teste

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Sintoma não é cura


Voltando ao médico, que lhe recomendara se exercitar mais para reduzir o peso, o paciente confessa que engordou. Por outro lado, argumenta, este ganho de massa o obriga a um esforço muito maior, aumentando, como requerido, sua carga de exercício.  Caso algum dos 18 leitores concorde com este argumento, não terá dificuldade em saudar a execução fiscal do governo este ano. Se, porém, reagir como qualquer bom médico, olhará de forma muito mais crítica o desempenho das contas públicas.

Concretamente, medido a preços de maio de 2011, o governo federal registrou até agora um superávit primário equivalente a R$ 46 bilhões, R$ 20 bilhões maior do que o registrado em igual período de 2010. Parece se tratar de substancial contenção, como, aliás, argumentado pelo próprio governo. Não é, todavia, o caso.

Em primeiro lugar, os números revelam o motivo fundamental da melhora do desempenho: as receitas federais (tributos e outras) cresceram R$ 39 bilhões, impulsionado pelo aumento da arrecadação federal, cuja expansão no período alcançou R$ 44 bilhões. Já o gasto corrente, exceto transferências a estados e municípios, se expandiu pouco mais de R$ 8 bilhões (as transferências cresceram R$ 11 bilhões).

Este padrão deixa claro que a melhora fiscal resultou integralmente da receita. Como não houve majoração de impostos, tal elevação parece ter decorrido do próprio desempenho da atividade econômica. Destacando dentre os tributos federais aqueles mais associados ao ciclo econômico nota-se que seu desempenho superou consideravelmente o registrado pelo conjunto dos impostos: enquanto os impostos cíclicos representam cerca de dois terços da arrecadação, eles responderam por três quartos do aumento da receita de janeiro a maio, fato que sublinha a relevância da atividade econômica no processo.

Posto de outra forma, ao invés do aumento do superávit primário levar à desaceleração da economia, fenômeno que permitiria ao BC maior comedimento no uso da taxa de juros para atingir a meta de inflação, observamos o oposto: o aquecimento da economia levando ao maior saldo primário.

Como se aprende nos cursos de introdução à economia, trata-se do funcionamento do chamado “estabilizador automático”, isto é, da flutuação da arrecadação em resposta à atividade (caindo na recessão e aumentando na expansão) que tende a atenuar a intensidade do ciclo, mas não, é claro, a revertê-lo.

Portanto, para que se possa medir de forma mais clara o desempenho fiscal, isolando o que decorre da intenção das autoridades da resposta natural da arrecadação ao ciclo, é necessário estimar qual seria o resultado primário a um dado nível de atividade, por convenção o nível de produto potencial. Feitas as contas, estimamos que o superávit federal primário dos últimos 12 meses, ajustado à criatividade contábil de 2010, se encontraria ao redor de 1,5% do PIB com a economia operando próxima a seu potencial. Já entre 2003 e 2008 o superávit primário sob tais condições equivaleria a 2-2,5% do PIB, ou seja, a política fiscal ainda estimula a demanda, pelo menos na comparação com o período mais recente.

Não bastasse isso, a própria inflação mais alta tem ajudado o suposto esforço fiscal. Caso tivesse atingido nos cinco primeiros meses do ano valores consistentes com a meta, o gasto real corrente teria crescido R$ 11 bilhões, e não apenas R$ 8 bilhões. Aqui também invertemos causa e efeito.

Não se pode perder de vista que o objetivo da política fiscal vai além da estabilização da dívida e se insere no esforço de moderar o crescimento econômico para permitir que se atinja a meta de inflação com o menor juro possível. Entretanto, por tudo que vimos acima, a melhora fiscal, mais que cura, é sintoma do aquecimento excessivo da economia. Sem que isso seja entendido, o peso do ajuste continuará recaindo sobre os ombros do Banco Central. 

Carregar este peso é um tremendo exercício

(Publicado 20/Jul/2011)

terça-feira, 19 de julho de 2011

Dee dee dee dee

O Paulo lembrou... (amanhã tem post de economia)

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A estender os limites do bizarro

Um achado ímpar do Leo Monasterio, segundo quem o referido paper marca o esgotamento das variáveis explicativas na linha de pesquisa de Growth Regressions. 


