teste

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Churchill e a Zona do Euro


Na minha última coluna explorei o papel que os eurobônus poderiam desempenhar na solução da crise europeia. Argumentei que, mesmo não atacando os problemas de ajuste da taxa de câmbio real entre as economias da região (que deve forçosamente se dar pela diferença entre as taxas de inflação, face à adoção da moeda única), esta estratégia ao menos permitiria que tal ajuste ocorresse sem uma crise batendo à porta, e, portanto, com taxas de juros substancialmente mais baixas para os países hoje afetados.

Por razões de espaço, contudo, não pude entrar mais a fundo nas conseqüências de tal medida. Apenas notei que, assim como um trapezista se sente mais à vontade para correr riscos quando sabe haver uma rede de segurança, tanto os governos da região como investidores seriam estimulados a um comportamento menos responsável se acreditassem que, em caso de crise, alguém viria em seu socorro.

Não é difícil concluir que, dada esta estrutura de incentivos, a probabilidade de um sério evento fiscal no futuro se tornaria bastante elevada. É necessário, portanto, pensar com mais cuidado como seria possível conciliar uma dívida unificada com uma política fiscal responsável. Para tanto, a experiência brasileira na segunda metade dos anos 90 nos oferece algumas pistas.

De fato, em mais de um aspecto o problema brasileiro de então se assemelhava ao que a Europa pode enfrentar caso se decida pela criação de eurobônus. Os estados brasileiros haviam percebido que podiam contar com o governo federal quando estivessem à beira da insolvência. Não apenas este refinanciava suas dívidas, como, de forma mais perversa, os governos locais tomavam empréstimos dos bancos estaduais que, quebrados, eram costumeiramente resgatados pelo BC.

Na última rodada de renegociação, porém, foram criadas instituições que – ao menos até agora – impediram a repetição deste padrão. À parte a privatização dos bancos estaduais, não muito relevante para o caso europeu, duas delas foram centrais: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e os contratos de renegociação que, crucialmente, colocaram as transferências da União para os Estados como garantia dos pagamentos para o governo federal, na prática evitando o calote das dívidas reestruturadas. Em comum, ambas aumentaram o grau de controle federal sobre os estados, ou, de forma equivalente, reduziram a soberania estadual em favor da União.

Em contraste com o caso brasileiro, a Europa não possui (ainda) o que se possa chamar de governo federal. É possível imaginar, entretanto, que o Fundo Europeu de Estabilização (ESF) contenha a semente de uma autoridade fiscal “federal”. Por exemplo, se a emissão de eurobônus ficar a cargo do ESF, este poderia exigir, como contrapartida ao acesso, a adoção de políticas fiscais condizentes com a manutenção da estabilidade, de forma não muito distinta das condicionalidades associadas ao acesso a recursos do FMI, ou das exigências da LRF.

Isto dito, como a história ensina, inclusive pelos repetidos apelos do governadores que buscam mudar os termos dos acordos de refinanciamento de dívidas, uma coisa é aceitar as condicionalidades; outra, muito distinta, é seguir à risca aquilo que foi inicialmente combinado. Aqui a principal lição brasileira é que as garantias ligadas às transferências federais foram essenciais, mas, no contexto europeu, não podemos encontrar nada muito parecido.

Em outras palavras, adicionalmente à questão política de perda de soberania, a Europa enfrenta também um problema de ausência de garantias. Ativos a serem privatizados podem ajudar (como ocorreu por aqui), mas não está claro que serão suficientes, nem que possam ser efetivamente dados em garantia.

Parafraseando Churchill, sempre podemos contar com os líderes europeus tomando as decisões corretas, depois de esgotadas todas as alternativas. Chegaremos lá, mas vai demorar.

Não é por aí, mas vai tentando
(Publicado 31/Ago/2011)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Krugman anda lendo a "Mão"...

Arguments From Personal Incredulity

Somewhere in his writings Richard Dawkins talks about anti-evolution types who argue from personal incredulity — they say, “I just can’t believe that chance could create something as complex as an eye”, and think that they have scored an important point. All they’ve actually done, of course, is rehash their prejudices. (Simulations show, by the way, that chance plus selection can indeed create an eye, in a relatively short time as evolutionary history goes).

