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quarta-feira, 6 de julho de 2011

2011: uma odisseia europeia


No meu último artigo abordei o problema grego, concluindo que a Grécia parece estar condenada à reestruturação de sua dívida. As medidas de austeridade aprovadas na semana passada e um possível novo financiamento seriam formas de postergar o default, presumivelmente para quando o país finalmente atingisse equilíbrio em suas contas primárias, desobrigado, pois, de emitir nova dívida. Já neste artigo pretendo examinar algumas das prováveis consequências da reestruturação.

O governo grego deve € 326 bilhões (140% do PIB). Como este nível de dívida não é sustentável, é necessário saber qual seria seu valor residual após a renegociação. Tomando como referência o caso argentino, cada credor receberia cerca de 35 centavos por euro, gerando uma perda da ordem de € 210 bilhões. Num caso algo mais favorável, em que a dívida fosse reduzida para 60% do PIB (em torno de 42 centavos por euro) a perda seria da ordem de € 190 bilhões. 

Caso o problema se restringisse a tais magnitudes, ainda que elevadas, seria possível argumentar que a reestruturação não nos levaria a nova crise global. De fato, uma perda desse valor causaria grandes danos aos bancos gregos (cuja exposição à dívida nacional é um múltiplo de seu capital), mas estragos bem menores nos demais, que poderiam ser contidos por uma recapitalização de valor razoável.

Adicionalmente, ao contrário da crise de 2008, muito provavelmente a incerteza associada a quem teria sofrido as perdas – que paralisou o crédito no final daquele ano, causando uma queda sincronizada do PIB mundial – seria menor, já que se sabe com maior segurança onde o dano estaria localizado. Neste aspecto seria semelhante ao impacto da crise argentina, que, por mais danosa que tenha sido ao país e seus bancos, teve, em larga medida, alcance apenas nacional.

No entanto, é difícil crer que as conseqüências de uma eventual reestruturação da dívida helena se restrinjam à Grécia. No caso latino-americano o contágio ao Brasil acabou sendo limitado, entre outras coisas, pelo regime de câmbio flutuante, que nos permitiu um ajuste menos doloroso (sem necessidade de deflação), mesmo severamente prejudicado à época pela elevada dívida em moeda estrangeira, que afetou tanto o governo quanto as empresas.

Já na Europa, embora a origem da dívida pública em cada nação possa ser distinta, o diagnóstico é muito parecido. São países pesadamente endividados que precisam melhorar significativamente suas contas fiscais, mas enfrentam um contexto recessivo relacionado à necessidade de desvalorizar da taxa de câmbio real pela redução dos preços domésticos, ao invés da depreciação da taxa de câmbio nominal, por força da adoção da moeda única.

Esta dinâmica comum aos países periféricos europeus sugere que há uma probabilidade elevada de contágio, isto é, a percepção de um default grego seria apenas o prenúncio de novas rodadas de reestruturação. Neste caso, a magnitude das perdas seria bem maior do que a indicada acima e, consequentemente, também o seria o risco de nova crise.

Esta percepção se agravaria caso a Grécia, simultaneamente à reestruturação, abandonasse o euro. Embora seja difícil imaginar como se daria esta transição (que ainda vejo como cenário menos provável), a saída de um país poderia abrir a porteira para os que enfrentam problemas semelhantes.

Em suma, o problema não é a Grécia em si, mas as implicações que seu eventual default teriam para o futuro da periferia europeia e para a próprio sobrevivência do euro, ao menos em sua forma atual.

Dadas tais perspectivas continuo surpreso com a falta do senso de urgência das autoridades. Uma grande reforma – provavelmente envolvendo a criação de uma dívida europeia, que permitiria solução similar à aplicada aos estados brasileiros – é necessária, mas a liderança para realizá-la continua ausente.

Quem você preferiria à frente do seu país?

40 comentários:

desculpe a ignorancia, mas quem são os rapazes nas fotos?

O problema é vender sangue suor e lágrimas sem um nazista no seu cangote. Tanto que acabou a guerra os ingleses mandaram Churchil para casa.

Procure ler algo sobre a II Guerra Mundial e aprenda quem são os dois senhores, graças a um deles você não fala alemão hoje.

"quem são os rapazes nas fotos?"

http://en.wikipedia.org/wiki/Neville_Chamberlain

http://en.wikipedia.org/wiki/Winston_Churchill

Alex,

Mais um bom texto seu, que ajuda a entender o problema em questão. Entendo seu ponto da ausência de liderança, daí as fotos de Chamberlain (Stackelberg follower, se a analogia ajudar) e Churchill, a UE (não só a UE, diga-se de passagem) carece de líderes determinados e com uma visão coerente dos acontecimentos. Mas o problema da UE é algo mais grave, pois trata-se de uma união monetária incompleta, sem autoridade fiscal centralizada, como é o caso do federalismo. Adicionalmente, caso os europeus consigam isto e produzir uma "dívida européia", como você sugere, outro problema sério começa a emergir: o de soft budget constraints dos estados membros, que mina a propriedade do federalismo de preservar mercados. Em outras palavras, a liderança que a Europa precisa hoje é a de condução de reformas institucionais na UME. Ou seja, o buraco é bem mais embaixo!

