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terça-feira, 31 de julho de 2018

Talleyrand tropical


“Não aprenderam nada e não esqueceram nada” foi a primeira coisa que me passou pela cabeça ao ler a entrevista de Fernando Haddad ao Pravda, perdão, Valor Econômico no início da semana. Não vou me aprofundar nas barbaridades proferidas acerca da “radicalidade liberal”, nada mais que o velho “controle social da mídia” (sob novo nome)  nas pegadas do sinistro Franklin Martins, nem acerca da curiosa afirmação sobre a inconstitucionalidade da prisão em segunda instância com base em decisão que Fernando imagina que o STF tomará em algum momento, me atendo aqui aos aspectos econômicos da proposta.

A começar por atrocidade frequente, que, diga-se de passagem, não é monopólio do Fernando, mas que encontra mais eco do que deveria: o uso de fração das reservas para financiar “joint ventures, investimentos privados, PPPs em infraestrutura”.

Trata-se, na melhor das hipóteses, de ressuscitar o papel do BNDES nos anos dourados de Dilma, Mantega & Associados, qual seja, bancar, a leite de pato (e põe pato nisso!) projetos que iluminados do governo de plantão acreditem ser de interesse nacional, em nome de “aumentar a remuneração das nossas reservas”, notando que “interesse nacional” em tal contexto costuma significar “interesse bastante particular do meu grupo político, quase sempre inconfessável e ainda assim vendido ao distinto público como algo que supostamente deveria beneficiá-lo”.

Na pior das hipóteses trata-se de vender reservas para obter reais e gastá-los, deixando em seu lugar apenas a dívida (e péssimos projetos!).

Já as propostas para reduzir o spread bancário parecem cuidadosamente pensadas de forma a evitar qualquer proximidade com os estudos sérios do problema mapeados por economistas do calibre de Marcio Nakane e João Manoel Pinho de Mello.

Nenhuma palavra sobre aumento de concorrência no setor, seja por meio da abertura do mercado, seja pela redução da assimetria de informações (no caso, cadastro positivo), ou menção à privatização de bancos públicos (para novos entrantes, bem entendido), ou ainda pelo estímulo às fintechs.

Há novidades, como a utilização de bancos públicos para forçar a redução do spread, algo jamais tentado nos últimos 24 meses, bem como a brilhante ideia de induzir bancos a reduzirem o spread por meio de incentivos tributários, ou seja, o contribuinte bancaria os lucros das insituições financeiras que generosamente aceitassem cobrar menos de seus clientes em troca de impostos mais baixos.

Nada semelhante, como se vê, às renúncias tributárias oferecidas a vários setores no primeiro mandato de Dilma, em troca da preservação do emprego e do aumento do investimento, que fracassaram de modo retumbante, fiasco que desta vez não irá se repetir porque… Pois é, por quê?

Por fim o entendimento da questão previdenciária é parco, expresso na afirmação: “o problema está no regime próprio daqueles que não foram afetados pelas reformas de Lula e Dilma”. Sim, há um sério problema associado às aposentadorias e pensões do funcionalismo, o que não permite concluir pela inexistência de um problema ainda mais sério no INSS, devidamente ignorado na discussão.

Enfim, se alguém esperava algo de novo e inteligente no projeto econômico petista minha sugestão é que espere um pouco mais (com sorte, duas ou três gerações devem bastar).

Não era (ainda bem!) o meu caso e, vejam só, esta previsão eu acertei na mosca…




(Publicado 25/Jul/2018)

terça-feira, 24 de julho de 2018

Tragédia


Samuel Pessoa, para variar, publicou mais uma excelente coluna no domingo (sempre começo a leitura dominical da Folha por suas colunas e as de Marcos Lisboa) sobre a necessidade do ajuste fiscal, concluindo que, independentemente de quem seja eleito este ano, ele virá.

Seu argumento é simples e direto. Caso a próxima administração não ponha as contas públicas em ordem enfrentará sérias dificuldades na economia: a dívida pública continuará crescendo mais rápido que o PIB, levando a uma situação em que o Banco Central não mais será capaz de manter a inflação controlada. Neste cenário, não só a inflação acelerará, mas também o desemprego permanecerá elevado, combinação que eliminará quaisquer chances de reeleição em 2022.

