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quarta-feira, 8 de julho de 2015

Moros

Não deixa de ser irônico que, apesar do enredo algo novelesco, a crise grega tenha adquirido ares de tragédia, principalmente pela sensação de inevitabilidade quanto a seu desfecho.

Assim como Édipo, que, ao fugir da maldição que assolou a dinastia dos Labdácidas, precipitou os acontecimentos que buscava evitar, as ações dos últimos anos acabaram conduzindo à atual situação, com o país virtualmente expulso da moeda única e condenado a uma recessão ainda mais severa.

A “maldição” original é clara. Hoje sabemos que a Grécia não tinha condições de se juntar à Zona do Euro (ZE). Suas finanças estavam em condições muito piores do que sugeriam os números apresentados à época, mais um caso de “contabilidade criativa” de dar inveja a outros governos que conhecemos.

As instituições gregas também eram muito mais frágeis do que as da maioria dos seus parceiros da ZE, o estado presa de toda sorte de interesses particulares, do “capitalismo de compadres” ao clientelismo mais aberto.

Sob estas circunstâncias, a adoção da moeda única era um acidente esperando para acontecer. E ocorreu.

A crise financeira de 2008 provocou o refluxo dos capitais da periferia para o centro da ZE, expondo toda a fragilidade grega: a baixa competitividade e a necessidade de financiar um buraco fiscal que já superava 6% do PIB nos anos que antecederam a crise.

Sem condições de desvalorizar a moeda em resposta à mudança no cenário internacional, a Grécia tentou restaurar a competitividade por meio da queda de preços e salários: a inflação, que oscilava de 2 a 4% ao ano antes da crise, desacelerou fortemente em seguida a ela, entrando em terreno negativo a partir de 2013. Isto agravou o quadro recessivo, e, por tabela, as contas públicas, cujo déficit superou 10% do PIB entre 2008 e 2011. Já o desemprego atingiu 25%.

Posto de outra forma, a rigidez cambial, casada com o forte desequilíbrio fiscal inicial, implicou uma dinâmica particularmente perversa para a atividade econômica e, por conseguinte, para a estabilidade política do país.

Neste sentido, a tomada do poder pela esquerda, o Syriza, não pode ser vista como um acidente, mas como consequência inevitável (Destino, ou Moros) do processo acima descrito.

Já a postura infantil do Syriza talvez pudesse ser evitada. Ao chegar ao poder, havia simpatia em alguns círculos por uma abordagem distinta, mas o primeiro ministro grego e seu ministro das Finanças perderam tempo demais hostilizando os credores, bem como revertendo medidas que poderiam auxiliar no retorno da competitividade (por exemplo, a elevação do salário mínimo).

Pareciam acreditar que o restante da ZE teria que se curvar à postura grega pelo medo de ruptura, desconsiderando que talvez a maior preocupação dos demais países pudesse ser o exemplo negativo da leniência com respeito à Grécia, em particular o estímulo a outros partidos semelhantes ao Syriza.

Presos às suas convicções, ambos os lados marcharam cegamente para a funesta conclusão: a Grécia se encontra às portas da saída do euro, seus bancos na lona e sua economia prestes a derreter. Já o euro perde sua aura de inviolabilidade, gerando a possibilidade de novas crises à frente, em particular nos elos mais frágeis da ZE.


Os deuses cegam primeiro aqueles que querem punir.



(Publicado 1/Jul/2015)

14 comentários:

Alex, o que vc preve para a Grécia agora?
Voltar ao Dracma? Desvalorizá-lo para reduzir a divida? Em quantos anos voltam a viver bem?

Alex, como admirador do Krugman, o que tu acha da posicao dele e da turma da esquerda (stiglitz, piketty) com esse caso? Tu concorda que o fim da austeridade grega é o melhor caminho? O Krugman nao ta heterodoxando demais?

Tenho 22 anos. Quando eu era pequeno minha avó, já falecida, toda vez que via uma notícia de desastre na TV, dizia: é o fim do mundo!

