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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

O topo do pódio

Segundo a Receita Federal do Brasil o total de tributos arrecadados em 2013 atingiu R$ 1,6 trilhão, o equivalente a 35,95% do PIB, algo maior que o observado no ano anterior (35,86% do PIB), fenômeno que se repetiu em 14 dos 19 anos desde a estabilização da economia em 1994. A fome tributária do governo brasileiro (nos seus três níveis, mas principalmente no que se refere à esfera federal) não dá mostras de saciedade. Pelo contrário, o apetite governamental segue crescente.

De fato, nos 3 primeiros anos da atual administração, a carga tributária saltou de 33,5% para os já mencionados 36,0% do PIB. Calculados a preços de hoje o total de tributos cresceu pouco mais de R$ 200 bilhões, enquanto o aumento do PIB no período, também corrigido pela inflação, correspondeu a R$ 270 bilhões.

Posto de outra forma, de cada R$ 100,00 a mais produzidos no país entre 2010 e 2013 o governo se apropriou de R$ 74,00. Destes, pouco menos de R$ 50,00 foram tomados pelo governo federal, enquanto estados e municípios arrecadaram o restante.

Apesar do aumento da arrecadação da ordem de 2,5% do PIB, o superávit oficial combinado das 3 esferas de governo (federal, estadual e municipal) encolheu o equivalente a 0,7% do PIB (de 2,6% para 1,9% do PIB) neste intervalo.

A conclusão inescapável é que a piora do desempenho fiscal – a despeito dos clamores do governo federal quanto às desonerações tributárias – necessariamente decorre do aumento do gasto público. Apenas no caso do governo federal este aumento foi equivalente a 1% do PIB de 2010 a 2013; caso 2014 seja incluído na conta o salto passaria a ser de 2% do PIB.

Trata-se, resumindo, de um governo que tributa muito, mas consegue a proeza de gastar ainda mais. Já a contrapartida em termos de serviços públicos é visível: saúde, segurança, justiça e educação, para ficarmos apenas nos essenciais, continuam abaixo da crítica, em geral de qualidade inferior àqueles oferecidos em países de renda per capita semelhante à nossa.

É este o quadro que espera a nova equipe econômica, um quebra-cabeça com data marcada para sua solução, à vista da promessa do novo ministro de produzir, sem truques contábeis, um superávit primário de 1,2% do PIB no ano que vem.

Resta pouca dúvida, porém, que a principal parcela deste ajuste virá, de novo, sob a forma de maiores impostos, mesmo que Joaquim Levy tenha sugerido o contrário. A redução de gastos, se houver, desempenhará o papel de mero coadjuvante, como, aliás, ocorreu em todos os episódios de “ajuste” fiscal no país.

A perspectiva, portanto, é que nossos “sócios” em Brasília continuem a se apropriar da parte do leão (sem trocadilho barato com o mascote da Receita Federal). Há, contudo, consequências.

Caso mantenhamos o padrão dos últimos anos, um produtor qualquer reterá apenas R$ 26,00 de cada R$ 100,oo daquilo que gerar adicionalmente. Não é necessário ser um gênio, ou mesmo um neoliberal malvado, para concluir que este arranjo desestimula fortemente qualquer atividade econômica.

Aliás, é bastante provável que parcela relevante da queda do investimento observada no período – e, portanto, de nossa capacidade de crescimento de longo prazo – resulte da percepção que a maior parte dos frutos deste investimento será colhido pelo governo, e não por quem o plantou.


A triste conclusão é que o nosso desempenho fiscal se tornou, há muito, um obstáculo para o crescimento sustentado do país. Sem um programa que contenha a expansão do gasto (0,3% do PIB ao ano no caso do governo federal), será difícil crescermos rapidamente. No entanto, a presidente já deixou claro que considera o controle do gasto “rudimentar” e que “gasto corrente é vida”. Não é por outro motivo que colhe o terceiro pior desempenho de crescimento da República; pode agora lutar bravamente pelo primeiro lugar neste nada honroso pódio.



(Publicado 24/Dez/2014)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Uma fotografia na parede

A sala em que ocorrem as reuniões do Conselho Monetário Nacional no Ministério da Fazenda em Brasília é um monumento à resiliência do país. Em suas paredes estão os retratos de todos os ocupantes do cargo no período republicano, exceto, é claro, o atual titular (e o próximo também). O olhar equivale a uma viagem no tempo a nos lembrar das desastrosas políticas a que o Brasil foi submetido e como, apesar dos infortúnios, aqui estamos.

Guido Mantega, futuro ex-ministro em atividade, merece lugar de honra nesta galeria de horrores como principal responsável pela verdadeira herança maldita, em nada honrando a que recebeu.

Ao assumir Mantega encontrou um país que crescia algo mais que 3% ao ano, com a inflação na meta (4,6%) e um superávit de US$ 13 bilhões (1,4% do PIB) nas contas externas. O superávit primário não era maquiado e equivalia a 3% do PIB, enquanto a dívida bruta do governo caíra para 56% do PIB. Naquele momento o Brasil gerava 1,3 milhão de empregos formais por ano e pavimentava seu caminho para receber o grau de investimento.

O país que entrega não poderia ser mais diferente. O crescimento este ano mal deve superar zero, a inflação (6,6% nos últimos 12 meses) segue perigosamente próxima ao teto da meta e o déficit externo supera US$ 84 bilhões (3,7% do PIB) nos 12 meses até outubro. O superávit primário (maquiado) caiu para 0,6% do PIB (sem maquiagem trata-se de déficit de 0,2% do PIB) e a dívida governamental atingiu 62% do PIB. A geração de empregos formais neste contexto caiu para pouco menos de 300 mil postos por ano.

