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quarta-feira, 30 de maio de 2007

Cigarras, formigas e efeitos especiais

UM ESPECTRO ronda o Brasil -o espectro das más idéias. A mais recente é a proposta de tributar as exportações de commodities para reduzir seu ímpeto e depreciar a moeda, supostamente justificada pelos casos do Chile e da Noruega, países que tributam as exportações de cobre e petróleo, respectivamente. No entanto, à parte o mérito de reconhecer que o desempenho das exportações (e não a taxa de juros) é o principal fator de pressão sobre a moeda, uma análise detalhada indica que, no ranking das más sugestões, esta ocupa lugar de destaque.

Os números são eloqüentes: na Noruega, petróleo e gás representam 64% das exportações totais e 62% das novas exportações; no Chile, o cobre abrange 56% das exportações, o equivalente a 72% das novas exportações. A dependência dessas economias de commodities, porém, não cessa aí. No caso chileno, por exemplo, o cobre também representou receita fiscal de 5% do PIB (Produto Interno Bruto) no ano passado.

Vale dizer, nesses países tanto o desempenho fiscal como as contas externas estão fortemente ligados a uma única commodity, de preço volátil e não-renovável. Não é necessário grande esforço para concluir que a simples prudência recomenda poupar ganhos extraordinários para dias menos felizes. Em tais períodos, os dividendos desses fundos, se bem aplicados, mantêm o balanço de pagamentos em boa forma e evitam cortes drásticos dos gastos públicos.

Afora a questão cíclica, dois outros pontos são relevantes. Como cobre e petróleo são finitos, não é justo que as gerações correntes se apropriem de toda a riqueza; parte deve ser poupada para as gerações futuras. Por fim, nos dois países, as empresas produtoras são estatais, de modo que as decisões de produção e exportação de commodities são menos sensíveis à tributação que as tomadas por empresas privadas.

No Brasil, em contraste, os dez principais produtos de exportação representaram apenas 35% das exportações em 2006 (41% das novas exportações) e fração ainda menor dos tributos. Em outras palavras, não há um quadro de dependência fiscal ou de balanço de pagamentos que se assemelhe ao dos países acima para justificar a adoção dessa política, que só serviria assim para aumentar a carga tributária, sem contar que o país já dispõe de US$ 135 bilhões de reservas.

É verdade que petróleo e minérios são finitos, mas já se pagam royalties pela sua exploração. Só não perguntem se esses recursos estão sendo devidamente poupados para o bem das gerações vindouras. Por fim, são empresas privadas que respondem pelo grosso das exportações brasileiras, o que sugere uma resposta bem mais negativa à taxação que no Chile ou Noruega: pelo contrário, os volumes embarcados devem cair.

Trata-se, pois, de mera importação de uma idéia sem maior preocupação com o entorno em que foi gerada nem com o ambiente no qual seria aplicada. Curiosa ironia para quem sempre criticou a teoria econômica tradicional por supostamente refletir as condições de países desenvolvidos sem consideração pelas especificidades nacionais...

PS: E o Oscar de efeitos especiais vai para Paulo Francini, segundo quem os 300 mil novos empregados da indústria são cortadores de cana, 9% de aumento no investimento não é indicação clara de crescimento e que, decerto por amnésia, não menciona que a expansão do primeiro trimestre deste ano foi ainda mais forte que no último trimestre de 2006.

(Publicado 30/Mai/2007)

quarta-feira, 16 de maio de 2007

A galinha voadora

Se eu tivesse qualquer dúvida acerca do vigor do crescimento econômico recente esta teria se dissipado à luz das declarações recentes de líderes industriais que, mantendo longa tradição, já o classificaram como “vôo de galinha”, aparentemente desatentos aos 14 trimestres consecutivos de aumento da produção, o mais longo ciclo de expansão industrial dos últimos 15 anos. A obsessão galinácea costuma ser sintoma claro da exasperação quando a atividade econômica, a despeito da torcida contrária, começa a se expandir mais fortemente. Nesta hora os cérebros de galinha formulam complexos argumentos, cuja principal qualidade é jamais passarem pelo teste dos dados.

Tomemos como exemplo uma tese recente patrocinada pelas lideranças industriais, qual seja, que a economia brasileira está passando por um processo claro de “desindustrialização”, contra o qual é obrigação de todo patriota se opor. Afinal de contas, segue a cantilena, o crescimento industrial é cada vez mais resultado da expansão de uns poucos setores, com baixíssimo potencial de geração de emprego e sem dinamismo que dê sustentação aos investimentos. Será?

O primeiro argumento é falso. A inspeção mais cuidadosa dos dados revela que o crescimento industrial tem se tornado menos (e não mais) concentrado do que há pouco tempo. Eu e meu colega Cristiano Souza estimamos recentemente a relação entre a taxa de crescimento da indústria e o índice de difusão, isto é, a proporção dos segmentos industriais que apresentam taxas positivas de expansão.

