Dentre as parcas vantagens do envelhecimento, tema mais premente a cada Ano Novo, o acúmulo de erros, que nos indica quais rumos não tomar, é das maiores. Previsões econômicas, por exemplo, ainda que mercadoria muito apreciada na virada do ano (não sei bem por qual motivo), são um verdadeiro convite ao desastre. Mesmo titãs da profissão não escaparam, em algum momento, de desperdiçar uma oportunidade histórica de manter a boca fechada. É verdade que, como economista, não tenho como fugir delas, mas a experiência nos ensina algumas coisas a respeito, em particular que previsões sobre coisas que não irão ocorrer são bem menos arriscadas do que o valor exato da taxa de câmbio às 16:00 do dia 30 de dezembro de 2011.
Obviamente não me refiro aqui a impossibilidades práticas (prever que não haverá um voo tripulado a Marte em 2011 é uma barbada, embora provavelmente irrelevante), mas sim a fatos que podem ter alguma importância para as decisões que terão que ser tomadas este ano.
Assim, por exemplo, é claro que não ocorrerá um reforma tributária no Brasil (já a criação, ou re-criação, de novos impostos é um risco sempre presente). Da mesma forma, prevejo que não reformaremos as regras trabalhistas, nem resolveremos a questão previdenciária. Entretanto, antes que isso se transforme numa triste paródia do capítulo final de Brás Cubas (“não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro”, encerrando-se com o insuperável “não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”), é conveniente antecipar o que de importante não ocorrerá: o ajuste fiscal.
Sejamos, porém, um pouco mais precisos: não é impossível que, depois da farra de 2009-2010, haja alguma melhora das contas públicas. Por outro lado, não há indicações que tal melhora será suficiente para neutralizar os efeitos da expansão passada.
Concretamente, o Banco Central, em seu último Relatório de Inflação explicitou que espera um superávit primário consolidado da ordem de 3% do PIB em 2011. Mesmo sob estas condições, porém, o BC indica que a Selic teria que ser aumentada até 12,25% ao ano para que a inflação retorne à trajetória de metas.
Dado que o superávit primário do setor público atingiu 2,5% do PIB nos 12 meses terminados em novembro, os mais inocentes podem acreditar que bastaria um pequeno aperto para atingir o valor programado em 2011. Todavia, as contas fiscais têm passado por uma deterioração expressiva também no que diz respeito à qualidade das estatísticas. O exemplo mais famoso (mas longe de ser o único) foi a contabilização de R$ 32 bilhões de reais (0,9% do PIB) associados à capitalização da Petrobrás como receita da União. Uma vez que se corrija o resultado primário, retirando toda contabilidade criativa, estimamos que, na verdade, este tenha ficado em torno de 0,9% do PIB no período.
Aplicando a mesma correção à meta fiscal, chegamos à conclusão que o setor público teria que atingir um superávit primário ajustado de 2,7% do PIB em 2011 para ser congruente com a hipótese do BC, ou seja, um ajuste de 1,8% do PIB.
Trata-se de corte muito mais profundo do que o observado nos dois episódios anteriores de contração fiscal, em 1999 e 2003, quando o gasto público caiu respectivamente 0,6% e 0,8% do PIB. Note-se, ademais, que, em ambos os casos, foi a alta da inflação a responsável pela redução mais expressiva das despesas. No entanto, como hoje o ajuste fiscal se impõe precisamente para reduzir a inflação, valer-se dela para reduzir o gasto deixou de ser uma prática aceitável.
À luz destas considerações é muito difícil que se produza um ajuste fiscal compatível com o presumido pelo BC, sugerindo a necessidade de um aperto monetário ainda maior. Afirmei nesta coluna que, mais cedo ou mais tarde, a conta do descalabro chegaria. Parece que esta previsão foi acertada.
Esta até ele acerta |
21 comentários:
Politicamente, e creio que tecnicamente (economia também não é minha área) o momento ideal para um ajuste fiscal seria agora, no começo de governo, período "bundinha limpa" e, numa boa condução deste ajuste, poder-se-á colher bons frutos no transcorrer do mandato.
A despeito das práticas ilusionistas que possam vir a existir, tais como as efetuadas em Petrobrás e Eletrobrás, há pouca margem para erro.
A conta do descalabro....Excelente!
Enquanto isso, nos dutos palacianos, são discutidas o preenchimento para as vagas do 2º escalão....e nem chegamos na imensa quantidade do 3º escalão!
A coisa toda promete!!!
Brados
Na última vez que o PMDB foi poder chegamos à hiperinflação, foi no final do governo Sarney, sim pois não podemos dizer que aquele não era um governo do PMDB, quem fez o Cruzado? Quem tinha 26 governadores? Ulysses comandava o Congresso. Agora com Sarney e Temer a bordo a fatura foi apresentada no 1º dia do governo. Não acredito em ajuste fiscal nenhum e se o BC não for independente pra valer, corremos sérios riscos de perda de controle dos preços.
Grande Alex,
Compartilho do mesmo pensamento que voce quanto as contas publicas.
