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sábado, 26 de janeiro de 2008

Celebração da derrota

No dia 11/07/2007, publiquei uma coluna (“O choque é nosso”) a propósito da fixação da meta de inflação para 2009 em 4,5%, na qual afirmava que a decisão tomada à época apenas contribuiria para erodir a ancoragem das expectativas, puxando a inflação para cima. E alertava: “Quando isto acontecer não há de faltar quem atribua tal desempenho a ‘choques externos’ ou à divina providência, mas, não, desta vez o ‘choque’ será nosso”. Em retrospecto, foi profético.

De fato, não apenas a inflação – que em meados do ano passado aparentava se encaminhar para um valor bem inferior à meta – chegou a 4,5%, mas, pior, isto foi apresentado como motivo para exaltar a “sabedoria” da fixação da meta em valor superior às expectativas de mercado. Tal celebração, contudo, parte do pressuposto que a escolha da meta de inflação não tem qualquer efeito sobre a inflação em si. Há, porém, várias razões para acreditar que tal premissa é simplesmente falsa.

A primeira refere-se ao efeito da fixação da meta sobre as expectativas de inflação. Um trabalho recente do Banco Central (Brazil: taming inflation expectations) sugere que a meta é o fator mais importante na determinação destas expectativas e, de fato, há evidências mostrando como estas se deterioraram em seguida à fixação da meta para 2009.

O Tesouro Nacional emite títulos que pagam dado juro nominal (prefixados) e papéis que pagam inflação mais uma taxa de juros real (indexados). A diferença entre o retorno dos papéis prefixados e indexados nos fornece, pois, uma estimativa do que o mercado acredita que será a inflação futura. Tal estimativa, aliás, possui uma propriedade interessante: quem estiver errado a seu respeito pode perder muito dinheiro. Este singelo incentivo sugere que a inflação implícita deve refletir o que as pessoas realmente esperam acerca da inflação futura.

Segundo estes dados, a inflação anual implícita até o final de 2009 era, antes da fixação da meta para aquele ano, próxima a 3,7%. Após a fixação da meta, porém, subiu aceleradamente na segunda metade do ano até atingir valores superiores a 5%. Para isolar os efeitos da aceleração recente da inflação, que poderiam contaminar esta estimativa, refizemos as contas para o período 2009-2013, cuja inflação implícita salta de 4% para 5%. De forma similar, a expectativa de inflação 12 meses à frente, pesquisada pelo BC, veio de 3,5% em junho de 2007 para 4,3% em janeiro de 2008. Vale dizer, a reação das expectativas foi exatamente aquela que o estudo do BC sugeria.

Afora isto, a experiência mostra que as expectativas afetam a inflação corrente. Nossas estimativas indicam que a deterioração das expectativas pesquisadas pelo BC pode adicionar algo como 0,5% à inflação em 2008 (ou mais, se usarmos a inflação implícita), além de terem contribuído para a aceleração da inflação de 2007.

Em outras palavras, por mais que se tente agora argumentar a presciência da fixação da meta em 4,5% não se pode ignorar que tal valor superava em muito as expectativas vigentes à época. Assim, ao invés de ancorar as expectativas em patamares mais baixos, a decisão levou à sua revisão generalizada para cima acelerando a inflação corrente e a esperada para 2008. Para evitar subir o último degrau da escada, desceram dois degraus e aí reclamam como será difícil subir os três que faltam. Celebrar o quê?
(Publicado 23/Jan/2008)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Nem contra, nem a favor, muito pelo contrário e, aliás, sobre o quê mesmo eu estou escrevendo?

O desafio consiste em descobrir exatamente o que o autor quis dizer com este artigo. O vencedor leva o Prêmio João Sicsú de Economia Informal

Façanhas e mancadas da sabedoria financeira
Luiz Gonzaga Beluzzo

A NOTA da Febraban sobre as conseqüências do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e do aumento da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líqüido) ocupou boa parte do meu tempo na manhã do dia 11. Recebi cinco telefonemas de cidadãos indignados, empresários de porte, profissionais de alto coturno e outra gente de rendimentos graúdos.

A opinião pública está convencida: os bancos lavaram a égua nos últimos dez anos, depois que o Estado evitou uma crise bancária com o Proer. Nos anos 90 e no início do terceiro milênio, as operações de tesouraria saborearam as taxas dos títulos públicos e as delícias do real valorizado. A partir de 2005, o crédito aos consumidores passou a ser concedido com prazos cada vez mais generosos. Os volumes cresceram à velocidade da quinta marcha. Os "spreads" garantiram a rentabilidade.

