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terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Barbooosa (ou O ministro irrelevante)

Nelson Barbosa não tem a menor importância.

A ascensão e a queda de Joaquim Levy são prova eloquente que até mesmo um ministro da Fazenda bem intencionado e tecnicamente preparado está longe de ser suficiente para levar a cabo o ajuste requerido pela economia brasileira após anos de maus-tratos (dos quais Barbosa participou ativamente, mas deixemos isto de lado por um instante).

Se sua trajetória à frente da Fazenda teve algum propósito foi o de demonstrar que nenhum economista sério teria como aceitar o cargo em circunstâncias semelhantes.

A verdade é que faltam condições objetivas para produzir o ajuste, que não se resume ao orçamento do ano que vem e nem às necessárias reformas fiscais (previdência e vinculações, por exemplo), mas se estende a temas como tributação, relações trabalhistas e integração comercial entre outros.

Não há, para começar, convicção por parte da presidente, um tanto pelo seu parco entendimento do problema, outro tanto por uma ideologia profundamente enraizada. Sempre noto que este não é um governo novo; trata-se da continuação de um governo que em momento algum buscou avançar na direção da reforma.

Pelo contrário, foi uma administração que, apesar de vários alertas a respeito, seguiu expandindo o gasto público (“gasto corrente é vida”), descuidou da inflação e, pior, produziu uma sequência de intervenções das mais desastradas da história do país: aumento de protecionismo, expansão desmesurada de créditos para “campeões nacionais”, controle de preços, rebaixamento forçado das tarifas de energia e, não fosse o espaço restrito, a lista poderia seguir indefinidamente.

Houvesse, porém, convicção, ainda assim faltariam as condições políticas para avançar qualquer agenda neste sentido. A base parlamentar do governo, que custa caríssimo para o país, na prática não passa de 200 deputados dentre os 513, suficiente para barrar o impedimento da presidente, mas fica devendo no quesito reformas. Diga-se de passagem, aliás, estas reformas também não são particularmente queridas pelo partido do governo, o que reduz consideravelmente sua chance de aprovação.

Este diagnóstico não é, óbvio, exclusividade minha, mas uma visão suficientemente difundida para dissuadir economistas sérios quanto à possibilidade de avançar nestes temas. Estariam, como Joaquim, apenas emprestando seu prestígio a um governo, sofrendo um risco considerável de não recebê-lo de volta no fim do período.

Restou, portanto, Barbosa, cujas traquinagens na formulação da chamada “Nova Matriz Econômica” são bem conhecidas. (A propósito, a “nova matriz” anda tão enjeitada que nem apoiadores e formuladores de primeira hora têm coragem de reconhecê-la, valentemente chamando-a agora de “tentativa de prolongar o ciclo de consumo e só”).


São palavras de triunfo de quem se acreditava dono da verdade, mas os resultados de hoje, recessão, inflação e desemprego, revelam sem sombra de dúvida quem tinha razão no debate.


Nelson Barbosa não tem mesmo a menor importância. 



(Publicado 23/Dez/2015)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Um convidado especial: Antoninho de Botucatu

O mestre Antoninho colabora com "A Mão Visível":

Short-bio

  • Born in Botucatu a long time ago, grew up in poverty and never met his dad (mother was a local whore).
  • Has a Phd in Economics and in Statistics.
  • Speaks Russian (advanced), English (advanced) and Portuguese (intermediate);
  • Currently living in a dark corner of East Europe, where teaches Ballet classes
Admiral Nelson and captain Barbarossa are in charge of the Economy now. Some say they are actually the same person. That I cannot tell. What I know, though, is that these guys think the real exchange rate is a choice variable! And in the past advocated demand-boosting policies as if there were no supply-side (or future) in the Economy. And it was not an innocent, albeit dumb, academic proposition: they really implemented these crazy ideas when in government. As a result, inflation skyrocketed and growth faltered. 

Now Nelson-Barbarossa (henceforth, NB) ask(s) us to trust him (them?). But how can I possibly do that? Let aside the basic fact that this government became a lame-duck in the first year of its renewed mandate, and is utterly unable to get any bill approved. Let's, for the sake of this piece, pretend this is not true. Dilma chooses a fiscal mad-man to carry out a fiscal adjustment plan?! Does that make any sense??

Some smart commentators have put forth the "Nixon in China" argument when discussing Barbarossa's possibilities. The idea was dubbed after Nixon based on the fact that only a hawkish like him could reestablish relations with a communist country, as he in fact did. As the argument goes, Nixon succeeded because, given his credentials, resuming talks with China couldn't possibly be interpreted as a leftist, unworthy move. Put it differently, a soft Democrat (possibly more akin to an average human being than Nixon) would have been unable to convince the electorate it was in the best interest of the American people to reopen relations. Similarly, if Barbarossa goes out defending fiscal retrenchment, it is because it must really be necessary. In theory, this all makes sense. 

However, this is not the unique political economy model in the shelf. Let me spell out another one very briefly. In an uncertain world, people will try to infer policymaker's true intentions so as to make right investment decisions. They do this via a sort-of Bayesian update method: prior + likelihood = posteriors. Suppose Barba's pragmatism, the sheer direness of the situation, and his initial steps all deliver us a good likelihood. Let's grant him this, just to help us in the exercise. Even so, the problem is: the posterior is not only a function of the likelihood, but also depends on prior beliefs. If priors are too damn low -- as they are in this case, since Rossa is the inventor of the "New - Fucked - Us- All - Matrix" -- the posterior cannot possibly be too high. Markets remained unconvinced.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O Porco e o Cordeiro

Estava o Cordeiro a tocar o Ministério da Fazenda quando apareceu o Porco, de horrendo aspecto, e perguntou: “Que desaforo é este de reduzir meu PIB?”.

