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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A rota do gato


Faz parte da mitologia recente da política econômica afirmar que o desempenho fiscal do governo, em particular na esfera federal, abriu espaço para a redução de juros. Não por outro motivo o Copom faz menção explícita às hipóteses acerca do resultado das contas públicas quando prevê a inflação, além de destacar o papel da geração de superávits primários no arrefecimento do “descompasso entre as taxas de crescimento da demanda e da oferta”, o que contribuiria para reduzir as tensões inflacionárias.

O que se observa, todavia, é uma piora consistente do resultado fiscal, a tal ponto que, de forma muito (ou nada?) sutil o próprio BC, não exatamente conhecido por sua capacidade de confrontar as pressões advindas do Ministério da Fazenda, admitiu que a postura de política fiscal mudou, de neutra para expansionista.

Mais (ou menos?) sutil foi a alteração na ata do Copom, que até agosto, afirmava sua convicção quanto à geração de um superávit primário equivalente a 3,1% do PIB “sem ajustes”. Agora, sem maiores explicações, a expressão “sem ajustes” simplesmente desapareceu do documento, deixando claro, ao menos para os hermeneutas das atas do Copom, que o gato fiscal subiu no telhado.

De fato, à luz do superávit registrado até o momento (R$ 55 bilhões) está claro que não há a menor possibilidade do governo atingir a meta fiscal (R$ 97 bilhões) sem recorrer a algum truque contábil, o significado nada oculto de “ajustes”. Resta saber quem levou o felino telhado acima.

A ler o que sai na imprensa, a sugestão parece ser que o problema se originou – a exemplo do que ocorre hoje com algumas economias desenvolvidas – da fraqueza da arrecadação por conta do crescimento tímido. Já eu vejo dois problemas com esta explicação.

O mais direto é que tal diagnóstico não sobrevive bem ao teste dos fatos. Em que pese certa desaceleração da arrecadação, a verdade é que muito, senão a maior parcela, do desempenho fraco resultou de desonerações promovidas pelo próprio governo federal, cujo objetivo, principal ou secundário (mas sempre de forma intencional), era o de atenuar pressões inflacionárias atuando diretamente sobre os preços, no caso pela redução pontual de alguns tributos. Apenas no caso da CIDE, reduzida para evitar que o reajuste de combustíveis chegasse ao consumidor, a perda de arrecadação até agora é da ordem de R$ 5 bilhões, devendo atingir perto de R$ 7 bilhões no ano.

Mais importante que isso, todavia, é a própria dinâmica fiscal brasileira. A triste verdade é que o governo planeja seu orçamento tendo como base a suposição que a arrecadação sempre crescerá o suficiente para bancar a gastança.

Não é por outro motivo que os gastos públicos crescem ininterruptamente. Ao invés de determinar os gastos de acordo com a necessidade efetiva da sociedade e critérios claros de distribuição de recursos, a prática da política tem sido simplesmente aumentar o dispêndio confiando na capacidade da Receita Federal bancar o jogo extraindo recursos adicionais do setor privado.

Neste ano, por exemplo, a despeito da choradeira federal, a verdade é que o total arrecadado, medido como proporção do PIB, supera o registrado no mesmo período de 2011 (apesar de receitas extraordinárias no ano passado). Posto de outra forma, o problema em 2012 reflete menos a moderação do crescimento das receitas e mais a expansão continuada do gasto.

E é por conta disso que o governo federal terá que, mais uma vez, por sua imaginação contábil à prova para fingir que atingiu a meta. É irrelevante se serão descontados os investimentos do PAC, os gastos com saneamento, ou a soma dos CPFs do segundo escalão da Fazenda. Ao final das contas o que sobra é um governo que a cada dia cabe menos no PIB, não porque investe mais, mas porque se acostumou a ser financiado com parcelas crescentes da renda do resto da sociedade.

Cadê os impostos que estavam aqui?