Não é o que virou lenda, tá?

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

ABC

Obviamente não compartilhava da mesma visão que o Prof. Antônio Barros de Castro, morto este fim de semana no Rio (pelo desabamento da laje de sua casa - que coisa mais sem sentido). No entanto, era um economista sério, polêmico e que me deu um bom trabalho na defesa da minha dissertação de mestrado. Acima de tudo, parecia ter enorme respeito por Sua Majestade: o Dado. Uma perda.


domingo, 21 de agosto de 2011

Vale sempre registrar II: Crédito a quem merece




Vale sempre registrar




sábado, 20 de agosto de 2011

Quer ficar preocupado?

Peguei estes dados de uma apresentação do Fabio Giambiagi, que dá os créditos para o José Cechin. A amostra não está completa, mas é revelador que o Brasil, com menos de metade da proporção de pessoas com idade igual ou superior a 65 anos do que a Dinamarca, gaste tanto quanto esse país em aposentadorias e pensões.


P.S. Da dica do Leo Monastério (o texto de Roberto de Rezendo Rocha e Marcelo Abi-Ramia Caetano) copiei o seguinte gráfico, bastante semelhante ao que postei acima, mas com uma amostra bem mais representativa.

Fonte
He

A opinião de Dawkins sobre o ensino de ‘intelligent design’

Recentemente na lista de comentários de um dos posts sobre a ascensão dos idiotas altivos, um de nossos leitores comentou que o biologista inglês Richard Dawkins teria ‘adimitido’ (seja lá o que for que isso significa!) aquilo que se convenciona chamar de ‘teoria do design inteligente’.

Como o Dawkins escreve muito bem (recomendo fortemente seus livros!), vale a pena reproduzir este parágrafo de um artigo no The Guardian em 2005:

Intelligent design is not an argument of the same character as these controversies. It is not a scientific argument at all, but a religious one. It might be worth discussing in a class on the history of ideas, in a philosophy class on popular logical fallacies, or in a comparative religion class on origin myths from around the world. But it no more belongs in a biology class than alchemy belongs in a chemistry class, phlogiston in a physics class or the stork theory in a sex education class. In those cases, the demand for equal time for "both theories" would be ludicrous. Similarly, in a class on 20th-century European history, who would demand equal time for the theory that the Holocaust never happened?

Cheque mate

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Boçalidade do tamanho do Texas

Diz-se que tudo no Texas é maior. Uma bobagem. Mas nos dias de hoje, fica difícil negar a liderança daquele estado na produção de boçalidades.

Vejam a última do Rick Perry (Governador do Texas, Idiocrats), que eu encontrei no blog do Stephen Williamson: sua política para as universidades públicas texanas consiste de tratar professores e pesquisadodes como vendedores de carros usados.

Indeed, officials at Texas A&M took the first step in implementing the first of the Seven Solutions, which essentially involves creating a bottom line for each professor in the university. Teaching a lot of students is a good thing. That brings in tuition dollars and enters as a plus. Earning a big salary is a bad thing. That enters as a negative. A grant is a good thing. That brings money into the university and enters as a plus.

Para qualquer pessoa que já pôs os pés em uma universidade focada em pesquisa, a idéia arde nos olhos como de uma estupidez fenomenal. Uma boa universidade é caracterizada pela diversidade de cursos. É de se esperar que alguns cursos tenham poucos estudantes, enquanto outros tenham muitos. Ligar o salário dos pesquisadores à sua capacidade de trazer dinheiro para a universidade também é uma péssima idéia, afinal isto limitaria os incentivos para pesquisa em campos que ‘não estão na moda’.

Mas o que podemos esperar de um político que acha uma boa idéia que a pseudo-teoria do “intelligent design”, o contraponto jeca-cristão ao darwinismo, seja ensinada nas escolas públicas?

