teste

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Irresponsabilidade revelada


O Tesouro Nacional, antes sob o comando de Ana Paula Vescovi, hoje liderado por Mansueto Almeida, tem feito um esforço louvável para detalhar o estado das contas públicas, não só no que se refere ao governo federal, mas expondo também as mazelas dos governos locais. O exemplo mais recente deste trabalho é o Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, publicação que traz dados sobre estados e municípios até 2017.

Os números são preocupantes. A começar pelo aumento do déficit primário dos estados, que pulou de R$ 1,8 bilhão em 2015 e R$ 2,9 bilhões em 2016 (valores irrisórios na comparação com o PIB) para R$ 13,9 bilhões em 2017 (0,2% do PIB). Note-se que esta medida leva em consideração a despesa empenhada naqueles anos, não a efetivamente paga. A diferença reflete principalmente o atraso no pagamento de fornecedores e servidores, mecanismo adotado por vários estados, na prática “empurrando com a barriga” o problema, ao invés de atacá-lo frontalmente.

A piora do desempenho não decorre da receita. Pelo contrário, durante o período destacado esta cresceu relativamente ao PIB, embora não muito. Por outro lado, a despesa do conjunto dos estados cresceu bem à frente do PIB, em parte pela recessão observada até 2016, mas além da modesta expansão da atividade no ano passado. A verdade é que os gastos estaduais vêm aumentando mais do que a inflação, reproduzindo o padrão do gasto federal até 2016.

Dentre esses, a despesa com pessoal, R$ 403 bilhões, merece atenção, representando pouco mais da metade do dispêndio primário registrado no ano passado, R$ 766 bilhões. Segundo o Tesouro, os gastos dos estados com pessoal aumentaram 32% acima da inflação entre 2011 e 2017. Nada menos do que 14 dos 27 estados (incluindo o Distrito Federal) superaram no ano passado o limite (fixado na LRF) de 60% entre despesas de pessoal e receita corrente líquida.

Há muito mais a ser explorado na publicação, mas acredito que os números acima já deixam claro que boa parte dos estados está na lona por conta da péssima administração fiscal a que foram submetidos. Não é por outro motivo que, mais uma vez, se fala em novo resgate por parte do governo federal, apenas dois anos depois da última tentativa.

A questão parecia superada com a reestruturação firmada no final dos anos 90, quando o governo federal assumiu a dívida de alguns estados e capitais, os mais ricos, em troca de programas de ajuste fiscal que foram bastante bem-sucedidos por praticamente uma década. Em particular, esta dívida – apesar da choradeira de governadores e prefeitos – caiu de 13% do PIB para pouco mais de 7% do PIB de 2002 a 2014. Todavia, sob a gestão de Dilma Rousseff, Guido Mantega e Arno Augustin os estados foram liberados das amarras fiscais, o que acabou nos levando à crise atual.

Muito embora a experiência daquela reestruturação não tenha sido perfeita, seu longo período de sucesso nos deixa lições importantes.

Em hipótese alguma o governo federal pode salvar os estados sem exigir contrapartidas muito duras e claras em termos de redução de gastos, privatização e modernização das práticas públicas, sem as quais nenhum recurso pode ser adiantado.

Por óbvio, nenhum estado é obrigado a aceitar quaisquer condições, mas é ainda mais certo que o governo federal não pode empurrar novamente para a população as contas de governos fiscalmente irresponsáveis.


Quer ajuda?


(Publicado 21/Nov/2018)

terça-feira, 20 de novembro de 2018

A “farsa” do desemprego



Errou em todos os exemplos mencionados, refletindo ignorância comum sobre a matéria. Vale a pena entender os conceitos, virtudes e limitações desta estatística para não cometer os mesmos equívocos.

Segundo o IBGE a população brasileira em setembro deste ano era aproximadamente 209 milhões de pessoas. Nem todos, porém, estão aptos a trabalhar. O IBGE define a População em Idade Ativa, PIA, como aqueles com mais de 14 anos, em torno de 170 milhões de pessoas.

Obviamente, apenas parte dos maiores de 14 anos estão no mercado de trabalho. Alguns, por exemplo, estudam (ainda bem!), outros já se aposentaram e há quem decida não tomar parte no mercado por uma série de motivos, alguns dos quais trataremos à frente. Os que participam, seja trabalhando, seja buscando por emprego, são definidos como “força de trabalho”, ou População Economicamente Ativa (PEA), e montavam a 105 milhões de pessoas em setembro.

