teste

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Por quê?

Meus 18 leitores sabem que sou obsessivo, característica que uso (obsessivamente, é claro) para justificar a insistência sobre certos temas. Um deles é a leniência com respeito à inflação que parece ter dominado os responsáveis pela política econômica.

Ocorre que, durante uma das minhas diatribes habituais sobre o tema, um amigo jornalista me fez a seguinte pergunta que, acredito, está na mente de imensa maioria das pessoas: “e qual é o problema de termos a inflação acima da meta?”. Na hora minha herança judaica falou mais alto e não resisti a responder a pergunta com outra: “e qual é a vantagem de termos a inflação acima da meta?”.

Acredito que estas perguntas são o melhor ponto de partida para explicar esta obsessão.

De fato, ao conversar com interlocutores que não são economistas e às vezes com economistas também, parece haver uma noção de troca entre inflação e crescimento, ou seja, que a redução da inflação é custosa do ponto de vista do crescimento. Note-se que, logicamente, esta noção implica também que a inflação mais alta seria favorável ao crescimento.

O problema, contudo, é que a tese não encontra amparo na evidência disponível. À parte inflação muito elevada, que, por motivos vários, reduz o potencial de crescimento da economia, e episódios de deflação ao estilo japonês, taxas, digamos, “moderadas” de inflação não têm quaisquer efeitos sobre o crescimento de médio e longo prazo. Concretamente, a capacidade de crescimento de um país independe da inflação ser 4,5%% ou 6,5%.

Isto dito, não creio haver dúvida, particularmente para a parcela mais pobre da população, que uma taxa de inflação de 4,5% é preferível a uma de 6,5%.  Assim sendo, respondendo à minha própria pergunta, não há vantagem alguma de termos a inflação acima da meta.

Por outro lado, cabe reconhecer que, ao menos no curto prazo, quando a inflação se encontra além da meta, o esforço de redução requer, durante algum tempo, que a economia opere abaixo do seu potencial, de modo a reduzir as pressões que surgem, em geral, no mercado de trabalho. Por mais cruel que isto possa soar, o desemprego deve subir além do nível compatível com a inflação estável para moderar as demandas salariais (ou, de forma equivalente, a capacidade ociosa das empresas deve subir para reduzir seu poder de elevação de preços). Há, portanto, algum custo para desinflacionar a economia.

Por conta disso, BCs podem, dependendo da magnitude do desvio da inflação, escolher uma trajetória de convergência mais suave (por exemplo, como o BC fez em 2004-05), para evitar um custo que poderia ser considerado excessivo.

No entanto, convergência, mesmo mais suave, significa retorno à trajetória de metas e não a aceitação da inflação persistentemente acima dela. No primeiro caso, se o período de retorno não for demasiadamente longo, as expectativas se mantêm ancoradas e a desinflação ocorre com menor custo. No segundo, que é um caso extremo de convergência muito lenta à meta, as expectativas tipicamente se descolarão desta, o que implica custos maiores para reduzir a inflação.

Entretanto, quando os custos de desinflação se elevam, BCs menos determinados acabam por abandonar seus esforços de convergência. Com isto se tornam prisioneiros de um equilíbrio perverso: não reduzem a inflação porque o custo é alto e os agentes, sabendo disso, mantêm as expectativas acima da meta, elevando o custo de convergência. O que parecia ser um problema de curto prazo torna-se de longo prazo.

Voltamos assim à discussão inicial: temos apenas inflação mais alta, sem benefícios no que tange a crescimento.

Respondendo, pois, à pergunta que me foi feita, o custo da inflação acima da meta não se limita ao curto prazo, mas se estende ao risco, sempre presente, de terminarmos amarrados ao equilíbrio perverso, possibilidade que cortejamos com ardor crescente.

Baixa a inflação agora?

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

II Encontro Nacional dos Blogueiros de Economia

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Mais uma dica do Mankiw

Também deve ser culpa do câmbio e dos juros

País é o mais lento dos Brics para abertura de empresas
Apesar de melhora de 20% em cinco anos, abrir negócio leva 120 dias
Estrangeiro precisa dar endereço de companhia, mas que só pode sair após registro do executivo no país
CAROLINA MATOS
DE SÃO PAULO
MAELI PRADO
DE BRASÍLIA
O tempo que se leva para abrir uma empresa no Brasil encolheu 20% nos últimos cinco anos, mas segue entre os maiores do mundo, segundo dados do Banco Mundial.
Os atuais 119 dias de processo já foram 152 em 2007. Apesar da melhora, somente quatro países exigem hoje mais paciência dos futuros empresários: Guiné Equatorial (137 dias), Venezuela (141), República do Congo (160) e Suriname (694 dias).
A burocracia empurra o Brasil para o 179º lugar no ranking global com 183 países. E em último entre os emergentes chamados Brics, grupo que inclui ainda Índia (29 dias), Rússia (30), China (38) e África do Sul (19 dias).



http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/25983-pais-e-o-mais-lento-dos-brics-para-abertura-de-empresas.shtml

Dois avisos

Em primeiro lugar, saio de férias amanhã (16/2), para lugar desconhecido e só retorno no dia 28/2. Meu acesso à internet será, na melhor das hipóteses, precário; na pior, nenhum. Modero comentários quando voltar, mas vai demorar.