(Publicado 31/Out/2012)

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Full Metal Jacket


• Unlike some of its Latin American peers, Brazil has never managed to actually get inflation fluctuating symmetrically around the target. Typically the distribution of observed inflation deviation from the target has been tilted to the right, indicating that, more often than not, inflation reached higher than the target;
• This feature has been amplified in the post-2010 period. While other Latin American countries have recorded some worsening of their inflation records, this deterioration has been stronger in Brazil;
• The sheer fact that we are comparing Brazil to other Latin American countries, most likely subject to the same international shocks, is already an indication that the country has been reacting differently from its peers to the shock;
• Indeed, whereas in the previous period international commodity prices seemed to have scant effect on Latin American inflation, in the last two years Brazil has displayed a very different performance, while other Latin American countries continued to exhibit the same features as before ;
• We assign this different performance to the change in the exchange rate regime currently taking place in Brazil. While other Latin American countries kept their floating rate regimes in place, Brazil has been fiddling with the exchange rate, pegging its currency to the US dollar;
• As a result, and in sharp contrast to other Latin American countries, the shock of higher international commodity prices has been fully translated into domestic prices, helping push up inflation, mainly through the food inflation channel;
• As a matter of fact, since the beginning of the year we observe an appreciation of other Latin American currencies, as the US dollar has become between 3% and 8% cheaper than at the beginning of the year, while in Brazil it has become 10% more expensive during the same period;
• Had the real moved in tandem with those currencies, as it used to do, we reckon it would be trading today around R$ 1.69 to R$ 1.77 to the dollar. Under these circumstances commodity prices in reais would be 13% to 17% cheaper than they are, suggesting a very different inflation path.
• This process highlights the difficulties in keeping inflation at the target while simultaneously trying to fix the exchange rate as well. For this reason we continue to be skeptical of (linear, non-linear, hyperbolical, elliptical, or whatever) convergence of inflation towards the target until BCB moves back (if it one day would do) to its previous inflation targeting stance

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Confissões de derrota


De agosto de 2011, quando iniciou o ciclo de afrouxamento monetário, até julho de 2012 o Banco Central prometeu entregar a inflação na meta, garantindo que as medidas de política monetária foram tomadas com tal objetivo em mente. Por exemplo, na ata do Copom referente à reunião realizada nos dias 10 e 11 de julho deste ano, o Comitê afirmava que “as decisões futuras de política monetária serão tomadas (...) com vistas a assegurar a convergência tempestiva da inflação à trajetória de metas”.

Mais recentemente, porém, o Comitê recuou de sua promessa original e passou a afirmar que “a inflação (...) tende a se deslocar na direção da trajetória de metas, ainda que de forma não linear”. Não bastasse, pois, o Copom confessar-se incapaz de atingir a meta, deixa também de se comprometer com qualquer trajetória de convergência (o que, diabos, significa “não linear”?) e, mais grave, não sinaliza um horizonte de tempo no qual os agentes privados possam contar com uma inflação compatível com a determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

De fato, as projeções de inflação para 2012, 2013 e 2014 (até o terceiro trimestre), conforme o Relatório de Inflação (RI) de setembro de 2012, se mantêm acima de 4,5%. O próprio BC, portanto, não consegue precisar o tempo necessário para trazer a inflação de volta à meta, por mais que professe arraigada fé na “convergência não linear”.

Em meio a tamanha incerteza não falta quem se pergunte qual seria a verdadeira meta de inflação. Falta, isso sim, qualquer pista mais sólida sobre o tema na comunicação usual do Copom, exceto que certamente não mais se trata do número oficial. Há indicações em relatos da imprensa, segundo os quais o BC tem argumentado que o IPCA registrou variação inferior a 5,2% em apenas 3 dos 13 anos de vigência do atual regime (em 2006, 2007 e 2009). Note-se que 5,2% é valor que o último RI projetava para a inflação em 2012.

Parece, portanto, que o Comitê confessa mais uma derrota e se contenta com uma inflação em torno deste valor e talvez mesmo um pouco a mais, já que os últimos resultados sugerem uma elevação média de preços mais próxima a 5,5% este ano, novamente surpreendendo as projeções oficiais.

