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quarta-feira, 30 de abril de 2008

A outra morte anunciada

Não foi uma premonição, mas não deixa de ser curioso mencionar os problemas da Argentina numa semana e observar seu Ministro da Economia, Martin Lousteau, renunciar na semana seguinte. Há, diga-se, uma conexão profunda entre estes dois fenômenos e entendê-la pode ajudar a evitar que se cometam os equívocos que estão levando a economia argentina para a rota da instabilidade.

Lousteau caiu, em última análise, porque, apesar do discurso heterodoxo, começou a perceber o que todos os argentinos têm notado. Ainda que o índice oficial de inflação aponte para uma taxa de 8,8% em março deste ano, a verdadeira taxa de inflação parece ser muito mais alta. De fato, consultorias privadas estimam que a inflação possa ter atingido valores acima de 20% e as estimativas com base no deflator implícito do PIB põem a inflação a 18% no último trimestre de 2007, mais que o dobro da medida oficial.

Fato é que a inflação argentina é elevada e o governo sabe disto. Para conviver, porém, com esta dificuldade, tem tomado medidas que buscam mascarar o problema ao invés de resolvê-lo. Assim, preços têm sido controlados, direta (como no caso das tarifas públicas), ou indiretamente, por meio de tributos (retenciones) e outras medidas do gênero, que nós brasileiros conhecemos da experiência econômica dos anos 80, sem contar, é claro, com as suspeitas de manipulação dos índices de preços.

Tais expedientes, porém, estão chegando ao limite. Ao impedir que o sistema de preços funcione livremente, contratam-se novos problemas à frente. Assim, devido ao controle de preços a oferta não se expande para acomodar a demanda crescente, o que explica, por exemplo, o paradoxo de um país rico em gás ver sua produção cair 13% nos últimos quatro anos, gerando um nada desprezível risco de “apagão”. Da mesma forma, ao impedir e taxar as exportações de produtos agrícolas, o governo encomenda uma crise de abastecimento para o futuro, com conseqüências para o Brasil.

E qual a origem do problema inflacionário argentino? Simplesmente seu regime cambial e monetário. O BC argentino pratica o sonho de muitos economistas brasileiros: o câmbio só “flutua” para cima, graças à combinação das intervenções do BCRA e da política de juros que, como expliquei na última coluna, apóia as intervenções garantindo que a taxa doméstica de juros não fique muito distante da taxa internacional, devidamente ajustada ao risco-país.

No contexto, porém, de preços de commodities crescentes, este arranjo é a receita ideal para um enorme problema inflacionário. Por um lado, os preços de exportações em alta contaminam diretamente os preços domésticos. Por outro lado, como a melhora de preços de exportação implica apreciação da taxa real de câmbio, os preços dos produtos não-comercializáveis devem subir ainda mais, o que é possível graças à demanda doméstica, impulsionada por juros baixos. O resultado final é apreciação cambial por meio de inflação mais elevada, ao invés de apreciação da taxa nominal de câmbio.

Lousteau pretendia desacelerar a economia com juros mais altos (portanto permitindo que o câmbio apreciasse), alterando precisamente o regime monetário-cambial, o que acarretou sua renúncia. Não é difícil, pois, entender o que está na raiz do problema argentino. Difícil mesmo é entender como ainda existem economistas no Brasil (hoje algo escondidos) que defendem ser este o regime a ser seguido.

(Publicado 30/Abr/2008)

sexta-feira, 25 de abril de 2008

O fardo do economista neoclássico

Recebi o seguinte comentário. O Gustaf parece ser um rapaz inteligente (mesmo errando meu sobrenome), apenas sujeito às influências erradas. Respondi alguns pontos do comentário, mas espero ter deixado outro tanto para os freqüentadores habituais deste espaço.

Olá a todos do blog. Estou fazendo uma monografia para concluir minha graduação de Economia na UFRN, cujo tema é política fiscal e trata desta questão dessa discussão entre ortodoxos e heterodoxos. Eu ainda não decidi qual o referencial teórico que pretendo seguir, mas confesso que já estou com o conhecimento sobre economia heterodoxa plenamente consolidada, sobretudo devido à influência do meu ex-professor de Macroeconomia e atual orientador (que tem doutorado na UFRJ e que também é o mesmo professor do Cleiton). Devido a isso, eu ficarei agradecido se o professor Schwartzmann responder ao menos a algumas de minhas colocações, já que a opinião dele terá muito a acrescentar na minha pesquisa.

“Logo, um corte permanente de gastos públicos implica uma queda da tributação esperada cujo valor presente deve ser exatamente o valor presente do corte de gastos. Se a tributação for lump-sum (i.e., não causa distorção), o único efeito disto será aumentar o valor presente do consumo privado exatamente pelo valor do corte de gasto público.”

Eu suponho que aqui o professor Schwartzmann implicitamente cita a proposição de Barro - Ricardo. Segundo esse raciocínio, ao se dá conta que tem que pagar impostos menores no futuro, os consumidores, baseados em expectativas racionais, diminuirão a poupança privada na mesma proporção em que a poupança pública aumenta.

O problema da teoria de Barro-Ricardo são alguns fracassos de suas previsões em alguns países, como os Estados Unidos, por exemplo. A realidade mostrou que, diferentemente do que a teoria de Barro - Ricardo predizia, o consumo de cada família não é aproximadamente proporcional à sua renda permanente, ou seja, sua renda esperada no longo prazo. No manual de Macroeconomia do Blanchard que tenho disponível (Macroeconomia: teoria e política econômica) tem dados indicando que a razão entre a poupança privada e poupança pública nos EUA entre 1968-1994 mostra que não há evidência que o aumento do déficit público desde o início da década de 80 tenha sido compensado pelo aumento da poupança privada. Além disso, a famosa contração fiscal no governo Clinton foi mais que compensada pela política monetária acomodatícia de Greenspan e seus efeitos colaterais. Não só em Blanchard se vê isso, mas há literatura nacional disponível sobre o assunto:

Franklin Serrano ; BRAGA, J. M. . “O mito da contração fiscal expansionista durante o governo Clinton”. Economia e Sociedade (UNICAMP), v. 15, p. 213, 2006.

