teste

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Moto perpétuo

Há pouco mais de dois anos tive a alegria de publicar um livro com Fabio Giambiagi. Para quem não o conhece, Fabio, além de economista de primeira, possui uma das maiores coleções de citações que conheço. Aliás, minto: entre conhecidos é, disparado, a maior.

Uma delas, devidamente reproduzida em nosso livro, traz a seguinte afirmação de conhecido jornalista, referindo-se ao gasto público: “desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, só fazemos cortar, cortar, cortar”. Declaração curiosa, pois apenas no caso do governo federal, a despesa (sem contar transferências a estados e municípios) saltou de 11% do PIB em 1991 para quase 20% do PIB em 2015. De alguma forma, mesmo entre pessoas que deveriam ser bem informadas, o aumento do gasto continua a ser um ilustre desconhecido.

Se isto ocorre entre os supostos especialistas, o que esperar dos amadores nada bem intencionados que pululam por aqui, como na coluna de Benjamin Steinbruch publicada no dia 6/9?

Juras de lealdade à “austeridade fiscal e contenção da dívida pública”, mas (e o que importa é sempre o que vem depois do “mas”) também o alerta sobre a necessidade de “virar o disco”, fazendo “investimentos em infraestrutura (...) com recursos do próprio governo”. E como financiar a mágica? Com mais mágica, pois “é possível reduzir gastos correntes e aumentar investimentos, o que trará novas receitas fiscais”.

Este é um dos melhores exemplos da parapsicologia aplicada à economia: a ideia de uma elevação autofinanciável do gasto, segundo a qual o impulso à atividade econômica proveniente da despesa pública seria tão grande que levaria a aumento da arrecadação ainda maior que o gasto inicial.

Há, é bom que se diga, fortes razões teóricas para suspeitar que se trata de uma atrocidade inominável, mas não precisamos nos prender à teoria. Basta notar que, se isto fosse verdade, não haveria no mundo país em dificuldades financeiras. Bastaria gastar para que a arrecadação subisse ainda mais, reduzindo déficits e dívidas. E tudo isto satisfazendo todas as demandas da população e partidos políticos.

Um verdadeiro moto perpétuo, impedido apenas pelas ideias antiquadas de uns tantos economistas que insistem em rotular esta descoberta de bruxaria de péssima qualidade, sem intenção, é bom dizer, de ofender bruxas de qualquer procedência...

Não é necessário ir muito longe para entender os problemas associados à proposta. Apenas a perspectiva de ajuste fiscal (e não muito mais que a perspectiva, para ser sincero) foi suficiente para reduzir taxas reais de juros, em particular para os prazos mais longos, de 1,0 a 1,5% ao ano do começo do ano para cá.

Este movimento não ocorreu por acaso, mas refletiu a redução da percepção de risco-país (pouco mais de dois pontos percentuais no período), em grande parte associada exatamente às expectativas de melhora do desempenho fiscal por parte do novo governo.

O abandono da promessa de ajuste provavelmente reverteria estes ganhos, reduzindo as chances de uma recuperação da atividade econômica. Neste sentido, se há uma ideia especialmente cretina trata-se da proposta de relaxar um programa de austeridade fiscal sequer iniciado.





(Publicado 14/Set/2016)

terça-feira, 13 de setembro de 2016

10 anos

São 10 anos como colunista da Folha. Por termos 10 dedos nas mãos, a data motivou uma visita ao que foi escrito no período, cerca de 220 mil palavras distribuídas ao longo de quase 650 páginas. Muita coisa, boa parte dela irremediavelmente datada, presa a debates que faziam muito sentido à época, mas, lidas hoje, não parecem ter relevância para entender o momento do país.

Algumas colunas, contudo, se não proféticas, ao menos servem para indicar que vários dos problemas que agora enfrentamos, da questão fiscal à inflação, passando pelo infindável debate sobre a taxa de câmbio, assim como a notável ineficiência microeconômica do país, não representam novidade alguma. Pelo contrário: eram nós a serem desatados já em 2006 e continuam a sê-lo em 2016, constatação triste para um país condenado à reforma.

Sintomaticamente, minha primeira coluna neste espaço tinha por título “Ajuste fiscal ou morte!”, e desenvolvimentos posteriores deixam claro que optamos pela segunda alternativa. Na mesma linha, as dívidas estaduais e as contínuas tentativas (agora exitosas) dos estados no sentido de obterem favores do governo federal foram objeto de análise algumas vezes, todas alertando para os riscos de soltar as rédeas das finanças locais, o que também acabou se materializando.

Há ainda um conjunto de artigos explorando a frouxidão e subserviência do Banco Central no período Alexandre Pombini, advertindo de forma muito clara que a contrapartida da postura servil do BC seria a inflação persistentemente acima da meta.

