teste

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Para cortar a taxa de juros


A taxa Selic foi reduzida para 6,5% ao ano no dia 21 de março de 2018 e ficou parada desde então. É provável que na próxima reunião do Copom, no dia 20 março de 2019, a taxa complete um ano de duração, o que só ocorreu uma vez na história, precisamente no último ciclo de aperto monetário, quando o BC manteve a Selic estável de julho de 2015 a outubro de 2016.

Há, todavia, uma discussão em curso acerca da conveniência de redução adicional da taxa de juros, dada a fragilidade da recuperação da economia, percepção reforçada pelos números mais recentes de atividade.

A ata da reunião do Copom, divulgada na semana passada, porém, não parece dar grande suporte a esta possibilidade. A afirmação sobre “serenidade e perseverança nas decisões de política monetária”, presente tanto lá quanto no comunicado que se seguiu à reunião, foi interpretada como sinalização da intenção de manter a Selic nos atuais níveis por um longo período, certamente não como indicativo de disposição para o corte.

Como ainda não inventaram um jeito de a taxa de juros afetar a inflação passada, as decisões de política monetária são sempre tomadas com base na construção de cenários acerca do comportamento da economia num horizonte de 12 a 24 meses (no caso atual, olhando para a inflação de 2019 e 2020, com peso maior, porém decrescente, no primeiro ano).

O Copom divulga dois cenários: um que contempla a evolução esperada da inflação caso a Selic e a taxa de câmbio permaneçam inalteradas ao longo de todo horizonte de projeção e outro supondo que a Selic e a taxa de câmbio sigam as trajetórias esperadas pelos economistas que contribuem para a pesquisa Focus.

Como não há praticamente distinção entre a evolução esperada do dólar em cada cenário, a diferença da inflação projetada se deve apenas às premissas distintas para a Selic ao longo do horizonte: no primeiro cenário a taxa, como notamos, permaneceria em 6,5% ao ano para sempre; no segundo começaria a subir no início de 2019 até atingir 8% ao ano em meados do ano que vem. Em ambos os casos, a inflação prevista para 2019 fica em 3,9%, algo abaixo da meta para 2019 (4,25%). Já para 2020, a inflação com o juro parado ficaria em 4%, precisamente na meta para 2020, enquanto no cenário com juros em elevação cairia para 3,8%, portanto abaixo da meta.

A primeira conclusão que se depreende destes números, portanto, é que o aumento de taxa de juros no ano que vem seria desnecessário. Em tese, ao menos, o BC poderia manter a Selic em 6,5% não só este ano, mas também em boa parte do ano que vem e entregar a inflação ainda na meta.

Já para cortar adicionalmente a taxa de juros, seria necessário que as projeções de inflação, tanto para 2019 como para 2020, também se reduzissem. Isto pode ocorrer, em parte porque o elevado nível de ociosidade – particularmente desemprego – tem levado a seguidas leituras da inflação abaixo do esperado, fenômeno reconhecido pelo BC.

Mais relevante, porém, é a evolução esperada das contas públicas nos próximos anos. Caso haja motivos para crer que o enorme desequilíbrio observado a partir de 2014 seja corrigido em prazo razoável, novas previsões de inflação cairiam, abrindo espaço para a redução adicional da Selic.

O nome de jogo é “reforma”. O BC entendeu isto, mas para outros analistas, que, em sua própria e modesta opinião, se consideram sofisticadíssimos, a ficha ainda não caiu.




(Publicado 20/Fev/2019)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Mande buscar outro, lá no Piauí


Continuamos à espera da nova proposta de reforma da previdência, que – segundo decisão acertada de Rodrigo Maia – deverá passar por todo rito associado a emendas constitucionais, com direito a debates na Comissão de Constituição e Justiça, bem como em comissão especial, assim como no caso do projeto ora em discussão. Isto significa que as chances de aprovação da reforma ainda no primeiro semestre do ano são baixas, o que não é necessariamente um problema, desde que as perspectivas que o tema avance no Congresso sejam boas.

De qualquer forma, estamos muito próximos do momento em que o novo governo deverá explicitar seu plano. Já houve vazamentos de minutas, assim como desmentidos, ou seja, nada muito diferente do que se espera em torno daquela que será, sem dúvida, a medida mais importante do ponto de vista de política econômica neste momento.

A definição aguarda a recuperação do presidente, após a cirurgia no começo do ano. Não se sabe ainda o que ele pensa a respeito, mas não falta quem se proponha ao papel de porta-voz. De acordo com “assessores”, citados pelo Pravda, perdão Valor Econômico, “Bolsonaro tem defendido que a reforma precisa considerar as diferenças regionais do país e costuma citar, por exemplo, que é difícil estabelecer 65 anos no Piauí, onde a expectativa de vida é 69 [anos]”.

