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quarta-feira, 27 de março de 2019

50% = zero


Em outubro do ano passado, em entrevista às vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais, fui perguntado acerca de Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, os candidatos que então lideravam as pesquisas e passariam (como de fato passaram) para o segundo turno: qual do dois seria a melhor escolha para o país?

Minha resposta à época foi: ninguém, pois “com esta configuração política, [a economia] não tem a menor chance de dar certo”. De lá para cá, infelizmente, parece que o diagnóstico estava correto.

É verdade que não temos (ainda bem!) um governo Haddad, mas basta ler o que o ex-candidato e seus acólitos andam dizendo nas redes sociais para se convencer que teria sido um fracasso retumbante praticamente a zero de jogo.

Nenhum compromisso com o problema fiscal, nenhuma ideia que já não tenha sido tentada e nos levado a um fiasco de grandes proporções, como bem exemplificado pela Nova Matriz Econômica. De fato, apesar da gravíssima crise que passamos, e que ainda não foi totalmente superada (tenho minhas dúvidas de que será), não há economista do partido que admita o erro extraordinário de política econômica cometido no período.

Pelo contrário, volta e meia aparecem elementos requentados da Nova Matriz, ilustrando para as novas gerações o que Mario Simonsen chamava de Princípio da Contraindução: uma experiência fracassada deve ser repetida até que dê certo. Indefinidamente, óbvio.

Há, todavia, um governo Bolsonaro.

Em outubro eu afirmava que o cenário num primeiro momento deveria ser de euforia, com Bolsa em alta e dólar para baixo. Contudo, continuava, “o governo Bolsonaro terá imensa dificuldade em aprovar projetos de reformas suficientemente ambiciosas que desviem o país do muro fiscal. Em algum momento essa ficha vai cair. Daí serão dólar e juro longo pressionados de novo. ”

Para ser justo, a turbulência dos últimos dias, ainda que na direção prevista, não configura ainda, é bom deixar claro, uma crise de grandes proporções. Já vimos coisa muito pior, seja por causas externas, seja por desenvolvimentos domésticos.

Ainda assim, é preocupante o rumo tomado. Em nome de uma suposta Nova Política (ah, tá!), não se avança na construção de uma base parlamentar que possa juntar os 308 votos requeridos para a aprovação da reforma previdenciária na Câmara (nem os 49 votos no Senado).

A desastrada iniciativa de compensar os militares pela sua parcela na reforma com a reformulação da carreira – que, na prática, limitou sua contribuição ao ajuste fiscal a meros R$ 10 bilhões em 10 anos – desmanchou qualquer “narrativa” sobre o corte de privilégios.

Em meio a isto o presidente e sua prole desperdiçam tempo e energia em temas que podem até contribuir para manter sua base em pé de guerra nas redes sociais, mas que não contribuem nem para a estabilização econômica, nem para a estabilização política do país.

Não contente, resolve antagonizar o presidente da Câmara por motivos que escapam qualquer pessoa que não acredite que o presidente da República seja um grande mestre do xadrez político, capaz de pensar 25 jogadas à frente, e que teria passado os últimos 30 anos escondendo seus talentos.

O discurso agora é que é necessário destruir para depois reconstruir. Se fosse possível passar de ano com 50% de aproveitamento, este governo seria um sucesso.


He’s not the Messiah, he’s a very naughty boy

quarta-feira, 20 de março de 2019

barbooosa e a dor-de-cotovelo


nelson barbooosa jamais perde uma oportunidade de perder uma oportunidade. Ainda sofrendo fortes dores nos cotovelos por conta da comparação entre os resultados desastrosos de sua política econômica e o sucesso obtido por Ilan Goldfajn na luta contra a inflação, resolveu investir contra este.

Segundo barbooosa, Ilan foi o único banqueiro central no Brasil que não elevou a taxa de juros, porque: (1) Alexandre Pombini (de triste memória) já teria feito o trabalho por ele; e (2) porque não pretendia correr riscos do lado inflacionário (sim, o argumento é mesmo esquisito dado que quem não quer correr riscos com a inflação subiria a taxa de juros, mas vindo de barbooosa não dá para esperar nada diferente).

barbooosa afirma que “a inflação acelerou a partir de 2013 e ganhou força em 2015, fruto de choque adverso nos preços de energia e depreciação cambial, em um contexto de baixa taxa de desemprego”. Para começar, a inflação começou a se acelerar muito antes disto, atingindo 6,5% já em 2011. A desaceleração aparente de 2012 só ocorreu por força do controle artificial dos preços administrados, cuja variação caiu de 6,2% para 3,7% no período, enquanto a inflação de preços livres ficou praticamente estável: 6,5% contra 6,6% no ano anterior.

