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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A hora da dolorosa


Há um ano o Banco Central (BC) começou um processo de redução de taxa de juros cujo fim foi sinalizado na reunião do Copom da semana passada (embora, dado o histórico recente de comunicação do BC, possa haver distância astronômica entre sinalização e gesto). Também na semana passada foi divulgado o resultado do PIB, revelando que nos 12 meses até junho o crescimento econômico atingiu anêmicos 1,2% contra 4,7% acumulados nos 12 meses até junho de 2011. À luz disso pode-se dizer que o BC acertou ao mudar radicalmente o curso da política monetária?

Acredito que não. Acredito também que perdi 80% dos meus 18 leitores depois da afirmativa acima, talvez minha própria mãe, mas peço aos hesitantes 20% que leiam até o final da coluna e então julguem se minha resposta faz sentido.

Desde 1999 o BC está submetido ao regime de metas para a inflação. Concretamente isto requer que o BC calibre sua política de modo que a inflação convirja para a meta, no caso 4,5%. Assim, quando o Copom anunciou a inesperada redução da taxa Selic argumentou que “[p]ara 2012, as projeções de inflação (...) recuaram, posicionando-se ao redor do valor central da meta (...).”

Já no “cenário alternativo, construído e analisado sob a perspectiva de um modelo de equilíbrio geral dinâmico estocástico de médio porte, [que] admite que a atual deterioração do cenário internacional cause um impacto sobre a economia brasileira equivalente a um quarto do impacto observado durante a crise internacional de 2008/2009 (...) a taxa de inflação se posiciona em patamar inferior ao que seria observado caso não fosse considerado o supracitado efeito da crise internacional”.

No entanto, se o desempenho brasileiro está longe de ser brilhante, é também distante daquele imaginado pelo Copom. Entre o terceiro trimestre de 2008 e o primeiro de 2009 o PIB caiu quase 5,5%, enquanto a taxa de desemprego, descontados os efeitos do desalento, subiu cerca de 2 pontos percentuais. Já o nível de utilização de capacidade na indústria (NUCI) caiu cerca de 8 pontos percentuais, segundo a FGV.

Em contraste, o PIB brasileiro cresceu modestamente (0,7%) entre o terceiro trimestre de 2011 e o segundo deste ano, o NUCI se manteve praticamente inalterado e a taxa de desemprego caiu. Por qualquer critério que se olhe, o cenário que balizou o corte de juros não se manifestou.

Por outro lado, é verdade que a inflação se reduziu, mas isso não configura o sucesso da política do BC. Em primeiro lugar porque a inflação reage, como se sabe, com defasagens às decisões de política monetária. A redução da inflação em 2012 estava encomendada pelas ações tomadas na primeira metade de 2011, o que, aliás, transparecia na queda continuada das expectativas de inflação para este ano, conforme computadas pela pesquisa Focus.

Isto dito, o Copom não prometeu apenas reduzir a inflação, mas afirmou que “um ajuste moderado no nível da taxa básica é consistente com o cenário de convergência da inflação à meta em 2012”. Contudo, o consenso de mercado hoje sugere que a inflação em 2012 permanecerá bem acima da meta, em torno de 5,20%.

Em segundo lugar a queda da inflação foi exacerbada por fatores que nada têm a ver com a política monetária. Não vai aqui qualquer crítica à mudança da ponderação do IPCA por conta da nova Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE, mas o fato é que, caso a ponderação permanecesse a mesma, a inflação, que nos últimos 12 meses acumulou 5,24%, teria atingido 5,88%. Parte da queda da inflação é, portanto, mera ilusão estatística.

Houve adicionalmente medidas de redução temporárias de impostos, que geram efeitos também passageiros sobre a inflação. Vale dizer, considerada a informação disponível na data da decisão e dadas as previsões do BC à época, fica claro que a evolução da inflação foi muito pior do que o Copom antevia.

É verdade que parcela disto reflete o aumento dos preços internacionais de alimentos, fator que estaria fora do controle do BC e é referido erroneamente pelas autoridades como um choque de oferta, cujos efeitos não deveriam ser debitados na conta da autoridade monetária.

Já eu creio que deveriam sim ser contabilizados entre os passivos do BC. Não, é claro, a seca que assolou a agricultura americana, mas a política cambial que, ao impedir a resposta natural da taxa de câmbio brasileira (baratear o dólar quando preços de commodities aumentam), também não permitiu que o aumento dos preços internacionais de alimentos fosse absorvido, como no passado, pelo câmbio mais forte.

Em suma, mesmo com o crescimento na faixa de 1,5% a inflação este ano superará a meta (e mais ainda no ano que vem), o que, em função do mandato do BC, determinado pelo Decreto 3.088/99, configura um erro mensurável na condução de política monetária. Erro tanto maior porque ao longo do processo o BC perdeu o controle duramente conquistado sobre as expectativas de inflação. Quando (e se) finalmente se decidir por fazer a inflação retornar à meta, pagaremos um preço bem mais alto em termos de produção e emprego do que no passado. A conta chega, sempre chega.

