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terça-feira, 26 de junho de 2018

Sobe?


A desvalorização do real tem se refletido em outros mercados, como o de renda fixa, que passou a projetar elevação da Selic ao longo da segunda metade deste ano. Esta possibilidade, porém, não encontra muito amparo entre os economistas: a pesquisa Focus do BC ainda mostra a maioria dos analistas prevendo a taxa de juros no final do ano a 6,50%; em outra pesquisa apenas 5 dos 44 consultados esperam que o Copom eleve as taxas de juros ainda em 2018. Não fui consultado, mas, caso fosse, seria o quadragésimo na lista.

Há países que aumentaram suas taxas de juros em resposta ao câmbio mais fraco, numa tentativa, provavelmente vã, de moderar a desvalorização. Não é, acredito, nosso caso.

Vale lembrar que, sob nosso regime monetário, a taxa de juros é utilizada para controlar a inflação. Como ainda não inventaram um jeito de os juros afetarem a inflação já ocorrida, o BC tem que se guiar sempre pela sua previsão de inflação, que, como todas as previsões acerca do futuro, tem o desagradável hábito de ser uma coisa sempre difícil.

Difícil ou não, sua projeção mais recente apontava para inflação de 4% no ano que vem, comparada a uma meta de 4,25%, sob a suposição de Selic a 6,5% e câmbio a R$ 3,60.

É verdade que o dólar se encontra agora na casa de R$ 3,70-3,80/US$, ou seja, de 3,0% a 5,5% mais caro. Todavia, considerando o repasse do câmbio para a inflação (algo como 0,5 ponto percentual para cada 10% de depreciação), a inflação projetada pelo BC para o ano que vem ficaria bastante próxima da meta.

Se for este o caso, não há motivo para elevação da taxa de juros, ainda mais quando o BC indica que “com expectativas de inflação ancoradas, eventuais choques que produzam ajustes de preços relativos devem ter apenas seus efeitos secundários combatidos pela política monetária”. Traduzido para o português isto significa que o BC não reagirá ao repasse propriamente dito; apenas ao repasse do repasse, isto é, eventual aceleração da inflação em reação à elevação de preços de produtos exportados e importados.

Deve ficar entendido que não se trata de licença para ignorar a inflação, postura que marcou a administração anterior, nos levando à inflação na casa de dois dígitos em 2015, bem como inércia considerável no ano seguinte, fenômeno que aumentou em muito o custo da desinflação.

Isto dito, se não mudarmos a trajetória das contas públicas e revertermos a tendência da dívida enfrentaremos sérios problemas inflacionários à frente. Ou bem resolvemos o conflito por nacos do orçamento pela política com “p” maiúsculo, ou a inflação fará o serviço por nós da maneira que conhecemos e que, graças ao Plano Real, conseguimos superar.

A escolha é nossa e suas consequências também.

* * *

Não é surpreendente que Ciro Gomes esconda seu completo despreparo por trás do insulto; ao contrário, é um padrão consistente. A surpresa é não conseguir pensar em nada mais original do que “alugado à banca”.

Isto dito, reitero o óbvio: devolver o que se tomou emprestado não é despesa, como aliás mostra o Manual de Estatísticas de Finanças Públicas do FMI. Se fosse, teríamos que considerar que tomar dinheiro emprestado seria receita, conclusão no mínimo perigosa.

A única coisa pior do que um candidato que não entende de economia é um candidato que pensa que entende de economia, como aprendemos do jeito mais duro de 2011 a 2016.




(Publicado 20/Jun/2018)

terça-feira, 19 de junho de 2018

Ignorância, má-fé e covardia


É mentira que as despesas da dívida pública representem metade do gasto do governo, muito embora seja repetida à exaustão por candidatos que se dizem entendedores de economia, como Ciro Gomes. O truque empregado por quem quer propagar a lorota consiste em jogar no mesmo balaio o gasto com juros da dívida e o pagamento de amortizações, transações que têm natureza fundamentalmente distinta.

Para entender isto considere o seguinte exemplo (roubado, confesso, de Eduardo Gianetti). Muitos dos leitores (assim como eu) em algum momento de suas vidas alugaram um lugar para morar e pagaram ao proprietário pelo uso do imóvel. Este desembolso comprometeu parcela de sua renda.

Imagino também que, por vários motivos, inquilinos se mudaram e, claro, entregaram ao locatário o imóvel que vinham usando. Nenhum de nós, porém, considerou que devolver o imóvel alugado tenha sido uma despesa que consumiu parte da nossa renda. Nem deveria, porque não faz o menor sentido tomar como gasto o mero retorno de algo não é seu.

