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terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Na ratoeira

Uma crítica comum à aplicação do regime de metas para a inflação no Brasil refere-se à “insistência no ano-calendário”, isto é, à necessidade de atingir a meta no final de um ano, ao invés de se concentrar em períodos mais longos, faltando-lhe paciência. Sempre que vejo este comentário me ponho a pensar: em que planeta vive quem afirma tal atrocidade?

Não é sequer necessário lembrar que o BC não entrega a inflação na meta desde 2009; basta notar que há cerca de um ano o BC prometeu convergência para o final de 2016, prazo devidamente prorrogado para 2017. Ano-calendário onde, cara-pálida?

Isto dito, elevar o prazo de convergência da inflação à meta não é necessariamente errado, mas, se há benefícios nesta estratégia, há também custos, e a decisão requer que ambos sejam considerados, postura que geralmente escapa ao pessoal do espaço sideral.

Digamos, por exemplo, que, dado um desvio muito significativo da inflação, o BC decida esticar o período de convergência de um ano para três. Para facilitar, suponhamos que a inflação inicial seja 9%, a meta 3%, e que o BC decida reduzir a inflação em 2% a cada ano. Assim, o objetivo no primeiro ano seria 7%, caindo para 5% no segundo e, finalmente, 3%.

Mantendo as coisas simples, vamos também supor que as expectativas de inflação se adequem a esta trajetória. Assim, a expectativa para o primeiro ano seria o equivalente a 2/3 da inflação passada (6%) e 1/3 da meta (1%), isto é, 7%.

Já se o BC decidisse por um período de convergência de seis anos (1% por ano), ainda supondo credibilidade, as expectativas seriam 5/6 da inflação passada (7,5%) e 1/6 da meta (0,5%), isto é, 8%.

Assim, quanto mais extenso for o período de convergência, tanto maior será o peso dado à inflação passada na formação de expectativas, ou seja, mais indexada se torna a economia.

Concretamente, este processo deve ser uma das razões (senão a principal) para a resistência crescente da inflação à queda. Quanto mais os reajustes de salários e preços se baseiam na inflação passada, mais persistente se torna a inflação e mais custosa, do ponto de vista de desemprego e queda do produto, passa a ser sua redução.

Isto coloca o BC frente a um dilema. Caso tente reverter o processo, optando pela convergência mais rápida, terá que pagar um custo, em termos de atividade econômica, maior do que pagaria se mantivesse a estratégia de queda lenta da inflação, a menos que consiga convencer a todos que, como a convergência será rápida, não seria mais necessário reajustar preços e salários com base na inflação passada.

Por outro lado, agentes sabem que o BC, dado seu passado, se preocupa com os custos da desinflação e estaria propenso, de forma oportunista, a estender o período de convergência mesmo se todos passassem a crer que a inflação cairia rapidamente.

Neste caso, simplesmente não acreditariam em promessas de convergência rápida e seguiriam reajustando preços e salários com base na inflação passada.

Incapaz, portanto, de se comprometer com a queda rápida da inflação, só resta ao BC seguir com a estratégia gradualista. Isto torna o combate mais difícil hoje do que era no passado e será ainda mais complicado quanto mais demorarmos em tratá-lo.


O BC se colocou na ratoeira e não faz ideia de como escapar dela.

We are all prisoners here of our own device

(Publicado 20/Jan/2011)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Pusilânime

Há alguns anos, 2008 ou 2009, não me lembro bem, estive na Argentina com um amigo para visitar autoridades e economistas locais. Na ocasião, no jantar com um destes economistas, meu amigo perguntou sua opinião sobre o então presidente do BCRA, Martin Redrado. Ele suspirou, olhou para nós e, caprichando no insuperável sotaque portenho, confidenciou: “Martiiiin... ¡Martin es un pusilánime!”.

Não pude deixar de me lembrar disto ao ler a Carta Aberta do presidente do nosso BC ao ministro da Fazenda, explicando as razões pelo estouro espetacular da meta de inflação (10,7% contra 4,5%, muito além dos dois pontos percentuais de tolerância). Aqueles com paciência para encarar 5 páginas e 38 parágrafos do que, em meu tempo de escola, era conhecido como “encher linguiça” podem até ficar com pena da atual diretoria do BC, que se coloca como impotente e surpresa face ao choque inflacionário, mas, se for o caso, terão sido devidamente enrolados.

A narrativa do BC é a mesma desde 2014: a inflação refletiria dois processos de mudança de preços relativos, isto é, o ajuste dos preços administrados (como energia ou combustíveis) vis-à-vis preços livres, assim como a elevação dos preços de bens afetados pelo dólar (normalmente exportados e importados) em comparação àqueles cujo preço depende essencialmente das condições domésticas (tipicamente, mas não apenas, serviços).