Em segundo lugar, o blog vai passar por uma repaginada. Não se espantem se a cara do blog ficar bem diferente (a ideia é precisamente esta); já o conteúdo será o mesmo, até porque não sabemos fazer nada muito diferente.

Abs

Alex

Autoengano

De acordo com os números divulgados pelo Banco Central o setor público consolidado registrou em 2011 um superávit primário equivalente a 3,1% do PIB, atingindo sua meta fiscal e, aparentemente, retornando ao padrão que vigia antes da crise internacional. Este é um dos motivos apontados pelo BC para a queda da chamada “taxa neutra” de juros: com um desempenho fiscal melhor, parte da tarefa de controlar a demanda interna sai dos ombros do BC, permitindo que – tudo o mais constante – possa atingir a mesma meta de inflação com uma taxa de juros mais baixa.


Há, todavia, mais coisas entre as linhas do balanço do setor público do que supõe nossa vã contabilidade. De fato, como tenho chamado atenção há algum tempo, muito da melhora das contas públicas não reflete um aperto fiscal efetivo, mas sim operações bastante controversas, isto para não mencionar ganhos não recorrentes de receitas. Sem entrar nesta última questão tenho estimado nos últimos anos o que chamei de superávit primário ajustado, definido a partir do resultado divulgado pelo BC, do qual, porém, deduzo algumas receitas e despesas cujo efeito sobre a demanda interna é distinto do associado às receitas e despesas habituais do setor público.

Do lado da receita excluo os proventos com concessões e dividendos, assim como, no caso específico de 2010, as “receitas” decorrentes da cessão onerosa dos direitos de exploração de petróleo. Do lado das despesas removo o Fundo Soberano, além da capitalização da Petrobrás, também ocorrida em 2010. Aplicando estes procedimentos ao resultado do setor público no ano passado, estimo que o superávit primário ajustado, que representa uma avaliação mais precisa da real contribuição da política fiscal ao controle da demanda interna, teria ficado em 2,5% do PIB.

É bom dizer que este número representa um progresso considerável sobre o desempenho sofrível de 2009 e 2010 quando – sob a justificativa de uma política fiscal anticíclica – o superávit primário ajustado ficou na casa de 1,2% do PIB. Todavia, quando comparado ao comportamento pré-crise, torna-se impossível evitar a conclusão que a política fiscal tem sido consideravelmente mais frouxa do que a observada no período 2003-08.

Naquele momento o superávit primário ajustado atingiu em média o equivalente a 3,2% do PIB, bem mais do que o observado no ano passado. Receitas com concessões e dividendos representavam então cerca de 10-15% do resultado primário, saltando para nada menos do que 25% do saldo registrado nos dois últimos anos, fenômeno que explica a diferença crescente entre o superávit primário oficial e minha versão ajustada.

Some-se a isto o crescimento, mais uma vez, das despesas federais. Apesar da conversa de um “corte” de R$ 50 bilhões no ano, observamos – como aliás previ nesta coluna – um aumento dos gastos (já ajustado à inflação) da ordem de R$ 24 bilhões, apesar da redução de quase R$ 3 bilhões dos investimentos federais. Note-se, aliás, a mão “amiga” da inflação: se esta tivesse ficado na meta (ha, ha, ha), o aumento do gasto teria sido o equivalente a nada menos do que R$ 32 bilhões. O motivo me escapa, mas tal desempenho ganhou o rótulo de “austeridade”.

As implicações são, porém, mais graves que uma guerra de rótulos. O BC, ao estimar o efeito do superávit primário sobre a inflação, trata de forma igual os resultados observados entre 2003-08 (mais altos) e o números correntes (bem mais baixos), ou seja, superestima consideravelmente a contribuição real da política fiscal neste momento e, consequentemente, subestima a taxa neutra de juros.

