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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

As mancadas do ministro

Parece que pego no pé (ou seria na “perna manca”?) do ministro da Fazenda, mas, asseguro, trata-se da mais pura verdade. Penso às vezes que não deveria ser assim, até por gratidão. Eu começo a me torturar sobre o tema de uma coluna assim que termino de escrever a anterior; é apenas a presença do ministro que alegra minh’alma com a certeza que, graças a ele, não me faltará assunto.

No caso, a contribuição ministerial para a análise desta semana é uma gema em estado bruto. Segundo ele, o desempenho sofrível da economia (aquele mesmo que ele não previu, contaminado por um otimismo de fazer o Dr. Pangloss enverdecer de inveja) se deve a “duas pernas mancas”: o escasso financiamento ao consumo e a fraqueza da economia internacional.

Isto mostra que, conforme o esperado, ele ainda não compreendeu a natureza da desaceleração da economia brasileira e que, portanto, continua tratando a doença com remédios errados. Diga-se, aliás, que este deve ser o principal motivo de sua internacionalmente reconhecida falta de pontaria nas previsões. Se o diagnóstico está equivocado, só com muita sorte a previsão poderia dar certo.

As ações de política econômica revelam – até mais do que as inúmeras entrevistas do ministro – que o governo atribui à insuficiência de demanda os números medíocres de crescimento observados desde 2011. De fato, medida após medida, o que observamos são novos estímulos ao consumo, restrições às importações e tentativas canhestras de ressuscitar o investimento com doses maciças de créditos subsidiados. Pouco, em contraste, tem sido feito no sentido de buscar aumentar a capacidade produtiva da economia, em particular no que se refere ao crescimento da produtividade.

No entanto, a um observador mais atento não há de ter escapado os sinais crescentes de dificuldades pelo lado da produção. A taxa de desemprego, por exemplo, segue nos níveis mais baixos de sua (curta) história, pouco abaixo de 5,5%, e o ritmo anual de geração de empregos, em que pese alguma desaceleração nos últimos meses, ainda supera a expansão da população em idade ativa.

Mais importante, as estimativas de aumento da produtividade permanecem muito baixas. Considerando, por exemplo, que nos 4 trimestres terminados em setembro deste ano o PIB aumentou 2,3% contra aumento de 1,6% do emprego, segundo a Pesquisa Mensal do Emprego, a produtividade, tomada ao pé da letra, teria crescido apenas 0,6% naquele período.

Uma estimativa mais caridosa, cujo foco é na tendência mais do que na observação de alguns poucos trimestres, sugere números um pouco maiores, na casa de 1% ao ano, mas, ainda assim, insuficientes para sustentar um ritmo de crescimento mais vigoroso do que o hoje observado.

Na verdade, visto que tanto a população em idade ativa quanto a produtividade parecem crescer em torno de 1% ao ano cada, qualquer crescimento muito superior a 2% ao ano requer queda adicional do desemprego, o que não era problema há alguns anos, mas hoje, em face da baixa taxa acima mencionada, passa a ser uma limitação relevante.

Ao perder isto de vista e insistir nas “pernas mancas” como motivos para nosso crescimento medíocre o governo produz uma política econômica, agora sim, capenga.

Estímulos à demanda, em particular pelo aumento do gasto público, quando a oferta se encontra restrita agravam nossos desequilíbrios. Do lado doméstico aceleram a inflação, contida apenas a golpes de controle de preços. Do lado externo se traduzem em elevação do déficit em conta corrente, que este ano deve ultrapassar US$ 80 bilhões (pouco menos do que 4% do PIB).


A política econômica hoje em vigor é perfeita para quem precisa escrever semanalmente sobre o assunto, mas incapaz de recolocar o país na rota do crescimento acelerado e sustentável. A mudança de rumos é imperativa, ainda que possa atrapalhar minha vida como colunista, sacrifício que encararia com satisfação.



(Publicado 18/Dez/2013)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Canção do exílio

Não é preciso grande poder de observação para notar que a economia brasileira anda mal das pernas. A inflação, descontadas intervenções pontuais do governo, segue pressionada e o déficit externo é crescente, caminhando para fechar o ano acima de US$ 80 bilhões. Esta combinação de inflação e déficit sugere uma economia com excesso de demanda, apesar do crescimento pífio, ao redor de 2%. Trata-se de indicação clara que a capacidade de expansão do país é baixa, reflexo de investimento insuficiente, particularmente em infraestrutura, deficiências na formação de mão-de-obra e produtividade lerda.

Por outro lado, é necessária enorme desatenção para atribuir este resultado ao chamado “tripé macroeconômico”, que foi praticamente abandonado, de forma mais clara a partir de 2011, período em que a economia nacional se deteriorou a olhos vistos.

Assim, quando economistas propõem “flexibilizar” o regime de metas para a inflação, preconizando a adoção de “núcleos” de inflação, ou prazo de convergência mais longo para a meta, eu me pergunto em que galáxia estiveram exilados desde então.

Como tive a oportunidade de discutir em coluna recente, “núcleos” são medidas de inflação menos afetadas por fenômenos transitórios ou localizados, que ajudam analistas na tarefa de diferenciar os verdadeiros processos inflacionários de desvios temporários da inflação. Em particular, se a inflação “cheia” estiver muito acima dos “núcleos”, há bons argumentos para que o BC modere altas da taxa de juros e vice-versa.

Ocorre que, nos últimos 10 anos, o desvio médio da inflação “cheia” relativamente aos “núcleos” foi da ordem de 0,02% (2 centésimos de 1%) por ano, jamais superior a 0,45%, ou inferior a 0,50% negativo. Na verdade, a inflação oficial nunca esteve distante dos núcleos e muito menos de forma persistente: em 5 dos 10 anos, a inflação ficou acima dos núcleos e, obviamente, abaixo deles nos outros 5.

Posto de outra forma, o histórico brasileiro sugere – ao menos para economistas que permaneceram na Via Láctea – que o uso de núcleos de inflação não seria a panaceia imaginada pelos exilados. Hoje em dia, aliás, em tese forçaria o BC a ser mais agressivo no que se refere ao aumento da taxa de juros.

