teste

quarta-feira, 25 de julho de 2007

A pedra filosofal

Há alguns meses abordei nesta coluna a questão das importações (Cui bono?, 07/02/2007). A polêmica à época dizia respeito à visão segundo a qual a expansão das importações “roubava” crescimento do PIB, ao permitir que parcela da demanda doméstica não fosse atendida pela produção local. Procurei mostrar então que o argumento não fazia muito sentido, pois as importações, por meio de seus efeitos positivos sobre as taxas de inflação, abriam espaço para o BC baixar as taxas de juros e acelerar o crescimento da demanda doméstica.

Em outras palavras, não fossem as importações, muito provavelmente a demanda não poderia crescer o que vem crescendo. Os dados reforçam esta noção: a expansão do PIB tem sido sistematicamente maior nos períodos em que as importações crescem do que nos períodos em que as importações caem. Entre 1996 e 2006 observamos três anos de queda das importações (1999, 2002 e 2003), com crescimento médio do PIB de 1,4%. Em contraste, nos anos em que as importações tiveram desempenho positivo (supostamente “roubando” crescimento), o PIB se expandiu em média 3,4%. A despeito do efeito contábil das importações, que aparecem com sinal negativo na definição do produto, fato é que essas possibilitaram o aumento mais vigoroso da demanda doméstica, trazendo consigo a produção.

Será, portanto, que as importações podem ser a pedra filosofal, ajustando a oferta para qualquer nível de expansão da demanda? Um argumento corrente na praça sugere que sim. Graças ao desempenho brilhante das exportações, beneficiadas pela nossa integração à economia mundial, as importações poderiam crescer de modo a acomodar taxas muito elevadas de aumento da demanda doméstica, sem prejuízo à balança comercial, contendo assim os potenciais efeitos inflacionários através de dois canais.

O primeiro seria simplesmente a disciplina imposta aos preços domésticos por temor da concorrência com importados. O outro, indireto, refere-se à possibilidade das importações atenderem parcela da demanda doméstica sem necessidade de uso de recursos locais, evitando que sua utilização excessiva pudesse pressionar a inflação.

Embora este segundo efeito seja real, ele precisa ser quantificado. Dependendo do quanto se acredita que a demanda interna vá crescer e quanto a produção local possa se expandir sem provocar pressão indevida sobre os recursos, a taxa de crescimento das importações requerida para acomodar a demanda pode ser simplesmente elevada demais para se tornar viável. Este parece ser o caso no Brasil, como sugerido por trabalhos recentes dos meus colegas, Tatiana Pinheiro e Cristiano Souza.

De fato, usando um modelo estimado por Tatiana, o crescimento da demanda doméstica deverá ficar perto de 6,5% nos próximos 12 meses. Tal expansão, associada à estimativa de crescimento de PIB potencial da ordem de 4%, segundo trabalho de Cristiano, requer que as importações cresçam 20% mais rápido que as exportações para que a utilização dos recursos permaneça inalterada, taxa que supera em muito o observado (13%).

Isto indica que, mesmo deixando de lado os produtos que não podem ser comercializados internacionalmente, as importações não são suficientes para atender a demanda doméstica no ritmo que esta vem crescendo. Ou seja, o controle da inflação continua dependendo da política monetária, uma lição que estamos prestes a aprender.

(Publicado 24/Jul/2007)

segunda-feira, 16 de julho de 2007

O choque é nosso

Não, o título deste artigo não clama pela estatização do setor elétrico. Assim, se há quem tema pela minha conversão ao “desenvolvimentismo”, pode suspirar aliviado. O assunto de hoje é – como não poderia deixar de ser – a meta de inflação. Não é segredo que achei a decisão de manutenção da meta em 4,5% equivocada, mas, se a decisão em si foi um erro, seu anúncio conseguiu ser ainda pior e manifestações posteriores chegaram ao impensável, ao adicionar ainda mais ruído a um processo já barulhento.

O anúncio da meta para 2009 (4,5%, porém permitindo ao BC buscar um número mais baixo, desde que as condições macroeconômicas permitam e a Lua se alinhe a Escorpião, mas apenas se a migração das borboletas birmanesas não for prejudicada pela menstruação das lhamas) criou certa confusão acerca do objetivo de política monetária. O BC buscará 4,5% de inflação? 4%? Outro número? Quem souber a resposta ganha as obras completas do ministro da Fazenda sobre política monetária, ainda não coloridas.

Esta não é uma questão menor. Em meu artigo anterior chamei a atenção para a ênfase que BCs dão às expectativas inflacionárias na condução da política monetária. Quando as expectativas estão alinhadas aos objetivos do BC a gestão de política torna-se muito menos penosa: menor esforço em termos de redução de demanda basta para trazer a inflação para baixo e, quando a economia entra em recessão, o BC ganha graus de liberdade para recuperá-la sem prejuízo à sua credibilidade, como demonstrou o Fed entre 2001 e 2003.

A essência, portanto, do regime de metas para a inflação consiste em convencer a sociedade que a inflação flutuará ao redor da meta para que os benefícios da credibilidade se materializem. É óbvio que, para persuadir a sociedade deste compromisso, não basta anunciar uma meta. Pelo contrário, é ao longo de anos de funcionamento do regime que o BC estabelece sua reputação: caso entregue taxas de inflação sistematicamente acima (abaixo) da meta as expectativas hão de se cristalizar também acima (abaixo) da meta; caso, porém, a inflação oscile ao redor da meta, sem desvios sistemáticos em qualquer sentido, passa a ser ótimo, do ponto de vista dos agentes privados, esperar que a inflação fique próxima à meta.

Isto dito, se o anúncio da meta não é condição suficiente para o bom funcionamento do regime, certamente é condição necessária, pois, sem uma referência numérica, fica bastante difícil para a sociedade entender o que o BC está perseguindo. Não basta, por exemplo, dizer que o BC busca uma inflação entre 2,5% e 6,5%. Seria como tentar convencer o guarda que o excesso de velocidade em relação ao limite de 60 km/h se deve à estratégia de manter o carro entre 20 km/h e 100 km/h. Sem tal referência não há como a sociedade avaliar o compromisso do BC e, portanto, se perde a âncora das expectativas. É fundamental entender que não há “centro da meta”: a meta é o “centro”; o intervalo serve apenas para acomodar choques imprevistos.

Assim, é necessário o BC explicitar o objetivo numérico que perseguirá, de modo que a sociedade possa formar suas expectativas. Falta de clareza sobre este tópico agora apenas contribuirá para erodir a ancoragem das expectativas, puxando a inflação para cima. Quando isto acontecer não há de faltar quem atribua tal desempenho a “choques externos” ou à divina providência, mas, não, desta vez o “choque” será nosso.
(Publicado 11/Jul/2007)