Ao que o Cordeiro respondeu: “Mas, seu Porco, como é que eu poderia ter reduzido o seu PIB se só cheguei aqui no começo do ano e a economia vem em recessão desde o meio do ano passado?”.

“Ah”, disse o Porco, “mas você cortou o gasto público, o que fez o PIB cair ainda mais”.

“Olha”, retrucou o Cordeiro, “desde que estou aqui o consumo do governo aumentou. Só um pouquinho, sabe, mas foi o único componente da demanda doméstica que subiu em 2015”.

“Este negócio de argumentar com números não me convence”, voltou o Porco, “porque, em primeiro lugar, só interessa aos esbirros do conservadorismo, na cúspide de uma sociedade submissa ao rentismo, prisioneira da defesa da riqueza estéril e, em segundo lugar, porque eu não conheço as quatro operações e não entendo o que você está falando. Fora isto, o investimento também está desabando, e o multiplicador keynesiano diz que isto vai fazer a renda cair ainda mais”.

“É verdade”, confirmou o Cordeiro, “mas o investimento despenca desde o segundo trimestre de 2013, pelo menos, quando ainda o que valia era a tal Nova Matriz Macroeconômica, que, segundo eu soube, veio da cabeça de Porcos que nem o senhor”.

“Aliás”, continuou, “pelo que me disseram, os Porcos sumiram quando ficou claro que o investimento seguia em queda e que a recessão viria para valer. Só ficou por aqui um jumentinho italiano, otimista ‘pra’ burro (sem trocadilho, sabe?), que me passou as chaves da casa”.

“Não quero saber!” vociferou o Porco. “Quando o jumentinho te deu as chaves a inflação era menor que 6,5%, mas agora já varou os 10%”.

“Também verdade”, admitiu o Cordeiro. “Acontece que ao chegar aqui encontrei uma porcaria (sem querer ofender, sabe?): tinha um monte de preço congelado, custando caro para o Tesouro, mais caro ainda para a Petrobras. Só me restou ajustar tudo de uma tacada”.

“Inclusive, foi difícil achar um Porco que assumisse a responsabilidade pelo congelamento dos preços. Até o final do ano passado vários deles estavam ainda comemorando que a inflação não tinha estourado o teto da meta e havia até uma Leitoa afirmando que era tudo ‘terrorismo econômico’.”.

Mas vocês clamam pelo aumento do desemprego!”, grunhiu o Porco, “A PNAD diz que já alcançou 9%. Sua culpa, Cordeiro!”.

“Aí, seu Porco”, respondeu o Cordeiro, “é que lhe faz falta saber ler os números. A PNAD diz que o desemprego também vem crescendo desde o meio do ano passado e o CAGED revela que a perda de empregos formais também ocorre desde aquela época”.

“Você, Cordeiro, quer por a culpa num governo popular, cujo único erro foi ter adotado o programa adversário, que jogou o país na depressão”, guinchou o Porco, já fora de si com a atitude do Cordeiro.

“Olha, seu Porco, seus colegas de vara deixaram as coisas aqui em pandarecos. Dívida crescendo, inflação em alta (mesmo com preços congelados), desemprego idem, economia em recessão, um buraco sem precedentes nas nossas contas externas. Tanto estrago que nem Dona Anta aguentou vocês e teve que chamar um Cordeiro para arrumar a bagunça.”

E, já que Porco não come Cordeiro, deu-lhe as costas e o deixou chafurdando na lama.




(Publicado 16/Dez/2015)

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Depois do véu

Agora que o impedimento da presidente se tornou uma possibilidade (ainda mais) real, a pergunta insistente diz respeito ao dia seguinte, embora, talvez tão relevante quanto o dia seguinte de um evento que poderá (ou não) se materializar, sejam as consequências dos vários dias que precederão esta decisão.

Não é segredo que muito do que vivenciamos no momento, da queda do produto à alta do desemprego, passa de alguma forma pelo nó fiscal. Muito embora as cadeias de causa e efeito sejam, por vezes, obscuras, há, ao menos dentre economistas sérios, a crença que os desequilíbrios fiscais que vieram se acumulando nos últimos anos se encontram na raiz da atual crise, fenômeno que foi bem explorado, por exemplo, por Mansueto Almeida, Marcos Lisboa e Samuel Pessôa.

Se tal diagnóstico for correto, como acredito, a consequência lógica seria a necessidade de uma alteração do nosso regime fiscal para superar a crise. Não se trata, portanto, de saber se receitas não recorrentes, como concessões e as oriundas da repatriação de recursos, nos permitirão atingir determinada meta de superávit primário em 2016, tema importante, mas secundário nas atuais circunstâncias.

A questão central se refere, a bem da verdade, ao equacionamento do gasto público no Brasil, cujo componente federal cresceu nada menos do que 11% do PIB entre 1991 e 2014, dos quais quase um terço ao longo do primeiro mandato da presidente.

Como se sabe, parcela considerável deste aumento se concentrou nos gastos com aposentadorias e pensões, o que coloca as reformas associadas a este tema no centro de qualquer articulação para a solução do problema, incluindo, sem esgotar o assunto, a introdução de idade mínima para a aposentadoria, assim como a desvinculação do gasto previdenciário do salário mínimo.