Já fixar o prazo de convergência para a meta em 2 anos seria um avanço, se considerarmos que a inflação permanece acima dela desde 2010 e sem perspectivas de retorno até depois de 2015, fato aparentemente não percebido pelos exilados.

O que a distância astronômica também não lhes permite captar são os efeitos colaterais da convergência lenta da inflação.

Imagine, por exemplo, que a inflação em determinado ano atinja 6,5%, dois pontos acima da meta e que o BC, ao invés de trazê-la de volta em um ano, prometa fazê-lo em dois. É claro que – de posse desta informação – trabalhadores e empresas passariam a esperar (na melhor das hipóteses) que a inflação seja de 5,5% no primeiro ano e 4,5% no segundo.

Ao reajustarem hoje seus salários e preços, portanto, incorporarão 5,5% de aumento (ao invés de 4,5%), tornando mais difícil a tarefa do BC. Caso a convergência seja mais lenta (digamos, em 4 anos, ou redução de 0,5% por ano), as expectativas de inflação para o primeiro ano seriam 6%, devidamente repassadas a preços e salários.

Em outras palavras, a persistência da inflação, que muitos atribuem apenas a fatores culturais (a tal “indexação”), também reflete a velocidade de convergência: quanto mais lenta, maior a persistência, comportamento desconhecido nas galáxias vizinhas.


A verdade é que os exilados tentam, de forma nada sutil, esconder que a política econômica dos últimos anos reflete exatamente suas propostas, sem guardar nenhum parentesco com o tripé macroeconômico, gerando os resultados lamentáveis descritos no primeiro parágrafo. O que lhes falta é apenas a coragem de assumir a paternidade do modelo fracassado.

Os dados que lá publicam
Eu não sei interpretar

(Publicado 11/Dez/2013)

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A conta do desleixo

Embora tenha finalmente reajustado os preços dos combustíveis, o governo ainda resiste a adotar uma regra que relacione preços domésticos aos externos, usando para isto dois argumentos, como de hábito, equivocados. Afirma, primeiro, que não poderia “indexar” a gasolina num momento em que supostamente luta contra a indexação. Adicionalmente alega que trabalhadores ganham em reais, não em dólares, não sendo, portanto, justo que tenham que arcar com o preço internacional do combustível.

O primeiro argumento é risível. A começar porque ligar o preço doméstico da gasolina à sua contrapartida internacional não guarda qualquer relação com indexação. Esta consiste em reajustar automaticamente preços (ou salários) de acordo com a inflação passada, como por exemplo, ocorre com os aluguéis, ou mensalidades escolares.

No caso da gasolina, seu preço lá fora pode aumentar ou diminuir, assim como o preço do dólar (a taxa de câmbio) pode subir ou descer. Nada sugere que preços internacionais de gasolina se guiem pela inflação (americana?) passada, nem que a taxa de câmbio passe por qualquer processo semelhante.

Diga-se, aliás, que – se isto fosse mesmo um problema de indexação – o governo teria também problemas com os preços de carne, soja, aço, TVs, automóveis ou qualquer outra mercadoria que fosse comercializada no mercado externo, pois seu preço doméstico, ao menos numa primeira aproximação, não pode se distanciar muito do preço internacional (mais eventuais custos de transporte e impostos), devidamente convertido em moeda nacional.

Na verdade, os preços destes bens (denominados “comercializáveis”, pois podem ser internacionalmente transacionados) não são indexados, e até há pouco cresciam menos do que o IPCA, na prática contribuindo para reduzir a inflação.

(A propósito, se o governo quisesse mesmo combater a indexação, deveria trazer a inflação mais rapidamente em direção à meta. É a própria lentidão – quando não recusa – do BC em desempenhar seu papel que induz empresas e trabalhadores a reajustarem preços e salários de acordo com a inflação passada).

Já o segundo argumento consegue a proeza de ser ainda pior. A própria existência de bens comercializáveis mostra ser possível (na verdade comum) que preços de coisas tão essenciais como alimentos estejam, de alguma forma, ligados aos praticados no mercado internacional, muito embora consumidores, como regra, tenham sua renda denominada em reais.

Mais importante que isto, porém, é que a quebra da ligação entre os preços externos e internos causa problemas sérios do ponto de vista de eficiência, pois introduz ruídos no sistema de comunicação da economia.

Na prática o aumento do preço de um bem qualquer envia dois sinais: consumam menos e produzam mais. São estes sinais que garantem que a economia produza aquilo que se queira consumir. Quando este sinal não funciona, no caso por interferência do governo, o consumo não cai e a produção não aumenta, perenizando o desequilíbrio.

No caso específico dos combustíveis, isto implica também importações maiores, agravando o déficit externo, assim como impactos negativos no caixa da Petrobras, já que a empresa é forçada a vender produtos a preços inferiores aos que pagou por eles.

Pensando bem, é difícil imaginar uma política de preços mais errada do que a atualmente em vigor, e isto num momento em que não faltam políticas equivocadas.


E a verdadeira justificativa não é nenhuma das apresentadas acima, mas sim a perda de controle do processo inflacionário, que leva o governo a agir diretamente sobre preços para não perder a meta de inflação. O que começou como desleixo com relação à estabilidade agora cobra seu preço na forma de políticas que ampliam os desequilíbrios. Estabilidade não garante crescimento, mas sua ausência é certeza de desempenho pífio e nossa experiência recente comprova exatamente isto.

Como começa


(Publicado 4/Dez/2013)

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Perdido

O déficit externo brasileiro atingiu quase US$ 68 bilhões de janeiro a outubro deste ano, US$ 28 bilhões acima do registrado no mesmo período do ano passado, caminhando para ultrapassar com folga US$ 80 bilhões (pouco menos que 4% do PIB) este ano, bem acima da previsão mais recente do BC, que ainda sugere um número na casa dos US$ 75 bilhões.

A maior parte deste aumento reflete a queda abrupta do saldo comercial, que passou de US$ 17,4 bilhões positivos nos dez primeiros meses do ano passado para US$ 1,8 bilhão negativo em 2013.