O pagamento de amortizações da dívida não é distinto da devolução do imóvel: o governo apenas retorna ao proprietário aquilo que não é seu, ou seja, dinheiro que tomou emprestado no passado para custear o excesso de despesas sobre suas receitas.

A diferença é apenas uma questão de prazo: o imóvel é devolvido ao final do contrato; já a dívida mobiliária federal tem prazo médio ao redor de 48 meses, ou seja, a cada ano cerca de um quarto da dívida precisa ser quitada. Isto é feito pela troca dos papagaios que vencem naquele ano por novos que vencerão dali a alguns anos, processo que é conhecido como rolagem da dívida. Como a dívida federal é da ordem de R$ 3,7 trilhões, o governo precisa rolar pouco mais de R$ 900 bilhões a cada ano.

O gasto primário (isto é, sem juros) do governo federal atingiu R$ 1,34 trilhão nos 12 meses até abril, enquanto o gasto com juros chegou a R$ 380 bilhões no mesmo período. O truque é somar aos gastos de verdade (1,34 + 0,38 = 1,72 trilhão) as amortizações, o que dá um total de R$ 2,6 trilhões. Aí considera-se o pagamento de juros e amortizações (R$ 1,3 trilhão) como “gasto financeiro” e temos uma cascata com aparência de verdade, embora seja, à luz do exemplo acima, tão falsa quanto somar o valor do apartamento devolvido como parte das despesas da família.

Por outro lado, o argumento também ignora os gastos dos demais níveis de governo, isto é, estados e municípios. No conjunto da obra o governo geral gastou no ano passado nada menos do que R$ 3,1 trilhões, algo como 47% do PIB, dos quais o gasto com juros representou pouco menos do um quinto do total.

Posto de outra forma, as despesas com juros consomem R$ 1,00 de cada R$ 5,00 gastos pelo governo em seus três níveis. Não é pouco, mas fica muito aquém do número repetido pelos ciros e similares, o que nos leva à seguinte pergunta: trata-se de ignorância ou má-fé?

Em certo sentido a resposta é irrelevante: ambas as alternativas são muito ruins, mas, se alguém estiver interessado na minha opinão, eu diria ser uma mistura equilibrada das duas.

Isto dito, é notável como nenhum dos economistas ligados ao candidato se manifestou acerca desta óbvia falsidade. Como imagino não ser por ignorância, adicionamos à má-fé outra possibilidade: a covardia, evidente no pavor de contrariar o chefe.



(Publicado 13/Jun/2018)

terça-feira, 12 de junho de 2018

Para andar na linha


Sugira a um produtor de soja, ou de açúcar, ou de café, que deva vender seus produtos no Brasil de acordo com seus custos, ignorando os preços internacionais destas mercadorias. Aproveite e avise a Vale que deverá fazer o mesmo com o minério de ferro, pois a sua produção é local, com seus custos em larga medida determinados em moeda nacional.

Não tenho dúvida que o autor de semelhante proposta seria, com razão, ridicularizado (ou pior). Empresas que produzem bens facilmente transacionáveis no mercado internacional o fazem com vista aos preços que podem obter lá fora, independentemente do país ser um exportador ou importador líquido do produto em questão.

Caso preços domésticos se elevem acima do internacional (ajustado, é claro, à taxa de câmbio, tarifas e custos de transporte), a empresa tem incentivos para desviar suas vendas para o mercado interno. Já se o preço interno fica aquém do internacional, tais produtores direcionarão suas vendas para o mercado externo.

Note-se que este é o resultado natural de uma economia capitalista, noção difícil de compreender, admito, num país avesso às práticas de mercado.

Concretamente, se o produtor vendesse a um preço, digamos, acima do mercado internacional, abriria espaço para a importação de concorrentes. Caso contrário perderia receita relativamente ao que poderia obter no mercado externo, isto seu, venderia abaixo do seu custo de oportunidade, conceito que explorei nesta coluna há alguns meses e que se refere à possibilidade de uso alternativo de recursos: ao vender por preço inferior ao internacional deixaria de usar seus recursos de forma eficiente, um custo que recairia sobre toda a sociedade.

Posto de outra forma, o preço doméstico de um produto que pode ser comercializado no exterior deve ser sempre próximo ao seu preço internacional, respeitados os ajustes brevemente descritos acima. Vale tanto para produtos que exportamos como para aquele que importamos.

Petróleo e derivados não são diferentes das demais mercadorias transacionadas internacionalmente. Não há, portanto, qualquer base econômica para sugerir que seus preços domésticos tenham que ser baseados em seus custos, como sugerido por Mauro Benevides, um dos assessores econômicos de Ciro Gomes.

