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terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Barbooosa (ou O ministro irrelevante)

Nelson Barbosa não tem a menor importância.

A ascensão e a queda de Joaquim Levy são prova eloquente que até mesmo um ministro da Fazenda bem intencionado e tecnicamente preparado está longe de ser suficiente para levar a cabo o ajuste requerido pela economia brasileira após anos de maus-tratos (dos quais Barbosa participou ativamente, mas deixemos isto de lado por um instante).

Se sua trajetória à frente da Fazenda teve algum propósito foi o de demonstrar que nenhum economista sério teria como aceitar o cargo em circunstâncias semelhantes.

A verdade é que faltam condições objetivas para produzir o ajuste, que não se resume ao orçamento do ano que vem e nem às necessárias reformas fiscais (previdência e vinculações, por exemplo), mas se estende a temas como tributação, relações trabalhistas e integração comercial entre outros.

Não há, para começar, convicção por parte da presidente, um tanto pelo seu parco entendimento do problema, outro tanto por uma ideologia profundamente enraizada. Sempre noto que este não é um governo novo; trata-se da continuação de um governo que em momento algum buscou avançar na direção da reforma.

Pelo contrário, foi uma administração que, apesar de vários alertas a respeito, seguiu expandindo o gasto público (“gasto corrente é vida”), descuidou da inflação e, pior, produziu uma sequência de intervenções das mais desastradas da história do país: aumento de protecionismo, expansão desmesurada de créditos para “campeões nacionais”, controle de preços, rebaixamento forçado das tarifas de energia e, não fosse o espaço restrito, a lista poderia seguir indefinidamente.

Houvesse, porém, convicção, ainda assim faltariam as condições políticas para avançar qualquer agenda neste sentido. A base parlamentar do governo, que custa caríssimo para o país, na prática não passa de 200 deputados dentre os 513, suficiente para barrar o impedimento da presidente, mas fica devendo no quesito reformas. Diga-se de passagem, aliás, estas reformas também não são particularmente queridas pelo partido do governo, o que reduz consideravelmente sua chance de aprovação.

Este diagnóstico não é, óbvio, exclusividade minha, mas uma visão suficientemente difundida para dissuadir economistas sérios quanto à possibilidade de avançar nestes temas. Estariam, como Joaquim, apenas emprestando seu prestígio a um governo, sofrendo um risco considerável de não recebê-lo de volta no fim do período.

Restou, portanto, Barbosa, cujas traquinagens na formulação da chamada “Nova Matriz Econômica” são bem conhecidas. (A propósito, a “nova matriz” anda tão enjeitada que nem apoiadores e formuladores de primeira hora têm coragem de reconhecê-la, valentemente chamando-a agora de “tentativa de prolongar o ciclo de consumo e só”).


São palavras de triunfo de quem se acreditava dono da verdade, mas os resultados de hoje, recessão, inflação e desemprego, revelam sem sombra de dúvida quem tinha razão no debate.


Nelson Barbosa não tem mesmo a menor importância. 



(Publicado 23/Dez/2015)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Um convidado especial: Antoninho de Botucatu

O mestre Antoninho colabora com "A Mão Visível":

Short-bio

  • Born in Botucatu a long time ago, grew up in poverty and never met his dad (mother was a local whore).
  • Has a Phd in Economics and in Statistics.
  • Speaks Russian (advanced), English (advanced) and Portuguese (intermediate);
  • Currently living in a dark corner of East Europe, where teaches Ballet classes
Admiral Nelson and captain Barbarossa are in charge of the Economy now. Some say they are actually the same person. That I cannot tell. What I know, though, is that these guys think the real exchange rate is a choice variable! And in the past advocated demand-boosting policies as if there were no supply-side (or future) in the Economy. And it was not an innocent, albeit dumb, academic proposition: they really implemented these crazy ideas when in government. As a result, inflation skyrocketed and growth faltered. 

Now Nelson-Barbarossa (henceforth, NB) ask(s) us to trust him (them?). But how can I possibly do that? Let aside the basic fact that this government became a lame-duck in the first year of its renewed mandate, and is utterly unable to get any bill approved. Let's, for the sake of this piece, pretend this is not true. Dilma chooses a fiscal mad-man to carry out a fiscal adjustment plan?! Does that make any sense??

Some smart commentators have put forth the "Nixon in China" argument when discussing Barbarossa's possibilities. The idea was dubbed after Nixon based on the fact that only a hawkish like him could reestablish relations with a communist country, as he in fact did. As the argument goes, Nixon succeeded because, given his credentials, resuming talks with China couldn't possibly be interpreted as a leftist, unworthy move. Put it differently, a soft Democrat (possibly more akin to an average human being than Nixon) would have been unable to convince the electorate it was in the best interest of the American people to reopen relations. Similarly, if Barbarossa goes out defending fiscal retrenchment, it is because it must really be necessary. In theory, this all makes sense. 