São reformas complexas, que ferem interesses de distintos grupos, e, portanto, sugerem que haverá reações a toda tentativa de mudança. Não há motivo para imaginar que, mesmo em condições normais, o Congresso conseguiria encaminhar a discussão de maneira plenamente satisfatória. À sombra, porém, do impedimento, é ainda menos provável que o foco parlamentar, já bastante descuidado, possa se manter nestas reformas essenciais e mesmo nas medidas de mais curto prazo.

Isto dito, qualquer que seja o resultado do processo de impedimento, as perspectivas para as reformas estão longe de positivas. A fratura já existente no mundo político tende a se aprofundar depois da decisão.


Em caso de manutenção do mandato presidencial (que pode ser obtido com 171 dos 513 deputados) teríamos a continuidade de um governo acuado, cujas convicções passam longe das necessárias para avançar o encaminhamento das soluções fiscais. Já em caso de impedimento, o cenário mais provável aponta para uma nova coalizão de forças que, embora aparentemente mais convicta acerca dos rumos a serem seguidos, também não teria a força para aprovar o conjunto de reformas requeridas.

A conclusão, praticamente inescapável, é que as chances de avançarmos nestes temas nos próximos anos são baixíssimas.


Isto, quero deixar claro, não é argumento contra, ou a favor, do impedimento, mas constatação que o estrago feito pela atual administração há de nos pesar por muitos anos à frente.



(Publicado 09/Dez/2015)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Fala muito

Bancos centrais se acostumaram a conduzir a política monetária promovendo alterações na taxa de referência, como o Fed Funds no caso americano. No entanto, quando a crise financeira de 2008 forçou as taxas de juros dos principais países desenvolvidos para próximo de zero, as autoridades monetárias tiveram que inventar (ou reinventar) novas formas de praticar suas políticas.

Assim, bancos centrais nos EUA, Reino Unido e, mais tardiamente, na Zona do Euro se juntaram ao Banco do Japão na experiência de expansão quantitativa (QE, na sigla em inglês), buscando reduzir taxas de juros para prazos mais longos, que ainda se encontravam em terreno positivo, e assim incentivar a atividade econômica.

Houve, além disto, tentativas de alterar taxas mais longas por meio do que ficou conhecido como “orientação futura” (“forward guidance”), isto é, sinalização das intenções do banco central acerca da trajetória futura da taxa de juros de referência.

Afirmando, por exemplo, o compromisso de manter a taxa de referência em patamares baixos mesmo quando a economia começasse a se aquecer poderia ter algum efeito no sentido de reduzir as taxas de juros de prazos mais longos (e, no contexto de baixíssima inflação, com um pouco de sorte também aumentar as expectativas de inflação, reduzindo adicionalmente a taxa real de juros).

Há ainda controvérsia considerável acerca da eficácia da orientação futura, em particular se um banco central conseguiria mesmo se manter fiel ao compromisso quando a inflação e/ou atividade começasse a subir, o que, claro, não impediu que bancos centrais continuassem com a prática, mesmo porque mal não parece fazer.

Ou melhor, não parecia.

Em contexto bastante distinto, enfrentando inflação bem acima da meta, o Banco Central brasileiro, talvez por modismo, entrou na voga de orientação futura. Assim, já em outubro de 2012, ao reduzir a taxa Selic para 7,25% aa, afirmava que “a estabilidade das condições monetárias por um período de tempo suficientemente prolongado é a estratégia mais adequada para garantir a convergência da inflação para a meta, ainda que de forma não linear” (pausa para gargalhar).

Em linguagem de gente era um compromisso de não elevar (nem baixar) a Selic, que obviamente não durou mais que uns poucos meses face à piora (previsível) da inflação.

Foi um fiasco, mas não impediu o BC de continuar tentando manter a orientação futura de várias maneiras, inclusive ressuscitando recentemente o tal “período suficientemente prolongado”, apenas para ser consistentemente (e previsivelmente) desmentido pelos fatos.

Neste sentido, não foi surpresa alguma observar que a realidade mais uma vez forçou o BC a abandonar a promessa, eliminando do comunicado emitido logo após a última reunião do Copom as referências à “estabilidade por período suficientemente prolongado”. Isto foi interpretado, corretamente, aliás, como sinal que o BC poderá elevar a taxa de juros já no começo de 2016.


Orientação futura, como tantas outras coisas, é para quem pode; não para quem quer. A única orientação futura que se espera do BC é que se comprometa a trazer a inflação de volta à meta, tarefa em que fracassou miseravelmente nos últimos anos. De resto, poderia aprender a se manter quieto sobre o que não sabe.

“O Comitê entende que a manutenção desse patamar da taxa básica de juros, por período suficientemente prolongado, é necessária para a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante da política monetária.”

(Publicado 02/Dez/2015)

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Dr. Bellezza e as razões humanitárias

Dr. Bellezza é imune à razão. É a única conclusão que posso tirar de sua tentativa de seguir alegando que são os juros nominais (que incluem a inflação), e não os juros reais (que a excluem), os responsáveis pela elevação da relação dívida-PIB.

Ele afirma: “a dívida bruta equivalente a 57% do PIB em setembro de 2014, somada ao déficit nominal de 9% do PIB no período de 12 meses, respondem pelos 66% do PIB de dívida bruta de setembro de 2015”. Só que não...

Embora neste período em particular a variação da dívida seja quase igual ao resultado nominal (para variar os números estão errados: a variação da dívida foi 8,4% do PIB e o déficit nominal 9,3% do PIB), em praticamente todos os demais estes números não coincidem. Em 2013, por exemplo, a dívida bruta caiu 1,5% do PIB e o déficit nominal foi 3,1% do PIB.

