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terça-feira, 25 de março de 2014

A homenageada ausente

“Hipocrisia”, dizia Oscar Wilde François de La Rochefoucauld (*), “é a homenagem que o vício presta à virtude”. E, se não lhe faltam homenagens no pacote de medidas para auxiliar o setor elétrico, a verdade é que a virtude propriamente dita não compareceu ao tributo.

É claro, pela formulação do pacote, que o governo não gostaria de ver inflação mais alta, nem de registrar deterioração adicional em suas contas fiscais, dois objetivos sem dúvida virtuosos. O problema, como de hábito, é que, por trás da aparente retidão, as medidas adotadas somente disfarçam os problemas (ou os empurram com a barriga), sem atacar nenhum de suas causas.

A redução a fórceps das tarifas de energia em 2013 e a seca deste ano produziram uma situação delicada no setor elétrico. Como as empresas distribuidoras de energia não conseguiram contratar 100% de suas necessidades no ano passado por conta da truculência governamental no trato com as geradoras, precisam agora comprar energia termoelétrica, mais cara, no mercado à vista, pois a seca não permite o pleno funcionamento das hidroelétricas.

Têm, assim, comprado energia por preço mais alto do que são autorizadas a vendê-la, replicando, em certa medida, a mesma situação pela qual passa a Petrobrás. Não há, porém, milagre de gestão que faça uma empresa, em qualquer ramo, ganhar dinheiro vendendo seu produto por um valor menor que custam seus insumos e as distribuidoras não são exceção à regra.

Note-se que esta situação já ocorria desde o ano passado, quando os níveis dos reservatórios ainda se encontravam em condição razoável. A seca agravou o problema, mas está longe de ser a única causa. Tanto é que já em 2013 o governo foi obrigado a desembolsar R$ 8 bilhões para ressarcir as empresas (outros R$ 4 bilhões vieram de fundos de reserva do setor, agora devidamente esvaziados).

Este aumento de custos precisaria ser repassado ao consumidor. Por menos que gostemos de pagar mais caro por alguma coisa, o funcionamento de qualquer mercado minimamente eficiente requer que preços reflitam custos (tanto quando sobem como quando caem) e isto também vale, aliás, crucialmente, no que se refere à energia.

Caso tivéssemos a inflação (e principalmente suas expectativas) sob controle, esta reação levaria a uma aceleração provavelmente temporária, que poderia ser absorvida pelo intervalo de dois pontos percentuais ao redor da meta. Como, porém, desafiando as melhores práticas, permitiu-se que o intervalo fosse usado para acomodar uma taxa de inflação persistentemente mais elevada, não há espaço para qualquer aumento de preços este ano.

Há também, sem dúvida, receios quanto aos danos políticos que poderiam resultar da elevação de tarifas num ano eleitoral, também presentes na decisão de não reajustar adequadamente os preços de combustíveis.

Assim o governo acena com aumentos apenas em 2015, sendo, pois forçado a auxiliar financeiramente as empresas já em 2014. No entanto, para evitar mostrar o dano em suas contas, decidiu aportar apenas R$ 4 bilhões (além dos R$ 9 bilhões já no orçamento) para este fim. Estima-se que R$ 8 bilhões adicionais seriam necessários, mas estes recursos seriam tomados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), um ente privado, de modo que os empréstimos não apareceriam nas contas do setor público.

Considerando, contudo, que o orçamento para 2013 da CCEE foi da ordem de R$ 150 milhões, parece claro que qualquer empréstimo à empresa ou virá de bancos públicos, ou será garantida pelo Tesouro (ou ambos). A contabilização do empréstimo fora do setor público é mera formalidade, que muda a aparência, mas não a natureza do subsídio.


Esta preocupação é louvável apenas pelo reconhecimento implícito da virtude; como toda instância de contabilidade criativa, porém, serve apenas para erodir a já escassa confiança em qualquer dado que provenha do governo.


(*) Obrigado Sergio Lamucci!

