teste

quarta-feira, 14 de março de 2012

Vitória de Pirro


Há algumas semanas o governo brasileiro pediu à China que restringisse voluntariamente suas exportações de têxteis, confecções, calçados e eletrônicos. Caso contrário, o país poderia impor limites diretos às importações, alternativa que deve fazer com que a China aceite a proposta brasileira. Parece um ato de soberania, dos quais as autoridades, sempre que possível, se pavoneiam. Trata-se, porém, do proverbial “tiro no pé”; se alguém fez um “negócio da China” nesta história, lamento informar que não foi o governo brasileiro.

Já tive a oportunidade de argumentar neste espaço sobre as restrições às importações, seja do ponto de vista macroeconômico, seja do ponto de vista microeconômico. Observada pelo prisma macro, tais medidas geram impactos inflacionários que, sob um BC comprometido com o controle da inflação (lamentavelmente não o nosso caso), reduziriam o escopo para taxas de juros mais baixas e crescimento mais vigoroso da demanda interna. Já pelo prisma micro, o problema associa-se ao custo imposto ao consumidor, assim como a perda geral de eficiência.

Tudo isso permanece válido e é sempre necessário lembrar que tais medidas geram benefícios para poucos em troca de perdas para muitos, mas não é este o assunto do qual quero tratar hoje. Minha questão é outra, a saber, se – dada a decisão (equivocada) de limitar o volume de importações – as restrições voluntárias de exportações dos parceiros é uma medida melhor do que a mera imposição de uma tarifa ou uma quota de importação.

Peço ao raro leitor que imagine um exemplo muito simples. Digamos que o país importe 50 unidades/ano de um determinado produto ao preço de $ 10/unidade, mas decida limitar as importações lançando mão de uma tarifa que gere as seguintes implicações: a quantidade importada cai de 50 para 40/ano, fazendo com que preço interno salte de $ 10 para $ 15/unidade, enquanto o valor líquido recebido pelo exportador chinês cai de $ 10 para $ 5/unidade.

Em outras palavras, os consumidores, que antes gastavam $ 500 pelas 50 unidades, agora têm que gastar $ 600 para consumir 10 unidades a menos (presumivelmente teriam que gastar mais $ 150 relativos às unidades compradas de produtores nacionais, mas este não é meu argumento central). O exportador chinês ficaria com $ 200 (40 unidades ao preço líquido de $ 5/unidade) e o governo brasileiro com os $ 400 de diferença, relativos à incidência da tarifa ($ 10) sobre as 40 unidades importadas.

Imagine, contudo, que – ao invés de impor uma tarifa – o governo brasileiro resolva convencer o exportador chinês a restringir suas exportações a 40 unidades. Como a disponibilidade do produto importado é a mesma que no exemplo acima, o preço a que o produto é vendido no Brasil também deve ser o mesmo, isto é, $ 15/unidade. Sob tais condições, portanto, o exportador chinês agora recebe $ 600 por 40 unidades.

Não se impressionem pela receita chinesa agora ficar maior do que seria sem a restrição; este não é um resultado geral, mas apenas fruto dos números particulares escolhidos para este exemplo.

O resultado geral (e mais importante no contexto) é que, se sob a tarifa o governo brasileiro e o exportador chinês dividiam a receita advinda dos consumidores locais, agora, sob a restrição voluntária às exportações, toda (isto mesmo, toda) receita fica para o exportador chinês!

Não é preciso mais que dois neurônios para concluir que, dadas as alternativas (restrição à importação versus restrição voluntária às exportações), a China sempre escolherá a segunda, ao custo de um governo que ignora as consequências dos seus próprios atos.

Pirro, o general macedônio que derrotou os romanos na batalha de Ásculo, perdendo, porém, 4 mil dos seus soldados, teria dito que mais uma vitória como esta o liquidaria militarmente. Difícil não concluir o mesmo da “vitória” brasileira na negociação.

Aha! Caiu na minha armadi...
(Publicado 14/mar/2012)

17 comentários:

Querido Alex,

Claríssimo seu artigo!
Até meus dois neurônios (à revelia, destinados ao entendimento de assuntos econômicos) compreenderam.
Beijos,
lu.

E se o produto que nao sera mais ofertado aqui pela China for produzido por uma empresa nacional gerando emprego e renda no pais? Muda algo?

Ou os consumidores simplesmente deixam de comprar o produto?