Desses 92,6 milhões estavam ocupados e 12,5 milhões desempregados. Assim a taxa de desemprego atingiu 11,9% (12,5÷105).

Esta é a definição internacional da taxa de desemprego, adotada por todos os países com boas estatísticas na área. No caso, se a pessoa recebe o Bolsa-Família (sem estar empregada), ou o seguro-desemprego, ela obviamente não conta como empregada. Caso esteja procurando trabalho contará como desempregada (e participante da PEA); caso contrário não aparecerá nesta estatística de desemprego.

Ocorre que a taxa de desemprego descrita acima não esgota o conjunto de estatísticas sobre o mercado de trabalho. O IBGE também discrimina dentre os ocupados aqueles que trabalham menos do que desejam e calcula a taxa de desempregados (12,5 milhões) e subocupados (6,9 milhões) com relação à PEA: 18,4% (19,4÷105).

Há, por outro lado, dentre as pessoas que estão fora da PEA, as que gostariam de trabalhar, mas não estão buscando emprego, a chamada “força de trabalho potencial”, 8 milhões de pessoas.

A estatística mais ampla do IBGE a respeito (a taxa de subutilização da força de trabalho) junta os desempregados, os subocupados e a força de trabalho potencial, um conjunto de pouco mais de 27 milhões de pessoas como proporção da “PEA ampliada”, isto é, os 105 milhões da PEA mais os 8 milhões da força de trabalho potencial (123 milhões), revelando uma taxa de subutilização na casa de 24%.

A coexistência de várias medidas de desemprego não é uma jabuticaba. Nos EUA, por exemplo, o Bureau of Labor Statistics publica a cada mês nada menos do que seis alternativas: a taxa denominada U3, calculada de forma similar à nossa, é a mais disseminada, 3,7% no mês passado; a taxa mais ampla, U6, se encontrava em 7,4%, o dobro da oficial, por incorporar também os que gostariam de trabalhar mais e os participantes da força de trabalho potencial.

Economia, apesar das aparências em contrário, não é para aspirantes. Como regra, antes de falar do assunto, não custa nada dar uma passada no posto Ipiranga.





(Publicado 14/Nov/2018)

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Faça a coisa certa


Poucos parecem ter notado, mas os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD contínua) divulgados semana passada pelo IBGE revelaram que o emprego, ajustado ao padrão sazonal, retornou em setembro aos níveis vigentes antes da crise.

De fato, entre o primeiro trimestre de 2015 e o primeiro de 2017 houve destruição de pouco mais de 3 milhões de postos de trabalho, cerca de 2/3 dos quais no setor industrial. De lá para cá, porém, foram recriados 3 milhões de empregos, cuja configuração é, contudo, muito distinta da que prevalecia quando a recessão atingiu em cheio o mercado de trabalho.

Em grandes linhas, ainda que o emprego industrial tenha crescido, não conseguiu repor as perdas. A expansão foi puxada por segmentos ligados à administração pública e, em menor grau, por várias atividades de serviços. Pela ótica da situação no emprego houve crescimento expressivo dos trabalhadores por conta própria e informais, assim como dos empregados pelo setor público.

Já o trabalho formal, de acordo com os dados da PNAD, ficou para trás, embora outras fontes, em particular o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), indiquem geração líquida de 375 mil postos nos últimos 12 meses, desmentindo os arautos da tragédia que resultaria da reforma trabalhista aprovada no ano passado.

Com isto, a massa salarial real também retornou aos níveis pré-crise, na casa de R$ 200 bilhões/mês, contra R$ 189 bilhões/mês registrados há dois anos.

Noto por fim que o terceiro trimestre deste ano marcou o melhor desempenho em termos de criação de empregos desde o início da série em 2012, mas não está claro se falamos aqui de uma nova tendência, ou apenas o rebote natural que se seguiu a um período anormalmente fraco, por conta dos problemas ligados ao movimento dos caminhoneiros em maio.

De qualquer forma, os dados mostram uma recuperação em curso no mercado de trabalho, embora ainda aquém do necessário para acompanhar a expansão da população economicamente ativa (PEA). Não é por outro motivo que a taxa de desemprego permanece alta, ainda que tenha se reduzido, lenta, porém consistentemente, nos últimos 18 meses.