(Publicada 19/mar/2014)

sábado, 22 de março de 2014

Lançamento livro Complacência de Fabio Giambiagi e Alexandre Schwartsman

No dia 8/abril, terça-feira, a partir das 18:30, Fabio Giambiagi e eu participaremos do lançamento de nosso livro Complacência, publicado pela Campus-Elsevier Editora, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (Av. Paulista, 2073, piso térreo), com prefácio de Eduardo Loyo, orelha de William Waack e contracapa de Fábio Barbosa. Será um prazer, assim como uma honra, recebê-los.

Esperamos vocês lá.

Abraço forte,

Alex



terça-feira, 18 de março de 2014

O regime do presidente

Segundo a Folha de S. Paulo, Lula teria afirmado que “a defesa do emprego é mais importante que a inflação”, gerando certo desconforto. Na tentativa de desfazê-lo o ex-presidente negou a frase, que, de acordo com a gravação é: “Eu não quero que tenha desemprego para poder melhorar a inflação. Eu quero melhorar a inflação com pleno-emprego”.

As frases são realmente distintas. A primeira, renegada, se baseia numa noção falsa. Já a segunda, sem incorrer no mesmo erro, revela um desejo que, se não estritamente impossível, permanece improvável na prática, em particular sob as condições que vivemos hoje. A exploração destas diferenças deve ajudar a iluminar o problema.

Parece haver ainda quem acredite numa oposição permanente entre inflação e desemprego (ou crescimento), ou seja, que a manutenção de taxas reduzidas de inflação requereria desemprego elevado e, simetricamente, que uma inflação mais alta permitiria desemprego menor. Assim, caberia ao governo escolher a combinação entre desemprego e inflação que melhor expressasse as preferências do público.

A justificativa soa óbvia. Quando o desemprego cai, os salários se aceleram; caso seu aumento (digamos 10%) ultrapasse o da produtividade (digamos 5%), os custos por trabalhador subiriam (4,8%) e pressionariam a inflação. Pelo mesmo raciocínio, o aumento do desemprego levaria à desaceleração dos salários, portanto inflação mais baixa.

Embora intuitiva, a história deixa de lado um aspecto importante. De fato, quando o mercado de trabalho aperta, trabalhadores demandarão salários mais altos, mas, como não são tolos, conseguem distinguir entre aumentos salariais nominais e reais, isto é, se o aumento prometido será, ou não, suficiente para repor o custo de vida mais elevado.

Isto dito, como todos nós, não sabem exatamente como a inflação irá se comportar ao longo do período em que seus salários foram fixados (um ano, por exemplo); tratam, portanto, de incorporar aos salários suas expectativas de inflação para os próximos 12 meses. Caso acreditem que a inflação se acelerará porque o governo prefere reduzir o desemprego, adicionarão às suas demandas uma parcela que reflita expectativas mais elevadas.

Este processo, contudo, termina por frustrar a queda do desemprego, já que os salários reais não se alteram muito (só pelos erros naturais de previsão). Não é possível, pois, “comprar” menos desemprego (ou mais crescimento) com mais inflação, pelo menos não de forma persistente. Quem buscar defender o emprego à custa de mais inflação terminará apenas com inflação mais alta, sem ganhos do ponto de vista de desemprego.

Tendo isto em mente, saindo de uma situação com inflação acima da meta, seria em tese possível reduzi-la mantendo a economia em pleno-emprego (isto é, o desemprego na sua “taxa natural”), desde que as expectativas de inflação convergissem para a meta. Já do ponto de vista prático, as dificuldades são enormes.

Para começar, o desemprego deveria estar próximo à “taxa natural”, isto é, aquela em que os aumentos de salários nominais (deduzidos do aumento da produtividade) se encontrassem próximos à meta de inflação. Adicionalmente as expectativas deveriam também estar na meta.

Segundo, porém, os dados do IBGE os aumentos salariais andam na faixa de 8% a.a., contra crescimento da produtividade inferior a 1% a.a. Já as expectativas se encontram ao redor de 6% a.a., deixando claro que as condições para uma desinflação sem custos não se encontram presentes, em boa parte devido à política desastrada do BC a partir de 2011.

Neste contexto, “melhorar a inflação com pleno-emprego” equivale a tentar perder peso sem fazer regime.


Do ponto de vista político é sempre bom prometer ganhos sem sacrifícios; na prática, o difícil é transformar estas promessas em realidade. Exatamente por isto a inflação não irá cair e, mais à frente, será o desemprego a subir.