Hã?!

(Publicado 5/Set/2012)

25 comentários:

Alexandre,

Também tenho a mesma opinião.
Algo preocupando é que todas as políticas do Governo são do lado da demanda.
Agora tenho uma pergunta. Você acha que o Bacen usa realmente o SAMBA? Ou criaram este modelo porque outros bancos centrais haviam criados seus modelos DSGE?

Crescimento de cerca de 2% no biênio 2011-2012 e inflação acima de 5%.

Alguém aí disse estag-alguma coisa?

Alex,

Mais uma vez parabéns pelo excelente post, totalmente racional!

Acredito que voce não perdeu seus 18 leitores!

Abs

OK, Alex.
Parabéns pelo ótimo post. Entretanto, se me permite, vou propor um contrafactual: e se o BC não tivesse jogado a Selic em 7,5%, você acha que o IPCA estaria muito abaixo dos 5,2%, estaria próximo a meta? E o PIB, seria muito diferente dos anêmicos 1,2%? Acho que não em ambos os casos.
Afora os problemas de comunicação do BC, que te tornado suas decisões um tanto controversas, não acho que, no fringir do ovos, venhamos a ter prejuízos na seara inflacionária nos próximos anos por perda de credibilidade da autoridade monetária. Ademais, achei correta essa estratégia (essa é minha leitura) de forçar a mão para "corrigir" o exdrúxulo nível de juros brasileiro, algo que foi muito pouco aproveitado no passado recente.
Por outro lado, é fato que ano que vem vamos ter elevação dos juros, mas daqui pra frente, em patamares cada vez mais civilizados.
Abraço,
Cássio

Alexandre,

Onde eu consigo informações de taxa real de juros para diversos países?

Abraço

BBM

Apesar de haver um regime de metas de inflação com base num índice cheio e para um prazo fechado de 1 ano, sabemos que os BCs também olham para o hiato do produto, que a economia reage com grande defasagem em relação à política monetária, que apenas o núcleo da inflação deve ser relevante, etc.

Do jeito que está, o mandato do BC é muito rigoroso. Isso tudo tá na conta?

Um abraço,
TDX

Se vai analisar sob o BC com a régua da inflação, ele tá reprovado mesmo. Inflação rodando 5,5% é o fato.
Joga na conta um câmbio mais desvalorizado e barreiras comerciais mais elevadas, velhos conhecidos do desenvolvimentismo tupiniquim, e reajustes salariais parrudos "pra geral", velhos conhecidos dos amigos do Chico Buarque, e pimba! Durante o boom, meados de 2006 até antes do Lehman, o PIB rodava a 6% e IPCA a 5%, neste burst o PIB andou 0,5% e o IPCA 5,5%! A conta é ao contrário, qual é a maior inflação que podemos rodar sem queimar o filme do governo? 5,5%? 6,5%?
O BC parece o fisioterapeuta do Adriano, vulgo Imperador, com hectolitros de cerveja o trabalho fica mais difícil.
O problema é que o modelo vai pedir daqui a pouco: mais câmbio de novo, mais reajuste do funcionalismo, mais barreiras às importações, mais BNDES e cuspir mais inflação até a popularidade cair e o Flamengo mandar o Adriano para Chatuba e tomar vergonha na cara.
Maradona

A mudança da ponderação do IPCA não foi de graça. É sabido que o petismo tem muitos "simpatizantes" entre os burocratas dos três poderes. Engraçado que os "intelectuais" de esquerda nada comentam sobre isso.

" Erro tanto maior porque ao longo do processo o BC perdeu o controle duramente conquistado sobre as expectativas de inflação. Quando (e se) finalmente se decidir por fazer a inflação retornar à meta, pagaremos um preço bem mais alto em termos de produção e emprego do que no passado. A conta chega, sempre chega."

O PIOR ESTÁ NA PERDA DA CREDIBILIDADE (controle das expectativas).
A percepção da grande maioria dos agentes é que o BC apequenou-se, perdeu poder ou capacidade técnica. Parece um órgão subordinado ao MF (nem deve ser, mas parece.).
A política cambial mudou. A monetária também. O BC está mais preocupado com o crescimento do que em dar uma moeda estável ao país (condição necessária para o crescimento sustentado).
Taxa básica inadequadamente alta ou baixa não são indicadas para o crescimento sustentado. Se a moeda estável é uma condição necessária ao crescimento, desestabilizá-la é correto?
O pior é que a desconfiança (na equipe econômica) pode passar para o mundo e no futuro termos problema no balanço de pagamentos.

Você está mais uma vez corretíssimo. E foi o primeiro a ter a coragem de avisar.

