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terça-feira, 29 de março de 2016

R$ 1 trilhão de pedaladas

Hoje é assunto é um pouco mais específico do que de costume, mas com implicações sérias para a dívida pública, que, se não forem bem tratadas, podem se tornar uma gigantesca “pedalada” fiscal.

No Brasil a dívida é medida de uma forma distinta de outros países. Nestes o conjunto de todos os títulos emitidos pelo Tesouro é considerado como obrigação do governo e, portanto, dívida. Já no Brasil os títulos emitidos pelo Tesouro, mas em posse do Banco Central, são excluídos do cálculo.

Justifica-se a jabuticaba por ser o BC parte do governo: tudo se passaria como se uma empresa devesse a uma subsidiária; quando as contas são consolidadas, isto é, quando se olha o conjunto Tesouro-BC, o que a empresa mãe (o Tesouro) deve para a subsidiária (o BC) é passivo de uma e ativo da outra, cancelando-se mutuamente.

Não se trata de pouco dinheiro. Em janeiro a carteira de títulos públicos do BC equivalia a R$ 1,266 trilhão, ou 21,3% do PIB.

Estes títulos não estão no BC por acaso. São, na verdade, o principal mecanismo de operação da política monetária. O BC determina uma meta para a Selic em cada reunião do Copom e usa os títulos para garantir que a taxa praticada no mercado fique perto dela. Caso haja dinheiro sobrando e taxa caia abaixo da meta, o BC vende títulos com compromisso de recomprá-los em determinada data, eliminando a sobra e elevando a taxa de juros; caso contrário, compra títulos (injeta dinheiro), com compromisso de revendê-los.

Exatamente por este motivo tais operações são conhecidas como “compromissadas” e em janeiro atingiram a marca de R$ 1,027 trilhão (17,2% do PIB). Dado que estes títulos deixaram a carteira do BC – e, portanto, pertencem ao mercado – são contabilizadas como parte da dívida pública.

Há, porém, uma proposta em gestação para mudar esta sistemática. Ao invés de o BC usar títulos para “enxugar” o excesso de dinheiro no mercado, ele passaria a receber depósitos remunerados à taxa Selic. Num caso limite, poderia trocar todo estoque de compromissadas por depósitos.

Assim, ao invés de bancos deterem títulos que pagam a taxa Selic, deteriam depósitos remunerados à mesma taxa (trocariam seis por meia dúzia). Do ponto de vista do BC a vantagem seria não mais precisar de títulos do Tesouro para operar a política monetária.

Até aí, nada demais. O problema, porém, é como contabilizar estes depósitos. Pela proposta em discussão eles não seriam considerados obrigações do governo, o que faria sumir mais de R$ 1 trilhão da dívida pública num passe de mágica. Isto está profundamente errado.

Se o argumento para definir que os títulos de posse do BC devem ser excluídos da dívida porque o BC faz parte do governo estiver correto, então as obrigações do BC para com os bancos (os depósitos) deveriam, pelo mesmo motivo, ser tomadas como parte das obrigações do governo como um todo, isto é, da dívida pública, inclusive porque pagam juros. Trata-se de simples lógica.


Há apenas duas opções: ou o BC faz parte do governo e suas obrigações são incluídas na dívida, ou não faz parte e os títulos na sua carteira são incorporados à dívida. A alternativa à lógica é permitir que R$ 1 trilhão se dissolva no ar em mais uma pedalada, e, com ela, qualquer resquício de seriedade nas contas públicas brasileiras.

Novo secretário do Tesouro
(Publicado 23/Mar/2016) 

quarta-feira, 23 de março de 2016

Asneiras sem reservas

Uma empresa enfrenta um período de incerteza, durante o qual poderá enfrentar desembolsos expressivos, mas não sabe nem quando estes ocorrerão, nem seu valor preciso. Como sua geração de caixa não é suficiente, tratou de tomar dinheiro emprestado, antes que viesse a precisar dele, partindo do pressuposto (geralmente correto) que crédito costuma ser mais abundante antes de se tornar necessário.

Desde então mantem recursos em caixa, devidamente aplicados, é claro, mas a uma taxa de juros menor do que a que paga pelo empréstimo. Perde dinheiro, porém encara esta despesa como um seguro: sabe que os recursos estarão disponíveis quando (e se) forem requeridos, garantindo sua sobrevivência em tempos turbulentos.