 Inflação baixa, crescimento alto e curo unha encravada!


(Publicado 12/Mar/2014)

terça-feira, 11 de março de 2014

O principal gargalo

“Foi um ano de PIB mais fraco, abaixo das nossas expectativas. Mas com trajetória positiva de aceleração e que vai continuar”, disse o Ministro da Fazenda. “Segundo Mantega, a expectativa do governo para o crescimento do PIB em 2013 é de 3% a 4%”.

2013?! Não, não é um erro de digitação, mas sim a entrevista de Mantega há um ano, comentando os resultados do “pibinho” de 2012 e, para não perder a viagem, prevendo – errado como sempre – um desempenho muito melhor no ano que passou. Agora sabemos que o crescimento em 2013 atingiu modestos 2,3%, sem dúvida melhor do que 1% registrado em 2012, mas igualmente distante dos 3,5% (a média entre 3% e 4%) prometidos à época.

Aparentemente imune a qualquer experiência de aprendizado, contudo, o ministro repete a mesma ladainha, apelando inclusive para o mesmo argumento: o comportamento do último trimestre do ano, tanto agora como então algo superior ao esperado pelo mercado.

A verdade, porém, é que o desempenho medíocre de 2013 revela mais das fraquezas do nosso modelo de crescimento do que o ministro e sue trupe têm condições de entender. Não há como manter um ritmo decente de desenvolvimento baseado no consumo crescente, seja das famílias, seja do governo.

Apesar da expansão mais vigorosa do investimento, o principal motor da demanda no ano passado foi o consumo, cuja contribuição explica praticamente dois terços do aumento do PIB de 2013. Em consequência, a poupança do país encolheu ainda mais, de 14,6% para 13,9% do PIB, insuficiente para financiar até o modesto nível de investimento (18,4% do PIB) registrado no período.

A contrapartida do baixo investimento é o aumento não menos medíocre da produtividade. Tomada a valor de face, esta teria crescido 1,5% no ano passado, já que o produto aumentou 2,3% e o emprego 0,7%. Ocorre que, se crermos nisso, também seríamos obrigados a acreditar que em 2012 (quando o produto aumentou 1% e o emprego 2,2%) a produtividade teria caído 1,1%, o que me parece um absurdo.

“Limpando”, porém, estas flutuações, estimo que o produto por trabalhador tenha crescido a uma velocidade média ao redor de 0,7% a 0,8% ao ano no período mais recente, desempenho para lá de insatisfatório. Assim, se tomarmos a média do crescimento dos últimos 3 anos (2,1% a.a.), a contribuição do aumento da produtividade é minúscula, apenas 0,4% a.a.,  vindo o restante (1,7% a.a.) da expansão do emprego. Trata-se, pois, de crescimento baseado na “força bruta”, cujos limites se tornam visíveis à medida que se esgota o estoque de trabalhadores desempregados.

As perspectivas, portanto, não são particularmente animadoras. O consenso de mercado aponta para uma expansão da ordem de 1,7% em 2014. Mesmo notando que nos últimos dois anos o crescimento foi menor que o esperado pelos analistas, parece ser uma projeção bastante razoável. Já a previsão (sempre mais otimista) do ministro, a saber, uma taxa de crescimento maior em 2014 do que em 2013, requer uma aceleração que parece além da capacidade do país, fundamentalmente por conta dos gargalos de mão-de-obra, infraestrutura e produtividade.

Já passou o momento de mudarmos nosso modelo de crescimento. Este funcionou bem enquanto a economia dispunha de folga considerável de recursos, isto é, desemprego e capacidade ociosa elevados, que podiam ser mobilizados rapidamente pelo estímulo à demanda.


Sem estas condições, porém, o crescimento requer mais do que isto. São necessárias reformas que destravem o crescimento da produtividade, um clima de negócios que incentive o investimento (e não a busca de favores governamentais) e o aumento da poupança, pela redução do gasto público. O principal gargalo neste contexto é a falta de capacidade intelectual e gerencial no governo que permita esta imprescindível correção de curso; é isto, mais que qualquer outro fator, que nos condena a uma triste seqüência de “pibinhos”.