Já eu acho q é mesmo o fim do Brasil. Vejam o que está acontecendo com o minério de ferro:
http://assets.bwbx.io/images/ivNCKy5dKXbk/v1/-1x-1.png

Não bastasse todas as tragédias que tem se abatido sobre o país, com resultados atrás de resultados ruins e abaixo das expectativas do Mercado, agora a China apresenta sinais de que pode entrar em crise, com o preço do minério de ferro despencando. Falta algo mais? Sim. Falta só o FED elevar os juros. Se isso acontecer, será o fim dos tempos, ao menos no Brasil. Aquela tempestade perfeita de que falavam já está acontecendo e pode se aprofundar mais ainda. Diversos furacões, vindo de direções diferentes, pairam sobre o Brasil.

A inflação não cede, o superávit primário não dá sinais de recuperação, o pib anda ladeira abaixo, a grécia está a beira do default, o preço das commodities começam a cair com crise na china, e há alguma chance de o FED elevar os juros daqui algum tempo, além de todos os outros problemas internos. Depois disso tudo só falta o povo realmente se revoltar com todo o sistema político no Brasil, não que não tenha boas razões para isso, mas conjunturalmente seria mais um fator de instabilidade e incerteza.

Qual será, agora, a porcentagem de realmente ocorrer "o fim do Brasil"?

Alex, o que acha da tese que o problema grego é mais de competitividade e estagnação das exportações do que de dívida mesmo?

Um texto sobre o assunto.


http://mundorama.net/2015/07/08/a-crise-grega-e-a-retorica-do-plebiscito-por-rafael-henrique-dias-manzi/

"Os deuses cegam primeiro aqueles que querem punir." \o/

O menino lê (e entende!) Sófocles, Homero... Dizer o quê?
Aliás, a Ilíada está repleta de casos de “atér”, que é a cegueira moral que primeiro induz ao estado de desvario, depois, à ação desvairada e por fim, à ruína.

Felicidades, Alex! Que todo o Olimpo o abençoe meu amigo.
lu.

A geopolítica vai prevalecer : os EUA ,via FMI, não vão deixar o Grécia escapar.

Prezado anônimo de 22 anos - ah! que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais... - o fim do mundo deu partida no conhecido episódio da expulsão do paraíso. De lá para cá, repetiu-se compulsivamente (Freud / Lacan)... Portanto, relaxe! Acreditar que a crise é privilégio tupiniquim é puro bairrismo! A crise é mundial, universal, atemporal... Parimos e somos paridos em meio a crises - um mundo ordeiro e ordenado não nos serviria, somos filhos do caos e a toda ação caótica correponde uma reação igualmente caótica. Você é jovem, idealista, dominado pela miragem do progresso, da verdades, do bem! Um dia, descobrirá - bem, não vou desiludi-lo... Cada um tem o tempo e lugar certos para beijar a fera.

Como acontece desde a segunda guerra os EUA têm que entrar em cena sempre que o estatismo europeu se descontrola. A Grécia não pode escapar , está muito próxima da anarquia mulçumana e putinesca.

Alex, uma pergunta.

Sabe por que telefonia celular faz parte do grupo serviços, e não do administrados, no IPCA?

Apenas telefonia fixa e telefonia pública são administrados.

Bjs
Julia

Alex, uma pergunta.

Sabe por que telefonia celular faz parte do grupo serviços, e não do administrados, no IPCA?

Apenas telefonia fixa e telefonia pública são administrados.

Bjs
Julia

O rant do Krugman tá sensacional. No post "Killing the European Project" ele chega a cogitar a possibilidade da Alemanha tentar bloquear, deliberadamente, a recuperação grega! Que piada...

Prezado Alex,

A dívida grega é trocado perto do efeito moral que se quer produzir.

Morei na europa, eles gostam disto de dar o exemplo, do castigo, de educar deixando que a pessoa se estrepe por si e só ajudar depois que a pessoa está em total contrição.

Nunca acreditei na saída da Grécia, a sua manutenção é não só uma generosidade das grandes potencias, mas um sinal para que outros menores (os da ex-URSS) possam sonhar em aderir à órbita da UE, se libertar da tirania Russa e ao mesmo tempo uma lição para que outros países-problema aprendam o que acontece se saírem da linha.

Po Alex, responde ai a galera...

"Sabe por que telefonia celular faz parte do grupo serviços, e não do administrados, no IPCA?"

Creio que o motivo é a concorrência no serviço celular