Na verdade, Gustaf, isto não é exatamente a proposição Barro-Ricardo, mas sim algo bem mais simples, a saber, a restrição orçamentária intertemporal, que estabelece, independente da decisão dos agentes privados, que o valor presente dos gastos do governo tem que ser menor ou igual ao valor presente das suas receitas (mais qualquer ativo líquido que o governo detenha).

A proposição ricardiana é algo distinta: estabelece que, dado o fluxo de gastos públicos, seu financiamento é irrelevante, i.e., tanto faz que seja via endividamento ou tributos, já que endividamento é apenas um acréscimo de tributação à frente.

Se, porém, os gastos forem reduzidos de forma permanente, ou a dívida será menor, ou os impostos serão menores, mesmo que os agentes não percebam isto no momento do corte de gastos.

Em particular, se os impostos distorcerem fortemente a alocação de recursos – como parece ser o caso brasileiro – a redução de gastos (e conseqüente redução de impostos) deve acelerar a taxa de crescimento.

Além disto, a redução de demanda pelo lado do gasto público (também é independente da proposição ricardiana) abre espaço para política monetária menos restritiva (mantida a inflação constante), e, portanto, tanto maior expansão da demanda doméstica privada, como maior crescimento da demanda externa (já que, com juro menor temos câmbio mais fraco e, com inflação igual, temos câmbio real mais fraco).

E o corte de gastos não é incompatível com a política econômica heterodoxa.

Pode até ser verdade, mas não vejo ninguém neste campo advogando redução do gasto público. Pelo contrário, é deste campo que vêm as teses do estado nanico, das propostas de contratação de mais X milhões de funcionários públicos, do “caráter financeiro” do déficit público (parafraseando Simonsen, “déficit não tem caráter”), e outras pérolas do gênero.

“O que possivelmente seu professor não disse é que toda esta análise (multiplicador, etc) refere-se apenas à demanda e pressupõe implicitamente que o nível de preços está dado, ou seja, que a oferta agregada é infinitamente elástica num determinado nível de preços. [...] e é onde se torna nítido que boa parte da análise keynesiana mais rasteira (no estilo UFRJ-Unicamp) só é relevante para níveis muito elevados de desemprego e capacidade ociosa.”

Na verdade, eu já conversei com ele sobre isso e o mesmo disse que o pensamento pós-keynesiano, assim como o de Keynes, não assume uma curva de oferta infinitamente elástica. Essa é uma premissa teórica dos “sraffianos” e alguns intérpretes de Keynes que tentam aproximar o britânico de Sraffa.

A curva de oferta de curto prazo keynesiana tem uma significativa inclinação positiva devido à lei dos retornos decrescentes (associada a escassez de insumos necessários à produção, escassez de trabalhadores qualificados, etc.). No longo prazo macroeconômico, devido à superação desses gargalos e estrangulamentos, a inclinação de curva de oferta fica bem mais elástica, mas ainda assim a elasticidade dela não fica no nível da elasticidade infinita. Isso implica que os pós-keynesianos vêem que a política fiscal dá melhores resultados no longo do que no curto prazo, já que é no longo prazo que as pressões inflacionárias se amenizam.

Ademais, os pós-keynesianos ainda citam que o efeito crowding-out associado a política fiscal expansionista pode ser contrabalançada pelo efeito do “acelerador keynesiano”.

De novo, Gustaf, alguém pode até elaborar isto tudo, mas, do ponto de vista do debate de política econômica não é o que se vê. Pelo contrário, não há qualquer menção a custos marginais crescentes, que implicam aceleração da inflação quando o produto efetivo se aproxima (ou supera) o potencial. O que se vê é, de novo, uma versão ingênua do “acelerador”, que imagina que, à medida que se aproxima do produto potencial a economia consegue, magicamente, elevar de tal forma seu investimento que o produto potencial nunca é atingido.

Traduzido para o debate tapuia, seus professores pós-keynesianos (de quermesse) afirmam que o crescimento do investimento cura até unha encravada. Só não mencionam que este investimento representa 17,5% do PIB, nível que só justificaria um crescimento de PIB potencial acima de 5,5% a.a. num país no qual o crescimento da PTF fosse astronômico (não é nosso caso), ou que a força de trabalho estivesse crescendo aceleradamente (também não).

Citação de citação:
“Pedro: ‘Minhas recentes incursões pela mentalidade heterodoxa me deram algumas pistas sobre esse viés ‘Bem contra o Mal’. Em uma péssima interpretação de Keynes, a pedra fundamental do pensamento ufrj-unicamp é o seguinte: só há trade-off entre consumo e poupança em termos individuais. No agregado, esse trade-off deixa de existir, E NÃO É NECESSÁRIO REDUZIR CONSUMO PARA AUMENTAR POUPANÇA E INVESTIMENTO, POIS AFINAL SEMPRE EXISTE DESEMPREGO E RECURSOS OCIOSOS. NA VERDADE, AUMENTAR O CONSUMO AUMENTA A RENDA E O INVESTIMENTO E O CRESCIMENTO ECONÔMICO DE LONGO PRAZO’.”