É verdade que o desemprego caiu, mas a medida mais ampla (a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD) revela que a queda no período é bem menos impressionante do que a alardeada pelo governo: de 8,4% em 2006 para 6,5% em 2013 e provavelmente o mesmo em 2014. No conjunto da obra, trata-se de desempenho para lá de embaraçoso, exceto para o próprio ministro que, fiel à deficiência de compostura que marcou seu extenso período à frente da pasta, ainda achou tempo para se autoelogiar.

Faltou-lhe, todavia, entender as dificuldades enfrentadas pelo país. Sua resposta à desaceleração da economia não poderia ter sido mais desajeitada, nem as consequências piores.

Ao mesmo tempo em que a elevação da inflação e a piora das contas externas sugeriam que as raízes do problema se encontravam – como ainda se encontram – do lado da oferta, associadas à forte redução do ritmo de crescimento da produtividade, o governo reagiu a isto estimulando adicionalmente a demanda.

Assim, apesar do elevado endividamento das famílias, bancos públicos seguiram expandindo o crédito. Já o BNDES viu sua carteira mais que triplicar (já descontada a inflação), saltando de 6% para 12% do PIB, privilegiando setores e empresas por critérios obscuros.

O gasto federal também cresceu como nunca, atingindo quase 20% do PIB nos 12 meses até outubro contra 16% do PIB em 2005. O investimento federal, contudo, respondeu por fração modesta do aumento das despesas, enquanto as deficiências de infraestrutura tornaram-se mais visíveis.

O acúmulo de fracassos não foi suficiente, porém, para o ministro perceber o rumo equivocado da sua “nova matriz macroeconômica”. Pelo contrário, o que se viu foi uma mistura ímpar de novas rodadas de medidas desorientadas (como o retorno do controle de preços para lidar com a inflação e a forte intervenção no mercado de câmbio para conter a alta do dólar), devidamente acompanhadas de redução da transparência das contas públicas, tentativa infrutífera de esconder os problemas sob o tapete.

Não foi o resto do mundo, nem o acaso, que nos trouxeram até aqui. Foi uma sequência de erros de política poucas vezes vista na história deste país, que motivaram a inédita demissão antecipada do ministro da Fazenda.


Guido Mantega será apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!

As opiniões sobre seu talento estão divididas:
ele se considera genial; todos os demais o consideram abominável.

(Publicado 17/Dez/2014)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Senta que o BC é manso

Na apresentação dos novos (e velhos) responsáveis pela gestão econômica do país o presidente do BC, fiel a seu passado, afirmou estar “trabalhando para trazer a inflação para o centro da meta, de 4,5% ao ano, no horizonte relevante, os próximos dois anos, 2015 e 2016”. A fala foi bem recebida, aliás até demais, considerando-se que a mesma promessa – na linha do “fiado só amanhã” – tem sido feita em todos os finais de ano desde 2011, com o sucesso que é de conhecimento público.


O mercado captou a mensagem do insigne mestre e passou a esperar, acertadamente a propósito, a aceleração do ritmo de aumento da taxa básica de juros, a Selic, de 0,25% para 0,50% ao ano. Não houve, portanto, surpresa quando foi anunciada a nova meta para a taxa de juros na semana passada: 11,75% ao ano, versus 11,25% ao ano até então prevalecente.

Já no que diz respeito ao breve comunicado que acompanhou a decisão do Copom não se pode dizer o mesmo. Além de destacar que a decisão de intensificar o ritmo de alta de juros valia “naquele momento”, o Comitê afirmou em seguida que “o esforço adicional de política monetária tende a ser implementado com parcimônia”.

Em português, o BC, mais do que sinalizar que pretende reduzir o ritmo de ajuste da Selic nos meses à frente, na prática se comprometeu com esta trajetória. A inspiração veio, aparentemente, da experiência de outros bancos centrais, que, sob circunstâncias bastante distintas das nossas (inflação muito abaixo da meta, quando não risco de deflação), têm tentado amarrar as próprias mãos para convencer o público que não elevarão a taxa de juros ao primeiro sinal de normalização da economia.

No caso brasileiro, porém, trata-se de promessa injustificável, mas que revela bem as razões pelas quais a inflação se mantém há anos acima da meta.

Em primeiro lugar porque o próprio comportamento da inflação até as próximas reuniões do Comitê (21 de janeiro e 4 de março) ainda não é conhecido. Eventuais surpresas nas leituras de dezembro a fevereiro podem forçar o BC a mudar esta conclusão.

Mais importante, ainda que o novo ministro da Fazenda tenha acenado com uma meta mais realista para o superávit primário no ano que vem (1,2% do PIB), a verdade é que não se sabe como ela será atingida. Trata-se de ajuste de praticamente R$ 100 bilhões, do qual rigorosamente nada está definido.

Depois de anos de uma postura absolutamente crédula quanto às promessas do governo na área fiscal, seria de se esperar um ceticismo saudável do BC quanto ao tema, mas parecem permanecer tão crédulos como sempre.

O que na verdade se observa, e não é de hoje, é que o BC parece mais comprometido com a trajetória da taxa de juros do que a com o comportamento da inflação.