Ano que vem temos mais uma eleição presidencial nos Estados Unidos. Gostem ou não de Obama ou Romney, ambos claramente não são idiotas. Entretanto, o clima político é assustador. A nominação do candidato a presidente do GOP, hoje em dia um condomínio de lunáticos, fanáticos e jecas fundamentalistas, pode escapar de Romney ou Huntsman e cair no colo de um demente como Ron Paul que gostaria que o Federal Reserve fosse extinto, ou um idiota altivo como Rick Perry.

Temei.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Deutschland über alles


Há algumas semanas mencionei que a emissão conjunta de títulos pelos países europeus (eurobônus) seria parte crucial do conjunto de reformas necessárias à preservação da moeda única. Poderia parecer inconsistente com o paralelo que tracei entre os problemas observados na Europa e aqueles enfrentados pela Argentina em sua longa agonia de 1999 a 2001, mas, acreditem, não é.

Com efeito, recapitulando a discussão, embora a crise na Argentina à época se manifestasse como um problema fiscal, expresso num déficit do governo nacional da ordem de 2,5% (!) do PIB, sua origem era monetária e cambial. Choques externos negativos requeriam a desvalorização do peso, que, por força da paridade com o dólar, podia ser obtida apenas pela queda de preços e salários domésticos, a qual, por sua vez, só ocorreria pela redução do nível de atividade, com efeitos negativos sobre a arrecadação e contas fiscais.

Esta mesma dinâmica está claramente presente nos países europeus mais afetados pela crise: exceção feita à Grécia, os desequilíbrios fiscais observados hoje são mais consequência que causa da crise. Não resulta disso, porém, que podemos ignorá-los, muito pelo contrário. Independente da origem do problema, se um país começa a enfrentar dificuldades para rolar sua dívida, na forma de custos crescentes para emitir novos títulos, pode, a exemplo da Argentina, ser forçado à reestruturação, mesmo que, sob circunstâncias diversas, pudesse se manter solvente. Há, em outras palavras, o risco de profecias autorrealizáveis.

Tal percepção se encontra por trás da decisão recente do Banco Central Europeu de adquirir bônus italianos e espanhóis, com efeitos, até agora pelo menos, positivos: o rendimento destes papéis, que ultrapassara 6% ao ano no começo deste mês, recuou para cerca de 5% ao ano nos últimos dias. Entretanto, mesmo estas taxas de juros não são sustentáveis em países cujo crescimento seja baixo e que tenham que passar por um prolongado período de deflação (ou inflação muito inferior à de seus parceiros). É preciso encontrar um mecanismo que permita a rolagem destas dívidas a taxas mais moderadas.

É aqui que a emissão de bônus garantidos conjuntamente pela Europa (leia-se, Alemanha) pode desempenhar um papel central, a exemplo do ocorrido na segunda metade dos anos 90 no Brasil, quando o governo federal refinanciou as dívidas estaduais. Naquele momento o custo médio da dívida pública caiu, pois os títulos estaduais, que pagavam um prêmio sobre as taxas de juros de mercado, foram substituídos por papéis federais. Da mesma forma, a emissão de eurobônus permitiria aos países hoje acossados por elevadas taxas de juros – decorrentes de prêmios de risco – se financiar a taxas sustentáveis, eliminando o perigo da profecia autorrealizável.

Isto dito, a medida não é um remédio universal. Não soluciona, para começar, a questão original da crise, qual seja, a necessidade de promover uma desvalorização cambial pela deflação doméstica. No máximo ganha tempo para que estes países possam promover a mudança sem uma crise de dívida batendo à porta.

Em segundo lugar, ao resolver um problema, cria outro. Assim como um trapezista se torna mais disposto a correr riscos quando há uma rede de segurança que o ampare na queda, governos se tornariam mais inclinados ao desequilíbrio fiscal, sabendo da possibilidade de resgate, o que motiva a oposição alemã a esta medida. Para lidar com este tipo de problema seria necessário criar uma estrutura que guiasse a política fiscal dos países europeus, reduzindo sua soberania em favor da União, o que também gera resistência nada trivial.

Em suma, a unificação monetária europeia está levando a consequências políticas que seus autores não anteciparam. Ironicamente (se cabe aqui tal expressão), a Alemanha, 66 anos depois de perder a guerra, é quem dará as cartas na Europa.