Sim, keynesianos realmente consideram que a soma das partes do produto- consumo, investimento privado, gastos do governo e exportações líquidas de bens e serviços - é igual ao todo, mas não que a renda e o produto são dados. Sobre esse assunto, Luiz Fernando de Paula já disse que:

“A falácia da composição neste caso é supor que um aumento na poupança dos agentes (microeconômica) - ou seja, da fração poupada de sua renda - levará necessariamente a um aumento na poupança agregada da economia (macroeconômica). Naquilo que ficou conhecido como ‘paradoxo da parcimônia’, Keynes mostrou que toda tentativa de poupar mais, reduzindo o consumo, age de tal modo sobre a renda que acaba anulando a si mesma. Como no nível macroeconômico a renda é determinada pelas decisões de gastos de todos os agentes (indivíduos e firmas), se todos eles (ou parte importante deles) resolverem diminuir seus gastos de consumo para poupar mais o efeito final será uma redução na renda deles - de tal modo que a poupança agregada continuará a ser exatamente igual a antes. O equívoco neste caso é pensar a renda como dada, como algo estático.” (http://www.desempregozero.org.br/artigos/keynes_pac.php)

Aqui Gustaf você está invertendo o raciocínio. Mesmo que o aumento da poupança individual possa não se traduzir em aumento da poupança agregada, em situações nas quais a economia não opera com ociosidade elevada, um aumento do investimento tem que ser financiado com: (1) maior poupança (i.e., menor consumo); ou (2) menores gastos do governo; ou (3) maior déficit em conta corrente (ou ainda uma combinação destes três fatores). Recursos não caem do céu, seja num contexto estático, seja num contexto dinâmico. Só quando – como bem colocou o Pedro – há muitos recursos ociosos é que poderia valer uma coisa deste tipo, mas isto é a exceção, não a regra.

Pensar que para aumentar a poupança/investimento implica necessariamente que se deve reduzir o consumo, já é tomar a Lei de Say como uma verdade inquestionável. Heterodoxos não questionam que a existência de uma curva de oferta de longo prazo vertical seria válida se cumprida certas condições. A questão é que para que a Lei de Say e a existência de uma a tendência da economia caminhar ao pleno emprego seja uma verdade, essas hipóteses fortemente questionadas por pelos teóricos da demanda efetiva também deveriam ser verdadeiras: i) flexibilidade dos preços dos fatores; e ii) funções de (excesso) de demanda ‘bem comportadas’ por fatores de produção em geral, e por “capital” em particular. Tanto do ponto de vista teórico como do ponto de vista empíricos, os heterodoxos consideram que há implausibilidade do mecanismo que serve de base para a teoria da produção ortodoxa. O professor Franklin Serrano (da UFRJ) listou seus argumentos sobre isso neste artigo publicado em seu blog: http://franklinserrano.files.wordpress.com/2008/03/equilibrio-neoclassico-mercado-de-fatores.pdf

Se a flexibilidade de preços, salários e juros no longo prazo macroeconômico é incapaz de corrigir os desequilíbrios entre oferta e demanda e garantir a validade da lei de Say, a conseqüência é tão somente a validade do Princípio da Demanda Efetiva. Além disso, meu professor já colocou a seguinte questão abordada por diversos autores:

“Choques de demanda, de oferta e outros estão sempre mudando o ponto de equilíbrio de posição; como o processo automático é lento, antes de o ponto de equilíbrio ser atingido, ele novamente é deslocado por tais choques; na prática, nunca dá tempo de atingir o equilíbrio pelo mecanismo automático; a economia estará sempre em desequilíbrio, a menos que se utilize a política econômica para, de forma mais rápida, fazer a economia convergir para o equilíbrio. O longo prazo seria, na visão keynesiana, um prazo ‘virtual’, que nunca se efetiva”.

Gustaf: a flexibilidade de preços é condição suficiente para pleno emprego. Podemos (e devemos) discutir se o modelo com preços flexíveis é a melhor representação para o problema do ciclo econômico. Eu, particularmente, acredito que não (quem mandou estudar em Berkeley?). Rigidez nominal e real de preços por conta de custos de menu, ou near-rationality (a abordagem do Akerloff), ou salários eficientes (seja na versão do Akerloff, seja na versão de Shapiro-Stiglitz) me parecem gerar dinâmicas muito ricas de ciclo econômico.

Quando, porém, o foco da questão sai do ciclo para crescimento, a questão da rigidez real ou nominal de preços perde relevância. Qual a evidência teórica ou empírica que a sugere que preços não se ajustam nunca? Se isto fosse verdade, o fenômeno do crescimento seria muito distinto do que é (seria a exceção, não a regra).

Toda discussão séria da teoria do crescimento tem seu foco na oferta agregada, i.e., como acumulação de capital (físico e humano) interage com a elevação da PTF. Na nova teoria do crescimento (Romer, Grossman & Helpman, Aghion, etc), inclusive, o foco principal é na questão da evolução da PTF via criação de novos bens ou melhora de qualidade dos bens existentes.

Isto sugere que mesmo investimento não é o fator mais relevante do crescimento, já que retornos decrescentes eventualmente vão levar a taxa de crescimento à taxa de aumento da produtividade, de onde se percebe a irrelevância da demanda agregada para o crescimento de longo prazo.

E, se choques alteram a posição de equilíbrio de longo prazo, tudo bem, pois as trajetórias de convergência também se alteram e o equilíbrio continua ancorando a nova trajetória.

Por fim, eu queria dizer que há uma visão equivocada em achar que a visão heterodoxa necessita do argumento que só há necessidade de políticas expansionistas se houver a existência de “recursos ociosos”. Os sraffianos e boa parte dos pós-keynesianos (Dutt, Lavoie, etc.) reconhecem que há congruência de longo prazo entre os tamanhos relativos do estoque de capital e a demanda pelos produtos produzidos, mas que isso se dá porque o investimento privado é uma variável basicamente induzida. Quando foi explicar a teoria de crescimento do Franklin Serrano, meu professor usou estas palavras:

“[Na teoria de Serrano] sempre que a taxa de crescimento da demanda aumentar, acelerando o crescimento da economia de forma que a taxa de crescimento efetiva supere a do estoque de capital o grau de utilização da capacidade aumentará até que, eventualmente, ela passe a superar o grau de utilização desejado. Os capitalistas responderão a este fenômeno aumentando o investimento, o que fará com que, após certo tempo, o grau de utilização da capacidade volte ao normal.”

