teste

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Carpe diem?

Enquanto esperamos pelos dados oficiais das contas nacionais, que serão divulgados pelo IBGE no começo de março, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) sugere uma aceleração visível da economia no final de 2017.

Segundo o IBC-Br a atividade cresceu 1,3% no último trimestre do ano passado, seu quarto (e mais forte) trimestre consecutivo de crescimento, sinal que a recuperação da economia vem se firmando com o passar do tempo.

Isto ainda não nos permite dizer com certeza o ritmo de expansão do PIB naquele momento, pois, sobretudo no que diz respeito aos dados trimestrais, não há uma relação tão precisa entre os dois indicadores. No entanto, dada a força do IBC-Br no quarto trimestre, não seria surpreendente que o PIB também tenha crescido um pouco mais de 1% no mesmo período. Isto, se verdadeiro, não apenas traria o crescimento de 2017 para a casa de 1,2%, mas também (e principalmente) indicaria uma expansão na casa de 3,0% para 2018, talvez até um pouco mais.

Em que pese a divergência natural entre os números do IBC-Br e do PIB, o padrão de expansão ao longo de 2017 foi bastante similar: seguindo-se ao primeiro trimestre bastante forte, por conta da agricultura, a produção se expandiu a um ritmo mais modesto nos trimestres posteriores, mas voltou  a se acelerar no final do ano.

Isto também é visível nos dados de produção industrial (mais) e serviços (menos), indicando que aceleração recente não parece ser um fenômeno localizado, como ocorrido no começo do ano passado, mas sim difundido, com repercussão inclusive sobre o emprego, expressa na adição de pouco mais de 3 milhões de postos de trabalho entre março e dezembro (2 milhões em termos dessazonalizados).

No conjunto da obra, portanto, é nítido que a economia voltou a crescer, ao que parece a uma velocidade média ao redor de 0,8% por trimestre, ou seja, na casa de 3,3% ao ano desde o trimestre final de 2016, o décimo primeiro (e último) da Grande Recessão de 2014.

Tal ritmo, de acordo com nossas estimativas, supera o crescimento potencial do país, ou seja, deve fazer com que a taxa de desemprego (dessazonalizada) siga a trajetória decrescente observada desde o primeiro trimestre de 2017. Apesar disto, como o desemprego ainda é alto, isso não deve gerar tensões inflacionárias ao longo de 2018, e, possivelmente, também no começo de 2019.

Por conta disso, é pouco provável que o BC venha a subir a Selic neste ano depois dos mínimos históricos agora registrados, desenvolvimento que, diga-se, contraria a “narrativa” (sempre ela!) de que o impedimento da presidente Dilma teria como objetivo manter os juros altos...

Todavia, se as perspectivas de curto prazo têm melhorado, há muitos e bons motivos para preocupação quando se tenta elevar a vista para um horizonte mais distante.

Em particular, a desistência de aprovar a reforma previdenciária (não exatamente uma surpresa) sinaliza maiores responsabilidades para quem for eleito este ano. Caso esta reforma (e outras) não avancem, o cenário razoavelmente positivo para 2018 dificilmente será sustentado em 2019 e 2020, quando o peso de previdência se fará se sentir ainda mais nas contas públicas.


Aproveitemos, pois, o momento, mas saibam que o principal ainda está por ser feito.



(Publicado 21/Fev/2018)

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Juro que é real

Ponha-se na seguinte situação: você tem $ 1.000 e seu banco lhe oferece uma aplicação por um ano com taxa de 10%, prometendo depositar de volta na sua conta $ 1.100. Você toparia?

Não serei eu quem vai lhe dar a resposta, claro, mas noto que falta (pelo menos) uma informação crucial no problema acima, a saber, qual será a inflação neste ano durante o qual seu dinheiro estará “preso” na aplicação.

Digamos que seja 15%, isto é, as coisas que você poderia comprar por $ 1.000 hoje custarão $ 1.150 daqui a um ano. Neste caso seus $ 1.100 não poderão comprar o mesmo que $ 1.000 hoje, mas um pouco menos, ou seja, você perderia com esta aplicação. Faria mais sentido gastar o seus recursos agora, quando ainda pode comprar $ 1.000.

Não é difícil concluir, portanto, que seria vantajoso para você aplicar o dinheiro e abrir mão da possiblidade de gastá-lo agora apenas quando a inflação nos 12 meses seguintes fique abaixo de 10%.