Em face destes choques, caberia ao BC apenas evitar sua propagação aos demais preços, por exemplo, reduzindo a demanda para que empresas não repassassem integralmente o aumento das tarifas de energia sobre o preço dos seus produtos, ou o custo das matérias-primas importadas.

Ao atribuir a culpa pela inflação de 2015 aos preços administrados, porém, o BC deixa de lado algumas informações importantes. Em primeiro lugar deveria reconhecer que tanto em 2013 como em 2014 a inflação só se manteve dentro dos limites de tolerância graças à prática (irresponsável) de contenção artificial dos preços públicos. Sua negligência inicial no trato com a inflação se encontra, portanto, na raiz da política de controle de preços entre 2012 e 2014 e, por consequência, da necessidade do ajuste em 2015.

Já no que se refere ao efeito do dólar, vale praticamente o mesmo ponto. O BC, por meio de suas intervenções, represou o ajuste da moeda e é, ao menos em parte, responsável pelo forte desvalorização do real no ano passado.

É verdade, reconheço, que o dólar saltou de patamar após o infeliz anúncio do orçamento para 2016 e dos sinais cada vez mais claros da incapacidade do governo no que se refere ao controle de seus gastos.

No entanto, enquanto agora o BC culpa o desempenho fiscal, em todas suas manifestações oficiais anteriores afirmara que “no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público tende a se deslocar para a zona de neutralidade e não [se] descarta a hipótese de migração para a zona de contenção”, ou seja, sem maiores críticas à política fiscal, muito ao contrário. Hipocrisia pode ser a homenagem que o vício presta à virtude, mas um pouco mais de sutileza não faria falta.


Trata-se, enfim, de um documento pusilânime, em que o BC foge da responsabilidade pelo problema que criou. Que use de mais coragem na Carta do ano que vem.

No horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público tende a se deslocar para a zona de neutralidade e não [se] descarta a hipótese de migração para a zona de contenção


(Publicado 13/Jan/2016)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Coerência acima de (quase) tudo

“Pode matar todo mundo de fome que a inflação não vem para o centro da meta".  (12/jan/2016)


"
E a inflação lentamente vai convergir para pertodo centro da meta, talvez no início de 2017." (18/jan/2016)


Quem acertar o autor das afirmações acima ganha um bilhete de sorteio de um caminhão chinês...

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O ano da marmota

Comemoramos o Ano Novo, com direito a queima de fogos e até um artigo especial da presidente da República em que ela mais uma vez busca se eximir da culpa pelo seu lamentável desempenho, deixando, é claro, de admitir sua responsabilidade pelos inúmeros erros de política, bem como a arrogância com que desconsiderou qualquer crítica aos disparates do seu primeiro mandato.

No entanto, sinto informar que, tal como no filme “Feitiço do Tempo” (Groundhog Day, no original em inglês), estamos ainda presos em 2015, de onde só sairemos se, da mesma forma que o protagonista, reconhecermos nossos erros e conseguirmos corrigi-los.

A verdade é que muito se falou e pouco se fez a este respeito. Do ponto de vista do ajuste fiscal, por exemplo, embora os gastos primários do governo federal, medidos a preços de novembro de 2015, tenham caído de janeiro a novembro (algo como R$ 27 bilhões, cortesia da inflação elevada), tanto a causa como a distribuição da queda não são bons presságios para o futuro.

Com efeito, os gastos de capital caíram R$ 32 bilhões; já os gastos correntes subiram R$ 5 bilhões. Destes, os gastos previdenciários aumentaram R$ 7 bilhões, impulsionados pela elevação do salário mínimo pouco inferior a 9% no ano passado.

Isto sugere haver pouco espaço para cortes adicionais do investimento, enquanto os gastos correntes deverão seguir sua trajetória ascendente, em particular se, como esperado, a inflação deste ano for menor que a de 2015, enquanto o novo reajuste do salário mínimo já foi fixado em quase 12%.

Posto de outra forma, o ajuste fiscal propriamente dito, isto é, a correção da persistente tendência de aumento do gasto público, ainda está para acontecer.

Neste sentido, a falta de convicção da presidente, estampada no seu artigo, é muito mais inquietante do que as tendências “desenvolvimentistas” do novo ministro da Fazenda, ainda que estas sejam bastante reais. Da mesma forma são preocupantes as pressões do seu partido para a retomada da experiência heterodoxa do primeiro mandato, defendida por economistas que ainda tentam nos convencer que a Nova Matriz jamais existiu (a última desculpa é que se tratou de uma “tentativa de prolongar o ciclo de consumo e só”).