Palpiteiros, que sempre há de sobra, contudo, sugerem que a empresa use o dinheiro em caixa para novos gastos, que, segundo eles, terão efeito positivo junto aos acionistas da companhia. O diretor financeiro se recusa, mas a presidente, influenciada pelo seu antecessor no cargo (e palpiteiro-mor), balança.

É óbvio que a ideia não presta. Caso gaste o que tem em caixa, a empresa não só fica sem ter como enfrentar eventuais desembolsos (o que piora a qualidade do seu crédito), como também perde as condições de pagar o que tomou emprestado para formar seu “colchão de liquidez”. Caso a presidente caia no conto dos palpiteiros, corre o risco de quebrar a empresa.

É também óbvio que se trata de uma metáfora do Brasil e da ideia cretina de usar as reservas hoje no Banco Central para aumentar o gasto.

À parte as limitações legais (que, diga-se, sempre podem ser contornadas no país da pedaladas), esta proposta teria efeitos desastrosos. Como as reservas foram constituídas por meio de endividamento (o BC as comprou com dinheiro que criou, mas, em seguida, trocou por títulos da dívida), usá-las significaria ter menos recursos para pagar o que deve, como a empresa em nosso exemplo.

Em segundo lugar, caso as condições externas piorem e os mercados de crédito se fechem para o país, teríamos que reduzir o déficit externo ainda mais rápido do que estamos fazendo, o que tipicamente exige queda do consumo e investimento, assim como contração mais aguda dos gastos públicos, ou seja, ajuste fiscal ainda mais urgente do que hoje.

É possível, claro, argumentar que temos reservas em excesso, mas, se este for mesmo o caso (o que não sabemos), o curso ideal de ação seria usar este excedente para reduzir a dívida, ou liquidar os swaps cambiais. Em qualquer destas circunstâncias a solvência do governo melhoraria, desde que fosse realmente verdade que o atual nível de reservas supera por larga margem o apropriado para a atual situação do país, pergunta ainda não respondida.

Por fim, note-se que nosso problema não é a falta de gasto público, que vai muito bem, obrigado, crescendo firme e forte há pelo menos 24 anos. O problema é gasto demais com eficiência de menos, questão que palpiteiros fingem não ser com eles. (Houve um que, há pouco, afirmou ter havido redução do gasto no atual governo, vejam só!).


Soluções mágicas não faltam; faltam soluções mágicas que funcionem. Enquanto estas não aparecem (e jamais aparecerão), melhor seria que os palpiteiros guardassem para si as asneiras, junto com sua defesa da Nova Matriz Econômica.



(Publicado 16/Mar/2016)

quarta-feira, 16 de março de 2016

Oito anos em três

Agora é oficial: em 2015 o país registrou a maior queda do PIB (3,9%) desde 1990, quando o Plano Collor fez o produto encolher 4,3%, e completou dois anos de retração da renda por habitante. Não fosse isto ruim o suficiente, as perspectivas são de contração semelhante em 2016, levando a renda para valores próximos aos registrados em 2008. “Oito anos em três” poderia ser o slogan do governo, caso, claro, seus marqueteiros não estivessem na cadeia...

É óbvio, exceto para os exilados da realidade, que este desempenho não pode ser atribuído a forças externas. Países mais abertos ao comércio do que o Brasil e com exposição semelhante (ou maior) às commodities sofrem desaceleração de crescimento, não recessões bíblicas, o que sugere participação pequena de fatores internacionais no nosso desastre épico.

Este decorre de dois desenvolvimentos essencialmente domésticos: um erro crasso de política econômica, ampliado pela incapacidade do mundo político de achar formas para corrigi-lo.

O erro foi tratar a desaceleração do crescimento pós-2010 como resultante da “falta de demanda”, quando se tratava de um constrangimento da capacidade de produção, expresso em gargalos no mercado de trabalho e infraestrutura, entre outros.

Houve estímulo à demanda pela expansão do gasto público, assim como incentivos ao crédito por meio dos bancos federais, cuja contrapartida foi o aumento do endividamento do governo sem resposta do crescimento.

Por outro lado, o aumento da demanda no contexto de uma economia que enfrentava restrições de oferta teve consequências esperadas: aceleração da inflação, contida apenas pelo controle de preços públicos, e maior desequilíbrio externo, traduzido no salto do déficit em conta corrente de US$ 75 bilhões em 2011 para US$ 105 bilhões em 2014. Já o controle de preços foi catastrófico para a Petrobras, assim como para os setores sucroalcooleiro e energético.

