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terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

A colheita

Nesta semana as expectativas de inflação para 2017 coletadas pelo BC (Focus) caíram levemente abaixo da meta (4,47% x 4,50%), enquanto as expectativas para 2018 se mantiveram em 4,5%.

Embora seja verdade que o Focus não se prime pela exatidão, isto não deixa de marcar uma mudança importante: a última vez que observamos as expectativas ao redor da meta (para o futuro próximo, de 12 a 18 meses à frente) foi no agora longínquo ano de 2011, não por coincidência imediatamente antes do “cavalo-de-pau” de Alexandre Pombini, que culminou com a inflação de dois dígitos em 2015.

Fato é que a dinâmica da inflação parece ter se alterado a partir do terceiro trimestre do ano passado. Até então, embora o impacto do reajuste de preços administrados já houvesse, em larga medida, se dissipado, a inflação propriamente dita dava poucos sinais de alívio. Os chamados “preços livres” ainda aumentavam a um ritmo ao redor de 9% ao ano, enquanto os “núcleos” de inflação (medidas menos sujeitas a efeitos pontuais e temporários) vinham em lenta desaceleração, de um pico de 8,5% no começo de 2016 para 7,5% em setembro.

Posto de outra forma, o comportamento dos preços parecia incongruente com a intensidade da recessão. A taxa de desemprego àquela altura já havia se elevado de 6,5% em meados de 2014 para quase 12% (já descontadas as flutuações sazonais da série) e o PIB acumulava queda superior a 8% em relação ao primeiro trimestre daquele ano, o pico recente de atividade.

A resistência da inflação levou a muitas conjecturas, da “dominância fiscal” à “inércia inflacionária” de alguma forma incorporada à cultura econômica nacional, passando por apelos à “inflação estrutural de serviços”. Em comum estas teses todas apontavam para a ineficácia da política monetária em lidar com o problema e geralmente desembocavam na recomendação de nada fazer.

Não foi esta minha opinião, como sabem os 18 heróis. Argumentei mais de uma vez que o aparente aumento da inércia inflacionária era a resposta racional a um BC que sistematicamente alongara o período de convergência da inflação à meta e se tornara prisioneiro deste mecanismo. A conclusão, à época, apontava não apenas para um custo mais alto em termos de atividade para domar a inflação, como também que este cresceria quanto mais se adiasse o combate necessário.

Este estado de coisas mudou de figura a partir de meados do ano passado. Por um lado a nova diretoria do BC não se deixou seduzir pelas propostas de, mais uma vez, alongar o prazo de convergência de inflação por meio da adoção de uma “meta ajustada” para 2017. Pelo contrário, agiu para calibrar a política monetária mirando o centro da meta, apesar das pressões para que aliviasse a mão.

Por outro lado, é bom reconhecer, as iniciativas no campo fiscal, ainda que prometendo resultados apenas para prazos mais longos, mudou a percepção acerca dos riscos de sustentabilidade da dívida, firmando o terreno para a ação da política monetária.

Em outras palavras, a promessa de aperto fiscal abriu a possibilidade para a queda da inflação e, com ela, o afrouxamento monetário, que parece ser o principal, senão único, impulso para o crescimento este ano.


Será que finalmente vão perceber que vale a pena combater a inflação?


Um tempo de plantar; um tempo de colher


(Publicado 15/Fev/2017)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Ignorância sem fronteiras

Já com a coluna da semana passada pronta, destacando as semelhanças entre a provável política econômica do governo Trump e a malfadada “nova matriz” (combinação de protecionismo e expansão fiscal numa economia próxima ao pleno emprego), fui surpreendido (mas não muito) pela declaração de Peter Navarro, diretor do Conselho Nacional de Comércio Exterior, acusando a Alemanha de deliberadamente desvalorizar o euro para estimular suas exportações.

Se algo faltava, a ressurreição da “guerra cambial”, delírio do nada saudoso ministro da Fazenda Guido Mantega, deve ser mais do que suficiente para convencer os céticos sobre os riscos de aproximação da política econômica nos EUA com o experimento fracassado do Brasil.

Há um quê de realidade na afirmação, que, porém, não a torna correta. É bastante razoável imaginar que, caso a Alemanha tivesse mantido sua moeda, ao invés de embarcar no euro, o hipotético marco alemão deveria estar mais valorizado do que a moeda única. A Alemanha cresce mais do que a média da Zona do Euro (ZE) e sua taxa de inflação, ainda que modesta, é, pelo menos desde 2013, mais alta do que a observada no restante do bloco. Assim, se o Bundesbank ainda fosse o responsável pela gestão da política monetária, as taxas de juros alemãs seriam mais altas do que de fato são, levando a um marco mais forte do que o euro atualmente.

Não se segue disto, contudo, que a Alemanha tenha manipulado o euro. A começar porque não é ela quem define a política monetária, mas sim o conjunto de países que pertencem à ZE, de modo que a taxa de juros não é necessariamente a ideal para cada país, mas, ao menos em tese, para a “média” da região.