Contudo, acredito que o governo atual não eh assim tao contrario a inflacao.
Em minha opiniao, o ajuste fiscal sera feito via volta da inflacao. Uma inflacao ao redor de 8% ajuda nas contas publicas, e o governo nao me parece tao preocupado com uma inflacao dessa magnitude.
Adolfo
Mantega nao vai insistir no ajuste fiscal porque seria uma humilhacao maior ainda:
- Nos precisamos cortar gastos correntes!
- Cala a boca e faz o seu trabalho.
- Mas...
- Hey, cuidado para nao morder!
"Em minha opiniao, o ajuste fiscal sera feito via volta da inflacao. Uma inflacao ao redor de 8% ajuda nas contas publicas, e o governo nao me parece tao preocupado com uma inflacao dessa magnitude."
Provavelmente sim, mas aí como fica o papel do ajuste fiscal para ajudar na redução da inflação?
Acredito em mais do mesmo. Corte profundo na rubrica investimento, inflação acima do centro da meta, aumento de impostos e a Selic acima do que o Focus estima. Ah! e continuarei estacionando meu carro em cima do canteiro no aeroporto de Cumbica, já que este governo não faz privatização, PPP, ou seja, P...nenhuma!
E Cumbica vai continuar parecendo uma estacao rodoviaria.
Adolfo pegou pesado com inflação de 8%; isto é terrorismo econômico! "Assim não pode, assim não dá"!
Muito engraçado,... hihihihihhh
Saliento o 'saudável' movimento midiático, voltado ao incremento da poupança interna e, inclusive, uma elevação de status da educação financeira junto à população de baixa renda (olha eu aí!). Outra tendência em via de consolidação, a propaganda da sustentabilidade "verde" da produção, nos mais elevados padrões de exigência quanto ao mínimo impacto sobre a natureza.
O homem não muda, mas o planeta já o colocou em banho-maria, a um passo da fritura; a chapa vai esquentar logo, logo (próximas décadas).
Caro Alex, acho q a questão fiscal é mais maquiavelica do que isso... como o que vale eh o esforço relativo, considerando que as contas sem maracutaias sejam 0,9% do PIB, mesmo que o superávit de 2011 (tb sem maracutaias) seja 2,0%, para a política monetária o ajuste fiscal teria sido feito, uma vez que ele considerou as contas de 2010 com maracutaia. Portanto acho que o ajuste fiscal orçamentário será entregue... o que me preocupa é o que será feito nas contas parafiscais. uma mp do final do ano autorizou o tesouro a emitir títulos para financiar o FSB e este a investir em ativos brasileiros no brasil, como não acredito em coincidências, acho que teremos um BNDES do B operando a pleno vapor em 2011... se o mercado vai engolir essa...
Já esse filme antes, a inflação vai subindo, o PIB também, os salários também, até um certo ponto, aí pimba vem um choque de oferta qualquer, seja por um problema interno ou externo e essa porra foge de qualquer controle. Lembrem-se do final do "milagre" e começo do governo Geisel.
arrisco aqui a repetição do inicio do governo lula: dois primeiros anos de parcimonia fiscal, parecida com 2003 (=~ 1% do PIB) e depois solta a corda e deixa o aumento de receitas via crescimento forte (6%a.a.) cuidar do recado..
o osso ficará para esses dois primeiros anos, tal como a época do alex, bevilaqua, palocci, et cetera
Doutrinador
Off Topic:
Ben Bernanke sobre Quantitative Easing
Absolutamente impagável. Duas entrevistas de Ben Bernanke sobre Quantitative Easing, numa ele diz que QE não significa imprimir moeda e na outra que é imprimir moeda. Jon Stewart escarnece merecidamente de Helicopter Ben.
By Selva Brasilis
http://www.thedailyshow.com/watch/tue-december-7-2010/the-big-bank-theory
... E o Adolfo venceu o debate...
Dilma e seus porquinhos mais o PMDB, levarão o Brasil novamente aos "bons tempos" da inflação menos pela ideologia e mais pela incompetência em manipular as ferramentas econômicas. Ela pode ser incompetente como mostra o seu histórico, mas é autoritária, pretensiosa e refratária a alterações flexíveis que sejam necessárias para solucionar situações. O QUE ACONTECERÁ COM O BRASIL QUANDO SE ALIJAM OS QUE ESTUDARAM E CONHECEM E OS SUBSTITUEM PELOS PRETENCIOSOS IGNORANTES E SECTÁRIOS? EU SEI POR QUE EU MANDO e ... fim de papo... Inflação nos botocudos...a equipe que está ahi não vai segurar, eles estão ahi para enganar e permanecer...
Off Topic
Claro que concordo com a críticas ao QE, ao QE2 ao QE3 e a todos os QEs que virão por aí. Dito isto, tem um ponto que me incomoda, trata-se da reação de alguns países á desvalorização do dólar, ou, nas palavras de nosso Ministro da Fazenda:
“Não mediremos esforços para impedir que o dólar derreta, seja direta ou indiretamente” (peguei esta no Mão Visível)
O que acontece quando um país emite moeda e outro país não permite que o câmibio se ajuste? Se bem me lembro quem primeiro me chamou atenção para este problema foi o Marco Martins. O país emissor de moeda passa a ter condições de comprar todos os ativos do país que impediu o ajuste do câmbio.
