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terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Selic: o que esperar?

A comunicação do BC aponta para alta modesta da Selic para 2021, mesmo com a inevitável queda da prescrição futura no próximo ano. Para que esse cenário benigno se materialize, porém, será necessário manter o atual regime fiscal.

O BC publicou a Ata da reunião do Copom da semana passada, aclarando tanto as decisões de manter a meta para a taxa Selic em 2,00% ao ano e a prescrição futura sobre a trajetória dos juros, quanto, e principalmente, o prazo de validade da prescrição futura e o que virá depois dela.

 No que diz respeito aos dois primeiros tópicos, expectativas de mercado e previsões do BC justificam a manutenção da Selic em 2,00% ao ano e também a prescrição futura.

 Conforme mostra a tabela abaixo, apesar da forte surpresa negativa da inflação no último trimestre de 2020 (da qual trataremos logo mais), as previsões do BC e as expectativas de mercado para 2021, o horizonte relevante, seguem abaixo da meta.

Inflação esperada (valores em outubro entre colchetes)

 

2020

2021

2022

Expectativa Focus

4,2 [3,0]

3,3 [3,1]

3,5 [3,5]

Cenário básico

4,3 [3,1]

3,4 [3,1]

3,4 [3,2]

Cenário com Selic constante

4,3 [3,1]

3,5 [3,2]

4,0 [3,8]

 Não há, é verdade, como ignorar que a inflação subiu muito mais do que o previsto no último trimestre de 2020, em que deve atingir cerca de 3%, comparado a 1,3% nos primeiros 9 meses do ano. Mesmo assim, o BC acredita que se trata de um fenômeno temporário, impulsionado por um aumento inesperado dos preços dos alimentos e dos preços administrados, notadamente as tarifas de energia, refletindo a seca e, portanto, a necessidade de usar fontes térmicas mais caras para a geração de energia.

Tão importante quanto, analistas de mercado parecem compartilhar dessa visão, já que as expectativas para 2021 subiram apenas modestamente em relação ao nível observado em outubro (de 3,1% para 3,3%), enquanto as expectativas para 2022 não se moveram. Parece, pois, que – apesar do choque inflacionário – as expectativas continuam bem ancoradas e, como notado, ainda abaixo da meta no que se refere a 2021, em linha com as condições de prescrição futura. 

Fonte: BCB

Dito isso, o Copom reconhece ser improvável que essas condições permaneçam indefinidamente.

Por um lado, como também se vê na tabela, expectativas e projeções para 2022 já se encontram próximas à meta, 3,5% e 3,4%, respectivamente. Como em sabe, em meados do ano que vem o BC começará a mudar o foco da política monetária de 2021 para 2022, em função das defasagens usuais desse instrumento (de 12 a 18 meses). Nesse caso, a primeira condição de validade da prescrição futura, qual seja, a inflação esperada inferior à meta, desapareceria naturalmente.

Essa, porém, não é a única possibilidade para alteração da prescrição futura. As projeções de inflação para 2021 também podem aumentar, aproximando-se da meta de 3,75% para o ano, o que justificaria seu descarte. Ou ainda, as demais condições para a manutenção da prescrição futura – a permanência do regime fiscal e a ancoragem das expectativas de longo prazo – também podem deixar de existir.

Fato é que já se esperava a elevação da taxa Selic em 2021, independentemente da prescrição futura. Pouco antes da reunião de outubro, por exemplo, a pesquisa Focus apontava a primeira alta em outubro de 2021, prevendo a taxa Selic a 2,75% em dezembro daquele ano; já na véspera da reunião passada a expectativa de alta havia sido antecipada para agosto de 2021, enquanto para dezembro se esperava que atingisse 3%.

A verdade é que o timing do eventual aumento das taxas de juros depende crucialmente do cenário que prevalecerá em 2021.

Se fosse o primeiro caso, ou seja, o deslocamento normal do horizonte relevante para um período (2022) em que as expectativas e projeções já estão na meta, o BCB não teria urgência de elevar as taxas assim que a prescrição futura caísse.

Se, no entanto, estamos falando de deterioração das expectativas / projeções para 2021, ou pior, desdobramentos que levem ao fim do atual regime fiscal, então, apesar das afirmações em contrário do BC, parece mais provável que a alta da Selic se seguiria imediatamente ao fim da prescrição futura

Dito isso, minha própria opinião sobre o assunto.

Caso a inflação dependesse apenas do comportamento provável do desemprego, colocaria todas as minhas fichas num valor abaixo da meta em 2021. Apesar da recuperação econômica, a folga no mercado de trabalho continua enorme, sugerindo um hiato de produto negativo ainda maior (em valor absoluto) do que o estimado no final de 2019 e início de 2020.

Infelizmente, as coisas não são tão simples. O risco inflacionário também depende da manutenção do regime fiscal e, nesse aspecto, as coisas estão bem menos claras do que gostaríamos. Permanece um risco considerável de derrapagem, devido à inação do governo tanto na gestão do problema quanto em sua relação com o Congresso.