Euro...bond?


(Publicado 17/Ago/2011)

terça-feira, 16 de agosto de 2011

O ataque dos idiotas altivos

O maior risco para a economia global no médio e longo-prazo é a bananização da política dos Estados Unidos. Vejam o que o idiota altivo Rick Perry, governador de um dos estados americanos mais assemelhados a um país de terceiro mundo exportador de petróleo, disse:

Texas Governor Rick Perry, who entered the presidential campaign on Saturday, appeared to suggest a violent response would be warranted should Federal Reserve Chairman Ben Bernanke “print more money” between now and the election. Speaking just now in Iowa, Perry said, “If this guy prints more money between now and the election, I dunno what y’all would do to him in Iowa but we would treat him pretty ugly down in Texas. Printing more money to play politics at this particular time in American history is almost treasonous in my opinion.” Treason is a capital offense.

Resumindo: um dos principais concorrentes à nomeação pelo Partido Republicano é um imbecil altivo que gostaria de atar as mãos do Federal Reserve durante um período de alto desemprego e consolidação fiscal.

Tenha medo. O maior risco para a economia global é o misto de ignorância, fundamentalismo religioso, irresponsabilidade moral e, acima de tudo, boçalidade que parece ter tomado conta do GOP – e isso não vem de hoje, vide os oito longos anos do outro texano.

Hat tip to Paul Krugman.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Meus pitacos sobre crise e Brasil

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Ah, tá...

BRASÍLIA - O que ocorreu hoje na Bovespa foi um ajuste nos preços das ações. Esta é a avaliação de Márcio Holland, secretario de política econômica do Ministério da Fazenda, para quem a situação do Brasil "é totalmente oposta" da vivida pelos países ricos.
"Normalmente, sempre que explodia alguma coisa nos mercados internacionais nós éramos rapidamente solapados por desvalorização do câmbio e problemas com bancos e empresas, que tomavam muitos empréstimos em moeda estrangeira", diz Holland, "mas o que ocorreu hoje foi nada mais que um ajuste no valor dos papéis, e uma leve desvalorização [cambial]".


Como é que ninguém tinha percebido isso?


realized

domingo, 7 de agosto de 2011

Ruínas antes da civilização: o encontro internacional da AKB

Ano passado este blog anunciou a chegada do freak show da Associação Keynesiana Brasileira (AKB, pronuncia-se “a-ca-bei”) à FGV de São Paulo. Como de costume, assim que o programa daquele encontro foi disponibilizado na internet, este blog cavou algumas das pérolas de boçalidade que mais fizeram por merecer uma menção desonrosa e apresentou sua análise crítica e bem-humorada (por exemplo: aqui e aqui).

Mas neste ano, isto não deveria acontecer! Pois bem, aparentemente o encontro da AKB já ocorreu no Rio de Janeiro. Por motivos provavelmente ligados ao desenvolvimento neurológico dos acabês em comando – a comissão organizadora era composta pelas sumidades André de Melo Modenesi, Fernando Ferrari Filho e Luiz Fernando de Paula, - a chamada para o quarto encontro internacional da AKB omite a data do encontro (juro! Vejam aqui. Depois de seguir o link para o programa, encontrei a data do encontro na terceira página), e a partir da quarta página, links para os trabalhos apresentados.

Este blog, mantendo seu compromisso com o desbravamento do sertão intelectual de nossa akabemia econômica, aceita sugestões de artigos e professores que merecem receber uma torta na cara.


Por que apagaram a luz?

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Horizonte perdido


A comunicação das autoridades monetárias no mundo, bem como no Brasil, desenvolveu seus próprios códigos. Há expressões relativamente consagradas nos escritos dos bancos centrais que informam como os responsáveis pela gestão da política monetária veem determinados fenômenos, ou qual é sua postura face aos problemas que possam enfrentar. Dominar este código, ainda que não seja exatamente uma arte esotérica, é tarefa delicada, a que os analistas se dedicam no afã de antecipar os próximos passos das autoridades.