Caso o compromisso do BC fosse mesmo com a inflação, ainda que a convergência fosse se dar dois anos à frente, ele não poderia anunciar um “orçamento” para a taxa de juros como fez no seu último comunicado. Se há limites para a taxa de juros (e o comunicado aponta exatamente para isto), não há como afiançar a convergência da inflação à meta.

Neste aspecto, apesar das nova rodada de promessas, vê-se que a postura do BC não se alterou na comparação com o que temos observado de 2011 em diante. À luz disto, torna-se ainda mais difícil acreditar na historinha de convergência em dois anos. É nada mais que a mesma palestra flácida para acalentar bovinos.


O BC quis falar grosso antes da reunião. Ao fim dela, porém, miou uma mensagem bastante distinta: “senta que o BC é manso”. E, com isto, ganhará no Natal mais uma rodada de revisão para cima das expectativas de inflação no “horizonte relevante”, sem ter que agradecer nada ao bom velhinho; apenas a si próprio.

Miau...


(Publicado 10/Dez/2014)

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Triconomics 16/Dez/2014

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Triconomics 11/Dez/2014

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Triconomics 9/Dez/2014

Pibelho

Já podemos comemorar! Com o crescimento de 0,1% (!) registrado no terceiro trimestre deste ano, na comparação com o trimestre imediatamente anterior, interrompeu-se a sequência de quedas consecutivas do PIB brasileiro: não estamos mais em “recessão técnica”!

Na verdade, porém, esta definição de “recessão técnica” é um tanto forçada. No passado, quando economistas faziam estudos estatísticos sobre o fenômeno recessivo para um número grande de países, era necessário um critério simples para caracterizar uma recessão; daí a história de dois trimestres consecutivos de queda. É tão arbitrária quanto a definição de hiperinflação como aquela que supera 50% ao mês.

Hoje em dia há critérios mais sofisticados para definir uma recessão (por exemplo, o trabalho do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos – CODACE) e não há evidência que o Brasil esteja lá. É claro, porém, que a economia brasileira está estagnada: o nível de produção do terceiro trimestre de 2014 (ajustado à inflação e à sazonalidade) é virtualmente indistinguível do observado no segundo trimestre do ano passado e esta afirmação é verdadeira para todos os trimestres no período. O gráfico do PIB brasileiro parece o eletrocardiograma de um defunto.

Já quando olhamos os componentes do PIB, ao invés do todo, percebemos que o finado dá sinais de vida, nem todos eles os mais saudáveis. O consumo das famílias também está parado há cinco trimestres, mas o investimento e o consumo do governo ainda se movem; apenas não na melhor direção possível.

Assim, o investimento é hoje 10% inferior ao observado no segundo trimestre de 2013. Em compensação, o consumo do governo aumentou quase 2,5% no mesmo período. Graças a este arranjo de resultados a demanda interna também se encontra estagnada. Já nossa capacidade de crescimento futura só faz cair na esteira do investimento em queda.

Por outro lado, a poupança buta brasileira atingiu pouco menos do que 13% do PIB. Nunca antes na história deste país poupamos tão pouco, reflexo do consumo do governo que toma para si nada menos do que 22% do produto, a maior fração observada nos últimos 20 anos.

À luz destes números não fica nada difícil entender o motivo da combinação intrigante de crescimento baixo, investimento minguante, consumo de lado e, ainda assim, déficits externos elevados e uma taxa de inflação bastante acima da meta. Nosso governo consome muito; por conta disto, não conseguimos investir e, apesar do baixo investimento, ainda precisamos de recursos externos para atender o setor público, cujo apetite simplesmente não cabe no PIB.

Não é por outra razão que um ajuste de fiscal de longo prazo, que ajude a recuperar a poupança doméstica, faz parte das condições necessárias à elevação da nossa taxa de crescimento sustentável.

Isto dito, no curto prazo, o esforço fiscal prometido pelo novo ministro da Fazenda deverá se concentrar muito mais no aumento de impostos do que no corte dos gastos públicos. Mesmo as modestas reduções de gastos como proporção do PIB observadas, por exemplo, em 1999 e 2003, parecem possibilidades remotas quando se considera o grau de rigidez da despesa pública no Brasil.

E não serão mudanças na pensão por morte, seguro desemprego e abono salarial que irão entregar o necessário enxugamento no ano que vem. Mais uma vez, será sacrificado o pouco que resta do investimento público.

Uma vez que colocamos isto na conta é surpreendente que o atual consenso de mercado ainda aponte para expansão no próximo ano acima da que deve ser registrada neste ano.

Os resultados até agora apontam para crescimento praticamente nulo em 2014. Já para descrever o comportamento da economia em 2015 estamos esgotando, como lembrou meu filho, todos os diminutivos da língua portuguesa. Depois do pibículo de 2014, o desempenho no ano que vem só poderá ser descrito como “pibelho”.


Aguardo sugestões para 2016.

E o que vem depois?


(Publicado 2/Dez/2014)

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Triconomics 4/Dez/2014

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Joaquim II (ou A Capitulação)

Já houve um ministro da Fazenda com o mesmo nome no período republicano (Joaquim Murtinho, o responsável pela estabilização da economia depois do Encilhamento), mas a numeração aqui não se refere a isto e sim a Joaquim Levy ter sido a segunda opção da presidente após a constrangedora recusa de Luiz Carlos Trabuco na semana passada.

Obviamente não me escapa (nem a ninguém) a deliciosa ironia de a presidente que demonizou banqueiros durante sua campanha – ladrões de comida de criancinhas, lembram-se? – não apenas chamar um deles para gerir a economia, mas também, depois de rejeitada, insistir no tema (e na instituição financeira!) para atrair para seu governo um economista identificado com precisamente o oposto do que praticou (e pregou) nos últimos quatro anos.