Franklin Serrano diz em seu blog que: “Isso significa que esta teoria leva em conta não apenas o efeitos multiplicador usualmente contemplados também nas teorias de curto prazo de utilização de capacidade mas também os efeitos aceleradores pelos quais o crescimento sustentado da demanda efetiva vai induzindo a criação de capacidade produtiva da economia.”

Serrano citando Pierangelo Garegnani:

“Agora, o tamanho da dotação de capital parece, quando nada, até mais suscetível de adaptação ao seu emprego do que é o tamanho da força de trabalho ... é o nível da demanda agregada e do produto que determina o nível de estoque de capital.”

Por outro lado, existem os teóricos que consideram o investimento como uma variável essencialmente autônoma, como Michal Kalecki e a escola da Unicamp. Em comum, essas duas correntes de pensamento compartilham a idéia que crescimento econômico nas nações subdesenvolvidas é limitado por insuficiência estrutural de divisas devido a restrição externa no balanço de pagamentos.

Aqui, de novo, chegamos ao paraíso terrestre da economia sem escassez. Se esta visão for verdadeira, me explique por que países crescem a taxas distintas, por que há inflação e por que certos países passam por crises de balanço de pagamentos e outros não. Se o problema do crescimento é só a restrição externa, por que alguns países a superam e outros não?

Do jeito que as afirmações acima aparecem, basta jogar bastante demanda na economia que o crescimento sempre virá, porque o aumento da utilização de capacidade gera investimento e, portanto, crescimento. Não há menção a retornos decrescentes (e, portanto, aos limites ao crescimento baseado apenas na acumulação de capital físico). Não há menção ao que pode acontecer entre o momento que a utilização de capacidade passa o desejável e a materialização da nova capacidade (preços nunca sobem?). Não há menção ao quanto o investimento teria que subir para acomodar o aumento de demanda. Desculpe, mas isto não é teoria econômica: é "wishful thinking" disfarçado.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Uma idéia “muy amiga”

A usina de más idéias não parece fechar. Seu mais recente produto é a proposta de alteração do modus operandi do Banco Central, que, ao invés de ter a inflação como meta, passaria a ajustar a política monetária com o objetivo de manter a taxa de câmbio a níveis considerados “competitivos”. Não é preciso, porém, sequer entrar na controvérsia sobre qual é o nível “competitivo” do câmbio (os iluminados que hoje juram que o câmbio de equilíbrio é de R$ 2,30 contra o dólar previram uma crise do balanço de pagamentos quando o câmbio baixou a menos de R$ 3,50) para mostrar que esta idéia não faz o menor sentido, como frequentemente acontece nestas plagas.

Há nela um problema primário: confunde a taxa nominal de câmbio (a cotação da moeda) com a taxa real de câmbio, aquela ajustada pela diferença da inflação entre países. Implícita à idéia há a noção de que o BC pode fixar a taxa real de câmbio, isto é controlar a taxa nominal e, simultaneamente, a inflação, mas, como veremos, trata-se de uma impossibilidade.

Não é difícil controlar a taxa nominal de câmbio. No limite o BC sempre pode fixá-la, ou, mesmo que não a fixe formalmente, pode, pela compra e venda de moeda estrangeira, devidamente apoiada pela política monetária, manter a taxa de câmbio no patamar que desejar. O truque está na definição da política monetária: a taxa interna de juros (ajustada pelo risco) não pode ser diferente da taxa internacional de juros. Se for superior à taxa internacional a moeda tende a se apreciar e, se for inferior a esta, a taxa tende a se depreciar.

Note-se que, em tal situação, não há decisão sobre a taxa local de juros, pois ela sempre será balizada pela taxa internacional, isto é, sob regimes de câmbio (quase) fixo a política monetária deixa de ser autônoma. No entanto, não há garantia alguma que a taxa de juros consistente com determinado patamar da taxa de câmbio também seja congruente com o equilíbrio interno, um fenômeno que uma breve olhada a sul da fronteira pode iluminar.

Assim, no período 1999-2001 a Argentina, sob o regime da conversibilidade, precisou conviver com taxas reais de juros extremamente elevadas, refletindo os prêmios de risco externo, passando por três anos de deflação até o colapso final. Agora, sob condições antípodas (preços de exportação em alta e taxa internacionais mais baixas) o problema é exatamente o oposto, ou seja, a inflação se acelera rapidamente. Como há sérios reparos à qualidade da medida de inflação (oficialmente 8,8% até março), devemos usar uma medida alternativa, o deflator do PIB, segundo o qual a inflação se encontrava próxima a 18% ao final de 2007.

Isto dito, se a inflação local supera, em muito, a externa, a taxa real de câmbio na Argentina deve ter se apreciado, a despeito da estabilidade da taxa nominal de câmbio (entre $ 3,10-3,15 por dólar). De fato, usando o deflator do PIB como medida de inflação, podemos mostrar que a taxa real de câmbio na Argentina se apreciou cerca de 20% desde o final de 2004.

A experiência argentina com metas para a taxa de câmbio está, pois, levando aquela economia ao descontrole inflacionário, sem evitar a apreciação da moeda em termos reais, apesar de seu gasto primário crescer menos de 4% a.a. descontada a inflação. Imaginem o efeito da adoção deste regime num país cujo gasto primário cresce 9% a.a. acima da inflação. É mesmo uma proposta “muy amiga”...



