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terça-feira, 28 de agosto de 2018

O custo da ignorância


Se há alguma inovação vinda do “pensamento” econômico do PT, a probabilidade que seja uma péssima ideia tende a 100%. É o caso do projeto de tributar as operações de crédito em que o spread bancário é mais alto. Os idealizadores da proposta acreditam que isto desestimularia a prática; o resultado, porém, deverá ser exatamente o oposto.

Peço, contudo, um pouco de paciência, porque a compreensão deste problema requer um tanto de matemática, disciplina que, como se sabe, causa urticárias aos “economistas” do partido.

Para entender a questão considere um banco que capte R$ 100 pagando a taxa Selic, isto é, 6,5% ao ano. Suponha também que, no final da operação de crédito o banco espere receber um spread de 1,5%, ou seja, 8,00% ao ano. Por fim, vamos imaginar que o banco tenha que deixar 20% do volume captado depositado no BC (para manter as contas simples, na medida do possível, presume-se que o BC nada paga sobre este depósito).

Caso não haja nenhum risco de calote o banco teria que cobrar 10% ao ano de seu cliente. Como os 10% incidem sobre R$ 80, o rendimento do empréstimo é de R$ 8 para cada R$ 100 captados, ou seja, 8%. O spread observado neste caso é 3,5% (10% - 6,5%), embora o spread recebido de fato pelo banco seja 1,5% (recebe R$ 8,00 e paga R$ 6,50 de juros).

O que ocorreria se o banco fosse emprestar para tomadores cuja chance de calote seja, digamos, 20%? De cada R$ 100 captados, R$ 80 seriam emprestados, mas apenas R$ 64 retornariam ao banco. Neste caso, a taxa cobrada teria que ser 12,5% 37,5% ao ano, pois o rendimento de 12,5% 37,5% sobre R$ 64 geraria R$ 24,00 8,00 , mantendo o retorno do banco em 8%, como almejado. No caso, o risco de calote faria o spread observado saltar para 6% 31% (12,5% 37,5% - 6,5%), embora o spread final permaneça em 1,5% (8% - 6,5%).

Digamos que no primeiro caso, em que o spread observado era 3,5%, não coubesse imposto, mas que, no segundo caso, em que o spread observado é mais alto (6% 31%, como vimos), incidisse um imposto de 10%. Assim, se o banco cobrasse os mesmos 12,5% 37,5% receberia R$ 8 24 sobre os R$ 64, mas pagaria R$ 0,8 2,40 de impostos, ou seja, no final do processo receberia R$ 7,20 5,60 para cada R$ 100 captados, retorno de 7,2% 5,6%.

Para manter o retorno de R$ 8,00 para cada R$ 100,00 captados teria que cobrar cerca de 13,9 42% ao ano, que geraria R$ 8,88 26,67 antes de impostos (e, claro, R$ 8,00 para cada R$ 100 captados depois do imposto). Em outras palavras, a proposta de tributar os spreads observados mais altos faria com que o custo para o tomador final subisse de 12,5 37,5% para 13,9 42,0% ao ano, isto é, o spread se elevaria de 6 31% para 7,4 35%, precisamente o oposto do objetivo da proposta.

Há, obviamente, que considerar a reação dos tomadores. É possível que alguns não possam arcar com o empréstimo caso o custo chegue a quase 14 42% ao ano; outros, provavelmente mais necessitados, seguiriam com seus planos, mesmo com juros mais altos. Nesta linha, quanto menor for a sensibilidade do tomador de empréstimos à taxa de juros (ou seja, quanto maior for sua necessidade de recursos), tanto maior será o repasse do imposto ao custo do crédito.

Em bom português, trata-se de uma ideia cretina: vende a ilusão que o imposto mais alto punirá os bancos, mas que acabará encarecendo o custo dos empréstimos precisamente para quem mais necessita deles.

Ignorância econômica sai muito caro.

* Havia um erro de conta no artigo original, notado por Caio César Mussolini, a quem agradeço a correção. Não muda a direção do argumento, mas mostra que os efeitos seriam bem mais fortes do que eu havia calculado erroneamente. 



(Publicado 22/Ago/2018)

terça-feira, 21 de agosto de 2018

A penúria dos 0,4%


A história provavelmente aconteceu, embora os personagens sejam, como de hábito, desconhecidos. De qualquer modo, um jogador de futebol, perguntado porque ele e seus colegas repetiam sempre as mesmas respostas, teria parado um momento para refletir e disparado: “não sei; talvez porque vocês façam sempre as mesmas perguntas”.

Conto o episódio preventivamente: caso um dos 18 leitores tenha a sensação de já ter lido esta coluna, saiba que eu também tenho a sensação de já tê-la escrito. O chato não é escrever sempre a mesma coisa; mas perceber como certas questões permanecem rigorosamente imutáveis.