Trata-se, sujeito ainda a algumas considerações, de reconhecimento explícito do fracasso épico da “nova matriz macroeconômica”. A combinação de frouxidão fiscal, descaso com a inflação e voluntarismo, seja nas tentativas de intervenção na taxa de câmbio, seja na repetida intromissão do governo no domínio econômico, teve como resultado crescimento medíocre, inflação alta, desequilíbrios externos consideráveis e redução do ritmo de expansão da produtividade, uma rara combinação de incompetência.

Muito embora o futuro ex-ministro da Fazenda e sua arrebatadora equipe tenham responsabilidade direta pelo insucesso, deve ser claro que esta se limita à execução da malfadada política econômica, ou seja, à de fantoches que jamais almejaram virar meninos de verdade. Não há dúvida que a formulação do fiasco emanou diretamente da presidente, cujas opiniões equivocadas sobre a economia são de conhecimento geral e amplamente comentadas neste espaço.

Por conta disto a presidente enfrenta um problema difícil: como convencer o distinto público acerca de sua firmeza de propósito no que se refere à mudança de rumo do país?

Bom, para começar, precisa de um ministro da Fazenda que não se sujeite ao papel de marionete, mensagem que lhe parece ter sido passada de forma insistente pelo ex-presidente. Neste sentido podemos entender a escolha de executivos do setor financeiro indicados por Lula: a provável reação negativa do mercado, assim como possivelmente do próprio ex-presidente, tornaria muito custosa uma eventual demissão, ou seja, a “autonomia operacional” (perdão pela gargalhada íntima) do novo ministro seria, de alguma forma, assegurada pela ameaça de “destruição mútua”.

Posto de outra forma, falamos do equivalente a amarrar as mãos da presidente para que ela não possa mais gerir a economia da mesma forma desastrada que fez de 2011 para cá.

Resta, porém, saber se a presidente realmente entendeu a extensão do problema e, se for o caso, tem mesmo a disposição para limitar de forma radical seu próprio poder.

A rejeição de Luiz Carlos Trabuco, quando boa parte da imprensa dava por certa sua indicação, oferece pistas importantes. Não há como se convencer que derive das questões corporativas alegadas naquele momento. Este problema já existia antes da conversa com a presidente e é difícil acreditar que seja a causa para a desistência já aos 44 minutos do segundo tempo.

Parece-me que o cerne da discussão – como não poderia deixar de ser – refere-se à real extensão do poder ministerial. Trabuco, no meu entender, teria recusado o cargo por não ter garantias suficientes quanto à sua autonomia.

Caso esteja certo a este respeito seriam também remotas as chances que a presidente tenha oferecido condições mais vantajosas a Levy do que as apresentadas a Trabuco. A autonomia do ministro, no caso, terá mesmo que se equilibrar no delicado balanço da “destruição mútua”, base muito frágil para assentar o futuro do país, considerados os estragos dos últimos anos.


Há muito a fazer para corrigir o rumo, mas tudo indica que a presidente ainda não se deu conta do tamanho da encrenca.

A solução

(Publicado 26/Nov/2014)

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Triconomics 2/Dez/2014

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Triconomics 27/Nov/2014

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A nova matriz aritmética

Um governo verdadeiramente comprometido com as causas populares não pode se sujeitar às restrições impostas pelas forças conservadoras, neoliberais, feias, bobas e cara de tacho.

A despeito das objeções da direita golpista, amparadas em obras marcadamente reacionárias, como “A Aritmética da Emília” e “Aprendendo a Contar” (Yoyo Books: obviamente uma insidiosa doutrinação imperialista), as forças progressistas enviaram ao soberano Congresso Nacional (de quem se espera a não sujeição às pressões autoritárias da oposição) projeto de lei que revoluciona a matemática e cria um instrumento de revolta contra as classes opressoras.

Muito embora a Lei de Diretrizes Orçamentárias (a famigerada LDO) requeira do governo popular da presidenta Dilma a geração este ano de um superávit primário de R$ 116 bilhões para atender as demandas dos rentistas, a combinação de sua administração previdente e a matemática dialética já permitia atender esta injusta exigência com um superávit de apenas R$ 49 bilhões. 

A diferença (R$ 67 bilhões) seria utilizada para fins mais nobres, como o Programa de Aceleração de Crescimento (o PAC, já em sua n-ésima edição, sem que a primeira tenha sequer acabado!) e as desonerações tributárias, peças essenciais da estratégia de desenvolvimento com inclusão (oposta, é bom dizer, à defendida pelos ortodoxos), que permitem crescimento acelerado com melhora na distribuição de renda, mesmo que os números do IBGE, possivelmente devido a uma conspiração retrógrada, ainda se recusem a admitir estas conquistas.

Não contávamos, contudo, com a má vontade dos países desenvolvidos, que – certamente com o objetivo de impedir os avanços populares no Brasil – se recusam a crescer. No entanto, sob a inspirada gerência da nossa presidenta, a Guia Genial dos Povos, e do Querido Líder, o ministro-chefe da Casa Civil, demos um passo extraordinário à frente. Com a nova proposta poderemos abater dos recursos destinados aos rentistas um valor maior do que os R$ 116 bilhões originalmente reservados. O resultado final será negativo, mas também superavitário!