Isto deveria ser óbvio: o setor público no Brasil jamais registrou um superávit nominal; no entanto, de 2009 a 2013 a dívida bruta caiu, o que já deveria acender uma luz da alerta para quem afirma que a variação da dívida-PIB equivale ao déficit nominal.

E o motivo é matemático, caso os 18 leitores me permitam um pouquinho de álgebra.

Vamos chamar a dívida hoje de Dt e a dívida ontem de Dt-1. De forma simplificada, a dívida hoje nada mais é do que a dívida ontem, capitalizada pela taxa nominal de juros (i) e deduzido o superávit primário, H:

Dt = (1+i)Dt-1 - Ht

Como estamos interessados na relação entre a dívida e o PIB temos que dividir os dois lados da equação pelo PIB nominal de hoje, resultado da multiplicação entre preços, Pt, e PIB real, Yt.

Dt/PtYt= (1+i)Dt-1/PtYt - Ht/PtYt

O termo acima à esquerda é a relação dívida PIB hoje (dt=Dt/PtYt), mas o primeiro termo do lado direito não é a relação dívida-PIB de ontem (dt-1=Dt-1/Pt-1Yt-1), pois compara a dívida ontem com o PIB hoje.

Isto pode, contudo, ser resolvido: preços de hoje são os de ontem acrescidos da taxa de inflação (p), enquanto o PIB real de hoje é o de ontem capitalizado pelo crescimento real (g), isto é, Pt=(1+p)Pt-1 e Yt=(1+g)Yt-1.

Usando estas definições, PtYt= Pt-1Yt-1(1+p)(1+g), e podemos exprimir a relação dívida-PIB hoje como:

dt = dt-1[(1+i)/(1+p)(1+g)] - ht

Deixando de lado por um segundo o superávit primário (h) e o crescimento real do produto (g), é fácil ver que a variável relevante para a elevação da dívida-PIB é a diferença entre a taxa nominal de juros (i) e a inflação (p), ou seja, a taxa real de juros.


Não é uma conclusão inusitada, mas requer um raciocínio analítico, passível de ser expresso de forma matemática, que simplesmente não faz parte das escolas adeptas do pensamento mágico. Em Hogwarts, “razões humanitárias” justificam qualquer coisa; já no mundo real valem a lógica e os dados.

“A informação de que ambos têm seus valores expressos em preços correntes significa que se encontram na mesma data-base, ou seja, já incorporam os efeitos no período da taxa de juros no estoque da dívida, bem como da inflação no PIB, receitas e despesas do setor público”

(Publicado 05/Dez/2015)

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Dr. Bellezza e a aritmética

Fui irônico, claro, ao mencionar o desrespeito do Dr. Bellezza pela aritmética, mas me enganei: ele realmente nada sabe do assunto. Não me espanta, pois, que associe matemática à tortura. Imagino sua infância aterrorizada pela matéria, a ponto de encarar com evidente temor cálculos que um egresso do ensino fundamental não teria dificuldade de entender.

Meu argumento é simples. A relação dívida-PIB é uma fração na qual o numerador, a dívida, cresce em linha com a taxa de juros, na ausência de um saldo primário. Já o denominador, o PIB, cresce pela combinação do aumento real da atividade e dos preços, este segundo conhecido como inflação.

É óbvio que a fração só aumenta se o numerador crescer mais rápido que o denominador, ou seja, se a taxa de juros for maior do que a combinação entre inflação e crescimento real do PIB. Posto de outra forma, na ausência de um saldo primário, a razão dívida-PIB só cresce se a taxa real de juros (isto é, a diferença entre a taxa nominal de juros e a inflação) for maior que o crescimento real do PIB.

A evolução da dívida-PIB, portanto, depende da taxa real de juros, conclusão que só escapa a quem não distingue numerador de denominador. Isto dito, vamos aos números.

Nos 12 meses até setembro o custo da dívida ficou em 12,1% (próximo à taxa Selic acumulada no período, 12,6%), enquanto a inflação (IPCA) atingiu 9,5%. Isto significa que a taxa real de juros foi 2,4% (1,121÷1,095-1. A conta é geométrica: chamem a Anistia Internacional!). Aplicada a uma relação dívida-PIB de 57,6% em setembro de 2014 implica custo real da dívida de 1,3% do PIB (0,024×0,576) naquele período.

Como prometido, são contas simples, passíveis de reprodução por qualquer um que domine as quatro operações, mas que, para quem tem pouca afinidade com elas, devem soar como feitiçaria.

Aliás, falando em dificuldade com as quatro operações, é notável a peculiar matemática do Dr. Bellezza. Segundo ele, se somarmos o “efeito da inflação sobre a dívida”, R$ 188 bilhões em 2014, ao déficit primário, R$ 20,7 bilhões, obteríamos um “superávit operacional” de R$ 167 bilhões (3,2% do PIB) no ano passado. Nunca se viram tantas asneiras em tão pouco espaço.

A começar porque os números de 2014 estão todos errados. O déficit primário atingiu R$ 32,5 bilhões, não R$ 20,7 bilhões. Segundo, o efeito da inflação deve ser calculado sobre a dívida do final de 2013, não no final de 2014. Terceiro, a inflação foi 6,41%, não 6,14%. Estes erros, porém, são modestos perto da atrocidade perpetrada.

