor exportador (como, por exemplo, Alemanha, Japão e Coreia do Sul) têm, como regra, um desempenho pior.

Todavia, os efeitos mais importantes parecem ir além do impacto direto das exportações sobre o produto. Os últimos 30 anos testemunharam um crescimento extraordinário do comércio internacional em paralelo ao aprofundamento de cadeias globais de suprimentos, que exploraram o princípio das vantagens comparativas como em poucos momentos da história, partindo da premissa que a globalização viera para ficar.

Em face, porém, do aumento do protecionismo a viabilidade de uma série de cadeias produtivas fica ameaçada. Talvez ainda mais importante, a formação de novos elos é prejudicada pela incerteza advinda da guerra comercial, levando ao adiamento, quando não o cancelamento de planos de investimento.

Posto de outra forma, em adição ao impacto direto da perda de fôlego das exportações, principalmente as industriais, temos também o impacto indireto, mas não menos relevante, de queda do investimento, forças que se encontram na raiz da desaceleração global.

O Brasil, como se sabe, tem participação apenas marginal neste fenômeno, dada nossa baixa inserção comercial, bem como o lamentável crescimento de nossa produtividade. No entanto, sofre, além do impacto da menor expansão global, com a queda do preço das commodities, reflexo da desaceleração chinesa, o principal consumidor destes produtos.

Assim, à parte o caso das carnes, que resulta dos problemas com o abastecimento na China, os preços de commodities registram queda de 6% no ano, conforme notado na semana passada, embora na ponta a redução se encontre mais próxima a 6,5%. Muito da desvalorização do real se deve, como argumentamos, a este fenômeno.

Obviamente não deixa de ser curioso, para fechar o círculo, que o enfraquecimento do real, assim como o das moedas de países exportadores de commodities, reflita precisamente o impacto negativo do crescente protecionismo sobre o crescimento global.  Protecionismo parte da premissa errada do comércio internacional como jogo de soma zero; quando aprofundado, vira um jogo de soma negativa.


War Games


(Publicado 4/Dez/2019)