Como esperado achamos forte relação positiva: quando o crescimento industrial acelera, mais setores crescem. O interessante, porém, foi achar que esta relação se tornou ainda mais positiva no período mais recente, ou seja, hoje uma mesma taxa de crescimento corresponde a uma proporção maior de setores em expansão que há poucos anos. As evidências, portanto, não apóiam a tese da maior concentração do crescimento, uma das pedras fundamentais do pensamento galináceo.

Quanto ao emprego, não é necessário nenhum grande esforço de pesquisa: os dados da Confederação Nacional da Indústria mostram uma aceleração do nível de emprego industrial, cujo crescimento no primeiro trimestre de 2007 atinge 3,5%, a segunda maior taxa de expansão para o período desde o início da série, perdendo apenas para o primeiro trimestre de 2005. Já os dados de criação de novos empregos do CAGED mostram cerca de 290 mil novas vagas industriais nos últimos 12 meses, 50% maior que nos 12 meses anteriores. Na mesma base de comparação a criação de novos empregos totais manteve-se praticamente inalterada, ao redor de 1,3 milhão, revelando a indústria mais dinâmica que a economia como um todo.

Por fim, os dados de investimento são também eloqüentes. Por exemplo, a produção de bens de capital para uso industrial cresceu 9% nos últimos 12 meses (16% no primeiro trimestre), contra 5,5% em 2006, mostrando aceleração do investimento. Em outras palavras, os próprios empresários não parecem acreditar muito na história de “desindustrialização” patrocinada por sua liderança.

Ainda que certos setores enfrentem condições cada vez mais difíceis, os dados mostram que nada parecido com “desindustrialização” tem ocorrido. Há, sim, uma mudança em curso, da qual emergirão novos vencedores e segmentos em declínio. E o estridente cacarejar à distância...

(Publicado 16/Mai/2007)

quarta-feira, 2 de maio de 2007

A lógica da conveniência

Ao puxar uma corda eu deveria trazer para perto o que estivesse amarrado à outra ponta. Poderia não conseguir, se as forças opostas fossem maiores que a minha, mas ninguém me acusaria de ter empurrado o objeto. Óbvio, é claro, mas se o assunto tratar de câmbio e juros, não falta quem prefira ignorar esta lógica simples.

Caso eu perguntasse o que ocorreria se a Selic fosse reduzida, qualquer um responderia (corretamente) que a taxa de câmbio deveria se depreciar. Por simetria, um aumento do juro levaria à apreciação cambial. Curiosamente, porém, ainda que todos concordem com estas conclusões, quando se buscam as causas da apreciação cambial observada no período mais recente são ainda muitos os que apontam a taxa de juros, o que está em flagrante contradição com a crença anterior.

De fato, nos últimos 18 meses a diferença entre as taxas de juros no Brasil e EUA caiu de 15% a.a. para um valor próximo a 7% a.a. Ninguém duvida que uma nova redução desta diferença daqui para frente depreciaria o real (pelo contrário, muitos clamam por isso), mas, por motivos que me escapam, não admitem que a queda de oito pontos percentuais no diferencial de juros desde outubro de 2005 poderia ser responsável por muitas coisas, menos pela apreciação da moeda. Por que, então, o real se fortaleceu?

Obviamente, como no exemplo da corda, deve haver outras forças atuando no sentido contrário e prevalecendo sobre os efeitos da queda da taxa de juros. Se fosse possível a experimentação em laboratório na ciência econômica, poderíamos testar esta afirmação alterando apenas a taxa de juros e mantendo as demais variáveis constantes, de modo a isolar o seu efeito do juro sobre o câmbio.

Tal experimento controlado não é factível, mas há técnicas estatísticas que, sujeitas às restrições de praxe, nos permitem reproduzir, na medida do possível, as condições do laboratório. Basta estimar um modelo que explique a taxa de câmbio em função de algumas variáveis (risco-país e expectativas do câmbio 12 meses à frente, além do diferencial de juros) e pedir a este modelo que simule a trajetória de câmbio, supondo que a trajetória da taxa de juros seja exatamente a observada, fixando, porém, as demais variáveis.

Feita a simulação, o resultado não é distinto do que eu afirmava acima: o efeito “puro” da taxa de juros teria feito a moeda se depreciar pouco mais de 6,5% entre outubro de 2005 e março de 2007, efeito, porém, mais que compensado pela queda do risco-país (apreciação de 1%), e, principalmente, pela forte queda da expectativa de câmbio 12 meses à frente (apreciação de 15%). A resultante destas forças seria uma apreciação do real em torno de 9% no período, bastante próxima ao valor observado (7,5%), sugerindo um modelo razoavelmente preciso.

Falta, é claro, explicar a razão da queda do câmbio esperado, mas há evidências indicando que preços de commodities (e consequentemente o desempenho futuro da balança comercial) mantêm forte relação inversa com esta variável, isto é, preços mais altos melhoram as perspectivas de balança comercial e, portanto, sugerem apreciação da moeda à frente. Assim fica patente que, no balanço das forças, tem prevalecido o desempenho estupendo da balança comercial, fortalecido pela alta das commodities. Quem ignorar este fenômeno pode espernear à vontade, mas jamais entenderá o que tem acontecido com a moeda.

(Publicado 02/Mai/2007)