É interessante comparar a atual postura do Copom, que persegue de forma (mal) disfarçada uma meta de inflação mais elevada do que a determinada pelo CMN, com a adotada em 2004, quando o BC declarou publicamente ter alongado o período de convergência. Naquele momento foi anunciado um objetivo intermediário (5,1%) para 2005, assim como o compromisso de convergência no ano seguinte. A inflação então recuou em direção à meta, onde permaneceu até o final de 2007.

Ao deixar claro o desvio da inflação, assim como sua estratégia para eliminá-lo, o Copom estabeleceu, para si próprio, limites na condução da política monetária e deu ao setor privado a oportunidade de avaliá-lo no processo. Ao fim dele a inflação esperada havia convergido para a 4,5%, valor do qual não se afastou até o final de 2010, revelando a vitória do BC na batalha das expectativas.

O BC explicitou, pois, à época suas dificuldades e os custos de convergência; hoje, em contraste, tais informações são escamoteadas sob um rótulo impreciso e nenhuma indicação de como (ou quando) a atual diretoria pensa em trazer a inflação de volta à meta.

Some-se a isto o reconhecimento encabulado sobre o não cumprimento da meta fiscal, (sugerindo que as premissas usadas para prever a inflação são mais otimistas do que o Copom gostaria de admitir publicamente) e temos uma explicação clara para a perda de credibilidade do BC, expressa em expectativas inflacionárias persistentemente superiores à meta.

Já passamos da hora do BC explicitar o que pretende fazer acerca da inflação, revelando qual o valor que de fato persegue e como pretende cumprir o mandato que lhe foi conferido.

É 4,5%! É 4,5%! Não...


(Publicado 24/Out/2012)

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Ufa!

"Não estamos correndo o risco de deflação". (Alexandre Tombini, 23/10/2012)

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Reinhart & Rogoff strike again

Belo artigo de Reinhart & Rogoff, seja pelo trabalho meticuloso com os dados, seja pela lição sobre os limites que economistas (principalmente acadêmicos, mas não só eles) devem respeitar mesmo engajados em partidos políticos.



Torcida ou mistificação


Já devia estar acostumado, mas ainda me espanto com as tentativas de “tropicalizar” o debate econômico no Brasil. A motivação quase sempre tem caráter geográfico: ou a teoria econômica vira de ponta-cabeça quando cruza a linha do Equador, ou deixa de funcionar dentro das fronteiras brasileiras, talvez por conta da malemolência nacional, mas mais provavelmente porque aqui frequentemente se inventa de justificar o injustificável.

Na semana passada, por exemplo, quem se deu ao trabalho de ler a entrevista do secretário executivo do Ministério da Fazenda há de se ter deparado com sua afirmação que a aceleração do crescimento contribuiria para a redução da inflação, pois a produtividade seria “pró-cíclica”, isto é, aumentaria quando a economia cresce e cairia nos períodos de menor expansão.

Tal afirmação é curiosa, porque, se verdadeira, significaria que a política monetária adotada por bancos centrais do mundo todo (inclusive o brasileiro, quando ainda se importava em atingir a meta para a inflação) teria sido contraproducente. E mais intrigante ainda, porque, mesmo seguindo uma suposta política contraproducente, tais BCs ainda teriam conseguido a proeza de estabilizar a inflação!

De fato, se alguém tivesse que resumir como os BCs que tiveram sucesso ao lidar com o problema inflacionário se comportam, a regra seria simples: eleve a taxa de juros quando a inflação ameaça subir além da meta (um tanto a mais do que o aumento da inflação esperada) e faça o contrário quando a inflação cair abaixo da meta. Em outras palavras, pise no freio quando a inflação sobe e no acelerador quando cai.

O motivo por trás deste comportamento é cristalino: há evidências fortes que, à medida que o produto (e o emprego) ultrapassam determinados patamares o crescimento do salário tende a ser maior que o crescimento da produtividade, pressionando os preços. Em números, se cada trabalhador produz 5% a mais, mas seu salário aumenta 10%, cada unidade produzida ficará cerca de 5% mais cara.

Com a economia aquecida estes custos são passados para o consumidor, em particular nos segmentos menos sujeitos à concorrência com produtos internacionais, tipicamente os serviços, que, não por acaso, têm sido o principal foco de pressão inflacionária no país.