Nossas estimativas recentes sugerem que quedas mais pronunciadas da taxa de desemprego só se materializarão com crescimento mais vigoroso, acima de 2,5% ao ano pelo menos. Indicam também, mas com grau muito menor de certeza, que a taxa de desemprego consistente com a inflação estável se encontra na casa de 9,0% a 9,5% (o risco é que seja até menor do que isto), isto é, que haveria um espaço considerável para crescer sem que a redução do desemprego possa pressionar a inflação.

As condições econômicas estão dadas, portanto, para uma retomada cíclica considerável, desde que a nova administração consiga afastar o espectro da crise fiscal que se desenha.

Já as condições políticas para tanto permanecem nebulosas. Do lado do novo governo precisamos saber sua disposição para levar em frente reformas que custarão, por certo, muito de seu capital político. Do lado da sociedade, representada (ainda que imperfeitamente) pelo Congresso, sua disposição aceitar cortes severos nos gastos públicos, em particular os previdenciários.

Acredito que o segundo aspecto seja ainda mais problemático do que o primeiro. Quem apoiou a chantagem dos caminhoneiros em maio não me parece nada disposto a abrir mão de qualquer privilégio.




(Publicado 7/Nov/2018)

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Ausência


O debate econômico nas eleições passadas conseguiu ser ainda mais raso do que o observado em 2014, feito que muitos acreditavam impossível. Se, por um lado, as propostas do PT foram de uma leviandade absoluta (congelar o preço do gás depois do desastre da administração Dilma?), por outro, as ideias do campo vencedor foram extraordinariamente vagas, ainda mais depois que o então candidato impôs silêncio obsequioso a seu futuro ministro da Fazenda.

Deixar de lado os problemas, contudo, não os faz desaparecer. Pelo contrário, se há algo que aprendi nestes anos todos, é que ignorá-los só os faz maiores e mais difíceis de resolver no futuro.

Há, para começar, um enorme desequilíbrio fiscal. Estimo que o déficit recorrente do setor público, já deduzido o impacto da inflação, se encontra próximo a R$ 320 bilhões (4,7% do PIB) nos 12 meses até setembro. Destes R$ 170 bilhões resultam do déficit primário recorrente, enquanto R$ 150 bilhões refletem o pagamento dos juros reais sobre a dívida pública, hoje na casa de R$ 5,2 trilhões (77% do PIB).

Mesmo levando em conta a melhora visível de desempenho fiscal de 2016 para cá, deve ficar claro que a situação exposta acima é insustentável, pois implica expansão persistente da dívida pública com relação ao PIB (e, portanto, à capacidade de pagamento).

É bem verdade que a dívida é, quase toda, denominada em moeda nacional, ao contrário dos exemplos grego e argentino, em que a incapacidade de pagamento levou ao calote explícito. No caso brasileiro uma “solução” possível para o problema seria a fixação de taxas de juros inferiores à inflação, provavelmente acompanhada de mecanismos de repressão financeira. A dívida cairia, mas à custa de aceleração forte da inflação, ou seja, da volta a velhos problemas, dos quais escapamos há menos de um quarto de século.

Se quisermos evitar este cenário não há alternativa à austeridade fiscal, o que foi explicitamente reconhecido pelo futuro ministro logo após a remoção do silêncio obsequioso. Bem menos claro, contudo, é como se pretende chegar lá.

Em que pesem juras de eliminação do déficit primário no ano que vem, é conhecimento comum que, sem reformas de grande porte, tais promessas são inexequíveis. Como tenho notado há muito, o governo federal controla de fato menos de 10% do que gasta. Mesmo que conseguisse cortar toda esta despesa (sem, por milagre, paralisar a administração pública) não chegaria próximo de cumprir a promessa.

Para este fim é essencial reformar a previdência, bem como repensar e reduzir o grau de vinculação das demais despesas do orçamento.

Nada disto, porém, foi explicado ao distinto público, que possivelmente ainda crê na balela que o combate à corrupção resolverá nossos desequilíbrios. Não é por outro motivo que, apesar da renovação inesperada no Congresso, o apoio a causas como esta é bastante inferior ao requerido, ainda mais quando se explicitam os efeitos das mudanças requeridas sobre a população em geral.

Omitir os reais problemas do país do debate eleitoral pode ser uma medida acertada no sentido de chegar ao poder, mas certamente criará dificuldades apreciáveis para aprovar medidas que, a rigor, não chegaram a passar pelo crivo do voto popular.

Para quem se vangloria da sinceridade, a ausência de um debate econômico sério foi mais que sentida.




(Publicado 31/Out/2018)