However, this is not the unique political economy model in the shelf. Let me spell out another one very briefly. In an uncertain world, people will try to infer policymaker's true intentions so as to make right investment decisions. They do this via a sort-of Bayesian update method: prior + likelihood = posteriors. Suppose Barba's pragmatism, the sheer direness of the situation, and his initial steps all deliver us a good likelihood. Let's grant him this, just to help us in the exercise. Even so, the problem is: the posterior is not only a function of the likelihood, but also depends on prior beliefs. If priors are too damn low -- as they are in this case, since Rossa is the inventor of the "New - Fucked - Us- All - Matrix" -- the posterior cannot possibly be too high. Markets remained unconvinced.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O Porco e o Cordeiro

Estava o Cordeiro a tocar o Ministério da Fazenda quando apareceu o Porco, de horrendo aspecto, e perguntou: “Que desaforo é este de reduzir meu PIB?”.

Ao que o Cordeiro respondeu: “Mas, seu Porco, como é que eu poderia ter reduzido o seu PIB se só cheguei aqui no começo do ano e a economia vem em recessão desde o meio do ano passado?”.

“Ah”, disse o Porco, “mas você cortou o gasto público, o que fez o PIB cair ainda mais”.

“Olha”, retrucou o Cordeiro, “desde que estou aqui o consumo do governo aumentou. Só um pouquinho, sabe, mas foi o único componente da demanda doméstica que subiu em 2015”.

“Este negócio de argumentar com números não me convence”, voltou o Porco, “porque, em primeiro lugar, só interessa aos esbirros do conservadorismo, na cúspide de uma sociedade submissa ao rentismo, prisioneira da defesa da riqueza estéril e, em segundo lugar, porque eu não conheço as quatro operações e não entendo o que você está falando. Fora isto, o investimento também está desabando, e o multiplicador keynesiano diz que isto vai fazer a renda cair ainda mais”.

“É verdade”, confirmou o Cordeiro, “mas o investimento despenca desde o segundo trimestre de 2013, pelo menos, quando ainda o que valia era a tal Nova Matriz Macroeconômica, que, segundo eu soube, veio da cabeça de Porcos que nem o senhor”.

“Aliás”, continuou, “pelo que me disseram, os Porcos sumiram quando ficou claro que o investimento seguia em queda e que a recessão viria para valer. Só ficou por aqui um jumentinho italiano, otimista ‘pra’ burro (sem trocadilho, sabe?), que me passou as chaves da casa”.

“Não quero saber!” vociferou o Porco. “Quando o jumentinho te deu as chaves a inflação era menor que 6,5%, mas agora já varou os 10%”.

“Também verdade”, admitiu o Cordeiro. “Acontece que ao chegar aqui encontrei uma porcaria (sem querer ofender, sabe?): tinha um monte de preço congelado, custando caro para o Tesouro, mais caro ainda para a Petrobras. Só me restou ajustar tudo de uma tacada”.

“Inclusive, foi difícil achar um Porco que assumisse a responsabilidade pelo congelamento dos preços. Até o final do ano passado vários deles estavam ainda comemorando que a inflação não tinha estourado o teto da meta e havia até uma Leitoa afirmando que era tudo ‘terrorismo econômico’.”.

Mas vocês clamam pelo aumento do desemprego!”, grunhiu o Porco, “A PNAD diz que já alcançou 9%. Sua culpa, Cordeiro!”.

“Aí, seu Porco”, respondeu o Cordeiro, “é que lhe faz falta saber ler os números. A PNAD diz que o desemprego também vem crescendo desde o meio do ano passado e o CAGED revela que a perda de empregos formais também ocorre desde aquela época”.

“Você, Cordeiro, quer por a culpa num governo popular, cujo único erro foi ter adotado o programa adversário, que jogou o país na depressão”, guinchou o Porco, já fora de si com a atitude do Cordeiro.

“Olha, seu Porco, seus colegas de vara deixaram as coisas aqui em pandarecos. Dívida crescendo, inflação em alta (mesmo com preços congelados), desemprego idem, economia em recessão, um buraco sem precedentes nas nossas contas externas. Tanto estrago que nem Dona Anta aguentou vocês e teve que chamar um Cordeiro para arrumar a bagunça.”

E, já que Porco não come Cordeiro, deu-lhe as costas e o deixou chafurdando na lama.