Diga-se, aliás, de passagem que em nenhum ano da administração Dilma Rousseff a inflação de preços livres chegou abaixo de 6,5%. Só não estourou o limite superior da meta de inflação (também 6,5%) por força da mão pesada do governo nos preços administrados (medidas que, a propósito, jamais foram criticadas por barbooosa). O tal “choque adverso nos preços de energia” nada mais foi do que a correção de um erro colossal de política econômica (a MP 579) acerca do qual barbooosa ficou caracteristicamente mudo.

Calado fica também barbooosa sobre o comportamento da inflação de serviços, que permaneceu teimosamente acima de 8% ao ano em todos os anos da administração Rousseff, fenômeno que colide frontalmente como sua visão de elevação temporária da inflação por força da depreciação cambial.

Falando no assunto, não custa lembrar que, da mesma que o ocorrido com preços administrados, a explosão do câmbio resultou de sua compressão artificial no período Pombini, durante o qual o BC, acovardado para subir juros, vendeu mais de US$ 100 bilhões no mercado futuro na tentativa de conter a inflação por meio do dólar barato, posição que se tornou insustentável e colaborou para a estilingada de 2015-16, política que, vejam só, não suscitou nenhum comentário de barbooosa.

A zero de jogo, portanto, o diagnóstico de barbooosa sobre o processo inflacionário não passa no teste dos dados, que negam todas as suas teses.

Isto dito, no que se refere à gestão da política monetária, sugiro ao leitor o exame dos gráficos abaixo, que mostram a Selic real (isto é, deduzida da expectativa de inflação para os 12 meses seguintes) contra o desvio da inflação esperada nos 12 meses seguintes com relação à meta de inflação. A boa prática de política monetária requer que a taxa real de juros suba quando a inflação esperada ultrapassa a meta e vice-versa. A tradução deste princípio requer que, em geral, a reação de juros seja positivamente inclinada no gráfico (quanto maior o desvio da inflação, maior a taxa de juros e vice-versa).

O primeiro gráfico mostra o ocorrido quando Pombini, o homem que, segundo barbooosa, fez o ajuste de juros, enquanto o gráfico seguinte resume a gestão de política monetária sob Ilan Goldfajn.

Fonte: Autor com dados do BC e IBGE

Fonte: Autor com dados do BC e IBGE

O que se observa no período Pombini é que a reação de juros se parece com o Papa-Léguas. Em vários momentos o que se observa é redução da taxa real de juros, mesmo quando a inflação esperada se desviava ainda mais da meta. Em contraste, no período Ilan o que se observa é redução da taxa real de juros quando a inflação esperada começa a se aproximar da meta.


Aliás, como barbooosa não diferencia entre a taxa real e a taxa nominal de juros, erro primário para quem pretende opinar sobre o assunto, ele não percebe que: (a) a taxa real de juros praticamente não subiu nos meses finais do período Pombini; e (b) que ela subiu um ponto percentual entre maio e novembro de 2016 de 7,6% para 8,6%), ou seja, que, ao contrário de sua afirmação inicial, Ilan subiu sim a taxa de juros, no caso a taxa real de juros, que é a relevante para a determinação da dinâmica inflacionária.

Querem ver? O gráfico abaixo mostra a diferença entre a expectativa de inflação 12 meses à frente e a meta (para capturar os efeitos da redução da meta para este ano). No caso, uso duas medidas: a pesquisa Focus, do BC, alimentada pelas projeções dos analistas econômicos e a inflação implícita 12 meses à frente, isto é, a diferença entre a taxa nominal de um ano e a taxa dos papéis indexados ao IPCA.

Fonte: Autor com dados da ANBIMA e BC
Há problemas técnicos com ambas as medidas, mas a história que contam é bastante parecida: o BC perdeu o controle das expectativas de inflação no período Pombini e o retomou quando Ilan e sua equipe tomaram o leme da instituição. Note-se também que, quando a nova diretoria assumiu, não faltou quem pedisse a elevação da meta para 2017, medida que teria desancorado as expectativas e requerido novas rodadas de elevação da taxa de juros. Podemos colocar na conta deles a firmeza de propósito para evitar o canto das sereias de ocasião.