Isso não quer dizer, óbvio, que necessariamente você aplicará estes recursos caso a inflação esperada para daqui um ano seja inferior a 10%; tal decisão depende de suas preferências pessoais, em particular se é mais impaciente (por estar, por exemplo, mais velho e com menos tempo para esperar), ou menos. Isto dito, deve ter ficado claro que a decisão de aplicar o dinheiro (em oposição a gastá-lo hoje) depende crucialmente da diferença entre o retorno de sua aplicação e a taxa de inflação futura, também conhecida como a taxa real de juros.

O problema é que, embora em geral conheçamos a taxa a que podemos aplicar nosso dinheiro, não sabemos a inflação nos próximos 12 (ou 3, ou 47) meses. No melhor dos casos podemos ter uma expectativa (um nome mais sofisticado para um “chute” educado) sobre como os preços se comportarão no horizonte relevante. Se estivermos certos sobre este chute, ou não, só saberemos ao final do período, mas, quando o fizermos, nossa decisão, tomada há 12 (ou 3, ou 47) meses, já faz parte do passado e é, portanto, irrevogável.

Dessa lengalenga toda, fica uma lição importante. A taxa real de juros que determina a decisão de gasto (portanto de atividade econômica) é a diferença entre a taxa de juros para um determinado prazo e a inflação esperada para aquele prazo. A inflação efetivamente observada é irrelevante, porque não pode alterar decisões já tomadas.

No caso do Brasil, em particular, a taxa real de juros assim definida (para o período de um ano) caiu de 8,6% no último trimestre de 2015 para 2,9% no mesmo período de 2017, fenômeno que se encontra na raiz da reversão do consumo.

Considerada a defasagem usual de dois trimestres, as vendas do varejo, que caíam quase 7% na comparação interanual, passaram a crescer pouco mais que 5% no final do ano passado, sem ainda refletir a queda observada na segunda metade de 2017. Houve (e ainda há) um impulso monetário considerável.


Não há, portanto, a necessidade de inventar ginásticas sobre estímulos “parafiscais” para entender porque, ao contrário do que diziam os keynesianos de quermesse, o consumo tenha crescido mesmo com queda do gasto público. Bastava lembrar que, em oposição aos países desenvolvidos, a taxa de juros no Brasil não era zero (oh!), mas isto requer mais honestidade do que este pessoal consegue aguentar.



(Publicado 14/Fev/2018)

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Tic, tac

Tivemos na semana passada a última reunião do Federal Reserve sob o comando de Janet Yellen, quando se decidiu pela manutenção da taxa básica de juros norte-americana entre 1,25-1,50% ao ano, sinalizando, porém, que a taxa subirá durante o ano, ainda que deva se manter abaixo do nível que, espera-se, prevalecerá no longo prazo.

Apesar da mensagem tranquilizadora, o mercado de títulos começa a mostrar preocupação: a taxa de juros para 10 anos, talvez a mais importante do sistema solar, subiu de algo como 2,5% aa para pouco mais de 2,8% aa do começo de janeiro para cá, o nível mais elevado desde o observado no final de 2014.

Não se trata, à primeira vista, de um grande movimento e, para falar a verdade, é ainda um nível historicamente baixo (para os mais curiosos, a série desde 1953 pode ser vista aqui: https://fred.stlouisfed.org/series/GS10), mas já foi suficiente para afetar não só o dólar no Brasil, mas as bolsas em todo o mundo, que sofreram forte queda.

O fato é que os dados mostram a economia americana crescendo na casa de 2-2,5% ao ano desde 2010, suficiente para reduzir de modo persistente a taxa de desemprego, que caiu de 10% ao final de 2009 para 4,1% nos últimos quatro meses, nível que parece representar o pleno emprego naquele país.

Apesar de outras medidas (mais amplas) de desemprego sugerirem a possibilidade de alguma folga “escondida” no mercado de trabalho americano, tal folga, se existir, também não é das maiores. Não por acaso, o salário médio por hora subiu quase 3% em janeiro deste ano, o ritmo mais forte desde junho de 2009. De forma consistente, as projeções no mercado de títulos para a inflação subiram para pouco mais de 2% ao ano no horizonte de 10 anos.

É bom deixar claro que não estamos falando de gigantesca aceleração inflacionária; no entanto, na comparação com os últimos anos, período em que salários não pressionaram a inflação, trata-se de uma dinâmica visivelmente distinta. O receio, portanto, do mercado de renda fixa, que se exprime na forma de juros mais elevados, parece refletir a percepção que a reação da política monetária terá que ser um tanto mais rápida, e mais vigorosa, do que as três elevações de 0,25% que se imaginava como o cenário mais provável para 2018.