Estes desenvolvimentos – dívida, inflação, déficits externos – eram (e alguns ainda são) insustentáveis, principalmente no campo dos gastos públicos, agravados pelo crescimento da despesa previdenciária. A queda do investimento, que vem desde 2013, e a recessão iniciada em meados de 2014 são testemunhas e consequências da precariedade daquela política. Foi neste contexto que ocorreu a reeleição, um dos maiores estelionatos eleitorais da história do país.

Tornou-se assim extraordinariamente difícil para a administração corrigir os rumos da política econômica: como explicar para a população que enfrentávamos uma crise séria; não o paraíso da propaganda eleitoral? Como pedir ao Congresso, retrato desta mesma sociedade, que adote medidas que o próprio partido do governo se recusa a apoiar?

A incapacidade do mundo político de corrigir os problemas fiscais eleva o risco da dívida se tornar impagável, agravando ainda mais o colapso do investimento (25% abaixo do pico) e do consumo, principais responsáveis pela forte queda do produto e do emprego, que realimenta a baixa popularidade do governo e, num círculo vicioso, reduz a probabilidade de reforma.


A atual crise resulta precisamente da realimentação perversa da política para economia e vice-versa. 2015 foi lamentável, mas preparem-se porque, sem romper este círculo, o pior ainda está por vir.



(Publicado 9/Mar/2016)

terça-feira, 8 de março de 2016

Trivial requentado

Fiéis ao espírito do aniversário do partido, economistas do PT propuseram um programa de emergência que prega a volta da política econômica aos padrões que vigoraram no governo Lula. Seria ótimo se fosse verdade.

Entre 2003 e 2010 o superávit primário recorrente atingiu, em média, 2,6% do PIB, considerando o afrouxamento da política fiscal em 2009 e 2010 (nos demais anos a média foi 3,2% do PIB). Já o desvio médio da inflação com respeito à meta foi inferior a 0,7% por ano, cerca de um quarto do observado no governo Dilma, refletindo tanto o melhor desempenho fiscal como a autonomia do BC.

Aquele período (ao menos até 2006) foi também marcado por reformas: a criação do crédito consignado, a reabilitação das garantias no crédito habitacional, assim como a nova lei de falências. Soma-se a isto a reforma previdenciária que elevou a idade mínima para aposentadorias dos servidores e criou a possibilidade de fundos de pensão para o funcionalismo.

Por fim, na política social tivemos a fusão dos vários programas de transferência no Bolsa-Família, inicialmente execrado pelos economistas do partido como Maria da Conceição Tavares, que classificou um de seus defensores, Marcos Lisboa, como “débil mental”, sem, diga-se, qualquer protesto de nossos sempre tão sensíveis “keynesianos de quermesse”.

Infelizmente, porém, as propostas petistas não trarão de volta a política econômica do governo Lula, mas sim o que preconizavam antes de 2003 e que veio a se tornar a tal “Nova Matriz Econômica” (NME), já no primeiro governo Dilma.

Redução na marra da taxa de juros (a despeito da inflação crescente), “revitalização” do PAC e aumento do gasto público são todos elementos do trivial requentado da NME. A estes se somam elevação de impostos e, coroando a obra, a proposta de utilização de parte das reservas internacionais para financiar novos gastos.

Esta última, em particular, promete ser especialmente danosa. Equivale, em última análise, a vender as joias da família para bancar novos gastos, ao invés de aproveitá-las para reduzir o endividamento. No fim da história sobrariam mais gastos e dívida mais alta, acompanhada de crescente fragilidade externa resultante de um colchão menor de proteção em moeda forte.

O desastre de 2011-2014 – estagnação seguida de recessão, inflação alta, desequilíbrio externo e redução dramática do ritmo de crescimento da produtividade – deveria bastar para convencer qualquer um que a retomada da NME, vitaminada por atrocidades adicionais, nos levaria de vez ao fundo do poço.

Até o Ministro da Fazenda, um de seus criadores, ainda hesita em levá-la às últimas consequências, mas isto não é suficiente para os seguidores do “princípio da contra indução” (segundo o qual o fracasso de uma experiência, ao invés de resultar na rejeição da hipótese, torna-se pretexto para nova tentativa, na esperança que desta vez funcione) reconhecerem os problemas dela originados.