Não é por outro motivo, aliás, que há um claro desconforto alemão com a condução da política monetária. Mais de uma vez o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, se opôs às medidas de afrouxamento monetário e o establishment alemão tem se posicionado persistentemente contra as baixas taxas de juros praticadas pelo BCE. Em suma, a Alemanha não pode baixar artificialmente a taxa de juros e, mesmo se pudesse, tem dado mostras de que escolheria o curso oposto.

A fraqueza do euro reflete, portanto, em parte a decepcionante recuperação europeia e, em parte, a força relativa da economia norte-americana, expressa na perspectiva de normalização de suas taxas de juros a um ritmo bastante superior ao esperado para a ZE.

De fato, a política fiscal mais frouxa nos EUA, no contexto de um mercado de trabalho muito próximo de seu potencial, deve aumentar as pressões inflacionárias e, portanto, acelerar o ritmo de elevação da taxa de juros, fenômeno que deve contribuir para fortalecer o dólar face às demais moedas. Da mesma forma, maior proteção contra a concorrência externa atua também no sentido de apreciar o dólar.

Assim, se Navarro, um dos principais conselheiros de Trump nas questões de comércio internacional, já acredita que “a Alemanha está usando o euro imensamente desvalorizado para explorar os EUA e seus parceiros da União Europeia”, deverá ficar ainda mais preocupado quando esta tendência se materializar, desfazendo parcialmente os efeitos da proteção comercial.

Não é consolo algum, mas a ignorância não tem fronteiras.

* * *


À memória do meu pai (6/12/1932 – 4/2/2017)



(Publicad0 8/Fev/2017)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

“The new macroeconomic matrix”

Da véspera da eleição norte-americana até o fim da semana passada as bolsas nos EUA subiram fortemente: 7% pelo índice S&P500 e quase 10% pelo mais tradicional índice Dow-Jones. O mercado acionário não deixou dúvida sobre sua avaliação positiva do governo Trump.

Parte da história parece decorrer da perspectiva de um pacote de estímulo fiscal, ancorado principalmente na redução de impostos (em particular os incidentes diretamente sobre as empresas). Espera-se que, em resposta a isto, a atividade ganhe fôlego adicional e que os lucros (pós-impostos) aumentem, trazendo consigo os preços das ações, que refletem exatamente as expectativas de lucros futuros, devidamente descontados à taxa de juros em vigor na economia.

Outra parte da história, assemelhada, aparenta resultar do lucro adicional esperado caso a competição das importações seja, de fato, substancialmente reduzida. O aumento da demanda interna, casado com restrições às importações, faria com que as empresas domésticas pudessem elevar suas margens, fenômeno que também colaboraria para o aumento do valor das empresas.

É claro que não houve qualquer anúncio oficial destas medidas. No entanto, considerando os acontecimentos da primeira semana de governo, entendo que levar os anúncios de campanha a sério é uma atitude bastante sensata.

Isto posto, conforme tive a oportunidade de explorar em coluna anterior, a métrica do mercado para avaliar uma política é bastante específica: ele as avalia constantemente pela ótica do preço dos ativos. Já o público as julgará por outros critérios, em particular se haverá melhora de bem-estar para a maioria dos eleitores: caso seja este o caso, as políticas (junto com o governo que as adotou) continuam; senão, não.

Minha preocupação, no caso, é com a sustentabilidade destas políticas, isto é, se poderão ser mantidas, ou se, em algum momento, será necessária uma correção. Eu me inclino para a segunda opção.

O estímulo fiscal ocorre em ambiente peculiar. A economia americana opera próxima ao pleno-emprego. A medida tradicional de desemprego aponta para uma taxa de 4,7% em dezembro do ano passado, bastante próxima da observada antes da Grande Recessão. Medidas alternativas, que levam em conta desalento e trabalho parcial, entre outros fenômenos, sugerem um pouco mais de folga no mercado de trabalho, mas não muita, e vêm em queda mais rápida do que a versão tradicional.

Sob tais circunstâncias, as pressões inflacionárias, modestas hoje, devem aumentar, levando a uma normalização mais acelerada da taxa de juros. Embora deva deixar claro que não se trata de algo necessariamente ruim neste exato momento, há riscos consideráveis caso estas políticas se cristalizem, impedindo uma reação rápida quando as circunstâncias (desemprego e inflação principalmente) mudarem.

A combinação de estímulo fiscal com protecionismo é nossa velha conhecida: mantida por muito tempo deverá elevar a inflação e, consequentemente, também os juros, valorizando o dólar face às demais moedas, por um lado, e piorando a evolução da dívida pública por outro.

São, em suma, políticas insustentáveis, como aprendemos por experiência própria, mas cujos efeitos serão sentidos em escala global. Lá, como aqui, também terão que ser corrigidas.



 Dodge this!

(Publicado 1/Fev/2017)