Já eu só consigo especular porque alguém se daria o trabalho de investigar o assunto (só se valeu como um paper para tese, na linha do Oscar Wilde, para quem "we can forgive a man for making a useful thing as long as he does not admire it").
It is u

quinta-feira, 14 de julho de 2011

And now for something completely different

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Sobre jabutis e jabuticabas


A série de artigos recentemente publicada por este jornal sobre a persistência das altas taxas de juros no Brasil produziu algumas contribuições interessantes (outras nem tanto), mas nenhuma levantou a hipótese que considero mais promissora para explicar essa anomalia, qual seja, um mercado de crédito segmentado, onde parcela dos empréstimos não é afetada pela taxa de política monetária.

De fato, não há como deixar de notar o comportamento peculiar da demanda doméstica privada (consumo mais investimento) no Brasil: a evidência sugere que mesmo altas taxas reais de juros, que provocariam recessões bíblicas em qualquer outra economia do planeta, parecem aqui consistentes com forte expansão da demanda.

Uma “explicação” que nada explica postula que somos impacientes. Apenas taxas de juros exorbitantes nos convenceriam a adiar o consumo presente e que, portanto, estaríamos condenados a conviver com elas, a menos que mudássemos o peso que damos à satisfação imediata das nossas necessidades. Esta explicação, todavia, apenas traz novos problemas. Em primeiro lugar, qual seria a origem da nossa impaciência? E por que motivo ela afligiria apenas brasileiros e não, digamos, colombianos, ou vietnamitas?

Obviamente concordo que parte do problema reflete nossa baixa poupança, tema levantado por Márcio Nakane e Samuel Pessôa, em particular se consideramos o impacto do consumo público sobre a poupança doméstica, destacado também por André Lara Resende. É possível que haja também algum efeito associado aos baixos incentivos à poupança por conta da rede de proteção social, mas faltam ainda estimativas que nos permitam inferir quanto das altas taxas de juros resultam destes fenômenos.

Por outro lado, sou bem mais cético quanto à possibilidade de acharmos a raiz do problema na inconversibilidade do real (se assim fosse, outros países emergentes exibiriam taxas de juros semelhantes à brasileira), ou em histórias mais complexas, como equilíbrios múltiplos.

Isto dito, quando nos referimos à taxa de juros no Brasil, pensamos na Selic, taxa que influencia a maior fração do crédito no país, mas que tem, a bem da verdade, nenhum impacto sobre outra parcela, também considerável: o chamado crédito direcionado, que engloba o BNDES, além do crédito habitacional e rural, e equivale a 35% dos empréstimos bancários no país.

As taxas de juros que balizam estes empréstimos não são apenas tipicamente bastante inferiores à Selic, mas também não costumam se alterar em resposta a movimentos da política monetária, o que traz duas conseqüências associadas.

Em primeiro lugar o nível da taxa Selic afeta menos a demanda privada doméstica do que faria na ausência do crédito direcionado. Isto pode explicar como uma Selic elevada convive com o forte ritmo de expansão da demanda doméstica privada.

Ademais, como as taxas do direcionado não se alteram em resposta à Selic, os movimentos desta última devem ser mais amplos face a choques, já que o canal de crédito se encontra parcialmente obstruído.

A magnitude de ambos efeitos deve estar relacionada ao peso do direcionado no total de empréstimos: se fosse muito pequeno, não deveria ter grande impacto sobre a demanda; se fosse muito grande, provavelmente o efeito da taxa Selic sobre a demanda seria muito reduzido, devido à obstrução do canal de crédito. A este respeito notamos que o direcionado já representou proporções maiores do total de crédito (próximo a 40% no início de 2003), atingindo um mínimo pouco inferior a 30% do total no final de 2008.

Assim, parte da queda estimada da taxa neutra de juros de 2003 para cá pode estar ligada a este desenvolvimento. Todavia, dada sua expansão recente (de volta aos 35%), não se pode ignorar a possibilidade de algum recuo neste front, ao contrário da tese defendida pelo BC na segunda metade de 2010.

Se esta hipótese estiver correta, então novos ganhos na convergência das taxas locais de juros para as internacionais só poderão ocorrer se: (a) o peso do direcionado voltar a cair significativamente; ou (b) as taxas de juros nesta modalidade de crédito se aproximarem das taxas de juros de mercado. Reconhecendo que a primeira alternativa é pouco provável, resta a segunda, ainda mais porque hoje já existe uma curva de juros representativa para o mercado doméstico, que poderia balizar o custo do direcionado de longo prazo.

A eliminação do subsídio no crédito direcionado elevaria seu custo, possibilitando, porém, uma queda mais expressiva da Selic. Muitos seriam beneficiados, mas alguns, os mais vocais, seriam bastante prejudicados. Por conta disto, não nutro ilusões sobre os formidáveis obstáculos políticos que tal medida teria que enfrentar (se alguém acha que a FIESP é estridente em suas críticas à Selic, aguarde até a elevação da TJLP).