Assim, conclui, “os incentivos da política conspiram para que o próximo (ou a próxima) presidente empregue todos os instrumentos ao seu alcance para ajustar a política fiscal”.

Não tenho qualquer reparo a fazer ao raciocínio econômico do Samuel: se não arrumarmos a casa teremos um sério desarranjo ainda no mandato do eleito em 2018. Por outro lado, não tenho tanta certeza quanto à alta probabilidade (ia escrever “inevitabilidade”, mas não foi isto que ele afirmou) de que algum ajuste, mesmo de baixa qualidade, nos espera.

Da forma como vejo o problema, não se trata apenas do incentivo ao ajuste, mesmo dando de barato que o ocupante da cadeira a partir de janeiro do ano que vem compartilhe da mesma visão que eu e o Samuel temos sobre a dimensão fiscal (é sempre bom lembrar que não falta quem se oponha ao óbvio); o ponto central da história, no meu entendimento, está intimamente ligado ao mandato que emergirá das urnas em outubro.

É essencial, ainda mais em cenário de um Congresso ainda fragmentado e muito semelhante ao atual (que acabou de aprovar um conjunto de medidas econômicas sem qualquer sentido), que a (o) presidente obtenha da população um claro mandato popular a favor de reformas no campo fiscal, envolvendo, entre outras coisas, mudanças profundas nas regras de aposentadorias, bem como redução substancial das vinculações orçamentárias. Sem isto, a margem de manbora do governo federal seguirá limitada a menos de 10% de seus gastos, insuficiente para recolocar a dívida numa trajetória sustentável.

Todavia, para obter o mandato reformista, esses temas não poderão ser omitidos da campanha, como fez Dilma Roussef em 2014, sob pena de reprodução da instabilidade política que marcou seu segundo mandato. Será difícil, senão impossível, explicar à população mais um estelionato eleitoral sem perda substancial de seu apoio.

O governo Dilma era aprovado por mais de metade da população em dezembro de 2014; em março 78% dos entrevistados pelo Ibope o desaprovavam. (Pautas-bomba, como a que acabamos de testemunhar, não se criam no vácuo, mas resultam da impopularidade da liderança do Executivo).

Se estiver correto, será então necessário que o eleitorado decida ungir alguém que prometa sangue, suor e lágrimas e não aqueles que prometem o paraíso terrestre sem qualquer esforço. Podem me chamar de pessimista; algo, contudo, me diz que se trata de um cenário muito pouco provável.

É a essência da tragédia: há um caminho virtuoso a seguir, mas, de alguma forma, não conseguimos fazê-lo.

Torço muito (mesmo!) para o Samuel estar certo; não creio, porém, que seja o caso desta vez.



(Publicado 18/Jul/2018)

terça-feira, 17 de julho de 2018

O abridor imaginário


Um físico, um químico e um economista estão numa ilha deserta, com latas de comida salvas do naufrágio, mas sem o abridor. Os dois primeiros sugerem métodos para abrir as latas baseados em suas especialidades, ambos, porém, impraticáveis. Cabe ao economista anunciar que tem a solução para o problema: “supondo que temos um abridor de latas…”

A piada é antiga, mas surpreendentemente atual no nosso contexto, em particular no que diz respeito à reforma da previdência. Economistas, tanto os ligados a Ciro Gomes, como os a Jair Bolsonaro, defendem a transição do atual regime previdenciário, de repartição – em que os trabalhadores hoje ativos transferem recursos aos aposentados – para capitalização – em que cada pessoa recebe como aposentada aquilo que poupou ao longo de sua vida.

A vantagem no caso seria a virtual impossibilidade de déficits, desde que o sistema seja bem desenhado: como cada um recebe apenas o que poupou, não há, por definição, insuficiência de recursos que obrigue o governo a cobrir a diferença entre a arrecadação e o gasto. (Na verdade, como também se propõe que haja um regime de repartição para os de menor renda há a possibilidade de algum déficit, mas bem menor que o atual).

Como é que ninguém pensou nisto antes?

A verdade é que muita gente pensou; apenas, ao contrário desses economistas, não supôs que possuísse um abridor de latas.