É, como sempre, difícil apontar uma única causa por trás do fenômeno. Vários fatores contribuíram para o resultado, da queda dos preços de commodities à contabilização tardia das importações de petróleo realizadas no ano passado, passando pela continuidade de incentivos à demanda interna, mesmo em face de indicações cada vez mais claras que a economia opera muito mais próxima à sua capacidade máxima do que supõe a vã imaginação dos nossos gestores de política econômica.

Os dados, porém, sugerem que a piora dos preços externos desempenhou papel de menor peso na redução do saldo comercial.

Estimo que, caso os preços dos produtos exportados tivessem se mantido inalterados, as exportações aumentariam pouco mais de US$ 3 bilhões entre janeiro e setembro, ao invés de caírem US$ 3 bilhões, como de fato ocorreu, uma diferença de US$ 6 bilhões. Por outro lado, sob as mesmas condições, as importações cresceriam US$ 17 bilhões no ano, cerca de US$ 2,5 bilhões a mais do que o efetivamente observado.

A diferença de preços, portanto, explica queda de US$ 3,5 bilhões do saldo até setembro, um valor nada desprezível, mas bem menor que a redução de US$ 17 bilhões observada na balança comercial do período.

Dois problemas, contudo, complicam os cálculos. Um é a contabilização de importações de petróleo realizadas no ano passado, mas registradas apenas em 2013. Caso todo aumento observado se devesse a isto, haveria uma superestimação das importações da ordem de US$ 5 bilhões até setembro.

Por outro lado, a Petrobrás realizou exportações fictas de plataformas de exploração de petróleo (foram vendidas e alugadas de volta) de cerca de US$ 3 bilhões no mesmo período, de forma que o resultado líquido das operações extraordinárias fica ao redor de US$ 2 bilhões.

Há, portanto, uma redução da ordem de US$ 12 bilhões no saldo comercial que não pode ser atribuída nem à alteração de preços, nem a fatores pontuais tais quais os mencionados acima. Resta, assim, analisar o descompasso entre demanda e oferta domésticas.

Como tenho insistido aqui, quando a produção, principalmente de manufaturados, sofre constrangimentos à sua expansão, seja por força do encarecimento da mão-de-obra, seja pelos gargalos de infraestrutura, a tendência é que as importações cresçam à frente das exportações para atender a demanda interna em expansão. Já nos setores em que as importações não têm papel relevante a desempenhar, são os preços que reagem, o que explica, por exemplo, a elevada inflação de serviços.

Isto resulta, em larga margem, da política deliberada de aumento da demanda doméstica por meio do gasto público, incluindo a expansão do crédito oficial. O descontrole fiscal está, portanto, na raiz dos dois desequilíbrios observados no país: a inflação alta e o elevado (e crescente) déficit externo.


A contabilidade criativa pode mostrar o que o governo quiser, mas não muda a natureza do fenômeno. Da mesma forma, de nada serve o governo comparar seus números (criativos) aos de outros países. Lá o problema é tipicamente insuficiência de demanda interna; aqui sofremos com gargalos de oferta. Enquanto a natureza distinta do problema não for compreendida continuaremos à busca de desculpas, mas sem uma ideia clara de como tratar os desequilíbrios visíveis da economia brasileira.

Hããã...


(Publicado 27/Nov/2013)

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Cabeça brilhante no "Entre Aspas"

O link está aqui.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

O triunfo da mediocridade

Houve tempo em que o regime de política econômica no Brasil era bem diferente da desorganização que hoje floresce sob o nome de “nova matriz macroeconômica”. A taxa de câmbio flutuava, o superávit primário realmente existia e o Banco Central perseguia a meta anunciada de inflação, ao invés de procurar desculpas para seu próprio fracasso.

Naquela época também não faltavam críticos a apontar como alternativa à “ortodoxia” os regimes seguidos por outros países latino-americanos, que, segundo nossos “keynesianos de quermesse”, cresceriam mais que o Brasil, sem por em risco a estabilidade. Argentina e mesmo a Venezuela foram indicados, mais de uma vez, como modelos de países que, livres da “ideologia neoliberal”, seriam os faróis do desenvolvimento regional.

Lamentavelmente estes críticos, alguns dos quais são considerados os únicos economistas respeitados pela presidente, acabaram prevalecendo. O Brasil vem gradualmente abandonando o regime anterior, de forma algo envergonhada, é verdade, mas não menos real. Não chegamos, provavelmente por falta de tempo, aos extremos observados naqueles países, um golpe de sorte que não pode ser desperdiçado.

De fato, um breve exame mostra como aquelas economias passam por degradação visível. Na Venezuela a inflação já passa dos 50% nos últimos 12 meses, feito que lhe garante o título mundial na modalidade, enquanto na Argentina as estimativas privadas de inflação (já que ninguém acredita no número oficial, 10,5% nos 12 meses até outubro) já se encontram na casa de 25%, apesar dos controles oficiais de preços em ambos os casos.

Estes países também enfrentam sangria considerável de suas reservas. Na Venezuela os dólares em mãos do governo caíram de cerca de US$ 30 bilhões no início do ano para pouco menos de US$ 21 bilhões na semana passada; na Argentina, no mesmo período, vieram de US$ 47 bilhões para US$ 33 bilhões. Estes números são uma indicação clara de vastos desequilíbrios externos e só não são ainda piores porque, também nos dois casos, controles de câmbio são prevalentes, impedindo que a população tenha acesso à moeda estrangeira até para pagar importações essenciais.

Para completar o quadro, a desorganização econômica – resultante de controle de preços e câmbio – é também visível: falta de produtos e mercados paralelos realimentam a intervenção governamental aprofundando o problema. Caso algum historiador da nova geração queira saber como se comportavam as economias latino-americanas nos anos 80, de nada saudosa memória, não precisa fazer nada além de observar o desempenho destes países.

O contraste não poderia ser maior na comparação com outras nações que, ao contrário do Brasil, mantiveram seus regimes em boa forma. Chile, Colômbia, Peru e México (embora este último apresente características algo distintas dos demais) têm desempenho bastante superior. Inflação controlada, balanço de pagamentos em ordem, finanças públicas idem, sem contar o crescimento mais rápido.

