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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

E só Carolina não viu

Sempre gostei de filmes que envolvam viagem no tempo, quase tanto quanto de qualquer um que mostre uma nave espacial. Resquício do “Túnel do Tempo”, série que acompanhava dois cientistas perdidos no tempo. Hoje, porém, para acompanhar economistas presos nesse labirinto não preciso sequer ligar a TV.

A começar pela abordagem à Economia. Ao contrário dos economistas mais caretas, muito presos a convenções como lógica, modelagem de suas teses, e teste delas contra a evidência empírica, os aventureiros do tempo preferem um abordagem mais aberta, mais solta, assim, um lance de pele... Afinal de contas, o domínio econômico é, tipo, um ente orgânico, vivo, em constante evolução, porque as pessoas são, assim, complexas e multifacetadas, que às vezes fazem coisas de um jeito, às vezes de outro, às vezes não fazem, e chegam mesmo a fazer demais. E aí, cara, pode acontecer de tudo... Ou não.

Para usar um exemplo à mão, qual seria o efeito de um aperto (verdadeiro) da política fiscal sobre a taxa de câmbio? Segundo os perdidos no tempo, qualquer coisa. Afinal de contas, argumentam, uma política fiscal mais apertada poderia reduzir a percepção de risco do país, elevando o influxo de capitais, o que faria a taxa de câmbio se desviar ainda mais de seu valor de equilíbrio.

Como este pessoal acredita na doença holandesa não é possível descartar, a priori, o uso de substâncias liberadas naquele país para se chegar a uma conclusão tão orgânica, viva, e em constante evolução. Em primeiro lugar pela insistência na suposição que a taxa de equilíbrio seja uma grandeza fixa (cujo valor exato, não duvidem, os aventureiros conhecem até a quinta casa). Não me escapa a ironia dos perdidos no tempo, tão ciosos dos seus lances de pele, não considerarem a possibilidade da taxa de câmbio de equilíbrio se alterar em resposta a variáveis como termos de troca, ou a própria avaliação de risco de solvência.

Vale dizer, caso a melhora de política fiscal reduza a percepção de risco e, por meio desta, leve à apreciação de câmbio, não se trata mais de desvio com relação ao câmbio de equilíbrio, mas alteração deste último como resposta à melhora dos fundamentos da economia. Aliás, é bom que assim o seja. De outra forma, o corolário do “argumento” acima, é que – para desvalorizar o câmbio – o país deveria promover uma deterioração significativa de sua política econômica (que tal uma guerra civil? Com certeza implicaria câmbio mais depreciado).

Falhas lógicas à parte (que lance mais careta), resta a questão empírica. Parece razoável imaginar que uma política fiscal mais apertada diminua a percepção de risco, mas sem que se meça (mais careta ainda) este impacto, a afirmação não tem grande conteúdo para fins de análise econômica.

Considere, contudo, o seguinte. Hoje o risco-Brasil para um período de 12 meses equivale a uma acréscimo de cerca de 0,65% ao ano sobre a taxa de juros americana para o mesmo horizonte. O Chile, paradigma de caretice econômica no continente, apresenta risco-país da ordem de 0,17% ao ano. Se, num laivo de imaginação, a política fiscal brasileira se igualasse à chilena poderíamos reduzir nosso risco em... 0,48% ao ano! Mesmo no caso mais otimista o efeito seria, grosso modo, equivalente a uma queda de 50 pontos da taxa de juros. Enorme, não?

Curiosamente, tal efeito seria relevante quando o risco de insolvência era alto, mas, caso alguns não tenham percebido, já superamos esta fase. O tempo passou na janela, e só Carolina (que se considera tão atenta à história) não viu.

(Publicado 28/Out/2009)

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Acelerar o investimento ou o aumento dos juros?

O que de melhor poderia acontecer com o retorno do IOF sobre investimentos estrangeiros é que, a exemplo do ocorrido em 2008, ele não consiga atingir os fins a que se propõe. Apesar das justificativas acerca de receios associados à possível formação de uma “bolha” no mercado acionário, pouco se fez para disfarçar que o objetivo da medida é mesmo reverter o processo de apreciação do real. Entretanto, para que isto aconteça, é necessário que o IOF consiga, de fato, impedir a entrada de capital estrangeiro, o que pode gerar implicações não tão agradáveis.

Ao contrário da experiência anterior, desta vez o IOF passou a ser cobrado sobre ingressos de estrangeiros em Bolsa de Valores. Assim, caso a medida tenha sucesso, espera-se que a entrada de recursos neste mercado caia. Isto, porém, significa privar empresas de recursos que poderiam obter por meio do aumento do seu capital, tipicamente associado ao financiamento do investimento.

Os efeitos negativos, porém, não param por aí. Preços mais elevados para ações representam um poderoso incentivo ao investimento, pois o aumento do preço do estoque de capital existente torna mais atraente a criação de novo capital, a própria definição de investimento.

