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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Foco

 A evolução do desemprego sugere que o auxílio emergencial poderia ser melhor focalizado, protegendo os diretamente afetados a um custo menor do que sua versão original. Tais informações, contudo, não parecem balizar a decisão de sua provável extensão.

Defendo a volta do auxílio emergencial, como já deixei claro em colunas anteriores, principalmente por razões humanitárias. Da mesma forma que bombeiros têm por função apagar incêndios e exércitos nos defender em caso de agressão externa, face a uma calamidade pública como a epidemia, que impede o acesso de pessoas ao mercado de trabalho, o poder público deveria ajudar este grupo, obviamente enquanto a crise sanitária não permitir o retorno à normalidade.

Há obviamente implicações para a evolução do endividamento que precisam ser devidamente consideradas e, claro, compensadas, mesmo que tal compensação não ocorra no mesmo ano fiscal, mas ao longo de horizonte algo mais extenso. De qualquer forma, já tenho me pronunciado bastante sobre o que acredito ser necessário para contrabalançar o impacto do auxílio emergencial (reforma administrativa – séria, não o projeto de brinquedo enviado ao Congresso – e a PEC emergencial) e não pretendo me alongar sobre o assunto.

Meu ponto hoje, inspirado, devo dizer, pelo excelente artigo de Fernando Genta aqui mesmo no InfoMoney, é ajudar a mapear o universo dos que devem, em princípio, receber o amparo público. Trata-se, ao menos em tese, das pessoas que tiveram que se afastar do mercado de trabalho por força da pandemia e que não dispõem mecanismos de reposição da renda perdida.

Fonte: PNAD (dados dessazonalizados pelo autor)

Submeto assim aos leitores o gráfico acima, elaborado a partir dos dados da PNAD contínua. Medimos ali a evolução do emprego a partir de fevereiro do ano passado, último mês de evolução positiva do mercado de trabalho, imediatamente antes do impacto da crise sanitária. No caso, uso a classificação pela posição no emprego, isto é, com ou sem carteira de trabalho, ou, no que se refere a empregadores e trabalhadores por conta própria, com ou sem CNPJ, distinguindo também funcionários públicos estatutários.

Este último grupo, aliás, como mostrado acima, registrou expansão de quase 800 mil novos empregados em termos dessazonalizados, de 7,9 milhões no trimestre terminado em fevereiro para 8,7 milhões no trimestre encerrado em novembro. Trata-se de uma ilha de estabilidade (o trocadilho é intencional) no oceano de devastação, dado que todos os demais grupos apresentaram redução expressiva em termos de ocupação.

O maior impacto absoluto foi registrado entre os que estavam empregados com carteira de trabalho, incluindo trabalhadores domésticos: perda de 4 milhões (chegou a 5 milhões, mas houve alguma recuperação) entre fevereiro e novembro. Nesse caso, inclusive, o seguro desemprego, devidamente estendido, poderia ser um instrumento mais preciso de reposição da renda perdida, ainda que não integral para todos os elementos do conjunto.

O segundo maior impacto se deu entre os sem carteira de trabalho, 2 milhões no mesmo período, seguido por empregadores (menos) e trabalhadores por conta própria (bem mais) sem registro no CNPJ, pouco mais de 1,6 milhão. Já a queda entre os registrados no CNPJ foi menos expressiva, 242 mil no período referido. Para todos estes, cuja visibilidade é bem menor (mas não tanto no caso daqueles com CNPJ) caberia alguma versão do auxílio emergencial.

Note-se desde já que tratamos de universo bem menor do que o atendido pela versão inicial do auxílio, que abrangeu quase 70 milhões de pessoas. O desafio, portanto, passa por focalizar o auxílio nos grupos diretamente prejudicados pela epidemia e pela necessidade de distanciamento social dela decorrente enquanto não conseguimos debelá-la por meio da vacinação em massa. Assim, conseguiríamos com um volume bem menor de recursos, atender as pessoas efetivamente prejudicadas pela crise sanitária.

Os dados do próprio auxílio, em suas versões 1.0 e 1.1, já poderiam servir de ponto de partida para a recalibragem do programa, mas isso deveria ter sido pensado e investigado meses atrás para servir de opção para a versão 2.0.  

Não foi feito. Perdeu-se tempo negando a extensão do auxílio e agora provavelmente repetiremos, como notado pelo Genta, os equívocos da versão inicial sem o desconhecimento e necessidade de ação imediata que justificaram a decisão do ano passado.

Não chega a ser surpreendente, dado o histórico do país em termos de avaliação de suas políticas públicas, da qual fugimos consistentemente. Não é por outro motivo que gastamos como países europeus, mas obtemos resultados até piores do que os de países emergentes.



(Publicado 17/Fev/2021)

1 comentários:

Eu tendo a seguir pela linha que o Auxilio, economicamente é expansão de renda e deve ser encarado como tal.

O Blanchard fez recentemente um post no PIE, olhando como o 1,9 tri é reposição de renda, através de vários níveis de multiplicador.

E mesmo que você queira olhar numa lógica de expansão monetária, na média os agentes estão mais engajados em otimizar a alocação dos recursos, pras atuais demandas da sociedade, do que um BNDES estaria, até em termos de geração de emprego.

Dá pra fazer o contraponto que isso vai gerar vaga em supermercado, e não em planta industrial, mas isso é outro ponto.

Admiro a visão humanitária, mas ela subestima o potencial desse tipo de politica.