Muito embora não se trate de um experimento controlado, há fortes evidências indicando que os países que privilegiaram a estabilidade estão se saindo melhor do que aqueles que a desprezaram em nome das miragens de curto prazo.

Temos, portanto, a vantagem de poder observar estas trajetórias e, talvez, retomar o curso anterior, ainda mais aproveitando o silêncio (quando não abjuração) dos “desenvolvimentistas” quanto ao fracasso das suas experiências na América Latina.

Apesar disto, as chances do retorno ao tripé macroeconômico num futuro próximo permanecem baixas. Não apenas o calendário político conspira contra a austeridade, mas também a convicção governamental acerca da “nova matriz macroeconômica” parece imune às doses de realidade gentilmente oferecidas pelos nossos vizinhos. Inflação alta e crescimento baixo continuarão como marcas registradas do triunfo da mediocridade no Brasil.



(Publicado 20/Nov/2013)

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Inferno são os outros

Ou, pelo menos, esta é a expressão consagrada por Jean-Paul Sartre. Já eu, ávido leitor de histórias em quadrinhos (graphic novel, romance gráfico, mesmo sendo um termo inventado pelo gênio Will Eisner, ainda me soa como desculpa para adultos lerem HQs), prefiro a mitologia do Sandman, de Neil Gaiman: somos nós quem fazemos nosso próprio inferno.

E por que digo isso? Porque segundo nosso insigne Ministro da Fazenda os problemas que hoje vivemos, como o aumento do risco-país, a possibilidade de rebaixamento da avaliação da nossa dívida, a depreciação da moeda e outros, resultam do “inferno astral” da política fiscal. Confesso que não sabia das inclinações astrológicas do ministro, mas, pensando bem, isto certamente ajuda a entender a precisão internacionalmente reconhecida de suas previsões.

De qualquer forma, a noção que a política fiscal passa por um “inferno astral” beira o ridículo (já do outro lado da borda, bem entendido). A piora das contas públicas é o resultado de um esforço intencional, que, a bem da verdade, não vem de hoje. Há tempos que o governo vem se engajando numa tentativa nada sutil, embora bem sucedida, de minar as instituições criadas para impedir a repetição dos descalabros que foram a marca registrada do país por muitos anos.

Começou de forma quase inocente, propondo a dedução dos investimentos em saneamento para fins de aferição da meta fiscal. Por exemplo, se a meta para o superávit primário fosse R$ 100, mas os investimentos em saneamento equivalessem a R$ 10, um saldo de R$ 90 seria considerado adequado. A ideia, nobre como sempre, era liberar os investimentos em saneamento do “arrocho fiscal”. Desnecessário dizer, nem por isto os investimentos no setor decolaram.

Mais à frente a mesma cláusula de escape foi ampliada para os investimentos do PAC1, PAC2 (que começou sem que o PAC1 fosse executado) e, se deixarmos, qualquer PAC que aparecer pela frente.

Mais recentemente as desonerações tributárias também passaram a ser “descontadas” da meta, para fins de política fiscal “anticíclica” (que, como já mostrei, é tão anticíclica quanto um relógio quebrado). O resultado é que ninguém mais sabe qual é, de fato, a meta fiscal, o que não faz a menor diferença porque o governo muitas vezes não consegue cumprir sequer a versão “caçulinha” do superávit primário.

Quando isto ocorre, para fins puramente formais, recorre a estratégias nada ortodoxas de contabilidade pública, contando endividamento novo como receita, hipotecando receitas futuras, etc. A “contabilidade criativa” se tornou também uma das características mais marcantes dos últimos anos, seja através do “Fundo Soberano”, seja pela contabilização de receitas imaginárias oriundas da cessão onerosa de petróleo.

Por fim, agora é a própria Lei de Responsabilidade Fiscal, até então simplesmente contornada, que se viu atingida em cheio com a proposta de renegociação das dívidas de estados e municípios com a União.

Assim, ao olharmos para trás o que vemos são apenas os destroços das instituições fiscais que demandaram anos de cuidadosa construção.

É contra este pano de fundo de demolição institucional que deve ser interpretada a deterioração visível das contas públicas que explorei na semana passada. Os resultados tem sido ruins, sem dúvida, mas a percepção (tardia) dos agentes é de um problema bem mais profundo do que os números lamentáveis registrados este ano.

Num mundo de fluxos de capitais mais escassos é claro que – ao contrário do observado nos últimos anos – a parte do leão deve ficar com aqueles que exibem fundamentos mais sólidos. O Brasil, a caminho de déficits externos da ordem de 4% do PIB (ou mais), vai precisar destes recursos, mas adota postura que ignora esta realidade, manifesta inclusive na negação do problema fiscal.

Não é, lamento dizer, a astrologia que irá resolver esta questão.


Guido, el vidente


(Publicado 13/Nov/2013) 

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Blackmore's Night, Soldier of Fortune

Jack White, Freedom at 21

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Agora é oficial: meta de inflação é 6,5%


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O quadrinômio do crescimento

Achei muito interessante essa reportagem da televisão canadense. Assista o video. A reportagem demonstra que estamos no caminho certo! O avanço tecnológico nacional depende do quadrinômio câmbio desvalorizado, políticas ativas pró-inovação, empresas estatais e proteção do mercado nacional!

Para a demonstracão da impressora, aqui.


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Credulidade e credibilidade

Muito embora acompanhe há algum tempo as contas fiscais brasileiras e tenha me tornado bastante crítico da piora observada nesta dimensão, estaria mentindo para os 18 fiéis se dissesse não ter sido surpreendido com o péssimo balanço do setor público (união, estados, município e empresas estatais, exceto Petrobras e Eletrobras) registrado em setembro.

Naquele mês houve déficit primário (isto é, sem contabilizar o pagamento de juros) pouco superior a R$ 9 bilhões, o pior já registrado para o período desde que começamos a medir nosso desempenho fiscal. Assim, mesmo considerando se tratar de mês complicado, em que parcela do 13º salário dos aposentados é antecipada, não há dúvida que a deterioração se estendeu muito além da questão sazonal, ao contrário da justificativa dos (ir)responsáveis pelo fraco resultado.