ALGUNS DADOS SOBRE INFLAÇÃO (acumulados até 08/2012):
IPCA está 6,78% acima da meta;
IPC 10 22,22%;
IPC M 19,87%;
IGP M 103,82%;
IPA M Prod. Industr. 35,33%;
IPA M Prod. Agríc. 408%.
ATENÇÃO PARA A DIFERENÇA DOS DADOS DO IBGE E DA FGV PARA OS IPCs.

olá Alex!
continuo firme nos 20% dos seguidores.
parece que o BC age semelhante aos obesos(com todo respeito) que preferem colocar uma trava na balança no peso desejado e continuar comendo loucamente, um belo dia a balança nao aguenta e volta a medir o peso real!
[ ]'s
JCW

Maradona

Que grueso! :)

Você é portenho?

Off Topic:

Uma pergunta HONESTA aos Austríacos

By Blog do Adolfo

Pergunta: Se um indivíduo deposita voluntariamente seu dinheiro num banco, MESMO SABENDO QUE O BANCO OPERA SOB O REGIME DE RESERVAS FRACIONÁRIAS, o Estado deveria impedir essa transação? Em outras palavras, se de livre acordo as pessoas decidem depositar seu dinheiro num banco, por que o governo deveria impedir o banco de operar sob o regime de reservas fracionárias (sendo que as pessoas concordaram com isso)?

A INFLAÇÃO ANUALIZADA SE ENCONTRA NO INTERVALO DA META.

Quem disse que as pessoas sabem que os bancos operam sob o regime de reservas fracionárias?!?! Tem gente que não sabe nem o que é uma fração!!!

Papo de maluco...

"A INFLAÇÃO ANUALIZADA SE ENCONTRA NO INTERVALO DA META."

E o Sao Paulo esta em quinto no Brasileirao....

De qualquer forma, quem disse que ia entregar a inflação na meta foi o BC, o mesmo que, agora, na última Ata, afirmou que a inflação fica acima da meta em 2012, 2013 e, pelo menos, meados de 2014...

Alex 3 x BC 0

O USO DA REGRA DE TAYLOR NÃO É MAIS CONVENIENTE QUE O SISTEMA DE METAS PARA A INFLAÇÃO?

ENQUANTO O PRODUTO FICA ABAIXO DO POTENCIAL O BC BAIXA O JURO,QUANDO ELE FICA ACIMA ELE SOBE.

"Quem disse que as pessoas sabem que os bancos operam sob o regime de reservas fracionárias?!?! Tem gente que não sabe nem o que é uma fração!!!"
O Adriano Imperador sabe. Só antes das 18:00.
Papo off topic na Chatuba: será a Catalunha os novos Chiapas?
Maradona

Alexandre,
Se por aqui nos debatemos sobre a "racionalidade" da politica economica (como cortar os juros qdo todo o horizonte de previsao mostra inflacao acima do centro da meta) recomendo a leitura desse paper do "chief economic adviser" do ministerio da fazenda da India... algo que merecia um blog detalhado ! paginas de risadas garantidas...

(http://www.kaushikbasu.org/Inflation%20-%20Gautam%20Mathur%20lecture%2014.pdf
)

Alex,

A Seção POnto de Vista da Conjuntura, traz na edição de Agosto um texto que retrata que o Bacen acertou em agosto de 2011.

Com base que no li aqui discordo do texto, mas se possível daria pra comentar esse trecho "tudo indica que o país não estaria melhor se a Selic estivesse hoje em um nível substancialmente mais alto"?

Aproveitando diga ao "O" pra reaparecer por aqui!

Abs

"O USO DA REGRA DE TAYLOR NÃO É MAIS CONVENIENTE QUE O SISTEMA DE METAS PARA A INFLAÇÃO?"

Bernanke fez um discurso, o primeiro dele em 2010 onde teceu uma critica argumentativa a quem defendia que a politica monetaria americana foi conduzida de modo equivicado, se considerado o modelo de Taylor. Basicamente: "However, because monetary policy works with a lag, effective monetary policy must take into account the forecast values of the goal variables, rather than the current values."

MF

"O USO DA REGRA DE TAYLOR NÃO É MAIS CONVENIENTE QUE O SISTEMA DE METAS PARA A INFLAÇÃO?"

O modelo de meta de inflação está baseado em 3 equações: (1) curva IS, que relaciona atividade e juros; (2) curva de Phillips novo keynesiana, que relaciona atividade e inflação; e (3) regra de Taylor, que dá a resposta de política monetária à inflação e à atividade. Logo, o modelo fechado já tem a regra de Taylor.

Alex,
Pq o aumento dos preços internacionais de alimentos não pode ser caracterizado como um choque de oferta?

Desculpe a pergunta, pois não faço economia, mas quero entender isso!
Grato

"Pq o aumento dos preços internacionais de alimentos não pode ser caracterizado como um choque de oferta?"

Porque o choque ocorreu lá fora, elevando preços internacionais e o Brasil é um exportador líquido de alimentos. Isto eleva a renda do país, se caracterizando como choque de demanda.

Abs