Em outras palavras, criamos o superávit negativo, a contradição dialética que fará avançar não apenas a Economia Política, mas a própria matemática, muito além dos limites estreitos da imaginação burguesa. Demos início à Nova Matriz Aritmética (NMA).

Segundo esta nova práxis, as forças progressistas deixarão de se sujeitar aos ditames do mercado e dos professores de matemática. De agora em diante o superávit negativo será a norma. Nunca mais na história deste país um governo terá que cumprir metas fiscais anacrônicas: a meta será sempre aquilo que alcançarmos, nem mais, nem menos (ou os dois ao mesmo tempo).

As implicações são infinitas. Por exemplo, no mundo da NMA a inflação pode ser superior à meta ao mesmo tempo em que é igual a ela e também inferior. Com isto o BC se livrará do jugo do mercado financeiro e poderá se dedicar ao objetivo de estimular ainda mais o desenvolvimento do país.

A assim chamada “inflação”, outra invenção conservantista, será incorporada ao crescimento do PIB, impulsionando de forma decisiva a renda da classe trabalhadora.

De quebra a NMA possibilitará ainda que a Petrobras nunca mais passe pelo vexame de não conseguir fechar seu balanço na data limite. Aliás, não haverá balanço que não feche; principalmente aqueles de empresas que financiam as lutas políticas em prol da igualdade.


O primeiro governo Dilma lançou as bases da prosperidade nacional; seu segundo governo, agora amparado pela NMA, irá ainda mais longe, além de onde Judas perdeu as botas. Lamentamos apenas que o ministro da Fazenda, um dos criadores da NMA, não possa nos liderar nesta jornada rumo ao futuro. Esperamos, todavia, que continue a ensinar esta disciplina na escola da vida; só, de preferência, jamais no Pronatec.

Apenas mais uma das aplicações...

(Publicado 19/Nov/2014)

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Triconomics 24/Nov/2014

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Triconomics 20/Nov/2014

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Vida em Tlön

Às vezes, na verdade quase sempre – o “quase” apenas para acomodar alguma exceção desconhecida – tenho a impressão que nossos “keynesianos de quermesse” habitam uma dimensão à parte (a Dimensão Z), onde os fatos se acomodam às crenças, permitindo que o voluntarismo mais primitivo se estabeleça como ideologia hegemônica.

Veja-se, por exemplo, o manifesto publicado por luminares da quermesse nacional, defendendo a manutenção da atual política econômica. Não bastasse reivindicar para si o monopólio do desenvolvimento com inclusão social – como se todos os demais economistas favorecessem a decadência econômica com piora da distribuição de renda –, os signatários do documento levam às raias do extremismo a distância entre o mundo como ele é e a realidade como reflexão distorcida de uma mentalidade peculiar.

A declaração é um repúdio às políticas de austeridade, não apenas no que se refere à política monetária, mas principalmente no que diz respeito à política fiscal. O mau desempenho econômico dos países desenvolvidos é apontado como resultado da redução da despesa pública, enquanto se sugere que a elevação dos gastos governamentais no Brasil nos faria retomar o crescimento.

Trata-se de impressionante incapacidade de distinguir os problemas brasileiros daqueles enfrentados por alguns países desenvolvidos, notadamente na periferia europeia.

Lá o desemprego é alto e a inflação se encontra muito abaixo da meta. Na Espanha, por exemplo, o primeiro segue acima de 20% e a segunda (medida ao longo de 12 meses) tem ficado em terreno negativo, situação semelhante à enfrentada por Portugal e Itália, onde o desemprego, embora menor, permanece na casa de dois dígitos, enquanto a inflação se mantém abaixo de zero. Na verdade, como sabe qualquer um que tenha se dignado a olhar os números, o maior risco hoje enfrentado na Zona do Euro é a ameaça de deflação.

Deveria ser óbvio, mas, como aparentemente não se trata do caso, noto que o problema no Brasil é diametralmente oposto. A inflação se encontra não apenas (bem) acima da meta, 4,5%, é bom lembrar, como nos últimos meses tem atingido além do limite máximo de tolerância. É formidável que, mesmo à luz disto, os luminares insistam na afirmação furada que “a inflação (...) manteve-se dentro (sic) da meta no governo Dilma Rousseff”.

Não bastasse isto nosso desequilíbrio externo se encontra na casa de US$ 85 bilhões (3,5% do PIB) nos 12 meses terminados em setembro, indicando que a demanda interna supera nossa produção, em contraste com superávits nas contas externas observados na periferia europeia.

É, portanto, notável, embora nada surpreendente, que a conclusão da quermesse seja sempre a mesma (“vamos aumentar o gasto público!”) independentemente da natureza do problema.

Diga-se, aliás, que esta postura diminui em muito a credibilidade da promessa de “iniciativas contracionistas (...) para quando a economia voltar a crescer”, mas, justiça seja feita, estas vozes também se calaram quando o país crescia forte e o governo seguia com o pé no acelerador fiscal. Sua coerência em sempre pedir mais despesa é legendária.

A verdade é que esta visão, embora se coloque como “alternativa”, predominou nos últimos quatro anos. O arranjo de política econômica, caracterizado por gastos crescentes, redução “na marra” das taxas de juros, intervenção no mercado de câmbio e ativismo injustificável no domínio econômico, foi, sem tirar nem por, exatamente aquilo por que clamaram anos a fio os autodenominados “desenvolvimentistas”.


Os resultados estão aí: crescimento pífio, inflação acima da meta (não “dentro” dela), desequilíbrios externos, estagnação da produtividade e, agora sabemos, também retrocesso no campo das conquistas sociais. Engana-se, porém, quem acreditar que o fracasso retumbante poderia lhes ensinar alguma coisa; o manifesto da semana passada é prova disto.