Aliás, observamos estes nada honrosos recordes em quatro dos últimos doze meses, indicação clara que a piora não é uma questão pontual. Não é por acaso que o resultado (oficial) acumulado nos 9 primeiros meses de 2013, superávit equivalente a 1,3% do PIB, é o mais baixo dos últimos 15 anos, apesar do uso crescente de receitas extraordinárias (tipicamente concessões e dividendos) para “engordar” o saldo fiscal.

“Limpo” destes truques, o superávit primário dos últimos 12 meses corresponde a meros 0,7% do PIB, distância considerável da média superior a 3% do PIB registrada no período 2003-2008, assim como da observada entre 2009 e 2012 (1,6% do PIB).

Os dados também permitem concluir que, embora estados e municípios não sejam totalmente inocentes, a principal parcela da deterioração fiscal resulta do desempenho do governo federal, cujo superávit (“limpo”) caiu de uma média superior a 2% do PIB de 2003 a 2008 para apenas 0,4% do PIB nos últimos 12 meses.

A razão para isto não é arrecadação mais fraca, por mais que autoridades choraminguem. O principal motivo da redução do superávit primário federal é o aumento do gasto e, dentro dele, do dispêndio corrente, já que o investimento vem caindo na comparação com o observado no ano passado.

Assim, por qualquer ângulo que se observe o desempenho recente das contas públicas, torna-se difícil evitar a conclusão que a política fiscal tem sido extraordinariamente expansiva. E, como a expansão vem dos gastos correntes, em oposição aos investimentos, fica claro também que o governo terá uma dificuldade considerável para remover os estímulos hoje existentes no caso improvável de um dia resolver se corrigir.

Chega a ser patético observar o ministro da Fazenda e o secretário do Tesouro requentando medidas para conter o avanço de despesas como o abono salarial e seguro-desemprego, que já haviam sido anunciadas (e nunca adotadas) há mais de dois anos, dentro do pacote então lançado para convencer um crédulo Banco Central que poderia reduzir a taxa de juros sem riscos para a inflação, graças à prometida austeridade fiscal.

Soma-se a isto o provável efeito da alteração retroativa dos indexadores das dívidas de estados e municípios com a União. Como discutido em coluna anterior, tal medida deverá abrir a porteira para aumento substancial dos gastos dos governos locais, ainda mais num ano eleitoral.

O que não é patético, mas trágico, é a credulidade do BC que, mesmo em face de promessas quebradas e da extraordinária degradação das contas fiscais, prossegue com a ladainha afirmando que “o balanço do setor público se desloca para a zona de neutralidade”.


Tal alienação seria injustificável até para quem não tivesse vivido um período de enorme irresponsabilidade fiscal. Já para economistas da minha geração, que observaram este processo e suas consequências praticamente em tempo real, esta postura, mais que inexplicável, é, acima de tudo, insensata. Não é por outro motivo que a escassa credibilidade do BC se erode a cada dia.



(Publicado 6/Nov/2013)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Beijo da morte

Embora o déficit externo de setembro, US$ 2,6 bilhões, tenha sido o mais baixo registrado no ano, as contas do país acumulam nos últimos 12 meses déficit pouco superior a US$ 80 bilhões (3,6% do PIB), aumento expressivo com relação aos US$ 50 bilhões (2,2% do PIB) registrados nos 12 meses anteriores. Números ainda mais altos não podem ser descartados no ano que vem, pois os fatores determinantes da sua expansão ainda estão em pleno funcionamento e nada indica uma interrupção deste processo.

A começar pela discrepância entre o desempenho da demanda interna (consumo, investimento e, é claro, os gastos do governo) e o PIB. Aquela cresce à frente deste há nada menos do que 32 trimestres (sem contar o terceiro deste ano), tendo ultrapassado o valor absoluto da produção doméstica desde meados de 2010.

Como venho apontando há algum tempo, a capacidade de produção enfrenta gargalos dos mais variados, seja por conta do mercado de trabalho apertado, seja pela insuficiência da infraestrutura, seja ainda por outros fatores que se expressam no baixo crescimento do produto por trabalhador. Neste contexto, adotar – como tem feito o governo – políticas de expansão da demanda interna, impulsionadas pelo gasto público e pelo crédito oficial, pouco adiciona ao crescimento do produto.

Pelo contrário, nos setores em que a concorrência externa é escassa (tipicamente serviços) os estímulos têm se transformado em combustível para a inflação, que já se aproxima de 9% neste segmento nos últimos 12 meses. Já nos setores mais sujeitos à competição internacional (tipicamente manufaturados) o que se observa é o aumento das importações à frente das exportações, de modo a adequar a oferta total (produção interna mais importações líquidas) ao consumo doméstico.

Não por acaso a quantidade física de importações aumentou pouco menos de 11% até agosto (contra crescimento de apenas 1% das exportações), o que não pode ser explicado apenas pela contabilização em 2013 de importações de petróleo realizadas no ano passado.

Incapaz, portanto, de atender simultaneamente o consumo crescente de manufaturas e serviços, a produção se volta para os últimos, face à impossibilidade da sua importação, enquanto a redução do saldo comercial cuida de aumentar a disponibilidade doméstica de manufaturas. Neste sentido, o aumento do déficit externo não é uma anomalia: é o resultado natural de uma política de estímulo à demanda quando a oferta enfrenta restrições variadas.

O problema só não apareceu antes porque o mundo jogou a nosso favor (na verdade, continua jogando, apenas não tanto quanto há dois anos). Os preços dos produtos que exportamos (commodities) ainda permanecem 25% acima de seu nível histórico relativamente aos preços das importações (manufaturas). Trata-se uma perda considerável em comparação ao observado em meados de 2011, quando esta relação encontrava-se 40% acima da média histórica, colaborando para a redução recente do saldo comercial.

Mesmo assim é bom notar que a contribuição ainda é positiva, correspondendo a algo como 2,7% do PIB nos 12 meses até agosto, contra 3,1% do PIB em 2011. Posto de outra forma, embora a contribuição menos favorável dos preços externos possa explicar uma parte da queda do saldo comercial, a maior parcela resulta mesmo da evolução díspar da produção e da demanda internas.