(Publicado 16/Abr/2008)

domingo, 13 de abril de 2008

Pagando a dívida

Fiquei devendo nos comentários ao post anterior a referência a um texto do Krugman sobre metodologia. Trata-se do “The Fall and Rise of Development Economics”, que foi publicado, acredito, em um livro homenageando o Albert Hirschman (eu acabei pegando este ensaio por acaso – havia uma cópia abandonada entre as várias que ficavam disponíveis no departamento em Berkeley). Achei há pouco (viva o Google!) uma cópia eletrônica em http://web.mit.edu/krugman/www/dishpan.html. Recomendo fortemente.

Neste ensaio, a pretexto de examinar a questão da teoria do desenvolvimento, o Krugman faz uma defesa muito lúcida do uso de modelos em economia. Mais especificamente, segundo a visão dele, a teoria do desenvolvimento nos anos 50 não foi para frente (entrou, como diz, num beco sem saída intelectual) porque não conseguiu modelar seus insights. E não teria sido por falta de tentativa, nem por falta de inteligência.

Simplesmente a modelagem do desenvolvimento requeria uma capacidade de tratar economias de escala no contexto de uma formulação matemática, que, como se sabe, não é consistente com o caso de equilíbrios competitivos (tudo bem, dá para pensar em externalidades, mas não é bem o caso em questão). A solução do problema teve que esperar até que economistas desenvolvessem técnicas (nos anos 70 e começo dos anos 80) que permitissem construir modelos equilíbrio geral de competição imperfeita (Dixit-Stiglitz, Lancaster, e outros) nos quais fosse possível incluir os insights da teoria do desenvolvimento.

No entanto, enquanto isto não acontecia, os mais impacientes decidiram abandonar a modelagem – não necessariamente por preguiça ou incapacidade intelectual -, e usar metáforas que, no dizer do Krugman, são também modelos, mas heurísticos. Ao final da história, todos nós usamos modelos, mas apenas alguns sabem disso (e de suas vantagens e limitações), enquanto outros preferem ignorar o fato e fingir (ou acreditar) que tratam diretamente da realidade, sem nenhuma mediação.

Os heterodoxos brasileiros estão no segundo campo. Pode até ser que haja gente trabalhando nestas áreas hoje, mas, se houver, é fenômeno recente. A imensa maioria de marxistas e keynesianos de quermesse foge de modelos com o vigor do diabo diante da estrela de David (tá, não é, a rigor, um símbolo religioso como a cruz, mas vou ficar mais perto das minhas tradições).

Confrontados com modelos a conversinha é sempre a mesma: “irrealismo das hipóteses”, “reducionismo das relações sociais a equações”, como se fossem iluminados que conhecem diretamente a realidade e não precisassem de instrumentos simplificadores para apreender a complexidade. Estão apenas se enganando, quando não enganando seus leitores e alunos. Usam metáforas quando imaginam estar falando da realidade.

De qualquer forma, sugiro mesmo aos interessados o belíssimo ensaio do Krugman. Não percam.

P.S. Mais dois do Imperador hoje!

segunda-feira, 7 de abril de 2008

O Manifesto da Econometria Política

Esta é uma criação coletiva de uns 20 anos atrás. Surpreendentemente (ou não) continua bastante atual.

* * *

Cesse tudo o que a antiga musa canta
Que um valor mais alto se alevanta


Nós, os econometristas políticos, em nome da honra de nossa profissão (seja lá o que isto for), vimos por meio deste manifesto demonstrar nosso repúdio aos métodos quantitativos burgueses, neoclássicos, ortodoxos, tradicionais, estáticos e reacionários (vide M. POÇÇAS, 1988, pág. 24) e resgatar os valores político-sociais-morais-ideológicos-dialéticos-culturais-dinâmicos-e-acumulativos-de-capital: o caso brasileiro (vide M.C. TAVARICH, 1988, pág. 24) que hoje se põem como a única alternativa viável à feudalização da Econometria Brasileira (vide L.C. BELEZZA, Anais do XXIV Congresso do PE do B, 1988, pág. 24). Propomos uma nova formulação crítica da Econometria Política fundamentada nos princípios que se seguem:

1. Por que, de maneira autoritária, se impõe E(u) = 0? Isto é uma forma afintosa de camuflar a apropriação do excedente da clafe trabalhadora. Por que não 12% ao ano? (a este respeito vide F. GASPARIAN, 1988, Paz & Terra, pág. 24);
2. Por que o erro é denotado por “u” e não “e”? Isto é mais um artífifio para confundir a clafe trabalhadora (vide W. BARELLI, 1988, pág. 24);
3. Quem, afinal, define porque o estimador é justo? A justeza do estimador só pode ser definida após uma ampla discussão democrática com a clafe trabalhadora (vide P. A. SAMPAIO JR., 1988, pág. 24);
4. A lógica totalitária da Econometria Neoclássica impõe que os coeficientes sejam ou positivos ou negativos. Por que não coeficientes dialétricos, positivos e negativos ao mesmo tempo? (vide J. C. Braga, 1988, pág. 24);
5. Por que utilizar variáveis quantitativas quando as relações essenciais de produção são qualitativas? Sem embargo (vide C. FURTADO, 1988, pág. 24), propomos a utilização apenas de variáveis dummy (vide LESSA DE QUEIROZ, 1988, pág. 24);
6. Por que utilizar séries de tempo lógico (não veja G. SCHWARTZ, 1988, pág. 24), quando o correto é utilizar séries de tempo histórico (agora sim, vide G. SCHWARTZ, 1988, pág. 24)