Estas considerações já deveriam bastar para demonstrar que a alternativa de fixar preço de acordo com o custo de produção é uma rematada tolice, mas dificilmente a única no atual debate.

Há também que diga, como Flavio Rocha, que “o problema não é a política de preços, é o monopólio”, o que também é um erro.

A Petrobras é obviamente a empresa dominante do setor no país, já que detém, entre outras vantagens, 98% da capacidade nacional de refino. No entanto, ao alinhar seus preços aos internacionais não se comporta como um monopólio, mas como uma empresa que compete no mercado global.

Isto não quer dizer que a empresa não adote outras práticas anticoncorrencias; apenas que sua formação de preços é consistente com uma situação na qual houvesse muitos competidores na venda de derivados.

Nenhum argumento econômico contra o alinhamento de preços domésticos ao internacional se sustenta. Resta, é claro, o chamamento difuso a um suposto “interesse nacional”, que, na minha experiência, costuma ser uma justificativa tosca, mas esperta, para a defesa de interesses bastante (bastaaante) particulares.


Son intereses muy nacionales


(Publicado 6/Jun/2018)

terça-feira, 5 de junho de 2018

Farinha pouca, meu pirão primeiro

Infelizmente (e previsivelmente) a resposta do governo à greve dos caminhoneiros foi lamentável. À redução na marra dos preços do diesel (bancados pela Petrobras e pelo Tesouro Nacional) e ao corte dos impostos, somou-se a criação da tabela de frete mínimo, mais uma ideia desastrada cujas consequências haverão de nos assombrar mais à frente.

Samuel Pessoa, com a competência habitual, expôs a comédia de erros que levou ao atual estado das coisas, chamando a atenção para o papel das falhas de governo no processo, do impensado subsídio à aquisição de caminhões ao gasto público crescente, cuja contrapartida mais visível é a pesada carga tributária no país.

Se faltava algum componente dantesco à comédia, a noção que o governo deve regular o preço em transações privadas deve suprir, com folga, esta ausência.

Concretamente, a fraqueza política da atual administração permitiu que um grupo conseguisse chantagear o país e, seguindo um padrão tristemente conhecido, obter privilégios à custa do restante da sociedade.

Há claramente um excesso de oferta de serviços de frete, seja pelo crescimento da frota, seja pela recuperação ainda modesta da economia. A imposição de um piso para os preços não elimina o excesso de oferta; apenas permite que, se implementado de fato, um grupo mais próximo da liderança do setor (“insiders”) usufrua de preços mais altos, enquanto aqueles à margem (“outsiders”) se verão em condição ainda pior do que hoje.

Além disto é uma ilusão acreditar que o custo de frete mais elevado não seja repassado, em alguma medida, para o preço final dos produtos. Replicando o modelo tão conhecido no Brasil, um enorme, porém pouco articulado, grupo de consumidores  transferirá renda para um grupo consideravelmente menor, mas que consegue se organizar para obter as benesses do governo.

Funciona com os setores protegidos por tarifas de comércio internacional, ou com acessos a subsídios, bem como toda espécie de meia-entrada, gênero particularmente abundante no país. Por que não funcionaria nesse caso?

Isto dito, o problema maior não é o butim que esse grupo em particular vai levar para casa, como fizeram (e fazem!) tantos outros.

O cerne da questão, que não vem de hoje, é a forma distorcida de operação da economia brasileira.

O jogo econômico segue visto como uma competição de soma zero, onde o ganho de uns corresponde à perda de outros. Assim, quem pode, pela força (como agora), ou pelo “jeito”, convencer o Poder Moderador a arbitrar em seu favor, passa a ter à sua disposição parcela da renda da sociedade.

Enquanto o jogo for este, não há como ter crescimento rápido, sustentável e inclusivo, dado que implica baixo ritmo de expansão da produtividade, pois o foco da sociedade sai da inovação para a busca de favores governamentais.

Esta é a essência do anticapitalismo nacional, expressa de uma maneira vívida nos últimos dias, que também anunciaram mais sete meses de agonia de uma administração vítima da sua incapacidade de romper com o compadrio.

Ainda assim, isso não é o pior, mas os sinais consistentes que a sociedade brasileira também não quer o rompimento. Pelo contrário, o quadro eleitoral, com raras e improváveis exceções, é o reflexo de quem reclama dos privilégios alheios, mas se mobiliza como poucos para manter cada um dos seus.

(Publicado 29/Mai/2018)