Argumenta-se que as expectativas superestimam a verdadeira inflação: o gráfico abaixo sugere que não. Na maior parte do tempo as duas medidas subestimaram a inflação 12 meses à frente. A superestimação até agora foi um fenômeno restrito entre o final de 2015 e meados de 2017. No período mais recente (no caso até fevereiro de 2018, para comparar com a inflação nos 12 meses até fevereiro de 2019), ambas as medidas oscilaram próximas à inflação observada.

Fonte: Autor com dados da ANBIMA, BC e IBGE

Aproveitando o gancho, uma observação final sobre a (pobre) análise de barbooosa. Avaliar a política monetária como engenheiro de obra feita (ex-post, no jargão da profissão) não é apenas fácil, como errado.

As decisões de política monetária são feitas sob incerteza. Não há taxa de juros que afete a inflação que já ocorreu; por conta, aliás, das defasagens de política monetária, qualquer banco central neste quadrante da galáxia tem que definir a taxa de juros com base na inflação esperada.

Como mostrado, o BC sob Ilan tipicamente seguiu este princípio e, não por outro motivo, conseguiu ancorar as expectativas próximas à meta; Pombini ignorou o princípio, desancorou as expectativas e colheu inflação sistematicamente acima da meta.

É tão errado julgar uma política pelos seus resultados ex-post quanto lamentar ter saído na chuva quando se tomou a decisão consciente de fazê-lo sabendo dos riscos que estava correndo. Claramente barboosa não assistiu as aulas de decisão sob incerteza.

A ideia que há assimetria (nas palavras de barbooosa “Errar a Selic para cima é mais tolerado do que errá-la para baixo, pois a população tem maior aversão à inflação do que ao desemprego, e o mercado financeiro não se incomoda em receber uma taxa de juro mais alta, mesmo que errada”) na decisão de taxa de juros ignora este simples princípio, o que, diga-se, não constitui surpresa alguma vindo de quem veio.

Houve, sim, assimetria, mas para reduzir a Selic quando não era possível, na administração Rousseff, mas barbooosa mais uma vez se cala face a um erro óbvio. Isto também não me causa qualquer surpresa.

Em outras palavras, não satisfeito com seu próprio insucesso na elaboração e implementação da Nova Matriz, barbooosa segue em sua cruzada para reabilitar o conjunto mais catastrófico de política econômica que se tem notícia desde o Plano Collor. Que seja julgado por isto.



sexta-feira, 15 de março de 2019

A cor do naufrágio


O setor público registrou no ano passado déficit pouco inferior a meio trilhão de reais, equivalente a 7% do PIB de 2018. Ainda que tenha melhorado em relação ao observado em anos anteriores (mais de 10% do PIB em 2015, 9% do PIB em 2016 e pouco menos de 8% do PIB em 2017), o progresso tem sido extraordinariamente lento.

Sua contrapartida, o endividamento do governo, reflete isto: a dívida, que equivalia a pouco mais de metade do PIB ao final de 2013, cresceu em todos os anos desde então, embora em ritmo declinante a partir de 2016, em parte pela redução da taxa real de juros, em parte pela queda do déficit primário. Assim, no final do ano passado ultrapassava ¾ do PIB, sem dar sinal de reversão, ao menos no futuro imediato.

De fato, algumas simulações sugerem que, caso o teto de gastos seja respeitado (hipótese bastante delicada, como veremos), a dívida, sempre medida como proporção do PIB, pararia de crescer em algum momento entre 2023 e 2027, dependendo do ritmo de expansão da economia nos próximos 10 anos (suposto entre 2% e 3% ao ano a partir de 2020), atingindo seu pico entre 83% e 90% do PIB.

Se, porém, o produto seguir crescendo no ritmo observado em 2017 e 2018, mesmo esses números, já bastante feios, podem se tornar tenebrosos, ultrapassando a marca de 100% do PIB na metade desta década e, pior, sem tendência à reversão, mesmo com o teto de gastos, por hipótese, operante.

O problema, contudo, é precisamente a suposição do teto de gastos se mantendo ao longo de todo horizonte de projeção.