Dito de outra forma, quando a economia cresce, a menos que saia de uma situação em que o desemprego seja tão elevado que os salários não subam, a inflação se acelera. Não é por outro motivo que BCs bem sucedidos no quesito inflacionário apresentam o comportamento acima resumido. Agindo desta forma retiram o combustível que alimenta o fogo inflacionário quando a economia se aquece e o injetam de volta quando a temperatura cai abaixo daquela definida como ideal.

No caso brasileiro, em particular, salários vêm crescendo ao ritmo de 8 a 10% ao ano, na comparação ao mesmo período do ano passado, refletindo um mercado de trabalho já apertado, como expresso na menor taxa de desemprego dos últimos anos, em torno de 5,5%, segundo o IBGE.

Como argumentei na minha última coluna, contudo, se o crescimento se acelerar, digamos, para os níveis de 4% a 4,5%, como almejado pela equipe econômica, o desemprego deve se reduzir adicionalmente, provavelmente para um patamar da ordem de 3,5% no ano que vem. Não é necessário grande esforço de imaginação para concluir que, em face do aperto adicional do mercado de trabalho, o crescimento dos salários será ainda mais rápido do que hoje.

À luz disso, o crescimento da produtividade teria que ser astronômico para evitar que isto se traduzisse em novas pressões sobre custos e preços. Não há qualquer fiapo de evidência sugerindo que isto seja possível. A historinha do crescimento “pró-cíclico” da produtividade segurando a inflação é, portanto, torcida ou mistificação. Em qualquer caso não é base para formulação de política econômica.

A produtividade pró-cíclica cura tudo zifio


(Publicado 17/out/2012)

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Workin’ Man Blues


• There seems to be a widespread belief that Brazilian potential GDP growth stands at 4% to 4.5%, transparent not only in consensus forecasts suggesting that growth should trend back to those levels in the next couple of years, but also in government promises to push growth government to more than 4% in 2013;
• Whereas I shared these beliefs until not long ago, some developments, chiefly in the labor market front, have led me to question them. Indeed, growth during that period was accompanied by a significant reduction in unemployment rates. Yet, the very definition of potential growth associates this concept to unchanged unemployment rates, as long as the NAIRU (non-accelerating inflation rate of unemployment) remains itself constant;
• Indeed, employment growth averaged 2.5% per annum from 2003 to 2010, well in excess of working population growth, around 1.5% per annum, but declining in recent years to 1.2% per annum;
• We estimate that, if growth reaches 1% per quarter in the second half of 2012 and remains at this pace until the end of 2014 (leading to annual growth around 4% per annum) unemployment would reach as low as 3.5% in late 2013 and around 2% at the end of 2014. Given the current evolution of nominal wages, when unemployment hovers around 5.5%, it is not difficult to conclude that this would lead to wage growth well beyond any level consistent with inflation close to the target in 2013 and 2014;
• As a matter of fact, we have estimated in previous research that (trend) productivity growth has remained around 1.5% per annum, a figure that suggests that the bulk of GDP growth during these years has come from the incorporation of those previously unemployed into the workforce. Yet, this process cannot go forever: without further productivity acceleration output growth will eventually converge to population plus productivity, well below the 4-4.5% per annum believed to be potential growth;
• This reasoning departs from the notion that the NAIRU remained unchanged throughout the period, but it is possible to build a case of a “structural” reduction of the NAIRU arising from the construction boom, expressed by constriction construction GDP surpassing overall GDP by 0.7% per annum since 2003, whereas it lagged GDP in previous years;
• We made an attempt to build a “counterfactual”, namely what would unemployment be in case there was no construction boom, and estimate that it would be about 0.6% higher than observed in 2012. This is relevant, but accounts to less than 10% of the reduction of unemployment observed between 2003 and 2012, suggesting that the bulk of unemployment decline in the period indeed resulted from output growth beyond potential.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Crepúsculo de partida


Estamos nos encaminhando para um crescimento muito baixo em 2012, pouco acima de 1,5%, de acordo com a pesquisa Focus, menos da metade do que se projetava no começo do ano (3,3%). Mesmo com a frustração das expectativas de crescimento, porém, os analistas consultados pelo BC insistem em previsões de expansão da ordem de 4%, tanto para 2013 quanto para 2014, apenas modestamente inferiores às divulgadas no início de 2012, em torno de 4,5%.