(Publicado 16/Dez/2015)

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Depois do véu

Agora que o impedimento da presidente se tornou uma possibilidade (ainda mais) real, a pergunta insistente diz respeito ao dia seguinte, embora, talvez tão relevante quanto o dia seguinte de um evento que poderá (ou não) se materializar, sejam as consequências dos vários dias que precederão esta decisão.

Não é segredo que muito do que vivenciamos no momento, da queda do produto à alta do desemprego, passa de alguma forma pelo nó fiscal. Muito embora as cadeias de causa e efeito sejam, por vezes, obscuras, há, ao menos dentre economistas sérios, a crença que os desequilíbrios fiscais que vieram se acumulando nos últimos anos se encontram na raiz da atual crise, fenômeno que foi bem explorado, por exemplo, por Mansueto Almeida, Marcos Lisboa e Samuel Pessôa.

Se tal diagnóstico for correto, como acredito, a consequência lógica seria a necessidade de uma alteração do nosso regime fiscal para superar a crise. Não se trata, portanto, de saber se receitas não recorrentes, como concessões e as oriundas da repatriação de recursos, nos permitirão atingir determinada meta de superávit primário em 2016, tema importante, mas secundário nas atuais circunstâncias.

A questão central se refere, a bem da verdade, ao equacionamento do gasto público no Brasil, cujo componente federal cresceu nada menos do que 11% do PIB entre 1991 e 2014, dos quais quase um terço ao longo do primeiro mandato da presidente.

Como se sabe, parcela considerável deste aumento se concentrou nos gastos com aposentadorias e pensões, o que coloca as reformas associadas a este tema no centro de qualquer articulação para a solução do problema, incluindo, sem esgotar o assunto, a introdução de idade mínima para a aposentadoria, assim como a desvinculação do gasto previdenciário do salário mínimo.

São reformas complexas, que ferem interesses de distintos grupos, e, portanto, sugerem que haverá reações a toda tentativa de mudança. Não há motivo para imaginar que, mesmo em condições normais, o Congresso conseguiria encaminhar a discussão de maneira plenamente satisfatória. À sombra, porém, do impedimento, é ainda menos provável que o foco parlamentar, já bastante descuidado, possa se manter nestas reformas essenciais e mesmo nas medidas de mais curto prazo.

Isto dito, qualquer que seja o resultado do processo de impedimento, as perspectivas para as reformas estão longe de positivas. A fratura já existente no mundo político tende a se aprofundar depois da decisão.


Em caso de manutenção do mandato presidencial (que pode ser obtido com 171 dos 513 deputados) teríamos a continuidade de um governo acuado, cujas convicções passam longe das necessárias para avançar o encaminhamento das soluções fiscais. Já em caso de impedimento, o cenário mais provável aponta para uma nova coalizão de forças que, embora aparentemente mais convicta acerca dos rumos a serem seguidos, também não teria a força para aprovar o conjunto de reformas requeridas.

A conclusão, praticamente inescapável, é que as chances de avançarmos nestes temas nos próximos anos são baixíssimas.


Isto, quero deixar claro, não é argumento contra, ou a favor, do impedimento, mas constatação que o estrago feito pela atual administração há de nos pesar por muitos anos à frente.



(Publicado 09/Dez/2015)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Fala muito

Bancos centrais se acostumaram a conduzir a política monetária promovendo alterações na taxa de referência, como o Fed Funds no caso americano. No entanto, quando a crise financeira de 2008 forçou as taxas de juros dos principais países desenvolvidos para próximo de zero, as autoridades monetárias tiveram que inventar (ou reinventar) novas formas de praticar suas políticas.

Assim, bancos centrais nos EUA, Reino Unido e, mais tardiamente, na Zona do Euro se juntaram ao Banco do Japão na experiência de expansão quantitativa (QE, na sigla em inglês), buscando reduzir taxas de juros para prazos mais longos, que ainda se encontravam em terreno positivo, e assim incentivar a atividade econômica.

Houve, além disto, tentativas de alterar taxas mais longas por meio do que ficou conhecido como “orientação futura” (“forward guidance”), isto é, sinalização das intenções do banco central acerca da trajetória futura da taxa de juros de referência.

Afirmando, por exemplo, o compromisso de manter a taxa de referência em patamares baixos mesmo quando a economia começasse a se aquecer poderia ter algum efeito no sentido de reduzir as taxas de juros de prazos mais longos (e, no contexto de baixíssima inflação, com um pouco de sorte também aumentar as expectativas de inflação, reduzindo adicionalmente a taxa real de juros).