Considerando ainda que o atual arranjo de política não deve se alterar (pelo contrário, a recente mudança retroativa do indexador da dívida de estados e municípios deve induzir a um forte aumento do gasto público à frente), é apenas lógico esperar déficits externos crescentes no curto e médio prazos.


Reconciliar este desenvolvimento com fluxos mais escassos de capitais será o grande desafio em breve e o provável beijo de morte para nossa mal formulada “nova matriz macroeconômica”.

Cada dia mais perto


(Publicado 30/Out/2013)

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Pérolas do planejamento selvagem

Escreve o Valor sobre evento que reuniu algumas das maiores intelectualidades heterodoxas do mundo.

Vejam o que o Valor tem a dizer sobre o Professor 0reir0 (grifo meu):

Oreiro, do grupo dos novos-desenvolvimentistas, propõe uma polêmica queda dos  ganhos reais dos salários. Diz que a taxa real efetiva de câmbio do país,  sobrevalorizada em 48%, enfraquece perspectivas de retomada de um crescimento  mais vigoroso da economia e dificulta a reindustrialização. O real  sobrevalorizado, no argumento do economista, seria inviável para a indústria  manter os atuais padrões de ganho real dos salários dos últimos anos e ampliar a  sua competitividade.

Não é algo a ser feito da noite para o dia [...]. Estamos vivendo um momento  de realinhamento das taxas cambiais no mundo, invariavelmente isso vai afetar os  salários. A redução do ganho real de salários, em torno de 20%, deve ser algo  para ser feito em cinco, seis anos”, disse Oreiro, no seminário da FGV.

Em bom inglês, 'what the fuck?'


Será que ele engole a espada por 20% menos?

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A opção nuclear

O título é chamativo, reconheço, mas vida de colunista é uma disputa permanente pela atenção dos 18 leitores, que hão de me perdoar por um pouco de sensacionalismo na manchete, desde que consiga me redimir, como espero, no corpo da coluna.

A opção nuclear do título refere-se às chamadas medidas de “núcleo” da inflação, a que quase ninguém, exceção feita aos analistas profissionais, costuma prestar muita atenção, talvez com bons motivos em condições normais, isto é, bastante distintas daquela que vivemos hoje.

Um problema comum em economia é achar contrapartidas nos dados para alguns conceitos, cuja definição é bastante precisa. Inflação, por exemplo, consiste no aumento persistente do nível geral de preços, acepção que dá ênfase a dois elementos: persistência e abrangência.

De fato, se todos os preços da economia aumentassem, digamos, 1% num determinado período e permanecessem estáveis daí em diante, não poderíamos, a rigor, falar em inflação. Da mesma forma, se uns poucos preços aumentassem de forma persistente, mas com os demais se mantendo constantes, também não se trataria de um fenômeno inflacionário.

No entanto, em ambos os exemplos (extremos, usados apenas para ilustrar o tema), os índices de preços capturariam os aumentos, sem fazer a distinção requerida pela teoria. Na prática, ao analisar o comportamento dos índices de preços, analistas precisam distinguir entre movimentos persistentes e temporários, assim como entre aumentos generalizados e localizados.

A utilização das medidas de núcleo de inflação é uma técnica que permite lidar com o problema. Trata-se de definir uma medida de inflação que seja menos afetada por fenômenos transitórios (ou localizados), possibilitando ao analista um entendimento menos “poluído” do que ocorre no front inflacionário.

Não há, é bom dizer, uma definição particular que consiga lidar com todas as dificuldades. Em alguns casos costuma-se excluir do cálculo um conjunto predeterminado de bens e serviços (nos EUA, alimentos e combustíveis; no Brasil, alimentos e preços administrados pelo governo), considerados a priori mais voláteis ou menos sujeitos à dinâmica de mercado.

Em outros casos não há um conjunto predeterminado de bens e serviços; apenas são excluídos da conta aqueles preços que mais caíram ou subiram num período particular, também sob a suposição de se tratarem de preços mais voláteis, que não configurariam um verdadeiro processo inflacionário. Outra técnica ainda altera os pesos dos produtos no índice de preços, atribuindo ponderação maior para os menos voláteis e menor para os mais voláteis.

É necessário esclarecer que não se trata de “expurgar” a inflação para reduzir indevidamente a responsabilidade do BC pela estabilidade de preços, mas sim de permitir – atento às limitações do instrumento – uma distinção mais nítida entre fenômenos passageiros e localizados e os persistentes e generalizados, estes fonte de maior inquietação.

Em particular, se a inflação é alta, mas os núcleos são bem menores, é bem provável que a elevação de preços seja passageira, ou resultante de pressões localizadas; por outro lado, caso a inflação seja baixa, mas os núcleos não, a indicação é bem mais preocupante.

No caso do Brasil, não apenas a inflação é alta, mas os núcleos (temos 5 versões deles!) conseguem ser ainda maiores, sugerindo que as tensões são mais sérias do que as reveladas pela simples leitura do IPCA. Enquanto este apontava para uma inflação de 5,86% nos 12 meses até setembro, a média dos núcleos indicava um número na casa de 6,22%, provavelmente mais representativo da “verdadeira” inflação nestes tempos de interferência governamental sobre os preços.


O corolário da opção nuclear é, portanto, simples: apesar do governo insistir no contrário, seu controle da inflação é bem mais frágil do que aparenta.



(Publicado 23/10/2013)

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Domingo deprimente

Comeu demais? Está passando mal?
Um vomitório pode lhe fazer bem.
Leia então no pasquim governista do zio Mino, o último artigo de TietaCiro Gomes, agora indignadao com a Petrobrás.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Pandora

Quando os homens, criados por Prometeu, obtêm dele o fogo, põem em perigo o domínio dos deuses. Pandora, a mulher, é então criada e recebe, dentre outros presentes, a famosa caixa (na verdade uma ânfora) que não poderia ser aberta, mas que, obviamente, o foi, libertando todos os males que afligem a humanidade e a deixam à mercê dos deuses, permanecendo presa no fundo apenas a esperança. Tentação, queda e outros arquétipos fazem desta narrativa parte central da mitologia grega, ecoando, não por acaso, outras histórias de perdição.