A persistência destas projeções sugere haver certa crença entre os economistas acerca da capacidade de crescimento sustentado do país, isto é, do nível de expansão que seria consistente com a inflação ao redor da meta. No jargão da profissão, este seria o ritmo de expansão potencial do PIB, ao qual se espera que, uma vez superados os obstáculos, o crescimento tenderia a retornar.

O motivo para esta convicção parece claro: entre 2004 e o final de 2010 o aumento médio do PIB foi próximo a 4,5% ao ano. Em horizontes distintos este número se altera, mas permanece teimosamente no intervalo de 4% a 4,5% ao ano, reforçando a crença que o patamar de crescimento potencial do país estaria nesta vizinhança. É bom que eu diga, aliás, que esta também era minha visão; no entanto, ao examinar com mais cuidado o que vem acontecendo no mercado de trabalho minha percepção foi bastante abalada.

Para entender meu desconforto considere o próprio conceito do PIB potencial. Trata-se de um nível de produção que, por definição, não pressiona a inflação nem para baixo, nem para cima. Caso o PIB supere este nível ideal, o desemprego cairia abaixo do valor consistente com aumentos salariais alinhados à expansão da produtividade, gerando pressões inflacionárias; caso contrário, o desemprego subiria, fazendo com que salários crescessem mais lentamente, e que, portanto, a inflação se reduzisse relativamente à meta.

A definição do nível de produto potencial tem implicações para seu ritmo de expansão. Por construção, se a economia partir do próprio nível de PIB potencial, o produto tem que se expandir a uma cadência que mantenha a taxa de desemprego constante, isto é, em linha com o aumento populacional, assim como o crescimento do produto por trabalhador.

Caso, porém, a economia começasse a crescer em seguida a uma recessão, partindo de uma taxa de desemprego que estivesse muito acima do nível consistente com a inflação na meta, o PIB poderia, por certo tempo, crescer acima do seu ritmo potencial, reduzindo enquanto isso a taxa de desemprego.

Esta última situação parece descrever o Brasil no período pós-2003. Uma vez superada a crise de 2002 a economia se expandiu ao ritmo de 4% a 4,5% ao ano, porém o fez reduzindo sistematicamente (ainda bem!) a taxa de desemprego, de valores próximos a 13% em meados de 2003 para níveis ao redor de 5,5% em meados de 2012. Este desenvolvimento indica, contudo, que tal velocidade de crescimento deve ter superado o ritmo potencial, aquele que manteria o desemprego inalterado. Posto de outra forma, o crescimento potencial deve ser bastante inferior a 4% ao ano.

Se isto é verdade, o que ocorreria caso o ritmo de expansão do PIB saia dos patamares medíocres em que se encontra para o ritmo de 4% (ou mais) esperado pelo mercado e prometido pelo governo?

Provavelmente o desemprego continuaria a cair, chegando a algo como 3,5% no final do ano que vem e próximo a 2% no final de 2014. Com isto os salários, que já crescem acima da produtividade, se acelerariam ainda mais, comprometendo de vez o cenário inflacionário.

A verdade é que nosso modelo de crescimento se baseou mais na incorporação de mão-de-obra desempregada ao processo produtivo do que no aumento do produto por trabalhador. Funcionou bem enquanto o desemprego era elevado, mas os limites que se avizinham sugerem que já passamos do momento de explorar a segunda alternativa.

- Já passou da hora de substituir o Modelo


(Publicado 10/Out/2012)

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Ligeiramente grávido


No último Relatório de Inflação o Banco Central mudou sua avaliação da postura fiscal: o balanço público teria se deslocado de “uma posição de neutralidade para ligeiramente expansionista”, afirmação que se torna séria candidata ao “Eufemismo do Ano”, prêmio dedicado a todos aqueles que denodadamente se dedicam à nobre tarefa de evitar olhar a realidade de frente.