Não topo teorias conspiratórias. Compartilho a admiração de Schumpeter, Marx, Keynes pela arquitetura do sistema de crédito erigida pelo capitalismo desde o último quarto do século 19, façanha dos Rotschild, dos Morgan, dos Warburg, dos Bleichröder. A leitura das biografias desses gigantes pode ser útil para evitar episódios em que a infelicidade de uma nota desperta ressentimentos.

Nos Estados Unidos dos anos 30, a quebra era generalizada. Os agricultores puxavam a fila. Em 1933, Roosevelt, recém-empossado, decretou feriado bancário. Utilizou a Reconstruction Finance Corporation, criada por Hoover, para promover a reestruturação das dívidas e limpar as carteiras dos bancos.

O Glass-Steagall Act já havia determinado a separação entre os bancos comerciais e de investimento. Em seguida, o governo aprovou a garantia de depósitos bancários, a proibição do pagamento de juros sobre depósitos à vista e o estabelecimento de tetos ao pagamento de juros para depósitos a prazo.

A American Bankers Association reagiu: as medidas eram "heterodoxas, não-científicas, injustas e perigosas". Não obstante sua natureza maligna, elas brecaram a corrida bancária e favoreceram a recuperação do crédito.

Em 1935, ao desembarcar de uma viagem à Europa, "Jack" Morgan, o herdeiro de John Pierpont, adicionou gasolina ao fogo: "Os que ganham dinheiro nos Estados Unidos trabalham oito meses por ano para sustentar o governo". A indignação popular avassalou o país. No livro "The House of Morgan", Ron Chernow escreve que, depois da mancada, Jack deixou de ser uma pessoa. Tornou-se o símbolo dos ricos e reacionários que se opunham à justiça social. A multidão de desempregados sobrevivia à custa dos programas de obras públicas e da assistência social do Estado.

O conselheiro legal de Roosevelt (mais tarde juiz da Suprema Corte) Felix Frankfurter escreveu ao presidente: "Quando os homens mais proeminentes do mundo da finança escancaram atitudes moralmente obtusas e anti-sociais, chega-se à conclusão de que o verdadeiro inimigo do capital não é o comunismo, mas os capitalistas e sua corte de escribas e advogados".

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

A mulher barbada e o incrível contorcionista econômico

Quanto vale uma ação? Deixando de lado a resposta cínica (“vale o que alguém estiver disposto a pagar por ela”), considere o seguinte. Uma alternativa de investimento à ação é um título público que paga certa taxa de juros ao longo de dado período. Caso a ação e o título público sejam igualmente arriscados, a única justificativa para alguém comprar tal ação seria esperar que seu retorno, dado pelo fluxo de lucros a que tem direito, equivalesse, no mínimo, àquele que se pode obter do título público.

A ação é, porém, mais arriscada que o título público. Enquanto esse paga um fluxo conhecido de juros e ao final da sua vida (espera-se) retorna o capital ao investidor, os fluxos de lucro de uma ação são incertos e, em geral, a ação não é resgatada pelo seu emissor original. Para obter seu capital de volta, o investidor precisa vendê-la no mercado, processo também sujeito a riscos. Sendo assim, é natural que o retorno da ação, ainda que balizado pela taxa de juros, tenha que ser superior a esta. Desta forma, o preço da ação é aquele que, dada a expectativa de lucros futuros, gera um retorno equivalente à taxa de juros mais o prêmio de risco.

Vale notar que o raciocínio descrito acima também explica a decisão de investimento de uma empresa. Um projeto só será realizado caso seu retorno equivalha à taxa de juros devidamente corrigida pelo risco. Tal semelhança, aliás, sugere que as decisões de compra de ações e investimento empresarial estejam intimamente ligadas, como realmente estão. Uma empresa contemplando um programa de expansão escolhe entre comprar outra empresa ou criar ela própria a capacidade adicional por meio de investimento. Assim, quando os preços das ações sobem, o investimento se torna a alternativa mais interessante e vice-versa.

Caso algum leitor tenha sobrevivido aos parágrafos iniciais deve estar se perguntando aonde quero chegar. A resposta é simples.

Não faltou quem, no início de 2007, augurasse um ano de crescimento medíocre, com direito a pragas bíblicas e o sucateamento da indústria nacional devidos às taxas de juros. Agora, com o forte crescimento do PIB e do investimento, os mesmos que se enganaram tentam justificar seu erro perpetrando novas formas de contorcionismo econômico.

Uma delas sugere que o setor privado teria “contornado” a taxa de juros doméstica pela emissão de ações ou debêntures e assim obtido o capital mais barato para financiar sua expansão. No entanto, não é difícil concluir que tal explicação não faz qualquer sentido, pois, à luz do exposto acima, o custo do capital está irremediavelmente atrelado à taxa de juros, isto é, a tese não é consistente com o bê-á-bá da teoria financeira.