Abraços,

É isso mesmo Ronald.

Minha convicção é que, Alemanha querendo ou não, se o objetivo for manter a união monetária, terão que partir para um federalismo mais explícito.

Quanto às "soft budget contraints", tenho pensado no assunto. A rigor, hoje isto já é um problema, mas isto não exime qualquer reforma de uma proposta para lidar com o assunto.

A renegociação das dívidas estaduais no Brasil, contudo, oferece alguma luz. Estados (e municípios) mostraram uma melhora expressiva de seu desempenho fiscal pós-renegociação, em larga medida porque dependem das transferências de impostos federais, que podem ser bloqueados em caso de descumprimento de contratos.

No caso europeu a magnitude das transferências não parece ser grande o suficiente para funcionar como punição crível, mas um mecanismo que envolva fluxos condicionais de caixa e garantias reais (bloco de controle de empresas estatais, por exemplo), poderia ser um caminho para impor alguma disciplina sobre os estados independentes.

Resta saber se é isto que a Europa quer, porque, se não for, a união monetária, na sua forma atual , não sobrevive.

Abs

A sua estimativa do montante de dívida grega que deverá evaporar está em linha com os números do Martin Wolf. Segundo ele, somando Portugal e Irlanda a fatura iria pros 423 bi de Euro. Mas, dado que os bancos dos países em questão irão pro vinagre e outros tomadores privados também, a coisa pode aumentar. O volume elevado do endividamento privado talvez seja a diferença maior com a crise Argentina.
Fernando A.

Eu vi hoje. O número dele é um pouco maior ($ 224 bi), mas acho que o ballpark é este mesmo.
Abs

E falando em outros países da UE que podem ir na mesma direção
"Moody's classifica dívida de Portugal em "lixo"

Bem os ingleses não embarcaram nessa barca furada do Euro.

Alex,

Bom artigo, como sempre. Eu acho que estamos assistindo ao começo do fim do Euro (mas não da União Européia é claro). Note, por exemplo, que a Inglaterra é parte da União Européia mas inteligentemente não adotou o Euro como moeda. Os Inglese são sofisticados o bastante para entender que a política monetária é uma ferramente importante demais para ser terceirizada para um banco central estrangeiro. Os gregos estão aprendendo isso as duras penas. Me parece lógico a seguinte sáida: os gregos saem do Euro e adotam uma nova moeda (Drachma), cambio flutuante e meta de inflação. A dívida publica é convertida para a nova moeda, que logicamente vai sofrer uma mega desvalorização. Os detentores dos títulos da dívida grega vão sofrer perdas substanciais em Euros é claro. O Euro só funciona para a Alemanha e França, que tem economias maiores e mais diversificadas. Os países periféricos da Europa, e até mesmo Itália e Espanha, estão se dando conta que os benefícios da união monetária são muito menores do que eles imaginavam. Bye, bye Euro!

Sds,
Ed

Excelente blog. Sou novato na área: primeira tentativa de contato.

Pergunto: contágio não seria um abuso de linguagem para o caso? não seria melhor algo do tipo como efeitos decorrentes de interdependência entre os países, principalmente os da periferia europpeia?

Obrigado.

Se eu escrever isso na Folha cortam minha coluna no mesmo dia :-)

(isso sem contar que só tenho 3800 caracteres - com espaços - para contar uma história: tenho que ser sucinto)

Abs

Perguntei isso pois esbarrei hoje na página do Giancarlo Corsetti e desconhecia o debate entre contágio vs. interdependência. Nem sei se minha pergunta faz sentido para o contexto do post, pelo jeito não.

Obrigado.

Churchill com certeza! Não só sabia quem era Hitler como ajudou a derrotar o nazismo.

Alex, a analise da divida publica esta' perfeita. Seria no entanto muito interessante analisar a divida privada tambem. Nao so' em termos liquidos, como brutos. Ai' nao restara' nenhuma duvida que o pais JA' e' defunto, e que tudo o que a UE e BCE+FMI estao fazendo nao passa de pirotecnia. Muito picareta, por sinal.

Abracao

quem derrotou Hitler foi o Stalin. Quando a Inglaterra e os EUA entraram na guerra para valer, a Alemanha já estava em frangalhos.

"quem derrotou Hitler foi o Stalin."