Em suma, caso o governo supere sua incapacidade de fazer as coisas, podemos contar com um aperto muito gradual das condições monetárias a partir do segundo semestre de 2021. Se não for esse o caso, todavia, podemos o risco de um tranco nos juros se tornará muito alto.

A bola segue na quadra do governo.

(Publicado 16/Dez/2020)


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Urgência

Retomando a coluna anterior, explico porque o desemprego-sombra me parece a medida mais adequada para avaliar o mercado de trabalho. Exploro também a relação entre a ancoragem das expectativas e o desempenho das contas públicas.

Encerrei minha coluna mais recente notando que o desemprego-sombra muito elevado – que estimei na casa de 21% em setembro – deve exercer pressão no sentido de redução da inflação, desde que as expectativas de inflação se mantenham próximas à trajetória de metas. Essa estimativa do desemprego, conforme expliquei, foi produzida sob a hipótese que a proporção daqueles em idade de trabalhar engajados nesse mercado (empregados, ou em busca de emprego) retornaria à sua média histórica, entre 61% e 62%, contra 55% observados em setembro.

Fonte: Autor com dados do IBGE

Dito isso, faz sentido tomar tal taxa de desemprego como a mais relevante para avaliar o tamanho da folga na economia, um dos principais determinantes da evolução da inflação?


Acredito que sim. Não necessariamente porque a taxa de participação deva voltar rapidamente à sua média histórica; mas porque há motivos para crer que um possível aumento da procura por trabalhadores nas atuais circunstâncias deve estar bastante correlacionado ao aumento dessa própria taxa.

Muito, senão a totalidade, da queda da participação no mercado de trabalho decorre da dinâmica da epidemia, que representou, como viemos a aprender, também forte redução inicialmente do consumo em geral, e, depois do auxílio emergencial, localizada no setor de serviços, o maior empregador da economia (responsável por pouco mais da ocupação no país antes da crise). Concretamente, ¾ da perda de empregos se concentrou nesse setor.

Por outro lado, qualquer recuperação da atividade econômica digna desse nome passa pela reativação do setor de serviços, que, por sua vez, depende crucialmente da melhora das condições sanitárias, como o próprio desempenho do setor, bem pior que os demais, atesta.

Dito de outra forma, apenas com a superação da epidemia, e, portanto, da necessidade de distanciamento social é que podemos esperar a volta mais vigorosa de demanda por serviços e, com ela, da procura por trabalhadores. Se o fizermos, pois, as pessoas que hoje se mantêm fora do mercado de trabalho devem retornar a ele.

Sob essa conjuntura bastante particular há, portanto, reserva considerável de trabalhadores para atender à demanda, sempre na hipótese de superação da crise sanitária. Nesse sentido, se queremos analisar o risco de pressões inflacionárias persistentes decorrentes de aquecimento do mercado de trabalho temos que olhar para o desemprego-sombra como termômetro mais apropriado do balanço entre demanda e oferta naquele mercado.

A segunda condição para a estabilidade da inflação, também notada na coluna anterior, diz respeito ao comportamento das expectativas. Tivemos, não faz muito tempo, a oportunidade de observar – graças ao trabalho desastroso de Alexandre Pombini e colegas – o que ocorre quando o BC perde o controle das expectativas. Mesmo com aumento considerável do desemprego então, que dobrou de 6,5% a 13,0%, a inflação atingiu dois dígitos, caindo muito lentamente até que uma nova diretoria assumisse a instituição.

Hoje as expectativas permanecem bem-comportados, mesmo em face de aumento considerável da inflação de curto prazo. O recente anúncio do aumento de tarifas de energia elétrica no final do ano elevou as previsões de inflação para 2020, mas levou à redução das projeções para 2021, indicação que não se espera repasse deste aumento para os demais preços. De fato, a redução da previsão de inflação para o ano que vem resulta tanto da projeção menor para preços administrados (já que o aumento da energia ocorrerá em 2020), quanto dos chamados preços livres.

Podemos contar com isso indefinidamente?

Não, e o relógio corre contra nós. As perspectivas de contas públicas seguem se deteriorando, fenômeno que pode ser agravado caso a segunda onda obrigue à prorrogação de medidas como o auxílio-emergencial e a ajuda aos estados, ainda que em escala menor.

Sem medidas de correção do desequilíbrio fiscal o espaço para uso da política monetária quando a economia se normalizar vai se tornar reduzido e, no limite, inexistente. Se chegarmos a tal situação – provável caso reformas permaneçam no limbo – perderemos o controle das expectativas.

É preocupante, pois, a paralisia nessa área. Tanto Executivo quanto Legislativo só têm olhos para a sucessão das mesas diretoras das casas do Congresso, enquanto a dívida não para de crescer. Se, e quando, nos movermos, pode ser pouco demais e tarde demais para lidar com o problema. Acima de tudo, precisamos urgentemente de um forte sentido de urgência.


(Publicado 9/Dez/2020)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Ainda 21%

Os dados mais recentes apontam para melhora no mercado de trabalho, mas o desemprego pela métrica que parece mais adequada segue na casa de 21%. A enorme folga no mercado de trabalho é uma poderosa força desinflacionária, mas não nos livra de manter as expectativas de inflação devidamente ancoradas.