Entretanto, se precisamos explicar uma “jabuticaba”, me parece claro que devemos procurar outra, no caso o grande peso do direcionado e o elevado subsídio, peculiaridades nacionais.

Jabuticaba, ao contrário de jabuti, dá em árvore. Esta aqui, porém, foi cuidadosamente cultivada.

O jabuti está escondido, comendo jabuticaba subsidiada


quarta-feira, 6 de julho de 2011

2011: uma odisseia europeia


No meu último artigo abordei o problema grego, concluindo que a Grécia parece estar condenada à reestruturação de sua dívida. As medidas de austeridade aprovadas na semana passada e um possível novo financiamento seriam formas de postergar o default, presumivelmente para quando o país finalmente atingisse equilíbrio em suas contas primárias, desobrigado, pois, de emitir nova dívida. Já neste artigo pretendo examinar algumas das prováveis consequências da reestruturação.

O governo grego deve € 326 bilhões (140% do PIB). Como este nível de dívida não é sustentável, é necessário saber qual seria seu valor residual após a renegociação. Tomando como referência o caso argentino, cada credor receberia cerca de 35 centavos por euro, gerando uma perda da ordem de € 210 bilhões. Num caso algo mais favorável, em que a dívida fosse reduzida para 60% do PIB (em torno de 42 centavos por euro) a perda seria da ordem de € 190 bilhões. 

Caso o problema se restringisse a tais magnitudes, ainda que elevadas, seria possível argumentar que a reestruturação não nos levaria a nova crise global. De fato, uma perda desse valor causaria grandes danos aos bancos gregos (cuja exposição à dívida nacional é um múltiplo de seu capital), mas estragos bem menores nos demais, que poderiam ser contidos por uma recapitalização de valor razoável.

Adicionalmente, ao contrário da crise de 2008, muito provavelmente a incerteza associada a quem teria sofrido as perdas – que paralisou o crédito no final daquele ano, causando uma queda sincronizada do PIB mundial – seria menor, já que se sabe com maior segurança onde o dano estaria localizado. Neste aspecto seria semelhante ao impacto da crise argentina, que, por mais danosa que tenha sido ao país e seus bancos, teve, em larga medida, alcance apenas nacional.

No entanto, é difícil crer que as conseqüências de uma eventual reestruturação da dívida helena se restrinjam à Grécia. No caso latino-americano o contágio ao Brasil acabou sendo limitado, entre outras coisas, pelo regime de câmbio flutuante, que nos permitiu um ajuste menos doloroso (sem necessidade de deflação), mesmo severamente prejudicado à época pela elevada dívida em moeda estrangeira, que afetou tanto o governo quanto as empresas.

Já na Europa, embora a origem da dívida pública em cada nação possa ser distinta, o diagnóstico é muito parecido. São países pesadamente endividados que precisam melhorar significativamente suas contas fiscais, mas enfrentam um contexto recessivo relacionado à necessidade de desvalorizar da taxa de câmbio real pela redução dos preços domésticos, ao invés da depreciação da taxa de câmbio nominal, por força da adoção da moeda única.

Esta dinâmica comum aos países periféricos europeus sugere que há uma probabilidade elevada de contágio, isto é, a percepção de um default grego seria apenas o prenúncio de novas rodadas de reestruturação. Neste caso, a magnitude das perdas seria bem maior do que a indicada acima e, consequentemente, também o seria o risco de nova crise.

Esta percepção se agravaria caso a Grécia, simultaneamente à reestruturação, abandonasse o euro. Embora seja difícil imaginar como se daria esta transição (que ainda vejo como cenário menos provável), a saída de um país poderia abrir a porteira para os que enfrentam problemas semelhantes.

Em suma, o problema não é a Grécia em si, mas as implicações que seu eventual default teriam para o futuro da periferia europeia e para a próprio sobrevivência do euro, ao menos em sua forma atual.

Dadas tais perspectivas continuo surpreso com a falta do senso de urgência das autoridades. Uma grande reforma – provavelmente envolvendo a criação de uma dívida europeia, que permitiria solução similar à aplicada aos estados brasileiros – é necessária, mas a liderança para realizá-la continua ausente.