Entretanto, às vezes tão importante quanto o que possa estar escrito é o que deixou de ser dito. Parece paradoxal – afinal de contas, como poderíamos saber o que está ausente? – mas a comparação e a evolução da comunicação pode dar pistas importantes acerca da atitude dos bancos centrais. Obviamente, entro nesta discussão motivado por um exemplo bastante concreto e recente: em sua última Ata, o Copom retirou a menção que fazia à convergência tempestiva da inflação para a meta, “tempestiva” no caso tomada como equivalente a trazer a inflação de volta à meta no ano que vem.

Não bastasse isso, em que pesem as afirmações do Copom acerca do “cenário prospectivo para a inflação mostrar sinais mais favoráveis”, o próprio comitê admite que, em todos os cenários mencionados na Ata, a inflação prevista para 2012 se encontra acima da meta, tendo as projeções se elevado ou, na melhor hipótese, se mantido estáveis desde a última reunião. De fato, as previsões do Banco Central apontam agora convergência para a meta de inflação apenas na primeira metade de 2013, ecoando em certa medida as projeções feitas ao final do ano passado, que então previam reversão à meta em meados de 2012.

Vale notar que, ao final de 2010 o BC não havia explicitado que buscaria a convergência apenas em 2012 (o que só foi reconhecido no começo deste ano), embora suas projeções já sugerissem que esta seria a estratégia adotada. Em face deste histórico, pois, há, para dizer o mínimo, forte suspeita que o horizonte para o retorno da inflação à trajetória de metas teria sido mais uma vez empurrado adiante, uma característica marcante do atual ciclo que, é bom lembrar, começou há mais de ano, em abril de 2010. Se isto for verdade, como desconfio, serão pelo menos 3 anos com a inflação acima da meta, um desempenho que não engrandece nenhum BC no quadrante alfa da galáxia.

Isto dito, o raro leitor pode se perguntar qual o custo real deste processo. Não se trata, é claro, de descontrole inflacionário, pelo menos não como o que tornou o Brasil tristemente célebre em décadas passadas, mas “apenas” certa dificuldade de atingir a meta. Qual seria, então, o problema?

À parte o descumprimento da tarefa institucional do BC, conforme definida pelo Decreto 3.088/99, o problema se materializa na dinâmica de formação de expectativas, com efeitos precisamente sobre a capacidade do BC manter a inflação próxima à meta.

Há, em primeiro lugar, desconfiança crescente quanto ao real compromisso com a meta. Mais de uma vez integrantes do governo (não do BC, diga-se) se manifestaram favoravelmente no que se refere às perspectivas de uma taxa de inflação acima da meta, desde que contida no (enorme) intervalo de  2 pontos percentuais. Em outras palavras, se a inflação ficar abaixo de 6,5%, não parece haver descontentamento. À luz disso, suspeita-se qual seria a verdadeira meta de inflação.

De fato, se o governo se dá por satisfeito com a inflação igual ou superior à meta, ninguém em sã consciência pode esperar que, em média, a inflação seja próxima a meta e, assim, as expectativas tendem a se cristalizar em patamares superiores. Concretamente, tanto trabalhadores como empresários, no momento de decidirem salários e preços, não levarão em consideração a meta, mas tenderão a reajustá-los de forma mais agressiva, alimentando o processo inflacionário e, portanto, dificultando a tarefa do BC.

Adicionalmente, mesmo que as pessoas de alguma forma se convençam do inquebrantável compromisso com a meta, o retorno lento da inflação, expresso no persistente afastamento do horizonte de convergência, também implica mudanças na formação de expectativas.

Com efeito, num cenário como esse, também não faz sentido que os agentes econômicos adotem a meta de inflação como expectativa. Se desconfiam que a inflação só retornará muito lentamente à meta, provavelmente esperarão um valor entre a inflação observada no período imediatamente anterior e a meta. Em outras palavras, a inflação passada contamina as expectativas.

Para observadores pouco atentos a este desenvolvimento, trata-se de indexação, que deveria ser proibida por lei (será que mandarão caçar os indexadores no mercado como os bois no pasto na época do Plano Cruzado?). Para quem busca entender o comportamento dos agentes, trata-se, porém, de reação absolutamente racional face à extensão contínua do horizonte de convergência.