Os sinais da recuperação modesta do mercado de trabalho se tornaram mais nítidos quando o IBGE divulgou a PNAD referente a setembro e também deram uma ideia clara do longo caminho a percorrer.

Começando pelas boas notícias, a ocupação sazonalmente ajustada voltou a subir em setembro depois de seis meses consecutivos de queda. No entanto, conforme já alertei, o IBGE divulga a média de três meses, menos volátil que o número bruto, porém mais lenta para capturar eventuais alterações de tendência. Já a estimativa do número para o mês de setembro revela a ocupação na casa de 84 milhões de postos de trabalho contra 80 milhões em julho e 82 milhões em agosto.

Isso dito, apesar do ganho expressivo nos dois últimos meses, o nível dessazonalizado ainda se encontra muito abaixo do registrado logo antes da crise, quando a ocupação se encontrava no nível mais elevado da história, pouco acima de 94 milhões, equivalente a 55% da população em idade de trabalhar (hoje essa proporção se encontra próxima a 48%).

Observada pela ótica da situação no emprego, a melhora se ampara nos trabalhadores “informais”, categoria que inclui tanto aqueles sem carteira de trabalho, como os que trabalham por conta própria e empregadores (sem CNPJ, no caso dessas duas categorias), os mais atingidos pela epidemia.

A taxa de desemprego, todavia, seguiu em alta, atingindo perto de 15% em setembro, em aparente contradição com o ganho de emprego. O motivo por trás desse comportamento é o aumento daqueles em busca de emprego.

A proporção dos engajados no mercado de trabalho, seja trabalhando, seja buscando emprego (conhecida como “taxa de participação”), havia caído de níveis próximos à sua média histórica (61,5% entre 2012 e 2019) para um mínimo de 54,7% em julho e agosto, antes de voltar a se elevar moderadamente para 55% em setembro, correspondente a cerca de 800 mil pessoas a mais buscando trabalho no período.

Obviamente, a forte queda da taxa de participação entre fevereiro e julho atuou no sentido oposto, qual seja, reduzindo a taxa de desemprego, já que mais de 12 milhões de pessoas abandonaram o mercado por força da crise.

Nesse sentido, o melhor termômetro do desemprego não me parece ser a taxa de desemprego como normalmente calculada, mas a taxa de desemprego que teria se materializado caso a taxa de participação tivesse se mantido inalterada na média de 2012 a 2019, do início da PNAD até o fim do ano passado. Essa métrica (“desemprego sombra”) sugere que a desocupação, que caíra para 9,5% no final de 2019 e começo de 2020, atingiu inacreditáveis 23% em julho, antes de recuar para 21% em setembro, muito acima dos 15% registrados pelo IBGE, conforme ilustrado logo abaixo.

Fonte: Autor com dados do IBGE

Em suma, apesar da melhora nos dois últimos meses, ainda temos um mercado de trabalho extraordinariamente deprimido. Sua recuperação, sempre pensando em termos da taxa de “desemprego sombra”, deverá ser lenta.

De fato, dos 12 milhões de postos perdidos entre fevereiro e julho, perto de 9 milhões foram no setor de serviços. Dado que este representava 53% do emprego logo antes da crise, não é difícil concluir que foi desproporcionalmente atingido pela epidemia, muito em função da necessidade de distanciamento social.

Essa necessidade persiste, ainda que atenuada, e é a principal responsável pelo fraco desempenho dos serviços comparado à produção industrial e às vendas no varejo. Não é por outro motivo que as últimas já se encontravam em setembro acima dos níveis observados em fevereiro, enquanto aquele permanecia ainda 8% abaixo do registrado naquele mês.

A enorme folga no mercado de trabalho representa um forte componente desinflacionário, desde que expectativas de inflação se mantenham próximas às metas. Nesse sentido, muito embora haja um choque de preços considerável em curso, em parte por força do encarecimento simultâneo do dólar e das commodities, em parte pela recomposição parcial de preços de serviços, há ainda razões para crer que tal fenômeno seja temporário.

Há, todavia, ao menos duas questões importantes, que explorarei com mais detalhes em outra coluna. Em primeiro lugar, se a taxa de desemprego sombra será relevante para o processo inflacionário à frente (creio que sim, mas com ressalvas) e, em segundo lugar, se há motivos para que expectativas de inflação permaneçam ao redor da trajetória, ponto sobre o qual as dúvidas são mais intensas.

Em suma, enquanto persistir a epidemia e com ela o distanciamento social, dificilmente o setor de serviços retornará aos níveis pré-crise, com implicações claras para o mercado de trabalho. Embora o desemprego sombra deva continuar em queda lenta, não voltará para perto de onde estava no começo do ano antes de um longo intervalo, possivelmente até o terceiro (ou quarto) trimestre de 2021, a menos de vacinação bem mais intensa do que hoje parece factível.

(Publicado 2/Dez/2020)