Dadas as inconsistências não-contraditórias, imorais, totalitárias e estáticas, entre a realidade dinâmica e a Econometria Neoclássica, propomos aqui o programa de pesquisa da Econometria Política:

1. Aceitar e questionar a existência do Erro Tipo III: admitir que esteja errado quando não está certo. (vide, p. ex., Don João Manuel, In: O Capitalismo Retardado, passim.);
2. Consertar a curva de demanda quebrada, que a Econometria Neoclássica permitiu, por mais de cinqüenta anos, que permanecesse no mais hediondo abandono, apesar dos esforços do companheiro Sweezy (vide OLIVEIRA DE CHICO, 1988, pág, 24);
3. Mudar a sede das simulações de Monte Carlo para Cubatão (SP) (conf. proposta de RUHYM AFFONSO, In: Por que eu sou marxista-quercista-leninista?);
4. Substituir as equações de diferença por equações de igualdade, de forma a não reproduzir a estrutura social injusta do capitalismo monopolista-maduro-caindo-aos-pedaços-e-retardado (vide P.T.P.L.S. – porque é de menor – no seu famoso compêndio Isto é uma mierrrrda; ou Lo que Cuércia realmente quiso decir, Edições BADESP, 1988, pág. 24);
5. Substituir os métodos de regressão linear, de cunho claramente monetarista e recessivo (vide Wilson TUBOS & CONEXõES, 1988, pág. 24), pela progressão não linear em retrocesso (vide F. Masuqqelli, A esculhambação em processo, 1988, pág. 24);
6. Trocar os nomes de heterocedasticidade, homocedasticidade, homossexualidade (SMITH, KEYNES & quiçá RICARDO, 1988, pág. 24) e multicolinearidade por nomes mais simples, como joão, manuel, cardoso, dimello (vide D. MUNOZ, Pobremas da infração brasileiras e brasileiros, 1988, pág. 24);
7. Substituir os índices de Laspeyres e Paasche pelo índice do DIEESE (vide P. BAU’TAR, 1988, pág. 24);
8. Criar, como pólo de debate nacional, a REVISTA DE ECONOMETRIA POLÍTICA, destarte (vide FURTADO, 1988, pág. 24), a ser editada pela Ed. Motta & Conexão Brasiliense (ligada a futura Universidade Federal Tecnológica de Tocantins – UFETOCAN – a 88 mil quilômetros e 24 metros de São Paulo, a partir da Sé), cujo Conselho Editorial será formado por Brecha Pereira, Brecha Pereira, Brecha Pereira, Brecha Pereira, Brecha Pereira, Brecha Pereira, Nukano e Brecha Pereira

TODO PODER EMANA DO POVO, DE JOÃO, DE MANUEL, DE CARDOSO E DE MELLO

Campinas, primavera florida de 1988

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Um plano simples

Recebi o seguinte comentário bem-educado, mas não menos equivocado. Publico como post, assim como meus comentários para que possamos ver como funciona o mundo sem restrições orçamentárias. Não é invenção minha para fins didáticos.

Caro Prof. Schwartsman,

Tenho algumas reflexões sobre a validade de seu comentário sobre políticas em resposta ao problema do déficit em conta corrente.

Se o governo cortar gastos, Keynes demonstra em sua Teoria Geral, que há uma redução da demanda efetiva, e uma redução da renda. Como a renda é igual ao produto, isso significa que para um nível de consumo, vai haver menos excedente para ser exportado. Ergo, um maior déficit em conta corrente.

Mais importante, o ajuste fiscal, se feito nos moldes dos ajustes advogados pela maioria dos economistas ortodoxos, seria permanente, isto é, reduziria a demanda efetiva não somente hoje, mas também no futuro. É fácil ver que tal política diminuiria a eficiência marginal do capital hoje e amanhã, portanto uma redução na demanda por investimento.

Existem vários outros canais em que um corte dos gastos teria efeitos depressivos. Todos sabemos que a produção tem economias de escala. Quando reduz-se a demanda agregada, e portanto a produção e a renda, as firmas vão se mover para um segmento mais alto da curva de custos marginais, portanto necessitando aumentar seus preços, em detrimento da competitividade (exportações) e da renda real do trabalhador. Não preciso mencionar que tal aumento de preço geraria quase que automaticamente uma resposta das autoridades monetárias que ainda mais exacerbariam o mood depressivo.

Por outro lado, um aumento dos gastos do governo, estimularia a demanda efetiva, acionaria o acelerador dos investimentos, expandiria o produto, e em um segundo momento, as exportações e neutralizaria o problema do déficit em conta corrente.

Abraços,

Prof. João Mainá, Ph.D.

* * *

João: agradeço as reflexões. Seguem meus comentários

1) “Se o governo cortar gastos, Keynes demonstra em sua Teoria Geral, que há uma redução da demanda efetiva, e uma redução da renda. Como a renda é igual ao produto, isso significa que para um nível de consumo, vai haver menos excedente para ser exportado. Ergo, um maior déficit em conta corrente.”

OK. Vamos testar este raciocínio do João a partir do modelo keynesiano mais simples. Temos uma economia aberta (com preços fixos, portanto, keyenesiana), na qual o consumo só depende (positivamente) da renda (não há taxa de juros) e no qual as importações dependem (também positivamente) do nível de produto (não há taxa de câmbio). Matematicamente:

Y = C(Y) + I +G + X – M(Y),


Onde

Cy é a propensão marginal a consumir, positiva, mas inferior à unidade
My é a propensão marginal a importar, positiva, mas inferior à unidade

O impacto do gasto público sobre produto é dado por:

dY/dG = 1/(1+My-Cy) > 0


A expressão do lado direito da equação é o multiplicador keynesiano, o que sugere que produto cai quando os gastos públicos caem. Obviamente o efeito sobre as importações é dado por?

dM/dG = My/(1+My-Cy) > 0

ou seja, as importações caem. Como as exportações não se alteram, o saldo em conta corrente MELHORA, i.e., precisamente o oposto de resultado do João. Claro, podemos fazer com que a exportação dependa negativamente da renda (ou do consumo), mas isto só tenderia a aumentar ainda mais o saldo em conta corrente.