Posto de outra forma, trata qualquer coisa vinda do bufê de saladas como alface, mesmo que o freguês tenha enchido o prato de parmesão. Funciona no restaurante, mas a balança, bem como a inflação, tem um jeito especial de descobrir quando sofremos de autoengano.
Não dá para ver a salada?

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Mão e contramão

Um dos anúncios mais importantes em termos de política monetária ocorreu na última semana nos EUA, quando o Federal Reserve (Fed) divulgou que adotará de um regime explícito de metas para a inflação. O Fed disse em seu comunicado acreditar que uma taxa de inflação de 2% ao ano seja a mais consistente com seu mandato de estabilidade de preços. 

Crê, ademais, que a comunicação clara deste objetivo colabora no sentido de manter as expectativas de inflação “ancoradas” ao redor desse número, já que a sociedade, sabendo do compromisso do Fed, deverá esperar, independente dos choques que possam atingir a economia, que a autoridade monetária faça o necessário para manter a inflação ao redor de 2%.

Tal ancoragem, por sua vez, permitirá ao Fed atingir os dois outros objetivos de seu mandato, a saber, moderar as taxas de juros e manter a economia operando próxima ao seu potencial.

Não há muita dúvida no que se refere à parte do mandato relativo aos juros: com expectativas reduzidas de inflação não apenas a taxa de juros (que incorpora as expectativas de inflação) é mais baixa, mas também a necessidade de sua elevação para conter choques inflacionários se torna menor.

É precisamente este segundo elemento que permite à economia operar, em média, mais próxima ao seu potencial do que ocorreria caso as expectativas de inflação não estivessem ancoradas. Concretamente, nos momentos de pressão inflacionária o Fed não seria obrigado a subir muito a taxa de juros, permitindo a desinflação com redução comparativamente modesta do produto relativamente ao potencial. Da mesma forma, em momentos de inflação abaixo da meta, reduções moderadas de taxas de juros permitiriam que a economia operasse por algum tempo acima do seu potencial, de modo a trazer a inflação de volta à meta.

O Fed acredita, portanto, que a adoção do regime de metas é consistente com seu triplo mandato: estabilidade de preços, pleno-emprego e taxas moderadas de juros. Reconhece, a bem da verdade, que, em determinadas circunstâncias (tipicamente um choque negativo de oferta, que eleve preços ao mesmo tempo que contrai o produto), pode ser obrigado a escolher entre um e outro, mas promete equilibrá-los, na medida do possível.

Resta saber, contudo, se a adoção do regime de metas pode colaborar para a recuperação da economia americana. A resposta me parece positiva, mas talvez menos do que o necessário.

Note-se que a ancoragem ajuda no sentido de evitar que as expectativas de deflação se consolidem. Como as taxas nominais de juros já estão muito próximas a zero (e não podem cair abaixo disso), expectativas de deflação fariam com que as taxas reais de juros (as taxas nominais deduzidas das expectativas de inflação) se tornassem positivas, dificultando a recuperação da demanda interna. Neste sentido há uma colaboração importante, mas sujeita a duas qualificações.

Em primeiro lugar cabe lembrar que o Fed já conseguiu impedir a consolidação de expectativas deflacionárias. Embora no regime anterior não houvesse uma meta explícita de inflação, havia uma meta implícita, também da ordem de 2% ao ano. Assim, relativamente ao regime preexistente os ganhos são mais modestos: as expectativas de inflação (medidas pela diferença entre os juros nominais e reais dos Treasuries de 5 anos) se elevaram em algo como 0,15-0,20% ao ano. Podem, é verdade, subir mais, pois ainda se encontram na faixa de 1,80% ao ano, mas não se deve esperar nada extraordinário deste lado.

Em segundo lugar, embora a elevação das expectativas tenha se traduzido em queda da taxa real de juros, não se sabe ainda qual o nível consistente com a recuperação mais expressiva da economia. Hoje a taxa real de 5 anos é cerca de -1% ao ano, mas não há garantia que seja este o valor preciso que levará ao crescimento mais rápido do consumo e do investimento dadas as forças contrárias, em particular o endividamento elevado das famílias.

Adicionalmente, a ancoragem das expectativas pode desempenhar também um papel em prazos maiores, em particular impedindo que as taxas de juros mais longas possam subir exageradamente quando a economia ganhar alguma tração e os riscos inflacionários se tornarem mais presentes.

Em suma, a adoção do regime aparenta ser capaz de evitar que a economia americana caia nas mesmas armadilhas em que o Japão se meteu após sua crise e ainda não conseguiu sair. Há dúvidas sobre a magnitude dos efeitos, mas a direção é correta e, se não é a salvação da lavoura, vejo isso como um fator a mais a impulsionar a recuperação.

