teste

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Tempo de plantar; tempo de colher

Eu não queria tratar do tema da turbulência financeira mundial, mesmo porque há pouco mais de um mês analisei neste espaço exatamente a questão do risco de crise e seus possíveis desdobramentos sobre o país (“E se?”, 13/Jun/07). No entanto, é difícil não abordar o assunto depois da semana passada, à luz da forte queda das bolsas e da elevação geral dos prêmios de risco.

A questão central sobre os possíveis desdobramentos de enorme movimento de queda de preços de ativos, acredito, é a seguinte: trata-se de um problema financeiro, isto é, muito importante para quem tem dinheiro aplicado em ativos de risco, porém circunscrito à esfera dos mercados, ou, pelo contrário, seria este o evento a deflagrar a muito esperada, mas nunca concretizada, grande crise mundial?

A primeira hipótese me parece mais provável. No rastro da reavaliação geral de risco que se seguiu à crise das hipotecas nos EUA, muito dinheiro trocou de mãos e muito mais ainda o fará antes que os agentes consigam determinar quem, em meio a mortos e feridos, ficou com o famigerado “mico”. A própria falta de transparência acerca deste ponto tem travado os mercados, minando a confiança necessária para que as partes possam se engajar em operações normais de crédito. Isto ficou patente no comportamento dos mercados interbancários, requerendo a atuação saneadora dos BCs ao redor do mundo.

Por sorte, a tecnologia para se lidar com problemas de confiança no mercado interbancário é conhecida e bastante eficiente. Tornando disponível linhas de crédito para o financiamento dos bancos neste mercado os BCs devem conseguir debelar rapidamente este particular problema. Aliás, ao contrário dos que alguns parecem crer, este tipo de operação não envolve transferência de recursos públicos para o setor financeiro, nem salvará investidores que tenham feito apostas erradas, mas, com elevada probabilidade, evitará que as perdas originais afetem negativamente o sistema bancário mundial.

Isto reduz o potencial de contágio do mercado financeiro para a economia real. A quebra de um grande banco poderia implicar grave contração do crédito e, portanto, da atividade, como atestado pela experiência de países que passaram por processo semelhante. Restariam ainda, porém, outros canais de contágio, em particular sobre consumo (devido à queda do valor dos ativos) e investimento (devido ao aumento do custo de capital) na economia americana. Mesmo, todavia, que seja razoável esperar alguma desaceleração adicional nos EUA, o crescimento mundial é mais equilibrado que há poucos anos, de modo que as chances de uma parada brusca se tornam bem menores.

Se isto for verdade, o Brasil deverá passar pelo processo de forma mais tranqüila do que em outros episódios, pois não é de hoje que o país vem se preparando para a virada da maré. Decisões tomadas ainda no primeiro mandato, como a elevação do superávit primário (buscando diminuir a dívida pública), a redução da inflação, bem como a política de reconstrução das reservas (curioso como sumiram os que criticavam o seu custo, não?) iniciada pelo BC em janeiro de 2004, tornaram o país menos vulnerável aos choques externos. Isto permite até quem se opôs a estas políticas se vangloriar da saúde financeira do país. Independente, porém, de quem plantou e quem colheu, ao final, os ganhadores são todos nós.

(Publicado 22/Ago/2007)

5 comentários:

Nao sei, Alexandre. Aqui nos US sem duvida ja' esta' se desenhando uma recessao. Comecou com a venda de casas novas, que caiu pra mais ou menos 50% do pico, e mais recentemente na venda de carros, queda de dois digitos percentuais no mes passado e no corrente. Uma quantidade brutal de pessoas esta' sendo desempregada nos setores de construcao e hipotecas. Se isso vai se alastrar mundialmente depende muito de paises com superavit comercial forte aceitarem deficit. Caso nao haja substituicao liquida das importacoes declinantes dos US, o preco das commodities vai cair mais acentuadamente. Isso afetara' a AL, Australia, Canada', Nova Zelandia. O que trara' impactos adicionais aos demais paises. Eu estou bastante mais pessimista que voce.