De 2016 para cá o governo federal conseguiu estabilizar suas despesas: equivaliam a 19,9% do PIB naquele ano e atingiram 19,7% do PIB em 2018. O resultado, aparentemente positivo, embora modesto, embute uma dinâmica preocupante. A estabilização só foi obtida com a redução das despesas não-obrigatórias, que caíram de 2,3% para 1,9% do PIB; já as despesas obrigatórias continuaram aumentando, em particular os benefícios previdenciários e os gastos com pessoal. Somadas ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), tais despesas, que representavam cerca de 2/3 do teto de gasto, hoje chegam a pouco menos de ¾ dele.

Esta dinâmica não é sustentável por muito mais tempo. Se as contas da Instituição Fiscal Independente estiverem corretas, nos próximos dois ou três anos a redução persistente do dispêndio discricionário tornará o governo inoperante, antes que o teto de gastos consiga reverter a trajetória do endividamento.

Se chegarmos a esta situação, muito provavelmente o teto será abandonado e com ele qualquer chance de estabilização da dívida pela via fiscal.

Há, é claro, quem acredite que um governo que deve em sua própria moeda não precisaria se preocupar com isto, porque sempre poderia emitir moeda para pagar sua dívida. Já a experiência histórica mostra que tais casos desembocam sistematicamente em processos inflacionários bastante complicados, apesar das crenças em contrário.

Para evitar este cenário não há alternativa que não passe por reformas fiscais profundas, a começar pela previdenciária.

Apesar do que está em jogo, o presidente prefere gastar seu capital político na pauta de costumes e no atrito contraproducente com a imprensa para agradar um público que já o idolatra, ao mesmo tempo em que o ministro da Economia admite faltarem 48 votos para aprovar a reforma da previdência.

Afundamos enquanto o presidente discute com que cor quer pintar o barco.




(Publicado 13/Mar/2019)

terça-feira, 12 de março de 2019

Contra a cara de pau


As corporações que se opõem à reforma da previdência posam como defensoras dos pobres, mas protegem apenas seus próprios interesses. A análise da reforma revela que esta tem impacto maior sobre os segmentos mais ricos da população, em particular o funcionalismo, com efeitos reduzidos sobre a parcela mais pobre.

Segundo levantamento de Gabriel Tenoury, um dos jovens economistas que têm feito um trabalho precioso, a previdência beneficiou em 2017 quase 34 milhões de pessoas, correspondendo a um gasto de R$ 890 bilhões (13,6% do PIB).

Destes, 30 milhões são os beneficiários do regime geral (INSS), que receberam R$ 557 bilhões, ou seja, R$ 18,7 mil per capita. Assim, 88% dos beneficiários ficaram com 63% dos recursos.

Já os 4 milhões restantes pertencem aos regimes próprios do governo federal, estados e municípios, percebendo 37% do valor desembolsado. Em particular, o gasto per capita no caso do governo federal chegou a quase R$ 115 mil, atingindo cerca de R$ 80 mil no que se refere aos estados e pouco menos de R$ 50 mil para municípios.

Tais números deixam claro que os gastos da previdência beneficiam mais que proporcionalmente o funcionalismo nos três níveis de governo, grupo que pertence majoritariamente à camada mais rica da população.

A proposta de reforma prevê redução de gastos equivalente a R$ 1,070 trilhão em 10 anos, dos quais R$ 173 bilhões correspondem ao funcionalismo federal. Adicionalmente, embora o projeto de emenda constitucional não tenha tratado dos militares, cuja previdência é regulada por lei ordinária, as estimativas do governo sugerem que outros R$ 92 bilhões viriam de projeto de lei a ser enviado até o final do mês, elevando o total para R$ 1,16 trilhão.

Em outras palavras, embora o regime próprio federal, incluindo civis e militares, represente algo como 14% do gasto previdenciário, as novas regras fariam com que este grupo fosse responsável por mais de 22% da economia esperada, reduzindo o caráter regressivo do atual regime. 

Não há estimativas para os demais níveis de funcionalismo, contudo não é difícil concluir que a aplicação das novas regras teria efeito similar, exigindo mais dos extratos mais ricos da população. 