Livre mercado nao vale so para condicoes de competicao igual? O fato da China praticar dumping cambial, usar trabalho semi-escravo, etc nao entra em consideracao? So importa que o preco e mais baixo?

abs

" So importa que o preco e mais baixo?"

Já que você perguntou, a resposta é "sim", mas, se você se der ao trabalho de ler o texto (o que, como fica claro pela sua pergunta, você não fez), vai ver que o assunto da coluna é outro.

Qual?

Leia e aprenda...

E quanto o empreendedor, num clima destes, desembolsaria só para montar um estrutura para produzir internamente o que já é produzido em plataformas lá fora, por especialistas, que não há aqui dentro?
Ele pararia no primeiro boleto de impostos + IOF + ISS(?) + ICMS + PIS + Cofins...incidente sobre os empréstimos e vendas que fizesse para empreender...E vai por ai.
Mas, o assunto não é esse.

O trabalho na China não é semi-escravo, eis os fatos:

O salário mínimo lá é por região, e em Pequim o mesmo é de 198,74 dólares:

http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_minimum_wages_in_People's_Republic_of_China

Considerando o dólar a 1,80 (14/03/2012), o salário mínimo lá é de R$357. ENTRETANTO, é preciso comparar o custo de vida nos dois países!

Ao compararmos Pequim com São Paulo, descobrimos que o custo de vida (incluindo bens e mercadorias) na cidade chinesa é 38,51% menor do que em São Paulo, o que nos mostra que na realidade o salário mínimo lá seria equivalente a R$ 580 aqui, o que não é um valor tão abaixo do mínimo daqui.

http://www.numbeo.com/cost-of-living/compare_cities.jsp?country1=Brazil&country2=China&city1=Sao+Paulo&city2=Beijing

Acho que quem vem praticando dumping cambial é o Brasil...
M.

Caro Alex,
Infelizmente a sociedade brasileira e governo por consequência, raciocina pelo lado da receita. Somos banqueiros, industriais, assalariados, funcionários públicos, agricultores, rendeiros, enfim somos organizados pelo lado da nossa receita. Dessa forma os governos tendem a raciocinar da mesma forma até porque a receita do governo são os tributos. Não é uma questão de inteligência ou de não conhecer economia, é uma questão de perspectiva. Enquanto não passarmos a raciocinar pelo lado da despesa e incorporarmos a dimensão consumidor e contribuinte no nosso raciocínio vai ser difícil mudar. Todo mundo no Brasil é associado a algum sindicato de classe, seja capitalista ou trabalhador. Você já viu algum sindicato dos consumidores ou dos contribuintes? Todo mundo acha que vaí tirar o seu pelo lado a receita e se organiza para isso. As despesas e os impostos ficam para os otários. A maneira do Governo atuar apenas reflete a forma como nossa sociedade está organizada.

Não sei não, Alex. Estive pensando aqui e cheguei à conclusão que é melhor o governo fazer protecionismo via impostos e BNTs do que via câmbio.

Como só compro o necessário no Brasil, pois fiz as contas e percebi que fica mais barato ir 2 vezes para o exterior e comprar tudo que der por lá, não vou sentir tanto o aumento do Custo Brasil. Nisso os mais pobres se fodem, mas o que é que eu posso fazer?

Alex, seria ótimo se você conseguisse conciliar a atividade profissional com alguma atividade docente.

Caro anônimo 14 de março de 2012 19:36

A lógica estatal na condução da política econômica e os nexos com a sociedade brasileira, nos termos do seu comentário, tem uma origem histórica precisa:

“Ainda não somos uma república democrática. Somos herdeiros melancólicos do absolutismo clássico” [R. Romano]

Desconheço a existência de trabalhos de economistas, e mesmo de historiadores não-economistas de formação, em pesquisas com foco nos nexos da economia brasileira com o que o Professor Romano diz ser a nossa verdadeira herança maldita. Tenho a impressão de que na escolas de economia a disciplina história da economia está irremediavelmente prisioneira da “questão do desenvolvimentismo” e da “modernização” no pós-1930. O tema recorrente parece ser o da industrialização [política industrial] e o famoso papel do Estado nas economias periféricas. Este, até hoje, seria o clássico debate, que divide campos, entre os entusiastas do papel do Estado X os que são críticos dele.