Independentemente de isto refletir (ou não) a visão presidencial, é necessário retornar a um ponto sobre o qual já escrevi no passado, mas que segue como um dos temas de mais difícil entendimento quando se discute a questão previdenciária: a diferença da expectativa de vida ao nascer e a expectativa de vida condicionada à idade.

No Brasil a expectativa de vida ao nascer é 76 anos (https://tinyurl.com/y6hwgj9u), mas este número é muito afetado pela mortalidade infantil e violência, que aflige principalmente homens jovens. Quando, porém, se chega aos 46 anos, a expectativa de vida sobe para 80 anos, atingindo quase 84 anos quando pessoas se aposentam por idade (aos 65 anos), um tanto abaixo da Dinamarca e um pouco melhor do que a República Tcheca, em linha com Argentina, México e Polônia, como se pode aprender com o excelente estudo de Gabriel Nemer e Carlos Góes para o Instituto Mercado Popular (https://tinyurl.com/y23sx8uq).

O mesmo estudo nota que não há grandes diferenças entre os estados no momento da aposentadoria: em todos a expectativa de vida aos 65 anos supera os 80 anos (por pequena margem em Rondônia e vai até 85 anos no Espírito Santo).

Já outro trabalho, de Rogério Costanzi e Gabriela Ansiliero para o Ipea (https://tinyurl.com/y5j9jhsw), citado pelo infatigável Pedro Nery, aponta para diferenças gritantes na idade média de aposentadoria por estado, de pouco mais de 57 anos em Santa Catarina para quase 65 anos em Roraima (e 63,6 anos  no Piauí). Dito de outra forma, as pessoas se aposentam mais cedo precisamente nos estados mais ricos, ou seja, a criação de uma idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição afetaria pouco os estados pobres (e muito os estados ricos).

A ideia, portanto, de diferenças regionais quanto à idade de aposentadoria, à parte as dificuldades de implementação e enormes oportunidades para a fraude, não se sustenta à luz das estatísticas populacionais.

Só resta torcer para que o presidente passe no Posto Ipiranga antes de tomar qualquer decisão.

* * *
Ao Dr. Fernão Bracher, um homem de bem.



Só desenhando...

(Publicado 13/Fev/2019)

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

O que deteve a indústria?


Apesar do crescimento do PIB no ano passado ter ficado provavelmente um pouco acima do registrado no anterior, o desempenho da indústria piorou: em 2017 a produção da indústria de transformação crescera 2,2%; em 2018 apenas 1,1%. Trata-se de um resultado decepcionante, e, além disto, surpreendente à luz de outros indicadores.

As vendas no varejo, por exemplo, cujos números finais serão divulgados na próxima semana, devem ter crescido ao redor de 5,5% no ano passado (já descontada a inflação), ritmo que, sem ser extraordinário, não apenas é razoável, como representa aceleração modesta na comparação com 2017 (quando aumentaram 4%). Já os dados de contas nacionais, a despeito da defasagem de divulgação (referentes ao terceiro trimestre de 2018) também mostram aceleração da demanda interna, tanto do consumo, quanto do investimento, até um pouco mais forte neste último.

A vilã tampouco parece ter sido a greve dos caminhoneiros. Embora tenha causado forte queda da produção daquele mês, nos meses imediatamente posteriores observamos a recuperação dos níveis registrados antes do evento, sugerindo que se tratou de fenômeno transitório, portanto insuficiente para explicar a perda de fôlego do setor, que se manifestou de maneira mais clara na segunda metade do ano.

Ocorre que, ao contrário do conjunto da economia, bastante fechada ao comércio internacional (exportações e importações equivalem cada uma a cerca de 13% do PIB), o setor industrial é mais sensível aos fluxos de comércio. As exportações, por exemplo, de produtos manufaturados equivalem a cerca de 40% do PIB da indústria de transformação, sugerindo que suas alterações podem ter efeitos maiores no setor do que no caso da economia como um todo.

Em particular, as exportações para a Argentina, destino de algo como 20% das vendas brasileiras de manufaturados têm flutuado há anos no intervalo de 6% a 8% do PIB da indústria de transformação, atingindo sua maior participação, 8,3%, precisamente no segundo trimestre do ano passado. De lá para cá, contudo, o quadro mudou drasticamente.

Com a recessão que assola o país vizinho houve queda próxima a 30% das importações argentinas, de US$ 6,2 bilhões em maio para US$ 4,3 bilhões em dezembro. No mesmo período, medidas em dólares, as exportações brasileiras para lá caíram 47%.