Opa! Até 1941 Stalin foi aliado a Hitler e dividiu espólios na Polônia e repúblicas bálticas (fora a Romênia) com a Alemanha, enquanto a Inglaterra encarava sozinha o ditador e muito por conta da postura de Churchill.

Sugiro o Ascensão e Queda do III Reich, do William Shirer.

Esbarrei foi nesse link:
http://www.eui.eu/Personal/corsetti/research/contagion.pdf

É foi o tio Joseph sim que derrotou Hitler, e nós falamos russo hoje né camarada? Não sei se isso é mau caratismo ideológico ou efeito de alguma substância psico-ativa ou burrice mesmo. Ah tio Joseph era a forma jocosa como ingleses e americanos chamavam o lixo do Stalin.

"Não sei se isso é mau caratismo ideológico ou efeito de alguma substância psico-ativa ou burrice mesmo."

Não, chama-se lógica e história. Leia de novo: Stalin fo aliado de Hitler até o final de 1941. A guerra na Europa começou em setembro de 39. Por mais de 2 anos a Inglaterra enfrentou a Alemanha sem auxílio russo.

Depois da Barbarossa a URSS só foi retomar a ofensiva depois de Stalingrado, já no começo de 1943.

Obviamente a URSS teve papel central na derrota da Alemanha, mas afirmar que "quando a Inglaterra e os EUA entraram na guerra para valer, a Alemanha já estava em frangalhos" é simplesmente falso.

Afirmar que "a Inglaterra e os EUA entraram na guerra para valer, a Alemanha já estava em frangalhos" é, efetivamente, falso. Mas é uma falsificação curiosa - como aquelas pinturas cuja autoria é incorretamente atribuída, mas que serve para revelar a importância de certo artista na história da arte. No senso comum e em certa imagem corriqueira da guerra o papel da URSS costuma ser pouco valorizado em comparação aos EUA e, sobretudo, à Inglaterra.
Stalin foi "amiguinho" de Hitler. Mas é bom dizer que França e Inglaterra se recusaram a aliar-se à URSS em 37 ou 38, e preferiram tentar apaziguar os nazistas (fingindo não ver os alemães e italianos na Guerra Civil espanhola e entregando a Tchecoslováquia, por exemplo) deixando o bigodudo do Kremlin sem muitas opções estratégicas.

Alex eu não estava contra o seu argumento e sim contra o defensor do Stalinismo. A guerra pode sim ser dividida em duas partes a primeira a Alemanha avança livremente e vai dominando vastos territórios com pouca oposição, diga-se de passagem, a exceção dos ingleses, mas que foram sitiados em Dunkerque. A URSS aliada de primeira hora de Hitler também avança sobre vastos territórios até que foi atacada pela Alemnha. A virada deu-se pela ofensiva Soviética, mas também pela enorme ofensiva dos aliados dividindo a Alemnha em dois fronts, e os bombardeiros americanos diurnos e noturnos ingleses provocaram enormes danos à logistica alemã o que enfraqueceu muito a sua capacidade de lutar em duas frentes. A pouco soube de um dado, morreram mais pilotos e tripulantes americanos da Força Aérea do que Mariners na II Guerra Mundial, tal foi o esforço de bombardear a industria bélica alemã. Por isso e muito mais dizer que Stalin ganhou a guerra ou é mau carater ideológico, burrice ou .....

"Mas é bom dizer que França e Inglaterra se recusaram a aliar-se à URSS em 37 ou 38, e preferiram tentar apaziguar os nazistas (fingindo não ver os alemães e italianos na Guerra Civil espanhola e entregando a Tchecoslováquia, por exemplo) deixando o bigodudo do Kremlin sem muitas opções estratégicas."

isto também é verdade.

"Alex eu não estava contra o seu argumento e sim contra o defensor do Stalinismo."

Desculpe. Acho que estou meio devagar hoje.

Abs

Verdade seja dita boa parte da Europa era ou estava fascista, inclusive Inglaterra e França. No rescente filme O Discurso do rei,há uma cena em que o futuro monarca elogia a capacidade de discursar de Hitler, acho que ele apreciava mais do que a capacidade.
Sempre muito bom ler seus artigos, comentários e comentar um pouquinho qdo é possível.
Abs.