Nesta perspectiva o QE é uma forma de transferir renda do resto do mundo para os EUA por uma espécie de imposto inflacionário. A maneira de impedir esta transferência seria permitir a desvalorização do dólar, mas as auotridades impedem este ajuste.
No final acontece o seguinte. O FED emite dólares, parte significativa destes dólares vai para o exterior. Os dólares que vão para o exterior tem o poder de compra de antes da emissão (pois o ajuste do câmbio foi impedido), estes dólares compram ativos que passam a gerar renda (com juros altos, no caso brasileiro) que pose ser enviada para os EUA ou usada para comprar mais ativos. Note que esta renda é real, originada de ativos não de moeda.
Não sei mensurar o efeito disto, muito menos posso afirmar que é isto que o FED está pensando. Mas se os doláres do QE forem para o exterior e os países que o receberem não permitirem o ajuste do câmbio, existe a possibilidade de aumento da renda real nos EUA.
Abraço,
Roberto
O Mansueto, não só assina embaixo do que escreveu o Alex, como mostra o monumental erro de estimativa de arrecadação na LOA/2010.
"A Nota Técnica 10/2010 da Câmara dos Deputados, relativa a terceira avaliação orçamentária de 2010 (veja na pagina da câmara), mostra que tivemos frustrações de receitas de Imposto de Renda (R$16,9 bilhões), COFINS/PIS, (R$ 12,2 bilhões) e CSLL (R$ 9,3 bilhões) em relação ao que havia sido programado"
Um errinho de 1,5p.p.do PIB!!! ZELITE? Preparem os bolsos
Meus caros,
Só um pequeno comentário sobre a inflação. A questão aqui é prática, não ideológica. O governo vai preocupar com a inflação na medida que esta diminua seu capital político. Eu não tenho condições de fazer esta análise(inflação x capital político), mas diversos estudos empíricos já comprovaram esta relação. O que eu não sei é se a inflação sobe de 5% para 8%, o capital político do governo se altera tanto? É possível que sim. No final, teremos aumento da carga (criação de novo de uma CPMF e aumento de alíquotas em suposta "reforma tributária") e queda nos gastos em investimento. A questão não é ideológica. Quem está no governo é extremamente pragmático e não deixará a inflação subir. O risco é a volta paulatina de medidas heterodoxas (controle de preços, volta do CIP, estas coisas). Quem pensa quemágicas seriam coisas do passado é só olhar as coisas assustadoras que fizeram nas contas públicas nos últimos anos.
Saudações
interessante a observação do Roberto em 5 de janeiro de 2011 21:33.
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“Não sei mensurar o efeito disto, muito menos posso afirmar que é isto que o FED está pensando. Mas se os doláres do QE forem para o exterior e os países que o receberem não permitirem o ajuste do câmbio, existe a possibilidade de aumento da renda real nos EUA.”
Isso não é exatamente correto. Se não houver ajuste na taxa de câmbio entre o dólar e o yuan (a única taxa de câmbio que importa E está de facto fixa), os EUA provavelmente vão continuar rodando déficits em conta corrente e piorando sua posição de passivo líquido internacional. Uma deterioração da posição de passivo líquido internacional significa uma redução da renda real.
"Isso não é exatamente correto. Se não houver ajuste na taxa de câmbio entre o dólar e o yuan (a única taxa de câmbio que importa E está de facto fixa), os EUA provavelmente vão continuar rodando déficits em conta corrente e piorando sua posição de passivo líquido internacional. Uma deterioração da posição de passivo líquido internacional significa uma redução da renda real."
Como disse não sei mensurar o tamanho do efeito que descrevi, talvez não seja tão relevante. O fato é que, teoricamente, se o câmbio ficar fixo e a China não fizer emissões equivalentes aos EQs, ou algo que aumente os preços em yuan, os EUA podem comprar até a Grande Muralha emitindo dólares. Claro que também é possível que eles comprem tranqueiras, o que daria um efeito diferente do que descrevi.
De toda forma para não pagar imposto inflacionários aos EUA ou o país permite a desvalorização do dólar ou realiza uma emissão semelhante com inflação interna. Não vejo outra alternativa, que fique claro que olho da perspectiva de quem trabalha com modelos sem moeda...
Abraço,
Roberto.
P.S. O comentário original está no Blog do Adolfo, não sei como veio parar aqui.
Capital político? A classe média que não votou na Dilma já toma naba faz tempo, todos os serviços subiram muito acima da inflação no governo Lula. Agora quem está mais arriscada são as pessoas de baixa renda pois os aumentos são muito fortes em alimentos e tarifas como o ônibus e não se esqueça que o IGPM de 11% vai reajustar todas as tarifas públicas, se o raciocínio é por aí esse capital político vai derreter logo logo.
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