Refiro-me à proposta de aumento dos salários dos ministros de Supremo, justificada por Ricardo Lewandowski pela situação de “penúria extrema” dos aposentados do Judiciário, ecoando, não por acaso, a ex-ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, que pretendia somar ao seu vencimento ministerial a aposentadoria como desembargadora argumentando que, se não fosse atendida, trabalharia sob condições análogas à escravidão por receber apenas R$ 33 mil/mês (Lewandowski ganha R$ 37,5 mil/mês).

Quando consegui controlar o choro copioso que me acometeu ao imaginar os pobres aposentados do Judiciário (ao menos, me consolei, não estão sob regime análogo à escravidão) endureci meu coração, como ensinado no curso de Economia, e fui atrás dos números.

Descobri, por exemplo, que em 2015, de um total de 162 milhões de pessoas de 15 anos ou mais de idade, apenas 708 mil (0,4% do total) recebiam valores superiores a 20 salários-mínimos por mês. Como, a preços de hoje, o salário-mínimo de 2015 equivaleria a R$ 918/mês, falamos de um universo de pessoas cujo rendimento ultrapassaria hoje R$ 18 mil/mês. (Os aposentados do Judiciário recebem, em média, R$ 18 mil/mês).

Já a faixa média de renda dos 0,4% atingia R$ 28,5 mil/mês também a preços de hoje, ou seja, mesmo dentro deste seleto clube os salários dos ministros do Supremo superam em cerca de 18% (31% no caso de Lewandowski) o rendimento médio do grupo (e isto sem contar os eventuais “penduricalhos” associados à função).

Argumenta-se que o impacto seria pequeno, na casa de R$ 3 milhões em 2019, “menor do que o valor recuperado pela Lava-Jato”. Este número, porém, considera apenas o aumento dos ministros do Supremo. Incluindo os efeitos-cascata por conta da elevação do teto salarial do setor público, de aumentos similares não só do Judiciário, mas também do Ministério Público, bem como estados e municípios há quem estime que a conta do “modestíssimo reajuste de 16%seja da ordem de R$ 4 bilhões/ano, ou seja, cerca de quatro Lava-Jatos por ano.

É bem verdade que o montante empalidece face ao gasto dos três níveis de governo no ano passado, R$ 3,1 trilhões, mas equivale ao orçamento anual da CAPES, que semana passada motivou (de forma equivocada, diga-se de passagem) protestos contra o teto de gastos.

Face às mesmas questões, as conclusões são as mesmas: (a) o estado brasileiro foi capturado por grupos de interesse, que canalizam para si fração considerável da renda da sociedade, no caso o funcionalismo, que se apropria de pouco menos de metade do gasto dos 3 níveis de governo, ou seja, cerca de 22% do PIB; e (b) o problema não é o teto de gastos, mas a existência de privilégios na escala exposta acima.

Se não mudarmos este estado de coisas uma séria crise fiscal é apenas questão de tempo.


Os 0,4%



(Publicado 15/Ago/2018)

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Meia-sola, de novo


No começo da semana, o Pravda, perdão, Valor Econômico publicou matéria divulgando trabalho do Ibre que aponta para as dificuldades para o cumprimento do preceito constitucional que limita o crescimento do gasto federal à inflação passada, alertando para a possibilidade que isto leve à paralisação da administração já em 2019, primeiro ano do novo governo.

Em que pese o escarcéu, no qual surfaram os oportunistas de sempre (por exemplo, nelson barbooosa), trata-se de prato requentado.

Explorei este assunto algumas vezes, notando que a emenda constitucional 95, que criou o chamado “teto dos gastos” era o primeiro passo do ajuste fiscal, mas em si insuficiente para evitar a deterioração fiscal, pois requereria medidas adicionais, das quais a mais importante e urgente ainda é a reforma previdenciária.

De forma bem mais elaborada a Instituição Fiscal Independente publicou em maio do ano passado estudo que chegava a conclusões muito próximas das descritas acima: na ausência de reformas que alterassem a dinâmica do gasto obrigatório, categoria em que se inclui a despesa previdenciária, não seria possível conter a despesa do governo sem comprometer ainda mais a baixa qualidade dos serviços públicos.

O curioso é que a situação é apresentada como um dilema: ou escolheríamos preservar o teto (implicando o colapso dos serviços), ou manteríamos o governo funcionando, mas teríamos que revogar o limite de gastos. Isto é simplesmente falso.

Temos, na verdade, um trilema: podemos manter o teto e ignorar as reformas, mas aí a administração entra em colapso; podemos evitar o colapso e as reformas, mas o teto se torna insustentável; por fim, podemos manter o teto e a administração funcionando, mas teremos que encarar as reformas.

É justamente a terceira alternativa que parece ausente não só da análise, mas, de forma muito mais importante, do mundo político, que segue ignorando solenemente a marcha da insensatez das finanças públicas.