Há ainda controvérsia considerável acerca da eficácia da orientação futura, em particular se um banco central conseguiria mesmo se manter fiel ao compromisso quando a inflação e/ou atividade começasse a subir, o que, claro, não impediu que bancos centrais continuassem com a prática, mesmo porque mal não parece fazer.

Ou melhor, não parecia.

Em contexto bastante distinto, enfrentando inflação bem acima da meta, o Banco Central brasileiro, talvez por modismo, entrou na voga de orientação futura. Assim, já em outubro de 2012, ao reduzir a taxa Selic para 7,25% aa, afirmava que “a estabilidade das condições monetárias por um período de tempo suficientemente prolongado é a estratégia mais adequada para garantir a convergência da inflação para a meta, ainda que de forma não linear” (pausa para gargalhar).

Em linguagem de gente era um compromisso de não elevar (nem baixar) a Selic, que obviamente não durou mais que uns poucos meses face à piora (previsível) da inflação.

Foi um fiasco, mas não impediu o BC de continuar tentando manter a orientação futura de várias maneiras, inclusive ressuscitando recentemente o tal “período suficientemente prolongado”, apenas para ser consistentemente (e previsivelmente) desmentido pelos fatos.

Neste sentido, não foi surpresa alguma observar que a realidade mais uma vez forçou o BC a abandonar a promessa, eliminando do comunicado emitido logo após a última reunião do Copom as referências à “estabilidade por período suficientemente prolongado”. Isto foi interpretado, corretamente, aliás, como sinal que o BC poderá elevar a taxa de juros já no começo de 2016.


Orientação futura, como tantas outras coisas, é para quem pode; não para quem quer. A única orientação futura que se espera do BC é que se comprometa a trazer a inflação de volta à meta, tarefa em que fracassou miseravelmente nos últimos anos. De resto, poderia aprender a se manter quieto sobre o que não sabe.

“O Comitê entende que a manutenção desse patamar da taxa básica de juros, por período suficientemente prolongado, é necessária para a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante da política monetária.”

(Publicado 02/Dez/2015)

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Dr. Bellezza e as razões humanitárias

Dr. Bellezza é imune à razão. É a única conclusão que posso tirar de sua tentativa de seguir alegando que são os juros nominais (que incluem a inflação), e não os juros reais (que a excluem), os responsáveis pela elevação da relação dívida-PIB.

Ele afirma: “a dívida bruta equivalente a 57% do PIB em setembro de 2014, somada ao déficit nominal de 9% do PIB no período de 12 meses, respondem pelos 66% do PIB de dívida bruta de setembro de 2015”. Só que não...

Embora neste período em particular a variação da dívida seja quase igual ao resultado nominal (para variar os números estão errados: a variação da dívida foi 8,4% do PIB e o déficit nominal 9,3% do PIB), em praticamente todos os demais estes números não coincidem. Em 2013, por exemplo, a dívida bruta caiu 1,5% do PIB e o déficit nominal foi 3,1% do PIB.

Isto deveria ser óbvio: o setor público no Brasil jamais registrou um superávit nominal; no entanto, de 2009 a 2013 a dívida bruta caiu, o que já deveria acender uma luz da alerta para quem afirma que a variação da dívida-PIB equivale ao déficit nominal.

E o motivo é matemático, caso os 18 leitores me permitam um pouquinho de álgebra.

Vamos chamar a dívida hoje de Dt e a dívida ontem de Dt-1. De forma simplificada, a dívida hoje nada mais é do que a dívida ontem, capitalizada pela taxa nominal de juros (i) e deduzido o superávit primário, H:

Dt = (1+i)Dt-1 - Ht

Como estamos interessados na relação entre a dívida e o PIB temos que dividir os dois lados da equação pelo PIB nominal de hoje, resultado da multiplicação entre preços, Pt, e PIB real, Yt.

Dt/PtYt= (1+i)Dt-1/PtYt - Ht/PtYt

O termo acima à esquerda é a relação dívida PIB hoje (dt=Dt/PtYt), mas o primeiro termo do lado direito não é a relação dívida-PIB de ontem (dt-1=Dt-1/Pt-1Yt-1), pois compara a dívida ontem com o PIB hoje.

Isto pode, contudo, ser resolvido: preços de hoje são os de ontem acrescidos da taxa de inflação (p), enquanto o PIB real de hoje é o de ontem capitalizado pelo crescimento real (g), isto é, Pt=(1+p)Pt-1 e Yt=(1+g)Yt-1.