O cerne da questão é simples. Se pudéssemos começar um sistema previdenciário do zero, provavelmente montaríamos um regime de capitalização; o problema é que não podemos!

Considerando apenas o INSS, há cerca de 30 milhões de aposentados e pensionistas, que receberam nos últimos 12 meses algo como R$ 570 bilhões (aproximadamente R$ 1.460,00/mês) [corrigi os valores por alerta do Fabio Giambiagi, a quem agradeço]. Este valor é (parcialmente) bancado por 52,5 milhões de contribuintes, que recolheram R$ 381 bilhões no mesmo período, considerando tanto a parcela dos segurados como das empresas que os empregam (mesmo encargos que são “pagos” pelas empresas acabam recaindo em larga medida sobre os trabalhadores na forma de salários mais baixos). O resultado é um déficit de R$ 189 bilhões, coberto pelo Tesouro Nacional.

Caso, porém, haja a mudança para o regime de capitalização, as receitas atuais cairiam, pois os trabalhadores ativos passariam a depositar suas contribuições em contas individuais, o que aumentaria o déficit do atual regime.

É verdade que a atual geração de aposentados desaparecerá (perdão, mas faz parte da condição humana), porém, enquanto isto não acontecesse, o Tesouro Nacional teria que bancar a transição. Seu custo exato depende de muitas variáveis (inclusive a redução do teto das aposentadorias, tema do qual os candidatos fogem mais rápido que o diabo da cruz), mas a discussão é acadêmica, pois o Tesouro (mesmo descontado o resultado do INSS) não é superavitário o suficiente para cobrir a perda de receita.

É possível usar truques para mascarar as alternativas, mas não há como fugir delas: redução no valor das aposentadorias remanescentes no regime de repartição, aumento de tributos e elevação da dívida, ou, mais provavelmente, uma combinação das três.

A conclusão é inescapável: quem propuser uma reforma previdenciária nesse sentido tem também que deixar muito claro como pretende bancar o custo da transição. Se não o fizer, pode estar certo que possui um abridor de latas imaginário…




(Publicado 11/Jul/2017)

terça-feira, 10 de julho de 2018

Ecos de 1968


Desde que o Conselho Monetário Nacional (CMN) começou a reduzir paulatinamente as metas para a inflação reapareceu a crença, equivocada, porém frequente, que a escolha de uma meta mais baixa requereria que o desemprego permanecesse elevado. Há 50 anos se sabe que não há uma troca permanente entre inflação e desemprego, mas restam exemplares no Brasil que insistem em ignorar o óbvio.


É cristalino que Marconi crê na troca persistente entre inflação e desemprego, como ocorria na década de 60 até que Milton Friedman e Edmund Phelps, de forma independente, corrigiram a questão.

A ideia por trás desta relação parecia óbvia, pois com menor desemprego as demandas salariais aumentariam, pressionando a inflação (e vice-versa). Contudo, como mostrado pelos dois autores, havia ali uma confusão: partia-se do pressuposto que os trabalhadores brigam por aumentos salariais sem levar em conta a inflação e podiam, portanto, ser enganados persistentemente por uma inflação mais elevada, que reduziria o valor real dos salários, induzindo empresas a aumentar o nível de emprego.

Caso, porém, os trabalhadores se preocupem com o poder de compra do salário embutirão nas demandas salariais a reposição por conta da inflação esperada ao longo do período de vigência do salário acertado. À parte, portanto, o erro das expectativas (não há previsão perfeita!), o poder de compra dos salários se mantêm e, portanto, empresas não seriam induzidas sistematicamente a contratar mais.

Posto de outra forma, não haveria uma relação negativa permanente entre inflação e desemprego, proposição que encontra um enorme apoio nos dados, bem como na experiência dos bancos centrais nos últimos 40 anos.

O corolário desta conclusão é igualmente relevante: tentativas de reduzir o desemprego por meio da aceleração da inflação podem até ter efeito por algum tempo; ao longo de horizontes mais longos, porém, se tranformam apenas em inflação mais elevada, sem ganhos permanentes de emprego, como mostra, aliás, a história recente do país.

O papel da política monetária nesse contexto fica claro: ela deve ser usada para manter a inflação sob controle.