Se quisermos sofisticar isto um pouquinho, ainda no espírito do modelo keynesiano, podemos colocar uma taxa de juros na história, afetando, por exemplo, consumo e investimento, bem como uma taxa de câmbio afetando exportações e importações (o velho e bom modelo Mundell-Fleming). Só que as conclusões não se alteram, apenas ficam algo atenuadas porque agora permitimos que preços (além de quantidades) afetem as variáveis.

Assim, a redução do produto pelo efeito multiplicador se torna menor, pois a redução da demanda implica menor taxa de juros em equilíbrio, trazendo parcialmente a consumo e investimento para cima. Por este canal (juro menor) implica também câmbio mais fraco, portanto maiores exportações e menores importações, ou seja, saldo em conta corrente mais elevado.

Qual a lição que fica? Faltou ao João formalizar seu argumento, isto é, colocá-lo na forma de um modelo sujeito às regras da matemática que garantem a consistência lógica do raciocínio. Isto me lembra de um post que o Cláudio Shikida publicou no De Gustibus: não usamos matemática porque somos uns gênios; usamos matemática precisamente porque não o somos. É a única forma de não cair em erros como o do João.

2) "Mais importante, o ajuste fiscal, se feito nos moldes dos ajustes advogados pela maioria dos economistas ortodoxos, seria permanente, isto é, reduziria a demanda efetiva não somente hoje, mas também no futuro. É fácil ver que tal política diminuiria a eficiência marginal do capital hoje e amanhã, portanto uma redução na demanda por investimento."

Imagino que o raciocínio acima seja: se cortar o gasto corrente, este gasto vai ficar permanentemente mais baixo, logo a demanda será menor em todos os períodos. Aqui faltou uma abordagem que permitisse tratar de forma completa a dinâmica, pois, mais uma vez, o efeito é exatamente o contrário daquele sugerido pelo João.

Aqui temos que sair do modelo de um período e começar a pensar em coisas como renda permanente ou ciclo de vida. Vamos lembrar que o governo está sujeito à restrição orçamentária intertemporal: pode ter déficits hoje, mas, eventualmente terá que gerar superávits para pagar a dívida.

Logo, um corte permanente de gastos públicos implica uma queda da tributação esperada cujo valor presente deve ser exatamente o valor presente do corte de gastos. Se a tributação for lump-sum (i.e., não causa distorção), o único efeito disto será aumentar o valor presente do consumo privado exatamente pelo valor do corte de gasto público (se a tributação causar, como é no Brasil, muita distorção, o corte permanente de gastos AUMENTA o retorno do capital ao reduzir as distorções tributárias).

3) “Existem vários outros canais em que um corte dos gastos teria efeitos depressivos. Todos sabemos que a produção tem economias de escala. Quando reduz-se a demanda agregada, e portanto a produção e a renda, as firmas vão se mover para um segmento mais alto da curva de custos marginais, portanto necessitando aumentar seus preços, em detrimento da competitividade (exportações) e da renda real do trabalhador. Não preciso mencionar que tal aumento de preço geraria quase que automaticamente uma resposta das autoridades monetárias que ainda mais exacerbariam o mood depressivo.”

Se isto fosse verdade, veríamos sempre a inflação se acelerando quando o produto caísse muito abaixo do potencial e desacelerando quando a economia estivesse muito aquecida. Olhando a experiência mundial a respeito, a evidência empírica sugere precisamente o oposto. Aliás, não é sem motivo que tipicamente BCs sobem as taxas de juros quando a economia opera próxima ao produto potencial (ou se espera que irá operar próxima ao potencial) e cortam juros quando a economia se afasta (ou se espera que se afaste) do potencial.

Também, se isto fosse verdade, as margens (estaríamos falando de uma economia não-competitiva aqui, se há economias de escala) deveriam cair no auge cíclico e aumentar durante a recessão. Mais uma vez não é o que aparece na evidência empírica.

4) “Por outro lado, um aumento dos gastos do governo, estimularia a demanda efetiva, acionaria o acelerador dos investimentos, expandiria o produto, e em um segundo momento, as exportações e neutralizaria o problema do déficit em conta corrente.”

Aqui aparece o Paraíso Terrestre, i.e., o mundo sem restrições orçamentárias, tão bem explorado pelo Pedro e pelo “O”. Reproduzo aqui trechos selecionados dos dois, que trataram a questão de forma muito mais competente do que eu conseguiria.

Pedro: “Minhas recentes incursões pela mentalidade heterodoxa me deram algumas pistas sobre esse viés ‘Bem contra o Mal’. Em uma péssima interpretação de Keynes, a pedra fundamental do pensamento ufrj-unicamp é o seguinte: só há trade-off entre consumo e poupança em termos individuais. No agregado, esse trade-off deixa de existir, E NÃO É NECESSÁRIO REDUZIR CONSUMO PARA AUMENTAR POUPANÇA E INVESTIMENTO, POIS AFINAL SEMPRE EXISTE DESEMPREGO E RECURSOS OCIOSOS. NA VERDADE, AUMENTAR O CONSUMO AUMENTA A RENDA E O INVESTIMENTO E O CRESCIMENTO ECONÔMICO DE LONGO PRAZO.

Uma vez que não exista tal trade-off, os caras têm toda razão: o negócio é aquecer ao máximo a demanda, com aumento de consumo, gastos públicos, diminuição da taxa de juros, estímulo às exportações, restrição de importações... se você é contra, então você só pode ser mesmo um bandido imperialista manipulador de números anti-filosófico feio, chato, bobo, e cara de mamão.”