De fato serve apenas para tentar ocultar o erro das cassandras desenvolvimentistas, mas não evita uma conclusão simples: no Brasil taxas de juros que levariam outros países a depressões épicas são consistentes com um ritmo acelerado de expansão da demanda doméstica, o que justifica a cautela com que o BC conduziu o processo de redução da taxa de juros. Em outras palavras, não é verdade que o crescimento ocorreu apesar da taxa de juros; ele resultou da taxa de juros. Ignorar este fenômeno pode ser cômodo, mas, como vimos, só produz má análise econômica.

P.S. Havia prometido, desde meu último artigo, pegar mais leve com os desenvolvimentistas, mas – a exemplo de outros – a obrigação só valia para 2007...

(Publicado 8/Jan/2008)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

As últimas do Sicsú

Uma seleção com os melhores momentos da entrevista de João Sicsú no Estado de S. Paulo (06/Jan/2007 pág B3)

O senhor é favorável ao regime de metas de inflação na forma como hoje funciona no Brasil?

Gostaria de comentar esse assunto ‘em tese’. É uma das minhas áreas de estudo. Sou favorável a que qualquer governo tenha uma meta para a inflação. Avalio que a tarefa de controlar a inflação é tão importante que o Banco Central deveria ser auxiliado nesse esforço. A estabilização dos preços é um grande ativo de uma sociedade e quem deveria zelar por ele poderia ser um conjunto de organismos públicos auxiliando o Banco Central. Controlar a inflação não é tarefa fácil. E é responsabilidade excessiva para um único órgão que somente tem um instrumento nas mãos, a taxa de juros, para cuidar do tema. Penso, por exemplo, que se a causa da inflação tem sido a alta dos preços dos alimentos, o Ministério da Agricultura poderia apresentar um relato minucioso, um diagnóstico da situação e apresentar as suas perspectivas para o problema. Eventualmente, a solução poderia ser simples e evitaria que o Banco Central aumentasse a taxa de juros. Assim, se evitaria que o Banco Central fosse tratado como vilão, como o órgão que eleva os juros e trava a economia. O Banco Central tem de ser visto pela sociedade e pelos formadores de opinião como um organismo ‘do bem’.

Comentário:

Trata-se, vejam bem, de "uma das áreas de estudo" do eminente pensador. Ele deve ter aprendido que no mundo todo não se atribui aos Bancos Centrais a tarefa de cuidar sozinhos da inflação. Imaginem só se os BCs saem por aí subindo juros... Aliás, é por isto que em todos os países que adotam o regime de metas para a inflação, a responsabilidade - caso a inflação se desvie da meta - é do Ministério da Agricultura, quando não do Ministério das Desculpas Esfarrapadas (por exemplo, que o presidente prometeu não aumentar impostos, mas que a promessa só valia para os últimos 15 dias do ano).

E o BC tem mesmo que ser visto como um organismo 'do bem', de preferência atendendo as pressões políticas de toda ordem. Onde estava o Rogoff com a cabeça quando concluiu que o banqueiro central deveria ser mais conservador que o resto da sociedade? Deve ter partido do pressuposto que BCs que se preocupam com a inflação são 'do mal'.

Como seria essa contribuição de outros organismos ao Banco Central, como no caso do Ministério da Agricultura?

O mais importante seria o diagnóstico do choque, sua intensidade e extensão, assim como medidas preventivas de incentivo ao investimento setorial para evitar desequilíbrios entre oferta e demanda.

Comentário:

Excelente idéia. Podíamos passar a função ao Ministério da Agricultura mesmo. Inclusive com poderes para conter a demanda por alimentos na China. É uma proposta de se encaixa perfeitamente no projeto do Brasil potência, pedra angular da Sealopra.

Como o senhor vê a valorização do real e a redução do superávit em conta corrente (com projeções de déficit em 2008)? O senhor concorda com a prescrição do economista Luiz Carlos Bresser-Pereira de impostos sobre a exportação de matérias-primas como soja e minério de ferro?

Vejo com muita preocupação a valorização do real. O câmbio foi valorizado porque houve entrada avassaladora de capitais financeiros durante o ano de 2007. Enquanto entre janeiro e outubro de 2006 entraram de forma líquida no País US$ 4,5 bilhões, no mesmo período de 2007 entraram quase dez vezes mais: US$ 23 bilhões foram para fundos de renda fixa. Em primeiro lugar, o País precisa ser menos atrativo do ponto de vista financeiro ao capital externo. Um caminho conhecido pelos países asiáticos para fazer isso é manter a trajetória de redução da taxa de juros.

