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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O terceiro regime


“A Itália viveu 30 anos sob os Bórgias e tiveram guerras, terror, assassinato e derramamento de sangue, mas nos deram Michelangelo, Da Vinci e a Renascença. Na Suíça, eles têm amor fraterno e 500 anos de democracia e paz, e o que eles produziram? O relógio cuco!” Orson Welles foi mais ácido sobre a Suíça do que o merecido; fosse ainda vivo, poderia contemplar a outra inovação helvética: um regime de metas para a inflação em que o banco central persegue também um objetivo para a taxa de câmbio.

Semana passada o Banco Nacional Suíço (SNB) afirmou que não permitirá que um euro custe menos do que 1,20 francos e que, para tal, está disposto a comprar tantos quanto forem necessários para manter seu custo ao menos naquele patamar. Posto de outra forma, se comprometeu a vender todos os francos requeridos para conservar a paridade.

Assim, ao contrário do caso usual dos países que precisam vender moeda estrangeira para manter a taxa de câmbio, e eventualmente são forçados a abandoná-la por falta de reservas, o SNB não sofre tal restrição. Como tem o poder de criar toda moeda local que quiser vender, ele seria capaz, deste ponto de vista, de sustentar indefinidamente o câmbio.

De uma perspectiva distinta, porém, há outro desafio, a saber, se será possível conciliar a meta para a inflação (“abaixo de 2%”, segundo sua definição de estabilidade de preços) com a promessa implícita de emissão sem limites de moeda para estancar a apreciação. Em geral isto não é factível, mas algumas condições específicas do caso suíço sugerem que, ao menos inicialmente, o SNB conseguirá servir a dois senhores.

A começar porque a inflação em 12 meses se encontra ao redor de 0,5% e tem ficado sistematicamente bem abaixo da meta desde o final de 2008. Adicionalmente, a Selic alpina (SARON) se encontra próxima a zero, o que limita a capacidade do SNB estimular a atividade econômica (e a inflação) pelos canais convencionais de política monetária. Sob tais condições, a fixação de um valor mínimo para o euro – na medida em que é também um compromisso de emissão de moeda – pode ajudar a trazer a inflação de volta a patamares próximos a 2%.

Em outras palavras, esta política tem data de validade, dada pela velocidade de aproximação da inflação à meta. Quando houver sinais de convergência as políticas colidirão, como de hábito, e o SNB terá que escolher uma delas, no caso, se meu palpite vale qualquer coisa, a meta da inflação. Cabe notar, contudo, que o desemprego suíço não parece muito distante daquele compatível com a meta (a inflação baixa aparenta resultar mais da apreciação da moeda do que da baixa atividade doméstica), o que sugere a possibilidade de uma convergência mais rápida. De qualquer forma, a escolha não é para logo.

Isto dito, o caso suíço, por sua especificidade, ilustra bem limites que a fixação da taxa de câmbio enfrentaria em outros países (penso, é claro, no Brasil, mas sugiro que olhem o que vem ocorrendo, por exemplo, em Hong Kong). Onde a inflação já é elevada, uma tentativa depreciação na marra da taxa de câmbio colidiria de saída com o objetivo de controle inflacionário, não apenas pela transmissão imediata dos preços internacionais aos domésticos, mas principalmente pela perda de autonomia da política monetária se formos levar a sério o compromisso de compra de toda moeda estrangeira.

Na prática teríamos uma repetição em escala maior dos problemas observados no começo deste ano. Por um lado deixaríamos de ter o efeito desinflacionário da moeda mais forte; por outro, a política monetária mais frouxa, no contexto de um mercado de trabalho bem mais apertado que na Suíça, não precisaria de muito estímulo para se traduzir em maiores pressões sobre os preços domésticos.

No final, nem Michelangelo, nem relógio cuco. Só uma aceleração inflacionária digna dos Bórgias.

Uma oferta monetária que não se pode recusar
(Publicado 14/Set/2011)

8 comentários:

ALEX

A Suica entrou nessa de paridade para segurar a inadimplencia no leste europeu, que tomou dinheiro emprestado em francos para comprar imoveis que nao valem mais porra nenhuma. Esta e' a maior variavel para a decisao a ser tomada no futuro na questao inflacionaria.

A turma do pensamento mágico existe até na Suiça (alemã)?
Pensei que fosse coisa de brasileiro.

Alex , o Tombini e o Mantega não estão nem aí para a contaminação da desvalorização sobre os preços, eles são adeptos da Curva de Phillips e já esqueceram que o Phelps esculachou esta visão dos anos 60. Isso é o que dá colocar marxista no BC.
Abs.
M.

A legenda das figuras, sempre sensacionais! :-D

Olá, Alex.

Apenas passando para divulgar um novo blog, caso você(s) ainda desconheça(m).

http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/a-consciencia-de-dois-liberais/

E, Kanczuk, como sempre humilde e pouco irônico, já dá toques de como serão os posts do blog: "O modelo, por ser meu, é melhor do que os das casas do mercado". RS RS RS

Abraços, TF.

Marxista no BC tb já demais, menos bem menos rs

Alex, porque você não comenta o caso da Turquia?