Isto dito, se não houve progresso no campo fiscal, a situação consegue ser ainda pior no âmbito das reformas microeconômicas. Como bem notado por Marcos Lisboa e Zeina Latif em artigo recente, o país acumulou enormes distorções nos últimos anos, revertendo o progresso de décadas anteriores. Nada foi feito para corrigir estas distorções, boa parte das quais, diga-se de passagem, foi criada precisamente no período em que Nelson Barbosa desempenhava papel central na equipe econômica.

Olhando à frente, não é preciso muito para nos persuadir que são reduzidas as chances de avanço em qualquer uma das áreas acima. Para começar não existe no governo, depois da saída de Joaquim Levy, quem as defenda à vera.

Mais importante, porém, qualquer um que tenha lido a entrevista do ministro da Casa Civil deve ter notado que não há qualquer outra prioridade por parte da atual administração que não seja evitar o impedimento da presidente.


Neste contexto, ninguém deverá se surpreender caso acordemos em 2017 com a exata sensação de estarmos ainda em 2015.




(Publicado 6/Jan/2016)

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Espertezas

Normalmente deixaria para minha última coluna de 2015 alguma reflexão sobre o ano que passou, ou algo sobre o que virá, mas, como a usina de más ideias não parece – ao contrário de tantas outras – estar em férias coletivas, não tenho alternativa que não examinar mais uma bobagem em gestação. Há, segundo Fernando Rodrigues, estudos por parte da equipe econômica para elevar a meta de inflação dos atuais 4,5% para 5,5%.

O motivo não poderia ser menos nobre. O BC já havia deixado claro na Ata do Copom do final de novembro (e reiterado a mensagem no Relatório Trimestral de Inflação divulgado na semana passada) que, muito embora tenha (mais uma vez) adiado a convergência da inflação para a meta para 2017, “adotará as medidas necessárias (...) [para] trazer a inflação o mais próximo possível de 4,5% em 2016, circunscrevendo-a aos limites estabelecidos pelo CMN (...)”. Em outras palavras, não quer permitir que a inflação ultrapasse novamente o limite superior do intervalo em torno da meta, 6,5%.

Dado, porém, que as expectativas para 2016 já se encontram em quase 7% (o BC projeta pouco mais que 6%, mas seu histórico de previsões não sugere que devamos acreditar nisto), entre as “medidas necessárias” se encontra muito provavelmente novo ciclo de elevação da taxa de juros, a se iniciar em janeiro.

Assim, ao elevar a meta de 4,5% para 5,5%, o limite superior passaria de 6,5% para 7,5%, esperteza que, de acordo com os idealizadores da proposta, tiraria do BC o ônus de subir a taxa Selic.

Como se costuma dizer, todo problema complexo tem uma solução simples e, obviamente, errada.

A proposta implicitamente pressupõe que as expectativas dos agentes econômicos se manteriam inalteradas, mesmo após o anúncio de nova informação, isto é, que, mesmo sabendo que o BC passaria a perseguir um alvo distinto (e, para deixar claro, o alvo a que me refiro não é a meta, mas seu limite superior), as pessoas passivamente ignorariam esta valiosa informação ao negociarem seus salários ou definirem seus preços.

Posto de outra forma, a ideia que se pode evitar o aumento de juros através da elevação da meta para a inflação se baseia na noção que pessoas são incapazes de entender o que está ocorrendo. Não chega a ser surpreendente, pois vem do mesmo tipo de “economista” que acredita que indivíduos têm que ser tratados como crianças, tutelados pelo “papai Estado”.

A adoção de tal medida, porém, levará justamente ao contrário do esperado pelos autores da proposta. As expectativas de inflação (e não apenas para 2016) irão subir refletindo a nova informação. Por conta disto, salários e preços subirão mais do que fariam caso a meta tivesse sido mantida, acelerando adicionalmente a inflação e o BC será obrigado a elevar ainda mais a taxa de juros (ou a aceitar inflação mais alta). Um caso clássico de tiro pela culatra, apenas mais um entre tantos que tivemos o privilégio de testemunhar nos últimos anos.


O regime de metas para a inflação está em vigor desde 1999, tempo mais do que bastante para que o entendimento acerca de seu funcionamento já estivesse suficientemente difundido de forma a evitar que propostas como esta viessem à luz do sol. Mas, não: erradicar o analfabetismo econômico é tarefa que não cessa.



(Publicado 30/Dez/2015)