(Publicado 12/Nov/2014)

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Triconomics 18/Nov/2014

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Triconomics 13/Nov/2014

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Eu, robô?

Além de histórias em quadrinhos e mitologia grega, sou fã confesso de ficção científica e, claro, li muitos dos livros de Isaac Asimov, dentre eles “Eu, Robô”. Uma das histórias do livro relata um episódio em que um robô (QT1) desenvolve um culto, ocasionando um conflito com os humanos, até que estes percebem que as crenças do robô, ainda que erradas, o permitiam cumprir sua tarefa melhor do que qualquer programação poderia conseguir.

Esta é minha percepção de boa parte do governo Lula (do qual participei de 2003 a 2006). Quaisquer que fossem as crenças do mandatário, a verdade é que, por muito tempo, foi um governo que fez as coisas certas no plano econômico. O BC desfrutou de enorme autonomia operacional, as contas fiscais foram aprimoradas e reformas importantes adotadas, em particular no mercado de crédito.

Mesmo na política social a administração Lula rendeu-se ao “neoliberalismo” do Bolsa-Família depois do fracasso do “Fome Zero”, sofrendo, aliás, duras críticas por parte de economistas historicamente ligados ao PT.

Obviamente muita coisa descambou desde então, inicialmente de forma algo envergonhada, culminando com a “nova matriz macroeconômica”, a verdadeira implantação das ideias econômicas do partido, que redundou em crescimento medíocre (na casa de 1,6% ao ano), inflação acima da meta (próxima a 6,5%), elevados desequilíbrios externos e uma forte redução no ritmo de crescimento da produtividade.

Agora, passada a eleição, a questão é saber se voltaremos à situação do conto, em que, apesar das crenças equivocadas, uma política econômica apropriada voltará a vigorar, ou se experimentaremos mais do mesmo.

Posto de outra forma, queremos saber se teremos um estelionato eleitoral, para escândalo de André Singer, que recentemente descobriu, ó horror, que políticos mentem durante a campanha, ou se a aposta será dobrada, produzindo, conforme argumentei semana passada, os mesmos resultados medíocres observados nos últimos quatro anos, senão coisa ainda pior.

Muito embora a decisão inesperada do BC de elevar a taxa de juros – contrária, a propósito, de sua sinalização nos últimos meses – possa sugerir estelionato eleitoral (perdão, correção de rumos), há dimensões em que a mudança é muito mais custosa, sugerindo tratar-se de caminho muito pouco provável.

De fato, nos primeiros 9 meses deste ano o setor público registrou déficit primário equivalente a 0,4% do PIB segundo os números oficiais. Descontadas “pedaladas”, criatividade contábil e demais estripulias, o déficit no período deve andar na casa de 1% do PIB, tornando a promessa de início do ano (superávit de 1,9% do PIB) não mais que uma distante memória.

O tamanho do ajuste fiscal requerido para por a casa em ordem é praticamente sem precedentes. Precisaremos sair de um déficit primário (verdadeiro) ao redor de 1% do PIB para um superávit de 3,0% do PIB, de acordo com as contas de Marcos Lisboa. Em dinheiro falamos de algo na casa de R$ 200 bilhões.

É inviável atingir tal melhora em apenas um ano. Trata-se, na melhor das hipóteses, de um programa de ajuste para ser realizado em três anos, contra um pano de fundo de uma administração que não apenas se mostrou incapaz de atingir suas metas, mas que também deliberadamente produziu a maior deterioração fiscal de que se tem notícia no país nos últimos 20 anos.

O governo não terá, portanto, o benefício da dúvida. Pelo contrário, terá que apertar muito para convencer o distinto público de sua firmeza de intenções, o que destruiria até as perspectivas de crescimento pífio de 1% em 2015, hoje consensuais, com reflexos negativos sobre o desemprego. Desconfio, e estou longe de estar sozinho, que a presidente não há de apreciar sua única conquista econômica se esfumaçando no rastro do ajuste fiscal, mesmo necessário.


A conta da campanha chegou e duvido que o governo esteja disposto a pagá-la.

Run Forest, run...
(Publicado 05/Nov/2014)

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Triconomics 11/Nov/2014



PIB zero, ata frouxa, manifesto campineiro e respostas aos ouvintes.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Triconomics 06/Nov/2014

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Triconomics 03/Nov/2014




A realidade equivocada

Para onde quer que se olhe fica claro que o desempenho econômico do Brasil nos últimos quatro anos tem piorado consistentemente, deterioração que dá sinais de ter se agravado a partir do ano passado.

O crescimento médio do país de 2011 a 2014, por exemplo, deve ficar ao redor de 1,6% ao ano, mas cadente, reduzido para quase zero este ano. Já a inflação média superará 6%, acelerando para 6,5% em 2014, o pior resultado desde 2011.

O déficit externo provavelmente atingirá o equivalente a 3,0% do PIB no período, e também crescente, devendo chegar a 3,7% do PIB no final deste ano.

A dívida bruta do governo, que havia sido reduzida para pouco mais de 50% do PIB em 2010, já se encontra em 60% do PIB, refletindo o descaso com as contas públicas. O superávit primário (livre da contabilidade criativa), que ficara em 2% do PIB entre 2007 e 2010, caiu para menos 1% do PIB ao longo deste mandato presidencial e deve registrar em 2014 o primeiro resultado negativo desde 1997.