Por que não abrem os programas das disciplinas de história para, por exemplo, o debate proposto pelo historiador americano Joel Mokyr? Analisando os nexos entre Iluminismo e Revolução Industrial ele cunhou o termo “Industrial Enlightenment’. O autor advoga a ocorrência do Iluminismo industrial como herança da Revolução Científica do século XVII. Para Mokyr, o presente de Atenas mais valioso, que explica a ocorrência do fenômeno industrial do século XIX, foi o método e a cultura científicas inaugurados por Bacon e amorosamente abraçadas pelo iluminismo. Este encontro é visto por Mokyr como uma verdadeira revolução, que gerou crescimento econômico, conhecimento melhorado, ampliado e difundido, e acelerou as mudanças tecnológicas. Mokyr vai além e acrescenta que engenhosidade e criatividade requerem sociedades livres e tolerantes e instituições que garantam a diversidade e a promoção de potenciais indivíduos inovadores. Isto é, coletivos humanos progridem em sociedades abertas. Ver: MOKYR, J. (2007): “The European Enlightenment, the Industrial Revolution, and Modern Economic growth”. Max Weber Lecture, European University. [O acesso ao artigo é libre. Procurar via Google]

A quem possa interessar e ainda referido às questões trazidas pelo anônimo

O Instituo Millenium publicou uma entrevista (“Para Romano, a segurança econômica, “da qual fala a propaganda oficial” é uma das faces da apatia brasileira. 22/11/2011) com o professor Roberto Romano. No caso, há uma excelente síntese na resposta a uma das perguntas [Imil – Os constantes casos de corrupção no país são fruto de falhas institucionais? É possível corrigir essas falhas aprimorando as instituições?]

No final da resposta: “a corrupção é tridimensional: existe o corruptor de obras públicas, o corrompido dos poderes, o eleitor… Sem uma efetiva democratização que obrigue os gestores a prestar contas [eu observo: a noção de accountability derivada do iluminismo inglês], sem uma abolição dos privilégios (em especial o de foro), sem uma federalização que permita maior autonomia (sobretudo financeira) aos Estados e Municípios, a fábrica da corrupção ética e financeira estará funcionando em pleno vapor. Tenho alguns escritos sobre o problema. Em especial, gostaria de indicar um texto meu saído na Revista de Economia Mackenzie, cujo título é “Impostos e Razão de Estado” [Reflexões sobre impostos e Raison d'État, Revista de Economia Mackenzie • Ano 2, n.2, p. 75-96]

A entrevista e o artigo de Romano são facilmente localizadas via Google

O site http://constitution.org/c5/index.php

É excelente referência. Do “quem somos”, destaco este trecho:

“We maintain that the principles of constitutional republicanism and constitutional design are universal, and applicable to all nations, although not well understood or upheld by most.
We also examine the related principles of federalism and nomocracy, the rule of law, of nomology, the science of law, and show how those principles are applicable to solving the fundamental problem of avoiding excessive or unbalanced concentrations of power.”

"Alex, seria ótimo se você conseguisse conciliar a atividade profissional com alguma atividade docente."

Comecei a ensinar no Insper este semestre.

Abs

Caro Paulo, agradeço seus comentários e a referencia bibliográfica. Ainda nesta noite ao anunciar as restrições as importações de automóveis o Ministro Pimentel falou de boca cheia que era para proteger a industria nacional. Nem uma palavra sobre os consumidores e os trabalhadores que atuam na atividade importadora. Ainda mais interessante, que industria nacional? Ela não existe! O que deixarmos de importar se transformrá em preços maiores que alimentarão lucros adicionais que serão remetidos ao exterior pelas "empresas nacionais a custa dos consumidores brasileiros. Que mágica economica é essa?Eles são mais que incompetentes e estão despreparados para lidar com o sucesso inesperado, a valorização da nossa moeda, que favorece as classes mais pobres que eles dizem defender. Não falam mais na "competitividade espúria" que tanto condenavam! Viraram neo mercantilisas a defender o direito das "grandes cias" explorar suas colônias. Sem mais comentários!

Economia com precos indexados logo custos indexados com taxas acima da produtividade e moeda se valorizando,fico me perguntando qual o resultado disso no longo prazo?

Qual seria nossa inflacao se medida em dollares?

Alex, já viu isso?

http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/03/o-mito-da-desindustrializacao.html

Agora ... vai tentar mostrar isso aos homens de paletó e gravata dos programs de TV, tenta !!