Na verdade, do ponto de vista da consistência macroeconômica, limitar o ingresso de capitais terá consequências negativas. Não deveria ser segredo que o país enfrenta desafios enormes no que diz respeito à formação de capital. Seja pelas necessidades de infra-estrutura (agora aumentadas pelos eventos de 2014 e 2016), seja pela exigência de recursos relacionada à exploração do pré-sal, há urgência na aceleração do investimento, num país cuja poupança se limita a 15% do PIB. Na ausência de um ajuste fiscal digno deste nome a alternativa que resta é a poupança externa, a mesma que o IOF pretende afugentar.

De forma equivalente, a restrição à entrada de capitais implica fazer com que a expansão da demanda doméstica tenha que ficar mais próxima do limites dado pelo crescimento potencial. Assim o aumento de juros pode ocorrer ainda antes do que seria necessário. Irônico, não?

(Publicado 21/Out/2009)

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Comentário do Irineu de Carvalho Filho

O Irineu mandou o seguinte comentáro ao post anterior. Sozinho vale um post.
* * *
Além dos problemas operacionais da proposta do Professor Oreiro que você já discutiu, existem outros problemas mais profundos, que demonstram falta de reflexão sobre processos históricos e de economia política, algo irônico em se tratando de um economista que se entende como heterodoxo.

Vejamos, o objetivo do professor é recuperar a competitividade da indústria manufatureira brasileira, que teria sido prejudicada pela apreciação cambial. A premissa, compartilhada por economistas como Dani Rodrik, é que o Brasil sendo um país em desenvolvimento (não é), existem falhas de mercado que impedem o desenvolvimento de nossa manufaturas. Para tanto, ele sugere políticas econômicas que dentro de sua argumentação causariam uma depreciação da taxa de câmbio efetiva (que eu acredito ele define implicitamente como a razão de nosso índice de preços em dólar com os preços de nossos parceiros comerciais).

Mas este é um erro conceitual. A variável que de fato dita a competitividade de nossa indústria não é o preço relativo dos bens que nós consumimos, mas sim os custos unitários do trabalho em dólar relativamente a nossos parceiros comerciais. Estes custos dependem crucialmente de fatores como o nível do salário mínimo, do salário de reserva e dos custos extra-salário, que pelo menos na base da distribuição de salários e no setor formal da economia são variáveis de política.

Mas aqui mora a ironia. O professor ignora a história e a economia política brasileira. Existe um consenso em nossa sociedade, que certamente vai ser refletido na política econômica de qualquer grupo político no poder, que o Estado deve agir para reduzir nossa desigualdade e aumentar a participação dos salários na renda nacional, principalmente aqueles da maioria de trabalhadores com menor qualificação. Deste consenso emanam várias políticas públicas desde a Nova República que com diferentes graus de efetividade visavam reduzir a concentração de renda ou consumo: a aposentadoria rural, o programa do leite, o aumento do salário mínimo real, a expansão da rede de proteção social, o Bolsa Família etc.

Não tenho dúvidas, este objetivo é nobre, e certamente vai ser uma diretriz básica de nossa política econômica desde que continuamos sendo uma democracia. Mas esse objetivo está em direta contradição com a competitividade em setores da indústria manufatureira intensivos em mão-de-obra.

Minha opinião é que a escolha já foi feita: desde que o Brasil se tornou uma democracia, tanto os eleitores quanto a classe política têm demonstrado com votos e escolhas de política econômica que nossa prioridade (como alguns gostam, nosso projeto nacional) é melhorar a distribuição funcional e pessoal de renda, não competir com as Chinas do mundo na fabricação de roupas ou sapatos.

Então, posso agora concluir com uma metáfora: o professor Oreiro está esgrimindo contra moinhos de vento como se fossem dragões e a vasta maioria dos brasileiros torce para os moinhos e não tem medo de dragões.

Abraços,

Irineu de Carvalho Filho

* * *

P.S. (do Alex)

O Rogerio Ferreira entrou na discussão e escreveu um artigo aqui. Fica a referência e o convite para o Autovetor.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Para fugir do Dr. Einstein

Dizia Einstein que a definição de insanidade consiste em fazer as mesmas coisas, do mesmo jeito, e esperar que os resultados sejam diferentes. Lembrei-me disto ao ler artigo publicado na semana passada acerca da possibilidade do Tesouro passar a intervir no mercado cambial com o objetivo de evitar a apreciação do câmbio. Visto que a intervenção ocorreria da mesma forma que a praticada pelo Banco Central, se há quem espere um resultado distinto, o Dr. Einstein não se furtaria a alguns minutos de conversa e uma bela dose de haloperidol. Vamos entender o porquê.

Ao adquirir dólares o BC deposita reais na conta do banco vendedor, que não deixa estes recursos ociosos, mas tenta emprestá-los, trocando-os por títulos públicos, levando assim à queda da taxa de juros. Entretanto, como o BC tem uma meta para a taxa Selic, determinada pelo Copom, ele está comprometido a tomar e emprestar recursos ao mercado àquela taxa (hoje 8,75% a.a.). Assim, caso a taxa de juros caia abaixo da meta, o banco sempre pode optar por emprestar este dinheiro ao BC a 8,75%, na prática comprando dele títulos públicos presentes em sua carteira, reduzindo assim a liquidez.