Com efeito, a definição de resultado operacional é saldo primário (-R$ 32,5 bilhões) menos o juro real sobre a dívida (R$ 110 bilhões), ou seja, déficit de R$ 143 bilhões (2,6% do PIB) no ano passado. Já o Dr. Bellezza comete o seguinte “cálculo”: saldo primário menos sua estimativa (errada!) do efeito da inflação. Obtém assim um resultado totalmente desprovido de significado para concluir que teríamos “superávit operacional” em 2014. E ousa me acusar de maus-tratos aos números...


Podem, porém, ter certeza que não assumirá a culpa pelos erros grosseiros, assim como evita a responsabilidade por sua gestão desastrosa no Palmeiras e pretende nos convencer que foi crítico da “Nova Matriz Macroeconômica” desde 2010. Baita coragem...

Somando dois déficits obtenho um superávit


(Publicado 25/Novembro/2015)

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Dr. Bellezza e a inflação

Nos cursos de Introdução à Economia, ali pela quarta aula, ensinamos aos alunos a necessidade de distinguir entre variáveis reais e nominais. Por exemplo, o PIB de um país, medido em sua moeda, pode ter crescido porque a produção de bens e serviços aumentou, ou porque os preços destes subiram, ou, como é mais comum, por uma combinação destas duas coisas. Separar a parcela que se deve à inflação nos permite aferir o que realmente ocorreu com a produção.

No caso do Brasil, o PIB na primeira metade de 2015 alcançou R$ 2,836 trilhões, uns 6% acima do que fora observado no mesmo período do ano passado (R$ 2,677 trilhões). No entanto, como se sabe, uma vez descontada a inflação, o crescimento real do PIB foi negativo, -2,1%, revelando que todo aumento do produto nominal foi uma ilusão de ótica, resultado do aumento dos preços, não da atividade econômica.

Em texto recente, porém, o Dr. Bellezza, um dos conselheiros informais da presidente na montagem da desastrada “nova matriz macroeconômica”, em conjunto com um de seus lacaios, revela ter esquecido as preciosas lições da quarta aula.

Ele reclama que, em minha coluna de 4 de novembro, argumentei que, para saber o efeito da taxa de juros sobre a dívida, teríamos que deduzir o impacto da inflação sobre esta última. O motivo é simples, embora, ao que parece, além da sua capacidade de entendimento. Sorte dele que não me furto à missão civilizatória.

Imaginem dois países iguais, com PIB no valor de $ 100 e uma dívida pública de $ 50, o que, em matemática compreensível até para Dr. Bellezza e asseclas, implica uma relação dívida-PIB de 50%. Para facilitar o cálculo vamos também fazer de conta que não há crescimento real do PIB (a conclusão não muda se alterarmos esta hipótese).

No primeiro país supomos que não haja inflação e que a taxa de juros seja 3%. Assim, depois de um ano, caso o superávit primário seja zero, a dívida chegaria a $ 51,5, por conta da incidência de juros de 1,5 sobre seu valor inicial (3%x50), ou seja, uma relação dívida-PIB de 51,5%.

No segundo país a taxa de juros é 13,3%, mas a inflação é de 10%. Neste caso a incidência de juros sobre a dívida é bem mais alta, $ 6,65 (13,3%x50), levando-a a $ 56,65 no final do período. Contudo, como os preços subiram 10%, o PIB agora vale 110 e a relação dívida-PIB é exatamente 51,5% (56,65÷110), embora juros nominais equivalham a 6% do PIB (6,65÷110).

A variação da razão dívida-PIB, portanto, depende da taxa real de juros (a que desconta o efeito da inflação). Neste aspecto, a medida de déficit operacional (que justamente faz este procedimento) é sempre a mais adequada para explicar a evolução das contas públicas, mesmo quando a inflação é moderada, ao contrário do que afirmam os autores.

Ocorre que, sob esta circunstância, não há muita diferença entre usar os números com ou sem ajuste à alta de preços. Isto dito, só quem não entende do riscado pode argumentar, como Dr. Bellezza e seu cúmplice, que a inflação no Brasil, 9,93% nos últimos 12 meses, seria “moderada”.


Dado seu conhecido desrespeito à aritmética, não me espanta que a incompetência do Dr. Bellezza tenha conseguido mandar o Palmeiras para a Segundona. Difícil é entender como ainda permitem que ele insista em fazer o mesmo com o Brasil.

Dr. Bellezza (e seu lacaio)


(Publicado 18/Nov/2015)

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Look on my works, ye Mighty, and despair!

O gráfico está ordenado pelo aumento da proporção da população que atingiu grau universitário. Por exemplo, pouco menos de 20% da população entre 55-64 anos na Coreia tem nível superior; já entre a população de 25-34 anos esta proporção atingiu quase 70%. Assim o aumento foi de 50 pontos percentuais, o que coloca a Coreia como campeã absoluta neste quesito.

O Brasil aparece na rabeira em termos de elevação da proporção de formados no ensino superior, junto com África do Sul, Israel, Alemanha, Costa Rica e EUA. Notem, porém, que em Israel e nos EUA tanto a geração dos a dos 25-34 já tinham taxas de educação superior na casa de 40-50%. Seguem altas, mas não cresceram muito. A Alemanha se manteve na faixa dos 30%, provavelmente por conta do força do ensino técnico no país.

Já o Brasil tem a terceira menor proporção de jovens com ensino superior, na casa de 15%, melhor apenas que a África do Sul e Indonésia, semelhante à China (que saiu de uma situação bem pior que a nossa).

Mas não somos os mais corruptos do mundo, que bom né?