Convertendo para a nossa moeda e ajustando à inflação (e ao padrão sazonal), estimamos que o valor em reais das exportações de produtos manufaturados para a Argentina caiu 42% entre o segundo e o último trimestre de 2018. Ponderado pelo seu peso no PIB do setor, o impacto desta queda implicaria redução da ordem de 3% no valor adicionado pela indústria.

Posto de outra forma, enquanto a demanda interna impulsionou a produção local, a redução das exportações para a Argentina teve efeito oposto. O resultado final foi a virtual estagnação da produção manufatureira na segunda metade de 2018, o que trouxe a taxa de crescimento em 12 meses da produção de 3,5%-4,0% em meados do ano passado para os referidos 1,1%.

Houve, portanto, queda significativa da demanda externa, com impacto mais agudo sobre a indústria. Assim, a demanda interna pode acelerar para compensar, o que significa, na prática, um período mais longo de estabilidade da taxa de juros, no mínimo até o final de 2019.

Como se vê, a dinâmica da indústria depende de muito mais do que da mítica “taxa de câmbio de equilíbrio industrial”.




(Publicado 6/Fev/2019)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

A defesa dos urubus


Tragédias têm sido usadas para fins pessoais e políticos desde sempre, mas isto não justifica tolerar esta prática particularmente abjeta. A presidente do PT, em breve ex-senadora, Gleisi Hoffman, que não perde oportunidade de perder oportunidade de ficar calada, não se fez de rogada. Em sua conta no Twitter se aproveitou do desastre de Brumadinho para afirmar que “cedo ou tarde a privatização cobra seu preço da população”. É uma declaração canalha em várias dimensões.

A começar porque não há qualquer nexo de causa e efeito entre a natureza da empresa (privada ou estatal) e o comportamento que leva a catástrofes como a de Brumadinho. Para quem não se recorda, o pior desastre nuclear de que se tem notícia, em Chernobyl, foi de responsabilidade de uma empresa estatal, então sob um regime socialista, como era a Ucrânia em 1986, uma das repúblicas da extinta URSS.

Se quisermos ficar por aqui, porém, em 2010, por exemplo, comandada por Sergio Gabrielli, a Petrobras registrou 57 vazamentos de petróleo, equivalentes a 4,2 milhões de barris. Não faltam casos de empresas estatais (em vários governos, de orientações políticas distintas) e privadas que causaram sérios danos ambientais, quando não mortes. Neste contexto, como se pode concluir, não faz a menor diferença quem quer que seja o acionista controlador da companhia. Assim, atribuir o desastre à privatização, ocorrida há mais de 20 anos, não apenas soa como oportunismo barato, como é mesmo oportunismo barato.

Isto dito, seu partido, nos longos 13 anos em que permaneceu no poder, poderia reverter as tão malignas privatizações, mas não o fez, se bem que, no caso da Vale não podemos deixar de lado, como a esquecida futura ex-senadora, que o governo Dilma interveio na empresa, forçando a demissão de seu então presidente, Roger Agnelli em 2011.

Adicionando à trama, a responsabilidade pelo ocorrido não se limita à Vale. A empresa opera sob regulação e fiscalização de várias instâncias governamentais. No caso da barragem da Mina do Córrego do Feijão, a Deliberação Normativa 217, emitida pelo governo de Minas Gerais, então chefiado por Fernando Pimentel, permitiu a redução das etapas de licenciamento ambiental no estado. Há pouco mais de um mês, diga-se, a Câmara de Atividades Minerárias, órgão do governo do estado, rebaixou o risco da barragem.

Mentiria se dissesse ter condições de opinar sobre os aspectos técnicos, tanto da Deliberação Normativa, quanto da decisão da Câmara de Atividades Minerárias, mas, independentemente disto, deve ficar claro também que o governo de Minas Gerais também é responsável pela tragédia. Apesar disto, a imêmore futura ex-senadora convenientemente se esquece de mencionar o fato, talvez porque seu partido controlasse o estado à época.

Ao final, não falta culpa no cartório, mas, como argumentado, a tentativa de atribuir a tragédia à privatização reflete, além de óbvia ignorância, interesses políticos escusos. Em parte, para tentar impedir que lama de Brumadinho respingue no já enlameado partido, ocupação em tempo quase integral de seus dirigentes.

Mais relevante, talvez, é o interesse pela manutenção do atual estado das coisas. Políticos de vários matizes, ideológicos inclusive, se opõem à privatização por uma razão muito simples: enquanto houver carniça, os urubus terão o que comer.

Nada menos confessável, nem, infelizmente, mais verdadeiro.


Sobra Narizinho; falta Emília


(Publicado 30/Jan/2019)