Por fim, mesmo quando se trata do emprego, cantado em prosa e verso como o grande mérito do atual governo, a degradação é visível: a criação de vagas formais na economia caiu de 130 mil/mês no mandato anterior para 86 mil/mês no atual. Da mesma forma, a Pesquisa Mensal do Emprego, que captura também o emprego informal, aponta crescimento médio da ocupação de 0,8% ao ano entre dezembro de 2010 e setembro de 2014 (e ao redor de zero este ano) contra mais de 2,5% ao ano nos quatro anos anteriores.

Fica destes números a imagem de quatro anos tristes, culminando com um desempenho lamentável em 2014. Ainda assim não há a menor indicação de que o governo pretenda alterar os rumos da política econômica. Pelo contrário, a mensagem é que esta sempre esteve certa; se alguém errou foi a realidade.

Por mais que a anunciada demissão do atual ministro da Fazenda (contra minha vontade, quero deixar claro) possa criar esperanças de uma gestão mais racional da economia, a verdade é que sinaliza muito pouco no sentido de correção de rota.

Mesmo que seja trocado por alguém com mais compostura, o ministro da Fazenda foi pouco menos que a rainha da Inglaterra; nunca houve (nem deve haver) dúvida que o comando da política econômica se encontra nas mãos da presidente, cujo apreço pela centralização de decisões só é superado por seus persistentes atentados ao vernáculo.

Não chega a ser surpreendente, portanto, que o secretário-executivo do ministério da Fazenda já tenha acenado com mais um pacote de estímulo à indústria, afirmando ser possível “esperar por uma economia cada dia melhor”. Na mesma toada, a presidente fala em “ajustes pontuais”, como se o problema fosse localizado e pudesse ser resolvido por mais uma rodada de microgerenciamento.

O que se espera, pois, é “mais do mesmo” na forma de tratar a economia. Do lado macro o mesmo descaso com as contas públicas e a inflação. Mais importante, na perspectiva microeconômica antecipa-se a persistência de um processo de intervenção governamental sem paralelos desde o governo Geisel.

À luz disto, a promessa de uma “economia cada dia melhor” soa improvável. Pelo contrário, se fizermos as mesmas coisas que fizemos nos últimos quatro anos, há escassas razões para imaginar que o desempenho econômico possa ser muito distinto do observado neste período.

É atribuída a Einstein a definição de insanidade como fazer as coisas do mesmo modo e esperar que os resultados sejam diferentes. Há sérias dúvidas sobre a autoria da frase, mas não tanto no que tange à sua aplicação para as perspectivas da economia brasileira.


Sem uma mudança de rumos que contemple por um lado a recuperação da estabilidade macroeconômica e, por outro, a busca obsessiva pela produtividade, estaremos condenados à repetição da mediocridade que caracterizou este mandato presidencial e mais uma vez a realidade levará a culpa.



(Publicado 29/Out/2014)

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Triconomics 30/Out/2014

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A curva de Rousseff

Não tenho, é claro, a menor ilusão que a presidente da República leia minhas colunas. Aliás, considerados seus maus-tratos à língua, não tenho a menor ilusão que leia qualquer coisa. Ainda assim continua a ser surpreendente (ou seria “estarrecedor”?) sua insistência em temas há muito demonstrados equivocados, em particular a suposta oposição entre inflação e desemprego, como explorado neste espaço em meados do ano.

À época ela alegou que a fixação da meta de inflação em 3% levaria o desemprego “lá pelos 8,5%, 9%, 10%, 11%, 12%. Por aí”. Como se depreende da afirmação acima, precisão não parece ser exatamente o forte da presidente, mas, mais recentemente, voltou à carga, agora argumentando que o desemprego chegaria a 15%, aumentando assim o intervalo de confiança de suas “projeções” de 3,5 para inimagináveis 6,5 pontos percentuais, uma margem de erro de fazer corar qualquer pesquisa eleitoral.

As implicações da peculiar matemática presidencial podem não ter ficado claras à primeira vista, mas são contundentes.

Como o IPCA deve fechar o ano na casa de 6,5%, buscar uma meta de 3% corresponderia a uma redução de 3,5 pontos percentuais da inflação. Por outro lado, dado que o desemprego se encontra na faixa de 5%, sua elevação para 8,5% corresponderia também a 3,5 pontos percentuais, ou seja, na “estimativa” mais otimista, cada ponto percentual a menos de inflação “custaria” um ponto percentual a mais de desemprego.

Já no caso mais pessimista, a elevação do desemprego atingiria 10 pontos percentuais (de 5% para 15%) para a mesma redução (de 6,5% para 3%) da inflação, ou seja, cada ponto percentual a menos de inflação “custaria” 2,9 pontos percentuais a mais de desemprego!

Em outras palavras, o coeficiente que captura a presumida troca entre inflação e desemprego implícita na curva de Rousseff varia de 1 a 2,9, uma diferença abissal (alguns diriam “estarrecedora”).

À parte o erro conceitual primário (não há troca persistente entre inflação e desemprego, conforme estabelecido por mais de 40 anos de pesquisa na área), as afirmações presidenciais transparecem um descaso desumano (“estarrecedor”, talvez) com os números.

Fosse eu um diplomata, diria que as estimativas poderiam ser melhoradas; como não sou, posso afirmar: trata-se de números chutados (isto mesmo, c-h-u-t-a-d-o-s!), sem a menor preocupação com qualquer referência à realidade, sem base estatística e, portanto, desprovidos da mínima relevância.