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Illuminati

Em minha última coluna desmenti um mito comum do que se passa por análise econômica em certos círculos, a saber, que o principal fator impulsionando a piora das contas públicas no país seria a taxa de juros. Como mostrei, uma vez que se considere que o fator relevante para o aumento da dívida relativamente ao PIB é a taxa real de juros (isto é, a taxa de juros deduzida a inflação), não há como concluir que o desarranjo extraordinário das contas do governo resulte desta variável.

A verdade é que a inflação, que atingiu quase 10% nos 12 meses até outubro, contribui para reduzir o valor da dívida. “Desenvolvimentistas” podem se esquecer disto, mas não as pessoas que têm sua poupança corroída por ela.

Parte da inflação decorre do ajuste dos preços administrados, concentrado agora por força dos desequilíbrios que sua contenção causou nos últimos anos, seja sobre as finanças da Petrobras, seja sobre o setor elétrico, para mencionar apenas os efeitos mais notórios desta política irresponsável.

Ainda assim, fica claro que o processo inflacionário está longe de se esgotar nos preços administrados. Mesmo se ignorássemos seu efeito, como defendem alguns, a inflação dos chamados “preços livres” ainda seria 7,7%. Caso desconsiderássemos, além dos administrados, também os preços de alimentos, a inflação alcançaria acima de 7% em 12 meses, batendo inclusive o limite superior para a meta de inflação (6,5%).

Trata-se, portanto, de um problema sério. Embora possa “ajudar” no sentido de reduzir a dívida relativamente ao PIB, duvido que a população – que sente literalmente na carne o efeito da alta persistente e generalizada dos preços – ache que a inflação nos níveis atuais seja algo além de um flagelo, principalmente sua camada mais pobre.

Neste aspecto seria curioso, não fosse imoral, o particular desprezo que os economistas ditos “progressistas” dedicam à questão. Não se vê, em qualquer de suas propostas, nada concreto para lidar com a carestia (exceto se considerarmos seu apoio à política econômica anterior, incluindo sua desastrada tentativa de controle direto dos preços).

Isto parece decorrência do “diagnóstico” dos keynesianos de quermesse acerca das causas da inflação, que atribuem à desvalorização do real face ao dólar, sem, é claro, oferecer nenhuma evidência mais sólida que ampare esta crença.

Ao contrário, a maioria dos que se aventuraram pelo caminho de tentar medir o efeito do dólar sobre os preços domésticos acabam por concluir que são relativamente modestos: a maior parte encontra um efeito da ordem de 0,5% nos preços domésticos para cada 10% de desvalorização da moeda, insuficiente para explicar até mesmo o comportamento dos “preços livres”.

Isto é ainda mais visível quando se nota que, há muitos anos, a inflação brasileira se caracteriza pela elevada inflação de serviços, justamente aqueles para quem os efeitos do dólar são geralmente muito baixos.

Conclui-se disto que, além do diagnóstico equivocado sobre a piora fiscal, os autodenominados “progressistas” não têm muito a dizer também sobre o controle da inflação.


Ainda assim, apesar do estrago que suas políticas causaram nos últimos anos, se acham iluminados, únicos na posse de verdades reveladas acerca da economia nacional.



(Publicado 11/Nov/2015)

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

#prontofalei

Economistas têm dificuldades sérias para acertar previsões, mas se há uma em que tenho plena confiança é que a coluna de hoje deve ultrajar boa parte dos leitores e, com um pouco de sorte, garantir que minha conta de e-mail seja invadida por pessoas absolutamente furiosas. Afirmo que, ao contrário do que se diz, o salto da relação dívida-PIB (de 55% para 66% do PIB nos últimos dois anos) não resulta da taxa de juros, mas da piora das contas primárias.

Neste exato momento qualquer um que tenha lido os jornais recentemente já se convenceu que, se me restava alguma sanidade, deve ter migrado de vez. Afinal de contas o déficit público alcançou R$ 536 bilhões (9,3% do PIB) nos últimos 12 meses, dos quais R$ 511 bilhões (8,9% do PIB) se referem ao pagamento de juros. É por este motivo que se afirma por aí que os juros correspondem a mais de 95% do déficit.

Há, porém, dois erros nesta forma superficial de analisar as contas públicas. O primeiro, mais óbvio, é que nem tudo que entra nesta conta se refere a juros propriamente ditos. Incluem-se nela as perdas derivadas da intervenção do BC no mercado de câmbio futuro, que atingiram R$ 132 bilhões nos 12 meses até setembro, representando algo como 2,3% do PIB no período.

O pagamento de juros propriamente dito alcançou assim R$ 379 bilhões (6,6% do PIB), ainda uma conta aparentemente salgada, mas muito menos do que este número sugere.

Para entender isto imaginem um país cujo governo deva $ 100 a juros de 10%, mas com a inflação também em 10%. No fim do ano, o governo faz um pagamento de $ 10, montante que serve apenas para repor o valor da dívida “erodido” pela inflação. Seus detentores têm agora $ 110, cujo poder de compra, porém, é o mesmo de $ 100 no início do ano.

Posto de outra forma, o que faz subir o valor real da dívida é a parcela dos juros que ultrapassa a inflação. Caso a taxa de juros fosse 11%, a dívida no final do ano seria R$ 111, cujo poder de compra equivaleria a R$ 100,90 no começo do ano, ou seja, o juro real (acima da inflação) sobre a dívida foi 0,9%.

Aplicando este mesmo raciocínio à dívida do setor público brasileiro, isto é, deduzindo do pagamento de juros a parcela referente à perda de valor da moeda devida à inflação, estimamos que a conta real de juros teria chegado a R$ 70 bilhões nos últimos 12 meses, ou seja, 1,2% do PIB, muito inferior aos 6,6% do PIB acima mencionados.