Erros ocorreram e não foram poucos (deixo aos interessados a tarefa de garimpá-los); ouso, porém, dizer que os acertos foram mais comuns ao longo destes 10 anos. Não houve mágica, apenas a disposição de encarar a teoria econômica como um instrumento útil para interpretar tanto a realidade como as decisões de política econômica, que, na imensa maioria dos casos, se mostraram mais equivocadas do que corretas.

Concretamente, não era difícil concluir que o arranjo da Nova Matriz Econômica, pobre órfã, iria dar com os burros n’água. Bastava saber, como ensinado em qualquer curso decente de macroeconomia, que estímulos à demanda no contexto de uma economia operando próxima ao pleno-emprego iriam se traduzir em inflação elevada e desequilíbrios externos.

A teoria econômica, assim como a história, também nos haviam ensinado os efeitos de controles de preços, seja a perda de eficiência a eles associada, seja a inevitável explosão que se segue a um período de congelamento, tanto maior quanto mais extenso o intervalo de tempo.

Não havia, por fim, como escapar da conclusão que desequilíbrios fiscais persistentes teriam consequências particularmente danosas para o país. Não era necessária clarividência: apenas conhecimento da nossa história, bem como a de outros países que haviam passado por processos semelhantes.

Se resta, assim, uma lição a tirar dos últimos 10 anos é que a boa teoria, aliada ao respeito pelos dados, é imprescindível à análise econômica e, mais importante, à formulação de política. Não tivesse sido abandonada com enorme sem-cerimônia provavelmente estaríamos em situação bem melhor do que nos encontramos.

E eu teria que achar outros assuntos.

Obrigado pelos 10 anos; que venham outros tantos.



(Publicado 7/Set/2016)

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Excesso de desonestidade intelectual

A mitologia do “golpe” se ampara na ideia que as “pedaladas” se justificariam para manter o crescimento e o emprego. Reconhece, portanto, a ilegalidade da ação (a vilipendiada Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe operações de crédito entre o governo e seus bancos), mas argumenta se tratar de política com fins nobres: impedir a recessão e garantir que a população permanecesse ocupada.

Há vários problemas com o argumento. A começar pela contumaz noção que fins justificam os meios, possibilitando a destruição do aparato institucional em nome de presumidos ganhos imediatos. Mesmo que estes se materializem – o que está longe de ser verdade – não raro as consequências para a capacidade de expansão de longo prazo são desastrosas, em linha com nossa experiência recente.

Diga-se, aliás, que o objetivo, vendido como nobre, era bem mais mundano, a saber, ganhar uma eleição, nem que à custa de se “fazer o diabo”, postura tornada explícita ao longo do processo.

Isto dito, há sérias dúvidas acerca da adequação desta política. Em primeiro lugar porque, conforme discutido mais vezes do que seria saudável neste espaço, em 2013 e 2014, quando se usou e abusou deste expediente, estava mais do que claro que o problema da economia brasileira não era a falta de demanda originária da crise internacional (já então o mundo crescia bem mais do que nós), mas sim os sérios gargalos do lado da oferta, incluindo o mercado de trabalho.

Naquele contexto aumentar gastos iria simplesmente agravar nosso desequilíbrio externo (e o agravou, trazendo o déficit em conta corrente de US$ 75 bilhões para US$ 105 bilhões) e elevar ainda mais a inflação, apesar dos controles de preços, o que também ocorreu.

Junte-se a ambos estes desequilíbrios o forte aumento da dívida pública no período e fica claro que a política econômica da época, além de ineficaz para elevar o crescimento, era também nitidamente insustentável para qualquer economista que não fosse signatário do manifesto de apoio à presidente às vésperas da eleição.

Não faz tampouco sentido o raciocínio (se cabe aqui a expressão) que atribui ao excesso de responsabilidade fiscal a queda da presidente.

Em primeiro lugar porque, sendo a política anterior insustentável, não havia alternativa que não passasse pela correção dos desequilíbrios fiscais. Ao contrário, a crise que resultaria da manutenção da Nova Matriz, hoje uma pobre órfã, faria a atual parecer não mais que mera desaceleração econômica.

Mais importante, porém, a modestíssima contração fiscal que se materializou em 2015 dificilmente justificaria a queda observada do PIB. Ajustado ao padrão sazonal o produto encolheu cerca de 6% entre o quarto trimestre de 2014 e o primeiro de 2016 (quase R$ 100 bilhões a preços do primeiro trimestre deste ano). Já o consumo do governo no mesmo período caiu menos do que 2%, ou R$ 5,5 bilhões no mesmo período. Conforme notado por Samuel Pessoa, não há valores plausíveis para o multiplicador fiscal que justifiquem tamanho colapso econômico.


Trata-se, na verdade, de mais um episódio da notória desonestidade intelectual dos keynesianos de quermesse a serviço de um projeto político. Se há algo de bom no atual governo é a certeza que eles estão longe da condução da política econômica.


Yes!

(Publicado 31/Ago/2016)