Já no que se refere ao regime geral, o impacto também seria neste sentido, mas em escala menor. Os mais pobres, como regra, já se aposentam por idade, com pouco mais de 60 anos, recebendo em média cerca de R$ 900/mês. Já quem se aposenta por tempo de contribuição o faz mais cedo, ao redor de 55 anos, e recebe praticamente o dobro, em média, dos que o fazem por idade. O projeto de reforma adiaria a aposentadoria deste grupo por cerca de 10 anos, depois do período de transação.

Não falamos aqui de pessoas relativamente tão ricas quanto o funcionalismo, em média pelo menos, ainda que certamente mais bem posicionadas na escala de renda do que os que se aposentam por idade. Também neste caso, pede-se mais daqueles que têm mais.

Em suma, face a um caso clássico de cobertor curto, a proposta de reforma exige mais da cabeça e menos dos pés, mas a organização política da cabeça tenta barrá-la como se fosse o contrário.

É neste contexto que se situa comentário de Marcio Pinochmann, afirmando que a reforma teria efeitos recessivos sobre a economia. A defesa dos interesses das corporações já atingiu níveis que apenas a cara de pau de Pinochmann permite justificar.



quarta-feira, 6 de março de 2019

Essência versus perfume


Nem sempre é fácil pensar num tema para a coluna. Aí chega a segunda e eu, feliz da vida, já sei o que escrever, até abrir a Folha, encontrar a coluna do Celso Rocha de Barros e descobrir que ele já esgotou o meu assunto. Pô, Celso, a gente nem sempre concorda, mas você precisava aprontar uma dessas comigo?

O projeto de reforma da previdência, entre várias outras iniciativas, cria (artigo 201-A) “(...) novo regime de previdência social, organizado com base em sistema de capitalização na modalidade de contribuição definida, de caráter obrigatório para quem aderir”. Há, portanto, uma opção por um regime distinto do existente (repartição), mas, a partir do momento da opção, as contribuições, obrigatórias, serão direcionadas a “conta vinculada para cada trabalhador e de constituição de reserva individual para o pagamento do benefício”.

O Celso crê que novos ingressantes no mercado de trabalho serão forçados para o novo regime; eu acredito que muitos deles preferirão o novo regime, mas esta distinção é irrelevante. Quem migrar para a capitalização poderá até ganhar, mas deixará de financiar a atual geração de aposentados (e aqui estou me referindo apenas ao INSS).

Como alertei meses atrás, há cerca de 30 milhões de aposentados e pensionistas que receberam R$ 587 bilhões (8,5% do PIB) em 2018. Há também pouco mais de 52 milhões de contribuintes que pingaram R$ 391 bilhões (5,7% do PIB) para pagar estas despesas, resultando em déficit de R$ 196 bilhões.

A demografia já joga contra: a relação entre aposentados e trabalhadores na ativa crescerá, pela maior longevidade da população, bem como redução das taxas de natalidade. Para que mesmo precisamos acelerar o processo, tirando da base de contribuição os que optarem pelo o regime de capitalização?

Faz sentido criar um sistema de capitalização complementar ao de repartição, como defendido, por exemplo, na proposta elaborada por Paulo Tafner. No caso, pessoas de renda mais elevada contribuiriam para o novo regime sobre o montante que ultrapassasse o teto do regime de repartição. Note-se que o novo regime neste caso não adicionaria ao déficit (como ocorreria pelo projeto enviado semana passada), nem o reduziria.

Independentemente, portanto, da criação de um novo regime é necessário alterar o modo de funcionamento do atual, tanto no que se refere ao INSS, como no que tange ao funcionalismo. A este respeito o projeto do governo apresenta várias alternativas que, segundo suas estimativas, poderiam resultar em redução do déficit previdenciário em pouco mais de R$ 1,1 trilhão nos próximos 10 anos.

Note-se que esta redução não se dá na comparação com o déficit atual, mas com aquele que ocorreria na ausência de reformas. Como destacado oportunamente pelo Marcos Lisboa, a proposta supracitada de Tafner ainda permitiria que gastos previdenciários crescessem em torno de 2% ao ano; como a do governo é mais modesta, o gasto provavelmente cresceria um tanto mais rápido.

Apenas esta observação deveria deixar claro a enormidade da tarefa à frente. Maior que esta, porém, parece ser a disposição das corporações para manter seus privilégios.

Enquanto posam como paladinos dos pobres se posicionam para manter o status quo que permite que o gasto por funcionário federal seja mais de seis vezes superior ao observado no INSS. Isto é o essencial; o resto é perfumaria.



Paladinos