Não sobrou nenhum...

(Publicado 5/Mar/2014)

terça-feira, 4 de março de 2014

O orçamento e o vento

Quem acompanhou a divulgação do decreto de programação orçamentária pode ter se impressionado com a seriedade do governo. De acordo com a proposta, haveria redução de R$ 44 bilhões dos gastos federais, elevando o saldo primário (antes do pagamento de juros) em quase R$ 23 bilhões. A reação positiva do mercado, expressa na queda das taxas futuras de juros e no fortalecimento da moeda, reforçou esta percepção, sugerindo que, desta vez, a racionalidade econômica teria prevalecido.

Já quem acompanhou com cuidado a divulgação do decreto de programação orçamentária não pode ter se impressionado. De acordo com a proposta haveria aumento de R$ 88 bilhões dos gastos federais, o que não justificaria a reação positiva do mercado.

É menos confuso do que parece, prometo.

Em 2013 o governo federal gastou R$ 920 bilhões (19,1% do PIB). Em 2014, de acordo com o orçamento aprovado pelo Congresso, estes gastos estavam previstos para atingir R$ 1,052 trilhão (19,9% do PIB). O decreto da semana passada, porém, reduz a previsão de gastos para R$ 1,008 trilhão (19,3% do PIB), ou seja, R$ 44 bilhões a menos do que o projetado pelo orçamento, mas R$ 88 bilhões a mais do que foi efetivamente gasto em 2013.

Posto desta forma, os dois parágrafos iniciais se tornam menos contraditórios do que inicialmente sugerido: o governo teria feito uma redução expressiva de gastos relativamente ao nível que alcançariam sem sua intervenção, mas, ainda assim, a despesa federal superaria por larga margem o observado em 2013. Longe do ideal, mas a intervenção teria prevenido o pior, a saber, a materialização de todos os gastos inclusos no orçamento. Ambas as afirmações pareceriam, portanto, verdadeiras; todavia, a realidade não é tão equilibrada.

Ocorre que o orçamento no Brasil é uma obra (ruim) de ficção: ele não obriga que a despesa atinja o valor previsto; segundo a interpretação corrente, apenas autoriza o governo a gastar até o limite proposto. Assim, tipicamente o orçamento chega inflado ao Congresso, que trata de inchá-lo um pouco mais, seja do lado das despesas, seja do lado da receita. Historicamente, nunca o valor orçado das despesas se concretiza.

Na verdade, como parte do faz-de-conta orçamentário, todo começo de ano o governo publica um decreto estabelecendo o que, de fato, pretende fazer. Ou seja, todo ano o governo “corta” os gastos na comparação com os números exagerados do orçamento e apresenta este “esforço” como prova de seu compromisso fiscal.

Do ponto de vista prático, porém, todo ano o dispêndio federal aumenta na comparação com o ano anterior. Para ficar apenas no período mais recente, equivalia a 17,8% do PIB em 2010; caso o governo cumpra suas promessas, atingirá 19,3% do PIB este ano, um salto de 1,5% do PIB num mandato presidencial, exatamente a média observada para cada mandato desde 1999!

À luz destes números, pois, deve ficar claro que o anúncio da semana passada nada trouxe do ponto de vista de austeridade fiscal. O governo cortou “vento”, gastos que existiam apenas no fantasioso mundo do orçamento federal, permitindo, porém, que continuem crescendo a uma velocidade superior à do PIB.

Desta forma, a nova meta fiscal implicaria a geração de um saldo primário equivalente a 1,9% do PIB, justamente o número oficial observado no ano passado, correspondente, segundo minhas estimativas, a um esforço fiscal legítimo ao redor de 0,8% do PIB.

De qualquer forma, ao fixar a nova meta em patamar próximo ao realizado em 2013, o governo permitirá ao BC continuar com suas balelas acerca da “política fiscal se movendo na direção da neutralidade”, o que torna mais provável uma redução no ritmo de aperto da taxa de juros, de 0,50% para 0,25% na reunião do Copom.


Como jabuti não sobe em árvore, a programação fiscal para 2014 parece orquestrada para justificar a desaceleração da Selic; não, infelizmente, para reduzir a inflação.

Corto até vento!