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terça-feira, 17 de julho de 2018

O abridor imaginário


Um físico, um químico e um economista estão numa ilha deserta, com latas de comida salvas do naufrágio, mas sem o abridor. Os dois primeiros sugerem métodos para abrir as latas baseados em suas especialidades, ambos, porém, impraticáveis. Cabe ao economista anunciar que tem a solução para o problema: “supondo que temos um abridor de latas…”

A piada é antiga, mas surpreendentemente atual no nosso contexto, em particular no que diz respeito à reforma da previdência. Economistas, tanto os ligados a Ciro Gomes, como os a Jair Bolsonaro, defendem a transição do atual regime previdenciário, de repartição – em que os trabalhadores hoje ativos transferem recursos aos aposentados – para capitalização – em que cada pessoa recebe como aposentada aquilo que poupou ao longo de sua vida.

A vantagem no caso seria a virtual impossibilidade de déficits, desde que o sistema seja bem desenhado: como cada um recebe apenas o que poupou, não há, por definição, insuficiência de recursos que obrigue o governo a cobrir a diferença entre a arrecadação e o gasto. (Na verdade, como também se propõe que haja um regime de repartição para os de menor renda há a possibilidade de algum déficit, mas bem menor que o atual).

Como é que ninguém pensou nisto antes?

A verdade é que muita gente pensou; apenas, ao contrário desses economistas, não supôs que possuísse um abridor de latas.

O cerne da questão é simples. Se pudéssemos começar um sistema previdenciário do zero, provavelmente montaríamos um regime de capitalização; o problema é que não podemos!

Considerando apenas o INSS, há cerca de 30 milhões de aposentados e pensionistas, que receberam nos últimos 12 meses algo como R$ 570 bilhões (aproximadamente R$ 1.460,00/mês) [corrigi os valores por alerta do Fabio Giambiagi, a quem agradeço]. Este valor é (parcialmente) bancado por 52,5 milhões de contribuintes, que recolheram R$ 381 bilhões no mesmo período, considerando tanto a parcela dos segurados como das empresas que os empregam (mesmo encargos que são “pagos” pelas empresas acabam recaindo em larga medida sobre os trabalhadores na forma de salários mais baixos). O resultado é um déficit de R$ 189 bilhões, coberto pelo Tesouro Nacional.

Caso, porém, haja a mudança para o regime de capitalização, as receitas atuais cairiam, pois os trabalhadores ativos passariam a depositar suas contribuições em contas individuais, o que aumentaria o déficit do atual regime.

É verdade que a atual geração de aposentados desaparecerá (perdão, mas faz parte da condição humana), porém, enquanto isto não acontecesse, o Tesouro Nacional teria que bancar a transição. Seu custo exato depende de muitas variáveis (inclusive a redução do teto das aposentadorias, tema do qual os candidatos fogem mais rápido que o diabo da cruz), mas a discussão é acadêmica, pois o Tesouro (mesmo descontado o resultado do INSS) não é superavitário o suficiente para cobrir a perda de receita.

É possível usar truques para mascarar as alternativas, mas não há como fugir delas: redução no valor das aposentadorias remanescentes no regime de repartição, aumento de tributos e elevação da dívida, ou, mais provavelmente, uma combinação das três.

A conclusão é inescapável: quem propuser uma reforma previdenciária nesse sentido tem também que deixar muito claro como pretende bancar o custo da transição. Se não o fizer, pode estar certo que possui um abridor de latas imaginário…




(Publicado 11/Jul/2017)

9 comentários:

Oi Alex! Já tivestes a oportunidade de ouvir os diversos players, fossem eles no lado público os executivos, legisladores e funcionalismo, quanto no privado através de acadêmicos, economistas e meros mortais pagadores de conta como "nós outros". Observando que a maioria tentar puxar a brasa p/ sua sardinha, cegando-se de enxergar o todo (que no final o braseiro é um só e é melhor todos entrarem em consenso para que ninguém fique sem brasa) e que gostamos de soluções aparentemente fáceis porque não gostamos de enfrentar/encarar a realidade, pergunto: Em quanto tempo tudo estoura e então seremos obrigados a fazer o ajuste de verdade, sem esses remendos a que estamos acostumados??

O caminho mais provável é um aumento da dívida pública por algumas décadas, até que o sistema entre em equilíbrio, com a grande maioria de aposentados pelo novo sistema.

Se o país continuar com crescimento baixo seremos um Japão de baixa renda, como mais de 200% de dívida/PIB.

Isso na melhor das hipóteses, se todos concordarem em colocar sua poupança em títulos do tesouro, como acontece por lá.

Márcio Holland defendendo no Globo News Painel:Reforma da Previdência, privatizações,ajuste fiscal(disse que no Dilma um já existia um plano de ajuste das contas públicas).

"Márcio Holland defendendo no Globo News Painel:Reforma da Previdência, privatizações,ajuste fiscal(disse que no Dilma um já existia um plano de ajuste das contas públicas)."

Puxa, que economista excelente. Pena que jamais tenha tido chance de adotar as ideias que defende (houve outro Marcio Holland que foi Secretário de Política Econômica, mas não deve ser a mesma pessoa, pois este defendia trocar carne por ovo).

Alex, o que achaste da proposta do Francisco no Globonews Painel de o governo gastar um pouco mais agora para reativar a economia? E do José Francisco sobre a dificuldade de fazer o ajuste fiscal com redução da despesa porque os agentes econômicos vão puxar ainda mais o freio?

"o que achaste da proposta do Francisco no Globonews Painel de o governo gastar um pouco mais agora para reativar a economia?"

Achei uma proposta imbecil... Por que não cortar mais o juro?

" E do José Francisco sobre a dificuldade de fazer o ajuste fiscal com redução da despesa porque os agentes econômicos vão puxar ainda mais o freio?"

Esta consegue ser ainda pior...

"o que achaste da proposta do Francisco no Globonews Painel de o governo gastar um pouco mais agora para reativar a economia?"

Achei uma proposta imbecil... Por que não cortar mais o juro?

" E do José Francisco sobre a dificuldade de fazer o ajuste fiscal com redução da despesa porque os agentes econômicos vão puxar ainda mais o freio?"

Esta consegue ser ainda pior..."

É por esses e por outros que só assisto ao "Painel WW": Persio Arida, Gustavo Franco, Marcos Lisboa, Samuel Pessoa, Alexandre...

Você leu a entrevista que Francisco Lopes concedeu ao Valor, publicada hoje?
"Pode isso, Arnaldo?"

Francisco Lopes tá otimista.