Com o perdão do clichê, não aprenderam nada, não esqueceram nada. Por conta disto, às vezes me pego torcendo para que executem o que prometem para ver se novo fracasso retumbante lhes ensinaria algo de útil; mas depois me lembro de que tratamos de gente imune ao aprendizado. Seria um enorme custo sem sequer este modesto benefício.

Vai um pouco mais da Nova Matriz Econômica?

(Publicado 2/Mar/2016)

quinta-feira, 3 de março de 2016

A ciência não para de nos supreender


terça-feira, 1 de março de 2016

Os alquimistas estão chegando

Sr. Leitão e Sra. Leitoa se divorciaram e o juiz determinou que ele lhe pagasse pensão em conta conjunta. Tudo corria bem: ele depositava o dinheiro, mas ela não sentia necessidade de sacá-lo, deixando-o em conta.

Ocorre que o Sr. Leitão tinha hábitos caros e permitiu que gastos crescessem além de sua renda, de modo que ficou difícil bancar simultaneamente seu estilo de vida e a pensão, mas não ousou desrespeitar a ordem judicial e continuou com os pagamentos à Sra. Leitoa. Argumentando, contudo, que ela não sacava os recursos, passou a usá-los para pagar suas despesas, prometendo que, no momento que ela precisasse do dinheiro, trataria de repô-lo.

Ao mesmo tempo, quando perguntado sobre suas fontes de renda pelo banco onde buscava um empréstimo, somou ao seu salário aquilo que retirava da conta da Sra. Leitoa e ficou indignado quando o gerente se recusou a atendê-lo, apontando que sua renda de verdade, sem os saques da conta da ex-esposa, não era suficiente sequer para pagar seus gastos cotidianos; quanto mais honrar o serviço de um financiamento bancário. Sem crédito o Sr. Leitão quebrou...

Qual a relevância desta fábula? Muita, à luz do que veio dentro do pacote de “ajuste” federal anunciado na sexta-feira.

Frequentemente o governo é condenado a pagar indenizações. Estas obrigações são conhecidas como “precatórios” e tipicamente o governo faz os pagamentos no ano seguinte ao da condenação. Quando ocorrem, são classificados (corretamente) como gastos e, portanto, aumentam o déficit fiscal. Ficam depositados em bancos federais à disposição dos beneficiários, que podem (ou não) sacá-los.

Segundo, porém, o divulgado na semana passada, para “otimizar” (não riam!) os pagamentos de precatórios e evitar que “fiquem ociosos nos bancos”, o governo propõe contabilizá-los como gasto apenas quando  o beneficiário sacar estes recursos.

Em 2016 estes desembolsos somam R$ 19 bilhões, dos quais o governo estima (sabe-se lá como) que R$ 6,3 bilhões não serão sacados. Há ainda um saldo de depósitos de R$ 18,6 bilhões, dos quais R$ 5,7 bilhões estão parados há mais de 4 anos. Isto dá um total de R$ 12 bilhões que não serão contabilizados como gastos, ou, de forma equivalente, serão tratados como receitas, cujo efeito será o de reduzir o déficit fiscal do ponto de vista contábil.

Esta sistemática não difere do golpe do Sr. Leitão. Muito embora os recursos pertençam a seus beneficiários, o governo pretende usá-los para se financiar, mas sem reconhecer que se trata de um empréstimo, e sim como se fossem uma fonte de receitas.

Trata-se, portanto, de mais uma “pedalada” fiscal: tratar empréstimos (sem, aliás, consentimento dos proprietários do dinheiro) como receita, reduzindo o déficit fiscal em R$ 12 bilhões (0,2% do PIB).

Quem viveu o Plano Cruzado, há 30 anos, deve se lembrar de outros empréstimos compulsórios, jamais devolvidos, enquanto autores da traquinagem ainda se sentem no direito de dar palpites sobre economia em linguagem empolada para disfarçar sua completa falta de conteúdo.


Isto prova que as juras quanto à transparência fiscal não passavam de hipocrisia. A menos, é claro, que se acredite que o governo resolveu usar um expediente tão tosco apenas para que analistas pudessem desnudá-lo mais facilmente.


“E agora vou mostrar outra forma de transformar dívida em receita...”


(Publicado 24/Fev/2016)