O”: Então por que o Brasil não pode ter o mesmo padrão de consumo dos EUA. Se nos brasileiros consumíssemos como os americanos, nossa renda seria tão alta quanto a dos americanos, o que nos colocaria como a segunda maior economia do mundo.

Obviamente, isso não acontece porque tem gente em postos de poder que não querem que isso aconteça, né?

Tenho uma analogia para esse pensamento. Poderíamos dizer que o único motivo que não voamos, é porque nossas mães nos inculcaram a idéia que não devemos pular da janela do décimo-quinto andar. Se pulássemos, saberíamos como somos capaz de flutuar incólumes até o chão, na pior das hipóteses com um pouso de albatroz. Obviamente, não podemos provar que tal teoria é errada. Então quanto mais louca a proposta dos keynesianos de quermesse, mais difícil de se argumentar, pois a posição que eles tomam, é tão extrema que não é falsificável.”

Amigo do alheio

Depois de cinco anos de superávits o Brasil voltou a registrar déficits em suas transações de bens e serviços com o exterior. Entre junho de 2007 e fevereiro deste ano a conta corrente passou de um saldo positivo em US$ 13,3 bilhões para um negativo de US$ 5 bilhões, uma diferença de US$ 18,3 bilhões. Embora a remessa de lucros explique parcela significativa desta mudança, não resta dúvida que a maior parte do movimento se deve à balança comercial, cujo saldo se reduziu em US$ 11 bilhões no período, não por exportações mais baixas, mas devido ao aumento das importações, o que bastou para por os suspeitos de sempre em polvorosa.

Na verdade, o país padece de um forte viés anti-importação. Basta que as importações cresçam para que se observe a grita generalizada dos arautos protecionistas. No entanto, as mesmas vozes que protestam contra as importações são as que tecem loas ao crescimento do mercado interno, como se não houvesse qualquer relação entre os dois fenômenos. A maior ironia, porém, é que o rápido crescimento das importações resulta do próprio fechamento do país ao comércio internacional pregado por estas mesmas pessoas.

De fato, é possível mostrar (ao custo, porém, de matar de tédio o raro leitor) que a diferença entre crescimento da demanda doméstica (7%) e o PIB (5,4%), num país em que exportações e importação representam respectivamente 14% e 12,5% do PIB, implica importações (em quantidade) crescendo algo como 13% acima das exportações. Esta mesma diferença entre demanda interna e PIB num país cuja exposição ao comércio internacional fosse duas vezes maior que a brasileira implicaria um crescimento das importações apenas 5,7% mais rápido que das exportações.

Não bastasse isto, pode-se também mostrar que, no caso brasileiro, cada 1% a.a. adicional de crescimento da demanda relativamente ao PIB requer uma expansão de 8% a.a. das quantidades importadas. No país duas vezes mais aberto, este mesmo crescimento adicional requereria apenas 3,7% a.a. a mais de importações.

Em tal contexto, dada a aceleração da demanda doméstica no primeiro trimestre deste ano, as quantidades importadas deveriam crescer 18% mais rápido do que as exportações. Como estas aumentaram 5% nos 12 meses terminados em fevereiro, a expansão das importações deveria atingir 24%, precisamente o que observamos. Some-se a isto 10% de aumento de preços de importações e temos um aumento das importações, em dólares, de 37%, também o número observado em fevereiro.

Não há, pois, nada de sobrenatural ou distorcido no crescimento rápido das importações, mas tão-somente o resultado da demanda doméstica aumentando a uma velocidade bem superior ao produto num país pouco exposto ao comércio internacional.

Há, é verdade, quem argumente que, na ausência das importações, a demanda teria sido suprida pela produção local, mas basta observar o setor industrial trabalhando no limite da sua capacidade para perceber que, não fosse a ampliação das importações, ou a inflação já teria se desviado significativamente da meta, ou o Banco Central já teria elevado os juros e contido o crescimento da demanda doméstica.

Vale dizer, o ressurgimento do déficit em conta corrente é a conseqüência natural do crescimento da demanda doméstica. Se o governo está preocupado com isto deveria reduzir seus gastos, embora pareça mais inclinado, como sempre, a reduzir o gasto alheio.

(Publicado 2/Abr/2008)

terça-feira, 1 de abril de 2008

A pedido do público...

segue mais uma pérola. Realmente é egoísmo me divertir sozinho.

"Mas que bazófia, contadorzinho metido a besta...

Agora quer se fazer de mais importante, gabando-se da visita de um filósofo a seu humilde e medíocre barracão de adoradores do Deus-mercado?

Não! Podem todos vocês voltar para o onanismo intelectual, sua competição estéril e bastarda por modelos desprovidos de humanidade que tentam validar que um trabalhador desempregado seja apenas um vagabundo a procura do lazer... Pois projetam-se, labutar que é bom, vocês rentistas nem devem saber!

Mas nossa hora ja chegou. O banco central precisa é de creolina, desinfetante, para o povo brasileiro alijado por tanto tempo finalmente chegar ao poder. Quinhentos anos de ditadura, e vocês vão ver, basta só uma limpezinha, e quero ver a roubalheira da SELIC continuar, veremos... todo a dinheirama circulando no limbo financeirista vai se reverter para a produção, vai ter derivativo virando ferramenta industrial!!

Chega de ratos elitistas e oligarcas do ócio!

É com o Estado, estúpido!

Hegeliano

PS. Sempre eh bom pensar em termos praticos, eu vejo um futuro brilhante com Paulo Nogueira Batista Jr no Bacen e Ciro na Fazenda, não vai ter mais Índia ou China olhando para gente no retrovisor."