O mesmo BC divulgou os números consolidados do setor público até agosto, revelando que o superávit primário do governo reduziu-se de 3,6% do PIB no período janeiro-agosto de 2011 para 2,6% do PIB no mesmo período de 2012. Nos 12 meses até agosto o superávit caiu para 2,5% do PIB, bastante abaixo da meta (3,1% do PIB).

Parece que um departamento do BC não conversa com outro, pois as projeções de inflação que amparam as decisões de política monetária pressupõem que o superávit atingirá os 3,1% do PIB não apenas em 2012, mas também em 2013 e 2014. Talvez seja por isto que o BC tem sistematicamente subestimado o comportamento da inflação...

Mas acabei me desviando do que pretendia dizer. A verdade é que a postura da política fiscal é muito mais expansionista do que o BC admite.

Em que pese certa frustração da previsão das receitas para o ano, pelo menos até agosto estas superaram o observado em igual período de 2011. A arrecadação de tributos, já corrigidos os efeitos da inflação, cresceu quase R$ 10 bilhões em 2012, aumento real de 1,5%. Já o conjunto das receitas federais (incluindo, entre outros, dividendos) aumentou cerca de R$ 12,5 bilhões no ano, expansão real de quase 2%. À luz disso torna-se difícil atribuir a piora fiscal, pelo menos no que diz respeito ao governo federal, ao mau desempenho das receitas.

Já os gastos federais, excluídas as transferências a estados e municípios, aumentaram nada menos do que R$ 67,5 bilhões no período, 6,5% acima da inflação. Dentre estes as despesas correntes tiveram o maior impacto: R$ 61,5 bilhões, valor que poderia ser ainda maior se fossem computados, como eram até o ano passado, os subsídios associados ao programa “Minha Casa, Minha Vida”. Tais despesas, agora contabilizados entre os gastos de capital, aumentaram R$ 6,5 bilhões de janeiro a agosto. Vale dizer: o investimento público propriamente dito não desempenhou qualquer papel na expansão do gasto federal, o que ajuda a explicar o estado lastimável da infraestrutura.

A evolução positiva (ainda que modesta) das receitas e o crescimento expressivo do gasto deixam clara a natureza da deterioração fiscal observada no ano. Trata-se da adoção explícita de uma política fiscal expansionista, que se soma à política de estímulo à demanda por parte do Banco Central e às políticas de aumento do crédito impostas aos bancos federais.

Estas considerações, contudo, não esgotam o tema. Muitos têm notado, com razão, que parcela considerável do superávit primário tem sido obtida à custa de artifícios questionáveis.

Este ano observamos mais uma vez a criatividade contábil sendo posta à prova e o papel crescente dos dividendos na formação do superávit (apenas em agosto foram R$ 6 bilhões). Isto é problemático porque muitas vezes os dividendos provêm de operações nada ortodoxas.

Um exemplo claro vem dos empréstimos subsidiados do Tesouro ao BNDES. O Tesouro toma recursos a taxas de mercado e os repassa ao BNDES tipicamente à TJLP, subsídio que não aparece nas contas primárias. O BNDES cobra um spread sobre a TJLP e obtém lucros sobre estes empréstimos, repassando dividendos para o Tesouro, que melhoram o superávit primário.

Todavia, se o spread cobrado pelo BNDES sobre a TJLP for menor que o hiato entre a taxa de juros de mercado e a TJLP (como sói acontecer) o resultado total será negativo: o ganho com os dividendos não cobre o gasto com juros, mas, como a meta é definida em termos do superávit primário, ninguém dá a menor atenção ao tema.

Isto dito, ao removermos dividendos e concessões das receitas obtemos uma medida menos distorcida da postura de política fiscal. Esta revela (ver gráfico) que o superávit primário ajustado é hoje similar ao observado em meados de 2009. Com uma diferença crucial, porém: àquela época a economia operava com uma folga colossal, em particular no mercado de trabalho, onde o desemprego atingia 8,5%; hoje, com o desemprego a 5,5%, a folga desapareceu.