E por que falo disto? Porque me parece claro que outra caixa de Pandora está para ser aberta, no caso com a renegociação das dívidas de estados e municípios, cujas consequências – se não tão severas quanto a queda da humanidade do seu estado de graça – ainda são graves o suficiente para preocupar qualquer analista minimamente atento.

Na segunda metade dos anos 90, como parte do esforço de estabilizar as finanças públicas, o governo federal reestruturou as dívidas de alguns estados e municípios. Estes se tornaram devedores da União pagando taxas bastante inferiores às que tomariam recursos no mercado. Em contrapartida, se viram obrigados a destinar parcela de suas receitas ao pagamento destas dívidas, o que os acabou forçando a gerar superávits primários, colaborando para o esforço fiscal do setor público como um todo.

(Se alguém notou o paralelo com a questão europeia, parabéns! É precisamente este tipo de arranjo que se tem em mente quando se fala de federalização das dívidas nacionais em troca de uma centralização da política fiscal na Zona do Euro).

Isto dito, a camisa de força resultante da reestruturação das dívidas subnacionais sempre foi um fator de desconforto para governadores e prefeitos, que, praticamente em seguida à assinatura dos contratos, buscaram formas de rever os acordos para obter espaço adicional para novos gastos. No entanto, sob pena de perderem as transferências federais, acabavam por se conformar, pelo menos por algum tempo.

Mais recentemente, porém, voltaram à carga, argumentando que a dívida seria “impagável”, já que teria continuado a crescer mesmo depois de todos os pagamentos efetuados até agora. Isto parece fazer sentido, pois a dívida de estados e municípios com a União renegociada sob a Lei 9496/97, que era R$ 154 bilhões no final de 2000, atingiu pouco mais de R$ 468 bilhões em agosto deste ano.

Apenas não se menciona que no mesmo período o PIB aumentou de R$ 1,236 trilhão para R$ 4,638 trilhões, ou seja, a dívida, que equivalia a pouco mais de 11% do PIB em 2000, agora corresponde a 8,6% do PIB. No caso específico dos estados, a dívida, correspondente a 15 meses de arrecadação em 2000, se reduziu para cerca de 10 meses em 2012. Por qualquer ângulo (correto) que se avalie o assunto, as dívidas são mais sustentáveis hoje do que eram no momento de sua reestruturação.

Apesar disto, o governo federal anunciou a intenção de rever os seus valores, aplicando retroativamente regras de correção mais favoráveis a estados e municípios, o que deve implicar forte redução do endividamento destes à custa de perdas para a União.

À parte a injustiça de transferir recursos dos brasileiros que não moram nos estados e municípios beneficiados pela reestruturação para aqueles que lá residem, a redução da dívida deve aliviar consideravelmente os respectivos tesouros, permitindo aquilo que sempre almejaram, isto é, voltar aos bons tempos em que não havia limites à gastança.

O superávit primário de estados e municípios, que já caiu de uma média próxima a 1% do PIB entre 2001 e 2008 para modestos 0,4% do PIB nos 12 meses até agosto deste ano, deve se reduzir ainda mais, acentuando o atual quadro de piora fiscal.


Saem da caixa estados e muncípios; fica presa a esperança de algum dia pormos em ordem as contas públicas.

Estados e municípios à solta

(Publicado 16/Out/2013)

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Cachorro, raivoso, morde carteiro


Faz frio no Pólo Sul; o time do Íbis não vai ser campeão brasileiro; o leilão do pré-sal, conduzido sob as regras desenhadas por Dilma Rousseff e companhia, foi um fracasso

Já estou com saudades de semana passada, quando as discussões sobre política fiscal e procedimentos legislativos nos Estados Unidos geravam pelo menos manchetes interessantes.

Que o leilão do pré-sal seria um fracasso retumbante, qualquer um poderia saber desde quando as novas regras de partilha foram estabelecidas alguns anos atrás (basta ler no noticiário que a presidente, então ministra "tecnocrata", estava no centro da operação). 

Menos de um mês atrás, ouvi de uma jornalista econômica que um membro da equipe econômica altivamente desdenhava da falta de interesse das principais companhias de petróleo pelo leilão do pré-sal (“Não é uma surpresa para mim. As companhias espernearam quando nós mudamos as regras”, justificava altaneiro).

E la nave va, vivendo seu experimento com a idiocracia.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Repetição e compromisso

Houve tempo que acreditei ser o único a me repetir nas colunas e bem que tentei me convencer que não era tão ruim quanto imaginava. Afinal, são textos de opinião e há diversas formas de expressá-las, assim como pessoas que não leram as versões anteriores e mais um tanto de argumentos para me livrar da sensação de enganar os 18 leitores. Hoje percebo que não era assim, o que – a bem da verdade – mais que uma justificativa, torna a repetição de certos temas praticamente uma obrigação.

Digo isto porque, ao abrir o jornal de segunda (no caso o Valor Econômico), me deparo com mais uma matéria reafirmando o interesse do governo em buscar novo canal com o setor privado, praticamente reprise da coluna publicada no mesmo jornal no dia 21/12/2012, a começar pelo título. A coluna original (se cabe aqui a expressão) já havia me motivado a escrever sobre a diferença crucial entre a postura favorável aos negócios e a favorável ao mercado.

Vejo, com tristeza, mas sem surpresa alguma, que o tema continua absolutamente atual.

Aparentemente o governo se mostra pasmado que sua estratégia de aproximação com o setor privado, expressa na redução da taxa de juros, desvalorização da moeda e concessão seletiva de incentivos fiscais, não tenha implicado aumento do investimento. Em particular as desonerações tributárias teriam resultado em mera elevação das margens de lucro, sem resposta da inversão.

Este desencanto, acredito, não se aplica aos 18 fiéis.

Quem leu meus comentários a respeito deste assunto à época deve (espero) ainda se lembrar da diferença conceitual (e prática!) entre políticas pró-negócio e política pró-mercado.