Todos os países que adotam o regime de metas para a inflação (nada menos que 36 em abril de 2015, desmentindo Ciro Gomes, para quem o regime só existiria no Brasil) partem dessa visão.

Pode haver uma troca de curto prazo, quando as expectativas de inflação se distanciam da meta, indicando perda de credibilidade do banco central. A este respeito, todavia, nota-se que, assim que o CMN anunciou as metas de inflação para 2019 e 2020, as expectativas de inflação se ajustaram rapidamente àqueles objetivos, sugerindo que mesmo no curto prazo não há razões para imaginar a necessidade de desemprego alto para a convergência à meta.

No final da história, faz sentido, sim, reduzir um pouco mais a meta para 2021, até para alinhá-la aos países  bem sucedidos da América Latina, mas, se não dermos um jeito nas contas públicas até lá, a nova meta será apenas uma curiosidade acadêmica.




(Publicado 4/Jul/2018)

terça-feira, 3 de julho de 2018

Quousque tandem?


Pelo que se ouve na campanha, não parece ter caído entre os candidatos a ficha da gravidade do problema fiscal no Brasil. Não faltam soluções simples, elegantes e completamente equivocadas para colocar as contas públicas em ordem. Já seriedade, compromisso com mudança e honestidade para comunicar à população a profundidade do buraco seguem como mercadorias escassas no mercado político nacional, postura que, se mantida, irá trazer sérios problemas para qualquer um que assuma o poder daqui a meros seis meses.

O governo, em suas três esferas, gastou no ano passado R$ 3,1 trilhões, equivalente a 47% do PIB; em 2010, o primeiro ano para o qual temos números comparáveis, o gasto era R$ 2,7 trilhões (a preços de 2017), ou 43% do PIB. A tendência de aumento persistente do gasto que se observou no período não é um acidente. Outros conjuntos de dados mostram que tanto o governo federal como suas contrapartes locais vêm aumentando suas despesas persistentemente, embora não pelos mesmos motivos.

No caso do governo federal trata-se principalmente da previdência, não só o INSS, mas também o pagamento de aposentadorias e pensões para o funcionalismo, que em 2016 atingiram 11% do PIB contra 9% do PIB em 2010.

Já quando analisamos os governos locais, o cerne da questão é o funcionalismo, cujo custo chegou a 9,1% do PIB no ano passado, comparado a 7,8% do PIB em 2010.

Vale dizer, do aumento de 4 pontos percentuais do PIB das despesas a partir de 2010, 3,3 se originaram dos benefícios previdenciários e da remuneração de empregados, ou seja, mais de 80% do crescimento do gasto resultou de apenas duas contas.

À luz disso, o que se espera das equipes econômicas dos candidatos é que não só se pronunciem sobre tais assuntos como, de preferência, sinalizem o que pretendem fazer na área. No entanto, com honrosas exceções, nada se fala sobre a dinâmica de gasto crescente que requer alterações constitucionais consideráveis, só possíveis no caso de um mandato popular claro a favor delas.

Pelo contrário, o que se vê são mágicas: impostos sobre heranças (cuja estimativa de arrecadação é puro chute), caça aos desperdícios, delírios sobre o quanto o governo teria a receber de empresas há muito falidas, falatório sobre a dívida, sugerindo na prática um calote mal-disfarçado, mistificação sobre mudança do regime da previdência de repartição para capitalização sem dizer de onde viriam os recursos para bancar o período de transição, e outras cascatas do mesmo calibre.

É muito claro que falta aos que propõem estas bobagens coragem (quando não conhecimento) para dizer à população o tamanho da encrenca em que estamos metidos. É certamente mais cômodo fingir que basta vontade política e um tom de voz estridente para desatar o nó das contas públicas do que explicar a real natureza do problema e quão complicado será resolvê-lo.

Faz sentido para se eleger, mas aumentará exponencialmente a dificuldade de aprovar qualquer medida de peso na área fiscal porque lhes faltará o mandato popular para levar adiante o que não colocaram de forma clara ao eleitorado. Deveriam ter aprendido com o governo Dilma, mas definitivamente não se corrigem.
* * *

Ciro Gomes volta a mentir quando afirma que 26% da dívida vence em quatro dias. Não sabe o que são operações compromissadas, ou, pior, finge não saber.




(Publicado 27/Jun/2018)