Fontes: BCB e cálculos do autor
Posto de outra forma, a política fiscal é tão expansionista quanto a observada em 2009. A gravidez fiscal de então nos levou à aceleração inflacionária de 2010-11, apesar do desemprego elevado; por que a “ligeira gravidez”, acanhadamente reconhecida pelo BC, teria resultados distintos nos próximos anos?

Não é um gato gordo; só ligeiramente grávido

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O porquê do PIB-piada


Quando se analisa o conjunto de medidas de política econômica adotadas – de forma algo desconjuntada, diga-se – com o objetivo de acelerar o crescimento, é difícil deixar de notar que este parte da premissa que o crescimento baixo resulta da fraqueza da demanda; portanto, segue o raciocínio, estímulos à demanda farão a economia recuperar o viço perdido.

Este diagnóstico não difere do que embasou as medidas adotadas no período que se seguiu à crise de 2008-09, embora os resultados não possam ser mais distintos: à época o Brasil voltou a crescer aceleradamente passados dois trimestres; hoje observamos dois anos de crescimento medíocre.

O insucesso desta combinação de políticas hoje, à luz do êxito de quatro anos atrás requer uma explicação e acredito que esteja relacionada a limites associados ao lado da oferta da economia, isto é, à nossa capacidade de produção.

Em 2008-09 a crise gerou uma elevação substancial da ociosidade na economia. O nível de utilização de capacidade instalada (NUCI) na indústria despencou (de 83% para 78%), enquanto o desemprego aumentou, ainda que de forma mais moderada, de 7,3% para 8,6%. Sob estas circunstâncias, políticas de encorajamento da demanda são geralmente adequadas, sem entrar no mérito da combinação ideal entre investimento e consumo.

Tais condições, contudo, não são válidas nos período mais recente. Em que pese certa redução do NUCI, não se pode afirmar categoricamente que a economia hoje opere com uma folga extraordinária. Em particular, a evolução do mercado de trabalho sugere precisamente o oposto: a taxa de desemprego está nos menores níveis já registrados pela nova série (desde 2002, é bom reconhecer), apesar do aumento da proporção de pessoas em idade ativa (PIA) que se mostram dispostas a participar desse mercado.

A partir de 2004, quando o Brasil superou as dificuldades associadas à transição política, o crescimento do emprego tem superado sistematicamente o crescimento da PIA, que, aliás, desacelerou um tanto desde então, de patamares entre 1,5% e 2% ao ano para algo como 1% a 1,5% ao ano. Assim a taxa de ocupação (a proporção dos empregados na PIA) se encontra hoje nos maiores valores já observados, em torno de 54%.

De fato, o aumento do PIB nos últimos anos tem se caracterizado mais pela incorporação de trabalhadores ao processo produtivo do que pelo aumento do produto por trabalhador. As estimativas não são as mais confiáveis, é bom que se diga, em face dos grandes choques a que a economia foi submetida nos últimos anos, mas os números indicam que o crescimento da produtividade (ou, melhor dito, sua tendência de longo prazo) tem se mantido na casa de 1,5% ao ano. Já a ocupação cresceu ao redor de 2,5% ao ano, valores consistentes com um crescimento do PIB na faixa dos 4% ao ano.

Não é preciso, pois, muita imaginação para enxergar os limites desta estratégia: ela funciona enquanto o desemprego for relativamente elevado, ou seja, enquanto a mão-de-obra for abundante e puder ser incorporada ao processo produtivo sem grandes aumentos salariais. Quando, ao contrário, reduz-se o contingente de trabalhadores disponíveis o ritmo de expansão convergirá necessariamente para o ritmo de aumento da PIA acrescido do crescimento do produto por trabalhador.

Não estamos ainda neste estágio, mas estamos bem mais próximos dele do que há poucos anos. Vale dizer, nossa capacidade de crescimento é menor do que era entre, digamos, 2004 e 2010. Por outro lado, o governo – seja por suas afirmações, seja, principalmente, por suas ações – parece convencido que o crescimento daqueles anos é novo marco de referência da economia, daí sua insistência nos estímulos ao consumo. E, por conta disso, enquanto não mudar seu foco para uma agenda voltada à produtividade, sofrerá afrontas constantes, como o PIB-piada de 2012.



(Publicado 3/out/2012)