As primeiras visam favorecer interesses específicos de setores empresariais, e englobam favorecimentos diversos a segmentos que, de uma forma ou de outra, são eleitos para comandar a expansão da economia. Sem esgotar o assunto, incentivos fiscais, crédito em condições extremamente favoráveis, proteção contra competição externa (e mesmo interna) são alguns dos instrumentos mais conhecidos e não é difícil achar exemplos de sua aplicação mesmo antes do anúncio oficial da mudança da postura “a favor do setor privado”.

Também não é difícil perceber os incentivos que decorrem desta abordagem.

Do ponto de vista de qualquer empresa passa a ser mais interessante convencer o governo acerca de seu papel “essencial” ao desenvolvimento do país do que se preocupar em melhorar seu produto, ou aumentar a produtividade, ou buscar novos mercados. Tudo aquilo que faz da competição capitalista o motor último de crescimento torna-se secundário se os lucros podem crescer (como admitido pelo próprio governo) a partir de decisões tomadas em gabinetes.

Não por acaso, portanto, este tipo de política pode até gerar grandes empresas e lucros idem (favorecendo uns tantos amigos do rei), mas não configura uma estratégia de desenvolvimento sustentável.

Menos mal se alguma lição tivesse sido aprendida, mas a insistência na mesma matéria apenas sugere que, na falta de resultados positivos, a proposta governamental seja tão somente aumentar a dose do remédio, na vã esperança que o fracasso observado se origine da insuficiência da dose e não na natureza das políticas.

Em contraste, as reformas pró-mercado que poderiam favorecer a competitividade (simplificação de tributos, liberalização do comércio exterior, maior flexibilidade trabalhista, etc) continuam onde estiveram nos últimos sete anos: expostas ao mais cruel abandono.

O prognóstico é simples e direto: nosso investimento continuará anêmico, com níveis muito aquém do necessário para acelerar de forma decisiva o ritmo de expansão sustentável do país. E, muito provavelmente, aparecerão novas reportagens acerca das outras tentativas de engajar o setor privado com o mesmo sucesso das até agora experimentadas.


Denunciar este enfoque não é desculpa para me repetir; é mesmo obrigação.

Novos canais com o setor privado...


(Publicado 9/Out/2013)

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Os frutos do descaso

Deu muito o que falar a última capa da The Economist: depois da famosa foto do Cristo Redentor decolando como um foguete, símbolo de um país que parecia finalmente se reencontrar com o crescimento, agora se vê um projétil sem rumo, mais uma oportunidade perdida. Fã que sou da revista, desta vez vou discordar dela, embora não da mesma forma que o governo brasileiro, cuja incapacidade para entender críticas atinge níveis lendários.

Não creio que o Brasil estivesse de fato decolando naquele momento; na verdade, nosso pífio desempenho nos últimos anos é um reencontro, mas com a dura realidade: o crescimento brasileiro, ainda que visivelmente mais rápido entre 2003 e 2010, nunca foi sustentável, no preciso sentido de poder ser mantido indefinidamente sem causar desequilíbrios, tanto internos quanto externos.

De fato, ao decompor a expansão do PIB entre o aumento do emprego e a elevação do produto por trabalhador, não há como evitar uma triste conclusão: a maior parcela do nosso crescimento não resultou de fazermos mais coisas com os mesmo recursos, mas sim de empregar mais recursos para fazer as mesmas coisas.

Soa um tanto abstrato, mas alguns números podem ajudar. Entre 2003 e 2013 o PIB cresceu, em média, 3,8% ao ano; destes, 2,3% resultaram do aumento do emprego e apenas 1,4% da maior produtividade. E o que é pior: nos últimos anos a contribuição da produtividade tem sido decrescente. Mesmo se desconsiderarmos as flutuações cíclicas, menos de 30% do crescimento do PIB dos últimos 3 ou 4 anos advém do aumento do produto por trabalhador. Trata-se de expansão baseada na força bruta.

O esforço reformista no Brasil, que se manteve até o começo de 2006, trouxe frutos, mas estes parecem ter durado apenas até 2009, quando a contribuição do aumento da produtividade representou um impulso da ordem de 1,7% ao ano para o PIB (contra 2,4% ao ano advindos do emprego). Já nos últimos 12 trimestres até metade de 2013 a contribuição da produtividade se reduziu para 0,9% ao ano, enquanto a do emprego caiu para 2,2% ao ano.

Não é preciso um salto de imaginação para entender os entraves a este processo. A população em idade ativa (PIA) cresce cerca de 1% ao ano, o que implica limites muito claros à continuidade de uma estratégia que se ampare principalmente no aumento do emprego para a expansão do produto. Funciona bem quando a taxa de desemprego é alta, como era no começo do século, mas não pode ser mantida indefinidamente.

Já a produtividade, com boa vontade, tem crescido de 1% a 1,5% ao ano, o que significa que nossa velocidade de cruzeiro, dada a expansão da PIA, não pode ser muito diferente de 2% a 2,5% ao ano. O que a The Economist entendeu como um fracasso, em face de um crescimento mais vigoroso durante alguns anos, é apenas o reconhecimento dos limites existentes ao aumento do produto.

Como tenho insistido, não é esta a percepção que prevalece no governo (o que não chega a ser surpreendente, dada sua imunidade às críticas). Pelo contrário, todo arranjo de política econômica sugere que a visão oficial acerca da desaceleração é que se trata de fenômeno passageiro, resultado da crise externa, e que pode ser combatida com aumento do gasto e do crédito.

O resultado é um descompasso crescente entre a demanda (anabolizada pelo governo) e a capacidade limitada de resposta do setor produtivo. Do lado dos produtos que não podem ser facilmente importados e exportados, isto implica pressões sobre preços, expressas na alta inflação de serviços. Já no que se refere aos produtos que podem ser comercializados, resulta em piora das contas externas, também visível nos números mais recentes.


Concluindo, nossa chance já havia sido perdida antes de 2009, quando, embalados pelo aumento extraordinário dos preços de commodities, decretamos o fim prematuro do esforço reformista. Colhemos agora os frutos deste descaso.



(Publicado 02/Out/2013)