Tenham em mente que a trajetória de ajuste que resulta da aplicação do teto (caso não se torne inviável) é extraordinariamente gradual. O resultado primário federal, negativo na casa dos R$ 100 bilhões nos últimos 12 meses, só sairia do vermelho no final do próximo governo, prazo similar ao requerido para que a despesa retornasse aos níveis (ainda elevados) registrados em 2014.

Já a dívida aumentaria relativamente ao PIB possivelmente por mais alguns anos (de dois a cinco, pois depende crucialmente do ritmo de crescimento no período), atingindo algo na faixa de 85-90% do PIB, sempre sob a suposição que seja possível manter a atual estratégia. Falamos, portanto de um ajuste espalhado ao longo dos próximos 6 a 9 anos, com certa dose de boa vontade, em torno de 0,4-0,5% do PIB por ano.

O abandono do teto significaria, portanto, um ajuste ainda mais lento que, se levado a cabo, implicaria uma dívida certamente mais alta do que a sugerida acima e, consequentemente um risco de instabilidade bem maior do que o experimentado hoje.

A ideia, portanto, que existiria uma alternativa relativamente indolor que permitiria contornar as reformas e fazer um ajuste ainda mais gradual do que o proposto pode até parecer sensata e equilibrada, mas significa, na prática, jogar mais combustível numa fogueira que arde bem mais do que seria prudente permitir.

Não há mais meia-sola que dê jeito nas contas públicas.




(Publicado 08/Ago/2018)

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Elogio da virtude


O Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne esta semana em situação menos tensa do que em meados de junho, quando havia apostas no mercado de renda fixa acerca de uma iminente elevação da Selic. O encarecimento do dólar, que chegou próximo a R$ 4,00, os problemas de abastecimento devidos à crise dos transportes, agravados pela elevação das tarifas de energia sugeriam a possibilidade de aceleração da inflação, motivando operadores – nem tanto os economistas – a acreditarem na necessidade de reação imediata do BC.

Houve, é claro, efeitos bastante negativos sobre a inflação de curto prazo. Os números relativos a junho foram feios, para dizer o mínimo. O IPCA, índice oficial de inflação, chegou a 1,26%, não só o mais alto desde janeiro de 2016, mas também o maior para o mês em todo o período do regime de metas, levando a inflação em 12 meses para 4,4%, bem próxima ao objetivo deste ano (4,5%).

Apesar disto, o virtual consenso, ao menos entre os economistas, aponta para a manutenção da taxa Selic agora, bem como nas próximas reuniões. Esta relativa tranquilidade resulta, em parte, de indicações que sugerem que o choque de junho vem se dissipando rapidamente.

De acordo com o Boletim Focus, por exemplo, a inflação deve ficar próxima a 0,3% em julho e 0,1% em agosto. Da mesma forma, medidas de inflação menos sujeitas aos humores de preços voláteis (“núcleos” de inflação, segundo o jargão) mostraram números bastante inferiores aos registrados pelo IPCA propriamente dito, sugerindo que a maior parte da feiúra de junho esteve relacionada a fenômenos que não devem contaminar a inflação de maneira persistente nos próximos meses.

No entanto, a calma não vem apenas do comportamento da inflação no curto prazo, mas crucialmente do desempenho das expectativas para prazos mais longos. É claro que o número de junho pesou na previsão da inflação para 2018, que veio de 3,5% em maio para 4,1% em julho. Todavia, as projeções para 2019, 2020 e 2021 se mantiveram praticamente inalteradas (houve leve aumento da expectativa para 2019, de 4,0% para 4,1%), e muito próximas às metas para aqueles anos.

Para usar a expressão consagrada pelo Copom, as expectativas de inflação se mantiveram “ancoradas”, isto é, estáveis e ao redor das metas, fenômeno que, auxiliado pela considerável ociosidade na economia, limita em muito o potencial de repasse dos efeitos inflacionários do dólar mais alto e dos demais choques que se materializaram em junho.

Expectativas ancoradas marcam a diferença do ocorrido agora e do observado em 2015 e 2016, quando, apesar a queda abrupta de atividade, houve repasse tanto da deavalorização da moeda como da correção de preços administrados. Naquele momento as expectativas para os anos posteriores se afastaram ainda mais da metas, apontando para a percepção de perda de controle por parte do BC, estimulando desta forma o contágio da inflação.

Conseguir, porém, que as expectativas permaneçam estáveis e próximas à meta não depende de sorte, mas de um conjunto de decisões anteriores que revelaram o compromisso do BC com a meta.

A atual diretoria o fez, assim como a diretoria que antecedeu a desastrosa gestão de Alexandre Pombini. Não por acaso ambas conseguiram reduzir a taxa de juros em face de crises severas, enquanto Pombini teve que fazer o oposto.

A virtude se paga, mas é necessário exercê-la.




(Publicado 01/Ago/2018)