Não há nada de revolucionário em tal procedimento. Há alguns anos o próprio BC calculava esta medida, o chamado “resultado operacional”, que estimava justamente o desempenho fiscal do governo livre das influências da inflação e das variações do dólar.

Com base nos dados oficiais estimamos que o resultado operacional, praticamente equilibrado até 2013, consistente com a queda da relação dívida-PIB, tornou-se deficitário em pouco mais de 2% do PIB desde então (ainda maior se incluirmos as “pedaladas”). Não devido ao pagamento de juros reais, que pouco se alteraram de lá para cá, mas pela piora do resultado primário.


Para resolver o problema fiscal precisamos entendê-lo, o que requer livrar-se dos preconceitos e encarar o que dizem os números. Contudo, com tanta gente papagueando que “juros correspondem a 95% do déficit” a solução nunca pareceu tão distante.



(Publicado 4/Nov/2015)

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Devotos de São Nunca

Pior que a comunicação do Banco Central do Brasil, apenas sua gestão de política monetária. No dia 23 de dezembro de 2014, quando divulgou o último Relatório Trimestral de Inflação (RTI) daquele ano, o BC, contrariando sua mensagem inicial de “parcimônia” no “esforço adicional de política monetária”, afirmou que iria “fazer o necessário para que [em 2015] a inflação [entrasse] em longo período de declínio, que a [levaria] à meta de 4,5% em 2016”.

A partir de então o BC, seja por meio de sua comunicação oficial (RTI e atas), seja através dos pronunciamentos dos membros de sua diretoria, comprometeu-se a trazer a inflação de volta a 4,5% em 2016. Em particular, o diretor Tony Volpon, assegurou que votaria “pelo aumento de juros até que nossa projeção de inflação esteja de maneira satisfatória apontando para o centro da meta”.

A frase, é bem verdade, lhe custou a participação na reunião do Copom em julho, por haver supostamente antecipado seu voto, mas seu conteúdo jamais foi contestado pelos demais membros do comitê. Pelo contrário, a partir daquela reunião o BC passou a enfatizar que a “manutenção da [Selic], por período de tempo suficientemente prolongado, [seria] necessária para a convergência da inflação para a meta no final de 2016”, sugerindo que sua mensagem acerca do retorno da inflação para 4,5% deveria ser levada a sério.

Como já deve ter ficado claro ao longo das minhas colunas, jamais cometi o pecado de levar a sério as afirmações do BC, em linha com a imensa maioria dos colegas de profissão que, mesmo em face das inúmeras promessas, nunca trouxe as projeções de inflação para o ano que vem abaixo de 5,4%.

A razão para isto me parece simples: até em circunstâncias menos graves do que a atual o BC repetidamente falhou em sua tarefa, revelando uma fraqueza intrínseca; se técnica, política, ou de caráter (ou todas simultaneamente) é ainda matéria de debate, mas dúvida não resta que esta diretoria se mostrou incapaz de fazer o que todas as demais em alguma medida haviam conseguido.

E seu comportamento recente revela os mesmos erros do passado. No RTI divulgado em setembro o próprio BC previa que a inflação de 2016 deveria ficar em 5,3%, mesmo se mantivesse constante a taxa de juros, o que mostrava a insuficiência de sua política, em flagrante contradição com a promessa da convergência da inflação para a meta no ano que vem.

Ao invés de corrigir este problema pelo ajuste da política monetária, porém, o BC adotou a linha da presidente: não vai dizer qual é a meta e, quando lá chegar, há de dobrá-la.

Não pode ser outra interpretação da mudança de seu comunicado: ao invés de prometer a inflação na meta em 2016, o compromisso agora é que a convergência se dará no “horizonte relevante para a política monetária”, sem, é claro, especificar que prazo é este, embora eu acredite que, na prática, isto signifique algo entre “fiado só amanhã” e o “dia de São Nunca”.


E, se o BC crê, como parece, que a extensão do prazo de convergência tornará seu serviço mais leve, sugiro que monitorem as expectativas de inflação para 2016 e 2017, novamente em alta em resposta à sua postura mais frouxa. Conversa fiada, sem ação, só empurra mais acima um alvo que compreensivelmente se recusa a ficar parado.

O padroeiro das causas procrastinadas


(Publicado 28/Out/2015)

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Barbeiro

Na semana passada discutimos “dominância fiscal”, situação na qual um governo incapaz de servir sua dívida levaria a inflação a fazer o serviço que ele não faz, isto é, adequar o valor da dívida àquilo que consegue realizar do ponto de vista de seus gastos e receitas.

Concluímos que, sob tais circunstâncias, o Banco Central perderia a capacidade de controlar a inflação, independentemente da política adotada. Deixaria, por assim dizer, o banco do motorista e iria para o do passageiro (alguns, mais críticos, sugerem que o BC terminaria o processo no bagageiro).

Se isto for verdade, há uma forma – um tanto imperfeita, mas fazer o quê? – de aferirmos se já nos encontramos em tal situação: basta avaliar as expectativas sobre o comportamento futuro da inflação. Caso já estejamos sofrendo esta síndrome, as expectativas deveriam revelar inflação crescente, movendo-se para longe da meta. Em particular, quanto mais distante o horizonte, tão mais altas deveriam ser as previsões inflacionárias.