É também preciso impor alíquota sobre determinados produtos importados, tal como o governo já fez no ano passado. E também é necessário incentivar a industrialização por meio da isenção de impostos para exportação de produtos manufaturados, deixando os impostos sobre o que é básico. Aliás, já existem alguns projetos no Senado que fazem essa proposta. Será delicada a situação de termos novamente saldo negativo em transações correntes - o superávit nessa conta é uma defesa contra ataques especulativos que não é desprezível.

Comentário:

Já que se passará ao Ministério da Agricultura a tarefa de manter a inflação sob controle, o BC ficará livre para ajustar a taxa de juros como objetivo de manter o câmbio fraco. Se - a exemplo da Argentina - a inflação subir e apreciar a taxa real de câmbio ampliaremos a produção agrícola até compensar.

A imposição de tarifas de importação deverá ajudar também. Afinal de contas, com as importações mais caras, a demanda por importações deverá cair, o que deve reduzir a demanda por moeda estrangeira e... Como é que tarifa de importação mais alta deprecia o câmbio real mesmo?

O senhor é favorável a algum tipo de controle de capitais?

O mais importante mecanismo de controle sobre a entrada de capitais é, como disse, ter uma taxa de juros baixa. É assim que os asiáticos controlam ou evitam a entrada que valorizaria excessivamente o câmbio

Comentário:

E tudo isto graças ao Ministério da Agricultura!

Qual sua visão sobre o papel do Estado na atual fase do desenvolvimento econômico do Brasil? Como vê a questão do tamanho do funcionalismo e seus níveis de remuneração?

O Estado já mostrou sua necessidade para promover justiça social e desenvolvimento. A participação ativa do Estado tem se mostrado útil tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento. Para cumprir essa função, o Estado brasileiro precisa contratar milhares de servidores, principalmente médicos, professores, policiais, fiscais e engenheiros. E pagar bons salários para que permaneçam como servidores públicos. A despesa com a contratação de funcionários que atuam em atividades-fim deveria ser considerada investimento público. Aumentar a despesa com a contratação do funcionalismo não causa problemas fiscais. O equilíbrio orçamentário está sendo alcançando porque está havendo crescimento. A relação dívida/PIB e o déficit nominal estão se reduzindo. Não se equilibra orçamento cortando gastos quando uma economia está semi estagnada. O resultado fiscal de uma economia é apenas o sintoma, o motor é o crescimento. A fórmula é simples: o crescimento propicia equilíbrio fiscal e a estagnação leva necessariamente ao aumento dos déficits.

Comentário:

Solução genial! Não sei como ninguém pensou nisto antes. Contrataremos milhares (por que não mais milhões como anteriormente proposto?) de funcionários públicos. Mas, como os salários deles serão investimento, podemos incluir tudo no PPI e descontar da meta fiscal. Aí teremos simultaneamente um exército de funcionários públicos e imensoso superávits fiscais. E explicaremos que o aumento do endividamento para pagar o funcionalismo também não deve ser considerado como dívida, mas como um ativo do país. Quanto maior a dívida, maior o ativo. É como o queijo suíço: quanto mais queijo, mais buracos. Quanto mais buracos, menos queijo. Logo, quanto mais queijo, menos queijo e quanto mais dívida, menos dívida.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

A última do Pochmann (em 2007)



A última do Pochmann foi negar a existência da inflação. Segundo ele o BC “matou a expansão de 2004”, preocupado com “uma suposta inflação que deveria haver e não houve”.

A lembrar, a inflação de 2004 (que não houve) foi de 7,6%, atingindo o modesto nível de 8% em abril e maio de 2005 (mas, tudo bem, já que ela não existiu), permanecendo acima da meta em 2005 (5,7% contra 4,5%, porém, como já dito acima, não havia inflação alguma).

Não contente em seu esforço para desmentir os fatos, o arguto expurgador-mor não consegue traçar qualquer relação entre o aperto da política monetária e a queda da inflação, embora atribua ao BC a morte da expansão de 2004. A notar que a “morte” da expansão de 2004 traduziu-se na queda da demanda doméstica privada (consumo e investimento, os componentes sensíveis à taxa real de juros) de 4,9% para 4,3%, de fato uma enormidade.

Ah, sim. E todo este seu pronunciamento veio depois de dizer que o Ipea não se pronunciaria sobre conjuntura, preocupado com o “planejamento de longo prazo”. Não é por nada, mas, desrespeitando os dados e ignorando os princípios mais simples da teoria econômica, desconfio que nada de bom há de sair de qualquer coisa que tenha o Pochmann como dirigente.