Isto ocorreria até que a taxa de juros de mercado voltasse a ficar igual à meta da Selic, ou seja, quando toda a moeda criada pela compra de dólares fosse reabsorvida pelo BC. Esta forma de intervenção, caracterizada pelo “enxugamento” da liquidez criada pela compra de moeda estrangeira, é chamada de “esterilizada”, pois o BC torna os reais “estéreis” (no sentido bíblico do termo) ao trazê-los de volta para seus cofres.

Agindo desta forma o BC consegue comprar dólares sem pôr em risco a meta para a inflação. Não consegue, contudo, evitar a apreciação cambial. Poderia fazê-lo se optasse por não enxugar os reais emitidos para adquirir moeda estrangeira, mas, nesta hipótese, não teria como perseguir a meta de inflação.

Ou pelo menos era o que se pensava até economistas (?) pátrios descobrirem a pedra filosofal, afirmando que caso fosse o Tesouro a comprar os dólares, não haveria criação de liquidez. Assim o BC poderia ainda buscar a meta de inflação e a moeda se desvalorizaria.

Este raciocínio (se é que podemos assim chamá-lo) perde de vista que o Tesouro tem que obter os recursos para comprar dólares de apenas três fontes. Ele poderia, por exemplo, sacar reais da Conta Única que mantém no BC, mas isto criaria liquidez adicional que, se não enxugada, ameaçaria a meta de inflação, replicando rigorosamente a situação acima descrita.

Alternativamente o Tesouro emitiria títulos, receberia os reais e os usaria para comprar dólares. Bastam, porém, dois neurônios para concluir que se trata da mesma operação anterior, exceto que a venda de títulos agora precede a compra de dólares; quer dizer, em ambos os casos faríamos a mesma coisa, do mesmo jeito. Apenas na ausência de haloperidol pode-se imaginar isto traria algum resultado diferente do que obtemos hoje.

Resta a terceira alternativa: o aumento do superávit primário para comprar dólares. Neste caso não haveria criação de liquidez e as compras poderiam desvalorizar a moeda. Isto, todavia, ocorreria mesmo sem a compra de dólares, pois o superávit mais alto levaria à queda da taxa de juros necessária para se atingir a meta de inflação. Ou seja, se alguém quer enfraquecer o real, basta adotar uma política fiscal oposta à que temos posto em prática. É mais eficiente do que botar duas instituições governamentais batendo cabeça no mercado de câmbio e, principalmente, evitaria a visita ao Dr. Einstein.

(Publicado 14/Out/2009)

terça-feira, 6 de outubro de 2009

A magnitude do ajuste à frente

Querem saber o tamanho provável do ajuste fiscal que nos espera?

Então leiam isto.

sábado, 3 de outubro de 2009

Por que organizar os Jogos Olímpicos?

Esta conversa começou nos comentários ao post anterior acerca dos custos e possíveis benefícios econômicos de organizar os Jogos Olímpicos. Um comentarista anônimo (A.) me passou a referência do seguinte artigo do Andy Rose, cuja conclusão reproduzo abaixo.

"The motivation for hosting a mega-event like the Olympics seems elusive to economists. Plausibly measured net economic benefits are rarely large and typically negative; claims of non-economic benefits are difficult to verify. Yet in practice countries compete fiercely for the right to host such events. Why? Our recent research identifies one potential explanation; countries that host the games enjoy a substantive permanent increase in trade – the “Olympic Effect.” Similar increases in openness are observed for countries that host other mega-events, such as the World Cup and, until recently, World's Fairs. But while hosting a mega-event is sufficient to boost trade, it is not necessary. In practice, we find that countries that bid for the Olympics unsuccessfully also experience a boost in trade, comparable to that received by actual Olympic hosts. This finding implies that the Olympic Effect on trade does not stem from a change in economic fundamentals, caused by the activity or infrastructure associated with hosting the Olympics. Instead, our empirical findings suggest that bidding for the Olympics is a costly policy signal that is followed by future liberalisation. For a country pursuing a trade-oriented development strategy, such an outcome would clearly be attractive."

Ou seja, o efeito sobre comércio, de acordo com o paper original parece vir de uma decisão anterior de engajamento em integração e liberalização comercial, cuja sinalização (custosa, portanto crível) se daria por meio do processo de candidatura à organização dos Jogos. O curioso, portanto, é que - orgulho nacional à parte - o melhor parece ser se candidatar (e sinalizar o engajamento) e perder (o que poupa os custos), embora, é óbvio, houvesse uma forma segura de fazer isto a própria sinalização perderia força.

Honestamente, não sei se é este mesmo o mecanismo, mas a abordagem é original e inteligente. Comentários?