abracao

Estou no meio termo entre os dois no quesito preocupação. Minha preocupação é a preocupação natural de quem está de cabeça no mercado de ações. Qualquer dado mais pessimista americano faz azedar nossas colheitas. Quero acreditar na idéia de que passaremos pelo processo de forma mais tranqüila. Certo estou de que vamos passar de forma mais tranqüila do que passaríamos a 10 anos atrás, já que nossa situação de dívida externa e superávit estão bem mais favoráveis. Tenho que reconhecer que o governo atual tem feito a lição de casa no pagamento da dívida e na acumulação de um superávit primário capaz de estabilizar nossa economia. Assim como ratifico também o comentário do Alexandre de que é curioso como sumiram os que criticavam o custo deste superávit, e ressalvo também, que é engraçado como se calaram aqueles que falavam em boicotes à divida externa, etc. Existe uma distancia muito grande em o que se quer fazer, e o que se pode de fato fazer, e só se percebe isto quando se é posição! Quero ver o PT novamente como oposição, o que será que eles vão dizer?!?!

Kleber:

Tem gente mais pessimista que eu e com bons argumentos. Podem estar certos, mas ainda acho que o custo será mais uma desaceleração que recessão propriamente dita.

Quanto à demanda externa, os sinais que tenho observado são de expansão na demanda doméstica européia e asiática, o que tem permitido uma redução do déficit comercial americano já nos últimos meses, compensando parcialmente o consumo mais fraco. Isto dito, acho que o crescimento desacelera mesmo (afinal, os EUA são algo como 25-30% do PIB mundial).

Também acho que o aspecto financeiro do processo não se resolve tão rápido.

Alexandre, estou pessimista, mas menos que o Kleber. Se haverá recessão ou não, não sei se é a discussão que devemos ter. Até porque só conseguiremos chamar assim esse período daqui há muito tempo quando o NBER conseguir avaliar o crescimento dos próximos trimestres. Acho que teremos uma desaceleração razoavelmente forte nos US (sair de 3,5% para 2% já é significativo, na minha avaliação). O que está me incomodando é o Fed ter que cortar juros agora. Isso porque, se ele cortar, a economia se mantiver nesse mesmo patamar, e a inflação não sossegar, corremos sério risco de ver o Fed aumentando juros novamente no ano que vem. Então, o fed tem que cortar juros agora para tranquilizar o mercado, para ver a inflação continuar incomodando e reavaliar a direção da política no 1Q08 ?? Isso seria perigoso na minha avaliação. Um risco talvez maior do que o Fed não cair os juros como todos estão esperando. Isso em um ambiente de housing deteriorando a atividade (alguém duvida que o setor continuará atrapalhando a vida dos americanos, com tantos resets a entrarem ??) e um consumidor possivelmente mais fraco que o normal dos últimos anos. Não sei, não vejo com bons olhos essa queda de juros "imposta" pelo mercado.
Abraços, Ivo Chermont

Ivo:

Eu acho uma temeridade o Fed cortar os juros porque os preços de ativos caíram. Ficamos muito perto da cobra mordendo o próprio rabo (metaforicamente falando, é claro): se o mercado melhora por conta da perspectiva de uma corte de juros, o Fed não precisa cortar juros; mas, se isto ocorrer o mercado volta a piorar? Algo maluco, não?

O próprio Bernanke escreveu há alguns anos ("Should Central Banks respond to Movements in Asset Prices?" AEA Papers and Proceedings, May 2001) que não. Deveria apenas reagir aos efeitos que os preços de ativos podem ter sobre a economia, coisa que ninguém tem condições de avaliar neste exato momento.

Por conta disto não acredito num corte agora. Pode acontecer se a economia der sinais mais claros de desaceleração, ou se houver indicações que crédito está travando, o que levaria à desaceleração mais forte.

Abs,

Alex