Se o objetivo das autoridades é eliminar a persistência inflacionária, é bom que saibam que só o farão quando finalmente encontrarem seu horizonte perdido.

Aqui a inflação converge para a meta

(Publicado 4/Ago/2011)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Câmbio, rabos e cachorros

A recente extensão do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre o mercado de derivativos cambiais, assim como a ampliação do poder regulador do Conselho Monetário Nacional (CMN) sobre as bolsas nas quais estes derivativos são transacionados, têm as marcas registradas das medidas tomadas para conter a apreciação cambial nos últimos anos: revelam desconhecimento da forma de operação dos mercados financeiros e partem de um diagnóstico equivocado acerca dos motivos que levam ao fortalecimento da moeda nacional. Por conta disto seu efeito deverá ser, como nos casos anteriores, temporário, sem provocar grande alteração na trajetória de médio prazo da moeda.

Operacionalmente falando, as medidas conseguiram a proeza de travar o mercado cambial, repetindo o padrão observado no passado, quando, como agora, os responsáveis pela elaboração da medida claramente não pensaram em todos os desdobramentos de suas iniciativas. Quem acompanha esta questão há algum tempo há certamente de se lembrar que, quando da adoção inicial do IOF sobre operações de câmbio, a redação equivocada onerava também as transações no mercado interbancário, provocando sua virtual paralisia.

Isto dito, a pouca familiaridade dos gestores de política econômica com os meandros do mercado financeiro representa ainda o menor dos danos. Mais grave é o aparente diagnóstico que amparou a adoção das medidas de intervenção. Da declaração das autoridades (“vamos tirar rentabilidade da especulação”), depreende-se que estas atribuem à “especulação” no mercado futuro de câmbio a tendência de fortalecimento da moeda nacional, e que, portanto, ao atacar esta causa resolveriam o problema. Teríamos assim um grave caso de rabo (o mercado futuro) abanando o cachorro (o mercado à vista).

Este raciocínio padece de dois problemas. O primeiro é que, para cada agente que toma uma posição de risco no mercado, apostando na queda, ou alta, de um ativo qualquer (no caso o preço do dólar no Brasil), há alguém na ponta oposta que busca precisamente se livrar do risco. Exportadores, importadores e devedores em moeda estrangeira usam os mercados futuros para se proteger de flutuações inesperadas da moeda, transferindo este risco para quem esteja disposto a tomá-lo, isto é, os especuladores. Está longe de ser claro que o peso dos especuladores neste processo seja necessariamente maior do que o daqueles que buscam proteção.

Adicionalmente, o entendimento acima parece ignorar o papel das variáveis que determinam a trajetória da taxa de câmbio no país. Em trabalho conjunto com Tatiana Pinheiro, publicado no ano passado, mostramos que o comportamento da taxa de câmbio entre o real e o dólar pode ser explicada quase que integralmente por quatro variáveis, a saber:  (a) preços de commodities; (b) o valor do dólar face às demais moedas (excluído, é claro, o real); (c) o grau de “aversão a risco”; e (d) a diferença entre juros domésticos e americanos.

Tais variáveis já indicavam que a taxa de câmbio deveria se acomodar em patamar ao redor de R$ 1,50-1,55/US$, ou seja, o fortalecimento do real face ao dólar não resulta de “especulação”, mas de condições bastante concretas tanto da economia global (commodities, valor global do dólar, a taxa de juros nos EUA), quanto da economia brasileira (taxas de juros em alta por conta da inflação acima da meta).

Nestas condições, acreditar que é o mercado futuro quem determina o comportamento do mercado à vista equivale a crer que seria o preço dos carros de luxo quem determinaria o preço dos carros populares (ou vice-versa), perdendo de vista eventuais fatores (renda, disponibilidade de crédito, etc.) que estejam por trás do comportamento da demanda por automóveis em geral.

Com tal qualidade de diagnóstico (para não falar de execução), não há como crer na eficácia destas medidas.

Hã... Não!

(Publicado 3/Ago/2011)
In joint work with Tatiana Pinheiro