Quem derrotou a Wehrmacht nazista não está nos anais de História. Tampouco eu o direi.
Visivelmente perceptível foi que a cúpula nacional-socialista e o seu expoente-mor, embriagados pelo rápido sucesso da conquista militar sobre os pequenos países europeus (afora a França), entorpecidos pela soberba, deslumbrados pela própria capacidade 'sobre-humana', ambicionaram os despojos russos e procederam à temerária invasão.
Seria como se a Alemanha tivesse perdido para si mesma e não para ninguém, embora, realmente, não tenha sido assim.
Eles perderiam de qualquer forma aquela guerra; a derrota era a única opção disponível.
Infelizmente, milhões de anônimos tiveram as vidas ceifadas, prematuramente e sob sofrimento; outros milhões foram irremediavelmente afetados pelas cicatrizes.
"Coincidentemente" o inverno russo foi muito rigoroso prejudicando o avanço das tropas e arrasando qualquer planejamento em termos de logística; "coincidentemente" os alemães não conseguiram a fabricação da bomba atômica antes que os norte-americanos; "coincidentemente" o lobo alemão não foi assassinado por seus compatriotas, tampouco mediante algum bombardeio aliado e pode ter o fim merecido da derrota total, sem o senão de que "como teria sido o resultado final da guerra se ele não tivesse sido assassinado",...
Melhor ainda, a ideologia emblemática da esvástica produziu seu fruto imprestável e foi lançada à vexatória, porém útil, fornalha.
Demorou.

Reconhecer o papel da URSS stalinista na guerra não quer dizer simpatizar-se com Stalin. O cara foi um crápula, demente, mas sem ele, tenho sérias dúvidas se a Inglaterra não ia ficar assistindo tudo da ilhota.

Chamberlain é a cara do Jânio, não acham. Já Churchill é o fígado...

Quanto a questão "quem ganhou a guerra", para mim a resposta seria: nem a Inglaterra, nem a USSR. Quem perdeu a guerra foi a Alemanha, por conta da megalomania de Hitler.

"Chamberlain é a cara do Jânio, não acham."

Fora os olhos que apontam na mesma direção, é mesmo.

Quem primeiro hasteou bandeira em Berlin foi a URSS;

E não consta que os soviéticos desejassem parar o avanço após chegar à capital do Reich

Ao ficar óbvio que toda a Alemanha cairia sob o jugo comunista, o exercito nazista literalmente "abriu a passagem" para que as forças aliadas adentrarem por seu território.

Tomados pelo terror, soldados alemães rendiam-se aos americanos, para não cairem prisioneiros do exército vermelho.

Nossa gratidão ao soldado soviético, com 18 milhões de mortos

Um judeu de Israel imigrou para a Grécia. Anos depois os parentes e amigos israelenses reclamaram porque não havia voltado a Israel para visitá-los.
- Não consegui ganhar o dinheiro da passagem, respondeu.
FAZER NEGÓCIO COM GREGO É PARA PERDER. “Presente de grego” foi cunhado pelos troianos, após acolherem o famoso cavalo.

Nem os Suíços, onde houve plebiscito e votaram NÃO ENTRAR. Acrescento ao Anônimo de 6 de julho de 2011 13:52 Bem fizeram os ingleses de não embarcarem nessa barca furada do Euro.

O Jânio gostava de Gim, vai daí a semelhança. Outra semelhança é que não eram chegados num confronto. Pera lá, eu não aceito esse revisionismo histórico de que os russos ganharam a guerra. Enquanto os aliados estavam libertando a Europa Ocidental, os russos foram com tudo para a Alemanha, até porque não foram libertando nada no caminho, nem os campos de concentração, que só foram libertos pelos aliados. Se é para fazer revisão histórica que pena que não deixaram Patton meter um pé na bunda desses comunistas.

Revisionismo histórico? Só se for para quem compra a versão patriotada ocidental.
O jogo estava 3x0 para a Alemanha. A URSS vira o jogo para 3x4 e ainda consegue expulsar dois jogadores alemães. Depois disso um jogador inglês e um americano fazem um gol cada. Quem ganhou a guerra? Se formos olhar quem fez o último gol...

É verdade, a Russia ganhou a II Guerra, a Guerra Fria e a do Afganistão!

Uma guerra, não se ganha! (A vírgula é do estilo da sentença.) Ganha-se uma Taça, como nos certames. Quem levou a Taça da II Guerra foi Tio Sam. Agora, os chinos tão com a mão nela (perdão para o cacófato). Depois deles, há outros candidatos... Se Deus for mesmo brasileiro, lá por volta de 2211…

Alex, você assistiu à reportagem do Fantástico, no último domingo, sobre as cidades fantasmas na China? http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1567527-7823-MAIOR+SHOPPING+DO+MUNDO+ESTA+ABANDONADO,00.html

Segundo a matéria - ruim, por sinal - as cidades são construídas para sustentar o crescimento econômico do país. Fiquei com uma sensação de que aquilo tudo pode estourar em um futuro não muito distante. Até que ponto esse milagre chinês é sustentável? isso me lembrou da antiga URSS.

Engracado ver voce, e muitos outros economistas falando sobre uma possivel "contaminacao" da crise grega sem especificar como exatamente isso vai se dar...
Sugiro a leitura do Cochraine: http://faculty.chicagobooth.edu/john.cochrane/research/papers/John%20H.%20Cochrane_%20Greek%20Myths.pdf
sds