Este risco se agrava na presença do estímulo proveniente do corte de impostos aprovado no final do ano passado, que deve elevar a demanda no curto prazo ainda mais rapidamente.

Até agora vivemos um momento muito particular da economia global: conjugamos crescimento forte e disseminado com liquidez abundante, que estimula a busca por taxas de retorno (e risco) mais elevadas. O primeiro ajuda o desempenho das nossas exportações, portanto nosso equilíbrio externo; já a segunda tem anestesiado investidores no que se relaciona à paralisia reformista mesmo em face de um sério desequilíbrio fiscal no país.

É bom ter em mente que esta janela não permanecerá aberta indefinidamente. Se, de fato, estamos observando os primeiros movimentos da transição para um mundo mais “normal”, com taxas de juros mais elevadas nos países ricos, reformas se tornam ainda mais urgentes.


Pelo andar da carruagem, contudo, o mundo político ainda não se deu conta do tamanho da encrenca. Quando perceber, poderá ser tarde demais.



(Publicado 7/Fev/2018)

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Pelo fim da carniça

A condenação do ex-presidente Lula é, até agora, o cume de um processo doloroso, em que o país vê expostas as entranhas da corrupção numa dimensão que surpreende até os mais cínicos. Por onde se olhe não parece haver no mundo político convencional alternativa que não esteja ligada, de alguma forma, ao pervasivo fenômeno de exploração do setor público para fins de enriquecimento pessoal, ou financiamento de campanhas (a destinação dos recursos não alivia em nada a sujeira da sua origem).

Já tive oportunidade de explorar aqui as consequências nefastas da caça à renda (da qual a corrupção é a faceta mais tenebrosa) para o crescimento, tema que foi também trabalhado por Samuel Pessoa em sua última coluna com a competência habitual. Em suma, a caça à renda desvia a busca do lucro da inovação para a captura de recursos, levando ao menor crescimento e, portanto, piores condições de vida, processo detalhadamente explicado por Acemoglu e Robinson em “Por que as nações fracassam”, livro indispensável para entender o Brasil e seus dilemas.

Uma vez estabelecida a ligação entre a caça à renda e o baixo desempenho econômico, resta saber como poderíamos romper este elo e, tão importante quanto, se há alguma chance de fazê-lo.

Francamente, não vejo outro modo de acabar com isto que não passe por uma mudança radical da forma como organizamos nossa economia, em particular como o poder público intervém no domínio econômico. Está cada vez mais claro que as diversas dimensões da intervenção estatal na economia oferecem aos caçadores de renda, dentre eles os corruptos, um amplo manancial de oportunidades.

Vimos isto na Petrobras, vimos isto também na compra de medidas provisórias, na busca por desonerações tributárias, na escolha de “campeões nacionais” (JBS, por exemplo), e na enésima tentativa de ressuscitar a indústria naval, para citar, de memória, uns poucos exemplos.

A lista poderia se estender por bem mais do que os 3.200 caracteres aqui permitidos, mas apenas os casos aqui lembrados dão uma ideia, ainda que pálida, das imensas possibilidades de venda e compra de favores que a atual organização econômica do país permite.

Ocioso, no caso, discutir se a iniciativa parte dos compradores ou vendedores; o que importa é que onde há carniça, é para lá que voam os urubus. Assim, se queremos acabar com os urubus, a solução é óbvia: basta acabar com a carniça.

Metáforas de gosto duvidoso à parte (perdão, mas ando bem revoltado), não vejo saída que não passe por ampla privatização e redução drástica da intervenção estatal.

Vai acontecer? A resposta honesta é “não sei”, mas confesso aos raros leitores que não tenho muita esperança que qualquer proposta neste sentido acabe endossada pela população nas eleições. Reclama-se da corrupção, mas ninguém parece seriamente interessado em acabar com sua origem.

* * *


Márcio “Maria Antonieta” Holland ainda não entendeu que minha repugnância se limita às ideias econômicas das quais é veículo, seja na sua insistente divulgação, seja, de forma ainda mais grave, na sua aplicação sob a forma da Nova Matriz, que nos levou à pior recessão em quase 40 anos. Já sua figura pessoal é irrelevante; se me importasse com ela, provavelmente a desprezaria.



(Publicado 31/Jan/2018)