Usando estas definições, PtYt= Pt-1Yt-1(1+p)(1+g), e podemos exprimir a relação dívida-PIB hoje como:

dt = dt-1[(1+i)/(1+p)(1+g)] - ht

Deixando de lado por um segundo o superávit primário (h) e o crescimento real do produto (g), é fácil ver que a variável relevante para a elevação da dívida-PIB é a diferença entre a taxa nominal de juros (i) e a inflação (p), ou seja, a taxa real de juros.


Não é uma conclusão inusitada, mas requer um raciocínio analítico, passível de ser expresso de forma matemática, que simplesmente não faz parte das escolas adeptas do pensamento mágico. Em Hogwarts, “razões humanitárias” justificam qualquer coisa; já no mundo real valem a lógica e os dados.

“A informação de que ambos têm seus valores expressos em preços correntes significa que se encontram na mesma data-base, ou seja, já incorporam os efeitos no período da taxa de juros no estoque da dívida, bem como da inflação no PIB, receitas e despesas do setor público”

(Publicado 05/Dez/2015)

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Dr. Bellezza e a aritmética

Fui irônico, claro, ao mencionar o desrespeito do Dr. Bellezza pela aritmética, mas me enganei: ele realmente nada sabe do assunto. Não me espanta, pois, que associe matemática à tortura. Imagino sua infância aterrorizada pela matéria, a ponto de encarar com evidente temor cálculos que um egresso do ensino fundamental não teria dificuldade de entender.

Meu argumento é simples. A relação dívida-PIB é uma fração na qual o numerador, a dívida, cresce em linha com a taxa de juros, na ausência de um saldo primário. Já o denominador, o PIB, cresce pela combinação do aumento real da atividade e dos preços, este segundo conhecido como inflação.

É óbvio que a fração só aumenta se o numerador crescer mais rápido que o denominador, ou seja, se a taxa de juros for maior do que a combinação entre inflação e crescimento real do PIB. Posto de outra forma, na ausência de um saldo primário, a razão dívida-PIB só cresce se a taxa real de juros (isto é, a diferença entre a taxa nominal de juros e a inflação) for maior que o crescimento real do PIB.

A evolução da dívida-PIB, portanto, depende da taxa real de juros, conclusão que só escapa a quem não distingue numerador de denominador. Isto dito, vamos aos números.

Nos 12 meses até setembro o custo da dívida ficou em 12,1% (próximo à taxa Selic acumulada no período, 12,6%), enquanto a inflação (IPCA) atingiu 9,5%. Isto significa que a taxa real de juros foi 2,4% (1,121÷1,095-1. A conta é geométrica: chamem a Anistia Internacional!). Aplicada a uma relação dívida-PIB de 57,6% em setembro de 2014 implica custo real da dívida de 1,3% do PIB (0,024×0,576) naquele período.

Como prometido, são contas simples, passíveis de reprodução por qualquer um que domine as quatro operações, mas que, para quem tem pouca afinidade com elas, devem soar como feitiçaria.

Aliás, falando em dificuldade com as quatro operações, é notável a peculiar matemática do Dr. Bellezza. Segundo ele, se somarmos o “efeito da inflação sobre a dívida”, R$ 188 bilhões em 2014, ao déficit primário, R$ 20,7 bilhões, obteríamos um “superávit operacional” de R$ 167 bilhões (3,2% do PIB) no ano passado. Nunca se viram tantas asneiras em tão pouco espaço.

A começar porque os números de 2014 estão todos errados. O déficit primário atingiu R$ 32,5 bilhões, não R$ 20,7 bilhões. Segundo, o efeito da inflação deve ser calculado sobre a dívida do final de 2013, não no final de 2014. Terceiro, a inflação foi 6,41%, não 6,14%. Estes erros, porém, são modestos perto da atrocidade perpetrada.

Com efeito, a definição de resultado operacional é saldo primário (-R$ 32,5 bilhões) menos o juro real sobre a dívida (R$ 110 bilhões), ou seja, déficit de R$ 143 bilhões (2,6% do PIB) no ano passado. Já o Dr. Bellezza comete o seguinte “cálculo”: saldo primário menos sua estimativa (errada!) do efeito da inflação. Obtém assim um resultado totalmente desprovido de significado para concluir que teríamos “superávit operacional” em 2014. E ousa me acusar de maus-tratos aos números...


Podem, porém, ter certeza que não assumirá a culpa pelos erros grosseiros, assim como evita a responsabilidade por sua gestão desastrosa no Palmeiras e pretende nos convencer que foi crítico da “Nova Matriz Macroeconômica” desde 2010. Baita coragem...

Somando dois déficits obtenho um superávit


(Publicado 25/Novembro/2015)