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quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Tirocínio mínimo

Como sempre, a presidente não desperdiçou a chance de perder uma oportunidade. Ao publicamente advertir seu recém-empossado ministro do Planejamento acerca das mudanças nas regras que determinam o reajuste anual do salário mínimo (SM) ela conseguiu a proeza de cometer erros econômicos e políticos absolutamente primários.

De acordo com a norma vigente o SM é reajustado pela inflação do ano anterior (medida pelo INPC, o “irmão pobre” do índice oficial de inflação, o IPCA), combinada ao crescimento do PIB de dois anos atrás.

Por exemplo, o INPC de 2014 deve ter atingido em torno de 6,2%, enquanto o crescimento do PIB de 2013 ficou em 2,5%. Assim, o reajuste do SM foi acertado (provisoriamente, pois ainda precisamos saber o INPC de dezembro) em 8,8%, o que o trouxe de R$ 724,00 para R$ 788,00 por mês.

A regra atual implica, portanto, aumento do SM persistentemente acima da inflação (o crescimento do PIB pode ser negativo, mas, na prática, quando isto ocorre o reajuste fica igual à inflação), o que, aliás, se observa desde a estabilização da economia em 1994. No governo FHC o SM aumentou 4% ao ano acima da inflação, enquanto nos governos Lula e Dilma este ganho atingiu 4,8% ao ano. De 1994 para cá, portanto, houve aumento real superior a 140%.

O problema, no caso, é que boa parte do gasto federal está de alguma forma ligado à evolução do SM, em particular as despesas previdenciárias. Estima-se que a cada 10% de aumento do SM os gastos subam cerca de R$ 25 bilhões/ano (0,5% do PIB), ou seja, em 2015 a elevação já definida adiciona algo como R$ 22 bilhões (0,4% do PIB) às despesas federais.

À luz disto, qualquer economista que tenha estudado as contas públicas sabe que a política de aumento persistente do SM acima da inflação é insustentável. O atual ministro do Planejamento – que aparentava desconhecer o problema enquanto esteve na equipe de Guido Mantega – parece ter finalmente se convencido de sua relevância. Daí seu anúncio, rapidamente desmentido, sobre as alterações das regras atuais.

No entanto, a bronca presidencial pública parece não ter considerado uma série de questões.

A mais óbvia diz respeito à autonomia da equipe econômica. Como já tive oportunidade de explorar neste espaço, a única forma de a presidente persuadir o público que não pretende manter a desastrosa “nova matriz macroeconômica” requer uma equipe que não se sujeite ao papel de marionetes, como foi o caso do primeiro mandato. Há dúvidas consideráveis a este respeito (eu, por exemplo, sigo longe de convencido) e o episódio da bronca apenas adiciona ao clima de incerteza. Isto implica custos mais elevados em termos de produto para ajustar a economia.

Não bastasse isto, as regras vigentes já resultariam numa elevação muito modesta do SM em 2016 e 2017, pois o crescimento do PIB em 2014 e 2015 deve ser muito baixo, conforme expresso na versão mais recente da pesquisa Focus do BC, que sugere expansão de 0,15% e 0,50% respectivamente.

Posto de outra forma, a presidente diminuiu de graça a estatura de seu ministro, pagando um custo elevado em termos de credibilidade em troca da sugestão de manter uma política que implicaria ganho real do SM inferior a 1% nos próximos dois anos.

É compreensível que a presidente esteja na defensiva após ter quebrado as promessas de não mexer nos direitos trabalhistas (“nem que a vaca tussa”), mas isto não é desculpa para ter incorrido em erro tão elementar.


Neste aspecto é revelador que a presidente não pareça ter refletido sobre a melhor resposta a um problema que, no final das contas, seria trivial em face das circunstâncias esperadas. Ela ainda não caiu em si sobre a enormidade da tarefa que enfrenta e segue tentada a manter a atitude centralizadora, deixando pouco espaço para sua nova equipe formular o ajuste necessário. Um péssimo sinal sobre o que nos aguarda à frente.

Ops!

(Publicado 7/Jan/2015)

7 comentários:

Salário mínimo é uma das coisas mais nefastas já inventadas e propagada como grande benefício.

O aumento acima da inflação associado a um governo gastador só agrava o problema das contas públicas.

Mas todos sabemos para quem vai a conta de todo esse populismo.

Alex, finalmente encontrei algo do qual discordo.

O SM é definido por lei, não por ministro, nem mesmo o presidente sozinho determina isso.

Pela sua própria lógica quem perdeu a grande chance foi o ministro em questão; por esmola de 1% ele acabou tomando mordida do cachorrão pra lembrar quem manda lá. Bem ou mal, ela que foi eleita.

Mas fora isso concordo contigo, essa autonomia está na coleira, resta saber o comprimento da corrente.

"O SM é definido por lei, não por ministro, nem mesmo o presidente sozinho determina isso."

Sim, mas:

a) Basta a presidente mandar uma MP e mudar a lei, que, aliás, foi criada por MP;

b) A lei vale até 2016 (pode ser 2017, agora não lembra). A discussão seria para depois.

A coleira parece curta.

Abs

Como se as leis valessem alguma coisa nesse país.

“Estima-se que a cada 10% de aumento do SM os gastos subam cerca de R$ 25 bilhões/ano (0,5% do PIB), (...). À luz disto, (...) a política de aumento persistente do SM acima da inflação é insustentável.”

No texto, não está claro se o valor estimado é gasto ou uma espécie de “gasto líquido”?

Pergunto isso, pois para se chegar à conclusão acima se deve considerar também o aumento de arrecadação para cada 10% de aumento do SM. Não está claro como esse aumento é considerado ou se ele é desprezível comparado ao aumento de gastos.

Abs,

Qual a razão de um ministro desses aceitar essas e outras?

Anônimo (14h24),

Chama-se ego, a vontade de ser chamado de ministro, não importa o que aconteça.

Quando ele voltar pra FGV vai ganhar uns 10k a mais só por ter sido ministro.

Abs.