Mesmo com o devido desconto que se dá à verdade no período eleitoral (coisa triste de se dizer), esta postura é reveladora. A atual administração demonstra o mais profundo desprezo para com os números. Estatísticas só valem se corroborarem a visão pré-existente, jamais como forma de testá-la e assim permitir, caso necessário, correção dos rumos.

Insistimos há anos que o atual arranjo de política econômica (a tal “nova matriz macroeconômica”, algo sumida de retórica governamental recente) redundaria apenas em menos crescimento, inflação mais alta e desequilíbrios externos crescentes. As evidências a este respeito eram visíveis desde 2012, ao menos, expressas no então “pibinho” de 1% (que hoje seria motivo de comemoração) e na inflação que já então teimava em não retornar à meta. Mesmo assim, foram ignoradas.

Dados ruins das contas fiscais têm sido escamoteados e agora até mesmo os números de distribuição de renda se tornaram sujeitos a interesses políticos de curto prazo, culminando com a postergação da divulgação de pesquisas do Ipea sob o ridículo argumento que violariam as leis eleitorais.


O resultado é que, cada vez mais, temos que navegar sem instrumentos, enquanto se nega à população a possibilidade de avaliar os rumos do país. Neste sentido, as “estimativas” dos parâmetros da “curva de Rousseff” não são a exceção, mas a regra no modelo de condução desastrada de política econômica no Brasil.



(Publicada 22/Out/2014)

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Ovo por carne

Segundo o ministro da Fazenda o fraco desempenho da economia brasileira no mandato da presidente se deve exclusivamente à conjuntura internacional. Face à mais severa crise do capitalismo desde os anos 30 do século passado, a redução do crescimento brasileiro seria consequência inevitável, descontadas, é claro, todas as bravatas sobre a “marolinha” que jamais afetaria o desempenho nacional.

O argumento, reproduzido à exaustão a cada pronunciamento ministerial, é logicamente impecável, sofrendo apenas de um modesto problema: não guarda a mais remota semelhança com o ocorrido, seja no que se refere ao Brasil, seja no que diz respeito à economia global.

Não é necessário mais que uma simples tabela para demolir a história oficial, no caso uma que compare o crescimento brasileiro ao mundial, assim como ao do conjunto dos países emergentes, cobrindo os últimos 5 mandatos presidenciais.


Crescimento do PIB (1994-2014) - % ao ano
Fontes: FMI, IBGE (2014 Focus)

Como se vê, o mundo cresceu algo como 3,5% ao ano entre 2011 e 2014, precisamente o mesmo ritmo registrado nos 4 anos anteriores. Por outro lado o Brasil, que crescera 4,6% aa no período 2007-10, deve registrar expansão de apenas 1,6% aa nos últimos 4 anos, redução abrupta equivalente a 3 pontos percentuais. Nunca antes na história recente deste país o Brasil ficou tão para trás da economia global.

Posto de outra forma, a desaceleração mundial não pode ser invocada como motivo para a piora extraordinária do nosso desempenho simplesmente porque jamais ocorreu, certamente não fora da fértil imaginação do ministro da Fazenda.

A tabela também sugere que a “velocidade de cruzeiro” da economia global não parece ser muito diferente da observada no período mais recente: em 4 dos últimos 5 mandatos presidenciais ali destacados o mundo se expandiu à taxa de 3,5% aa, saindo da toada apenas no período 2003-2006, quando se acelerou para 5% aa, sob o efeito combinado da bolha imobiliária nos países ricos e do pico do crescimento chinês.

Neste sentido, mesmo reconhecendo que a recuperação global poderia ser mais vigorosa, considerada a intensidade da queda do produto observada durante a crise de 2008-09, o ritmo de expansão mundial não chega a ser particularmente desastroso, pelo contrário.

Já se limitarmos a comparação ao conjunto de países emergentes as conclusões são ainda mais vexatórias. Em momento algum o Brasil conseguiu superar o desempenho de nossos pares. Afora isto, mesmo nos últimos 4 anos, quando a expansão emergente perdeu algo de seu brilho, caindo de 6,2% para 5,1% aa, a piora nacional foi bem mais pronunciada, padrão também difícil de reconciliar com a desculpinha oficial para a queda aguda do nosso crescimento.

Nosso lamentável desempenho não pode, portanto, ser atribuído nem à (inexistente) desaceleração global, nem à (muito mais modesta) desaceleração das economias emergentes. Como notado (com certo atraso) pelo FMI, se queremos entender o que vem ocorrendo no Brasil temos que buscar causas locais, que, aliás, não são tão difíceis de encontrar.

Em primeiro lugar a redução visível do crescimento da produtividade, refletindo em larga medida a virtual paralisia do esforço reformista que marcou o país entre 1990 e 2005. Em segundo lugar o esgotamento da mão-de-obra ociosa, que durante algum tempo permitiu expansão baseada na simples adição de trabalhadores ao processo produtivo. E, por fim, também a fraqueza do investimento, que caiu de insuficientes 19,5% do PIB em 2010 para risíveis 17,7% do PIB nos últimos 4 trimestres, a despeito da maciça injeção de recursos nos bancos públicos, assim como de toda sorte de incentivos fracassados.

Nenhum destes fenômenos óbvios é sequer reconhecido como problema no discurso oficial, que continua a insistir nas fantasias que criou, vendendo ovo por carne, tentando justificar a injustificável deterioração em praticamente todas as dimensões da economia brasileira.

Churrasco à Márcio Holland


(Publicado 15/10/2014)