Isto dito, cabem ainda dois comentários, cuja ironia não deve escapar ao observador mais atento.

Com efeito, os críticos locais do regime de metas sempre apontaram os EUA como exemplo de uma abordagem alternativa de política monetária à nossa, pretensamente superior; o Fed, todavia, mostrou que não compartilha desta opinião, como revelado por sua própria decisão.

Por fim, não há como deixar de notar que, enquanto o Fed se move para institucionalizar o regime, no Brasil estamos sistematicamente desmantelando o que funcionou tão bem por tantos anos.

O regime de metas fica para o outro lado...


(Publicado 2/Fev/2012)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Adeus meta

Na semana passada o Banco Central divulgou mais uma edição da Ata do seu Comitê de Política Monetária (Copom). A Ata é, ao lado do Relatório de Inflação (publicado trimestralmente), o principal instrumento de comunicação do Copom. Nela os membros do comitê trazem a público sua visão acerca da evolução da economia, seja do ponto de vista da atividade (produção, emprego, vendas), seja do ponto de vista de inflação, assim como de outras variáveis.

A grande surpresa, no caso, foi o parágrafo 35, no qual “o Copom atribui elevada probabilidade à concretização de um cenário que contempla a taxa Selic se deslocando para patamares de um dígito”. Na língua pátria, o Copom praticamente se comprometeu a realizar cortes suficientes para trazer a taxa Selic, hoje em 10,5% a.a., abaixo de 10% a.a..

Nunca antes na história deste país havia o Copom se comprometido com uma meta de taxa de juros; tipicamente seu compromisso era com a meta de inflação, mas estas podem ser apenas reminiscências de um economista se aproximando de seu 49o aniversário.

Para explicar aos 18 leitores a justificativa deste movimento preciso fazer um breve desvio, pelo que já me penitencio.

A teoria na qual se apoia o regime de metas para a inflação postula que exista a chamada “taxa neutra de juros”, isto é, determinada taxa de juros que, sob certas condições, é consistente com a economia operando próxima ao seu potencial e a inflação também ao redor da meta. Isto dito, simplificando exageradamente o trabalho do Copom, quando a inflação (esperada) se encontra acima da meta, o comitê precisa elevar a taxa Selic acima da “taxa neutra”; no caso oposto, deve reduzi-la abaixo da neutra.

Entretanto, segundo o Copom, as mudanças estruturais da economia brasileira nos últimos anos se traduziram em redução da taxa neutra. Posto de outra forma, seria possível hoje, mesmo com juros mais baixos do que no passado, trazer a inflação de volta à trajetória de metas, depois dos desvios consideráveis dos últimos anos.

É bem verdade que houve mudanças relevantes no Brasil, mas não menos verdade que o Copom não apresentou ainda qualquer evidência mais sólida acerca de qual era o patamar anterior da taxa neutra, muito menos do que seria o patamar atual. Diga-se também que esta não é a primeira vez que tal tese foi apresentada: em setembro de 2010, quando o Copom interrompeu o processo de elevação da taxa de juros, pouco antes da eleição presidencial, também apelou à tese da taxa neutra mais baixa para justificar sua postura.

Isto permite uma oportunidade interessante de testar a tese. Com efeito, entre o terceiro trimestre de 2010 e o segundo trimestre de 2011 a taxa real de juros no Brasil oscilou ao redor de 6,5% a.a.. Fosse a taxa neutra de juros mais baixa do que isto, veríamos a inflação recuar de maneira persistente, talvez atingindo até valores inferiores à meta.

Não foi o caso. A inflação, que se achava pouco acima de 4,5% em setembro de 2010 atingiu 7,3% um ano depois, recuando para 6,5% no final do ano passado. É fato que os efeitos de taxas de juros sobre a inflação levam tempo para se manifestar, mas, mesmo levando isto em conta, o comportamento da inflação sugere que a tese da taxa neutra mais baixa se revelou um fiasco retumbante.

Considerando ainda que a taxa real de juros no Brasil recuou para pouco menos de 4,5% a.a., percebe-se que o Copom na verdade dobrou sua aposta contando uma crise externa cujo impacto teimosamente se recusa a se aproximar do “equivalente a um quarto do impacto observado durante a crise internacional de 2008/2009” postulado em seus modelos.

Irá, portanto, continuar reduzindo a taxa de juros, para alegria de todos que emprestaram dinheiro a taxa prefixadas. Por outro lado, a convergência da inflação à meta, já difícil em 2012, será adiada para algum ano depois de 2013.

Adeus meta; até algum dia.


- Achei que a taxa neutra fosse mais baixa...

(Publicado 01/Fev/2012)