Investigando em primeiro lugar as expectativas coletadas pelo BC por meio de sua pesquisa Focus, não encontramos este padrão. Estas permanecem acima da meta tanto para este ano (9,75%), como em 2016 (6,12%), 2017 (5,0%) e 2018 (4,7%), mas convergem para ela em 2019. Os desvios são elevados no horizonte mais curto, porém menores nos horizontes mais longos, precisamente o contrário do que se esperaria no caso de dominância fiscal.

Isto dito, há problemas óbvios. Como já argumentei em outras ocasiões, as expectativas coletadas pela Focus costumam ser otimistas, tipicamente projetando taxas de inflação mais baixas do que as que efetivamente se materializam, o que também nos levaria a conclusões otimistas acerca da dominância fiscal.

Há uma alternativa, porém. Podemos investigar a chamada “inflação implícita”, isto é, a diferença entre a taxa de juros de um título público sem correção inflacionária (NTN-F) e um título corrigido pela inflação (NTN-B) em prazos semelhantes. No caso, papéis que vencem em 2017 (NTN-F com rendimento de 15,3% aa e NTN-B com rendimento de inflação mais 6,2% aa) sugerem que a “inflação implícita” para aquele horizonte se encontraria na casa de 8,6% aa, bem mais alta do que o implicado pela Focus para o período até aquele ano.

Mesmo neste caso, porém, não parece haver uma crença de inflação crescente. Pelo contrário, para vencimentos mais longos as projeções implícitas de inflação revelam queda modesta, ainda que longe da meta, na casa de 7,5% aa.

É bem verdade que, pouco antes da desastrada divulgação da proposta orçamentária para o ano que vem, estes números eram mais baixos, na casa de 6-6,5% aa, mas, ainda assim, as apostas do mercado financeiro não parecem (ainda) sugerir um processo inflacionário totalmente descontrolado, como se esperaria numa situação de dominância fiscal.

Se nossa intepretação estiver correta, não se conclui que o país esteja imune ao problema; implica apenas que haveria ainda fé na nossa capacidade de voltar a uma política fiscal mais responsável em algum horizonte de tempo.


Neste caso, contudo, não se poderia inocentar o BC pela deterioração das expectativas inflacionárias. É ele ainda o motorista que tem nos levado a um caminho mais do que perigoso.

No banco do motorista


(Publicado 21/Out/2015)

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Onde a civilização acaba

Samuel Pessoa já abordou a questão da “dominância fiscal” com a competência de sempre, mas acredito que ainda há o que dizer sobre o assunto, embora a conclusão seja a mesma. A expressão é algo esotérica, reconheço; refere-se, contudo, a um problema que encontramos no nosso dia-a-dia, não apenas aplicado a governos, mas também a famílias ou empresas, a saber, a incapacidade de pagar suas dívidas.

Para ilustrar o tema, peço ao leitor que imagine um mundo muito simples, em que pessoas, empresas ou governos vivem por apenas dois períodos: “hoje” e “amanhã”. Imagine também um governo que “hoje” arrecada $ 100, mas gasta $ 110 e, portanto, se endivida em $ 10, prometendo pagar este valor de volta “amanhã”, acrescido de juros de 10%. No caso, isto significa que “amanhã” a diferença entre o que o governo arrecada e o que gasta tem que somar $ 11; $10 para pagar de volta o principal e $ 1 a título de juros.

Para simplificar a exposição, vamos supor também que “hoje” já sabemos se “amanhã” o governo conseguirá (ou não) economizar os $ 11 necessários para pagar sua dívida. Caso se saiba que o governo tem esta capacidade, a vida segue.

O caso interessante, porém, é o oposto, quando sabemos que isto não será possível, por exemplo, que o governo só conseguirá guardar $5,50 (metade do necessário). Isto significa que, dada a taxa de juros de 10%, a dívida, inicialmente de $ 10, só pode valer $ 5, pois apenas com uma dívida deste valor e juros de $ 0,50 (10% de $5) o governo seria capaz de servi-la. Isto é, nas condições acima, o valor da dívida teria que cair à metade.

Há duas formas de fazê-lo: ou cortamos seu valor de face à metade (calote, em bom português), ou todos os preços desta economia dobram para fazer com que a dívida, que inicialmente poderia ser trocada por uma cesta de produtos no valor de $ 10, agora só possa ser trocada por uma cesta de produtos que vale $ 5.

Em outras palavras, sob “dominância fiscal”, a inflação (o calote que não ousa dizer seu nome) fará o serviço que o governo não consegue fazer.

Notem que, em momento algum, menciona-se o banco central e suas estratégias para tentar controlar a inflação. O motivo é simples: nas circunstâncias acima a autoridade monetária não tem instrumentos para contê-la. Pode subir a taxa de juros, fixar a taxa de câmbio, ou congelar a oferta de moeda. Qualquer uma destas abordagens esbarra numa restrição inexorável: o governo não tem como pagar sua dívida e, portanto, o valor dela terá que cair.

Obviamente, no mundo real nem o tempo se divide em “hoje” e “amanhã”, nem temos como saber se, daqui a alguns anos, as condições mudarão o suficiente para fazer com que as contas de um determinado governo, agora deficitárias, se transformem em superavitárias.

É muito mais difícil, portanto, determinarmos se, na prática, o Brasil já vive uma situação de dominância fiscal, embora os riscos sejam crescentes.


Isto dito, uma coisa é clara: se não houver uma sinalização consistente do mundo político acerca de uma melhora das contas públicas num horizonte razoável, sem se prender apenas ao orçamento de 2016, a inflação haverá de subir. O conflito fiscal não mais se resolverá de forma civilizada, pelo parlamento, mas na forma bruta da inflação descontrolada.



(Publicado 14/Out/2015)