Quem você preferiria à frente do seu país?

terça-feira, 5 de julho de 2011

Deal breaker

A falta de respeito pelos dados não é uma característica exclusiva dos nossos picaretas. Vejam, por exemplo, o seguinte trecho do artigo de Paul Marshall e Amit Rajpal:

(...) delinquencies in Brazil (defaults in excess of 15 days) have begun to move up rapidly, from 7.8 per cent to 9.1 per cent of total loans between December 2010 and May 2011. Delinquencies are now rising at a very hectic rate. They have risen at 23 per cent in the first five months of this year in absolute terms or at an annualised rate of 55 per cent.

Exceto, é claro, que não. De acordo com dados do BC (na verdade, a média ponderada da inadimplência de pessoas físicas e jurídicas que eu calculei a partir dos números do BC) a inadimplência total de 15 a 90 dias veio de 3,5% para 4,3% (para quem se interessar, PF veio de 5,3% para 6,3% e PJ de 1,7% para 2,2%). No caso da inadimplência acima de 90 dias houve aumento de 4,6% para 5,2%. Não há nenhum número remotamente semelhante ao citado pelos autores na nota à imprensa do BC com os dados mais recentes de crédito.

Comparando com a média dos últimos 6 anos a inadimplência geral (15 dias) está 0,2% acima, por conta da PJ (0,4% acima), já que a PF está 0,1% abaixo da média no período. No número de 90 dias, a inadimplência está 0,4% acima da média histórica, novamente puxada pela PJ (+1,2%), enquanto a PF está 0,7% abaixo da média.

O resto do artigo pode ser espetacular e os caras podem estar cobertos de razão, mas, quando vejo uma escorregada desta, já paro de ler. E vocês?
BC data

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Avanços da Nassifologia ou o Vomitório Poços de Caldas

A Nassifologia (*) é o sub-campo da neuro ciência social dedicado a determinar se estultices no discurso público são geradas por deficiências cognitivas (ignorância, idiotice, loucura etc) ou mau-caratismo. É uma disciplina muito complexa e cujos resultados definitivos são raros. É com grande felicidade então que anuncio aqui que a Nassifologia parece ter chegado a um resultado de grande alcance para a compreensão da blogosfera brasiliana.

Um artigo recente do chorador de Poços de Caldas não deixa dúvida alguma sobreviver. Sua análise nassifológica chega a um diagnóstico claro e inatacável: É loucura mesmo, loucura da pesada. Loucura tão louca que faz o senador paulista abraçando o Battisti parecer um ser humano mentalmente lúcido.

Dou o palanque para o Pierrot do commentariat brasiliano:

"Para quem conhece cenários, Fishlow não é nada. Era especialista em trabalho. Nos últimos quinze anos passou a enganar plateias norte-americanas, por seu suposto conhecimento sobre cenários econômicos brasileiros, e platéias brasileilras - por seu suposto conhecimento do que os EUA pensam sobre cenários brasileiros."

Como disse Nélson Jobim, nos dias de hoje temos que tolerar os idiotas imodestos.

Como de se esperar, o filho de Poços de Caldas não conseguiu fazer uma crítica sequer aos argumentos de Fishlow.

(*) O termo Nassifologia combina a palavra grega logos que significa estudo com o nome de Lucius Nassificus, o famoso mascate mercador de idéias sírio do século II, um homem de imperscrutáveis motivos, também conhecido como a “minhoca de Damasco” pela sua capacidade de se adaptar aos tempos e nunca perder a boquinha no Erarium.

sábado, 2 de julho de 2011

Comentário a Oreiro e de Paula - 1

Quando terminei de ler o artigo de José Luis Oreiro e de Luiz Fernando de Paula (“A Escolha de Sofia?”) no Valor Econômico, à parte minha frustração natural com um texto que, conforme o “O” notou, é uma obra-prima da idiotice fractal, o sentimento que me dominou foi a preguiça: quando chegamos ao ponto de “it’s not even wrong”, eu me pergunto se faria sentido dedicar tempo e trabalho à dissecação das várias barbaridades ali cometidas. Por outro lado, ainda tenho uns dias até as próximas colunas e não muito o que fazer, o que pendeu a balança para estes comentários, além, é claro, dos pedidos de leitores.

O texto se divide essencialmente em duas partes: uma crítica à “visão ortodoxa e uma tese acerca do motivo das altas taxas de juros. Ambas são patéticas: a pretensa “crítica” revela um desconhecimento abissal do que seria a “visão ortodoxa”; já a explicação sobre a razão da elevada taxa de juros demonstra ignorância não menos abissal do bê-a-bá de finanças, além de confundir taxas nominais e reais de juros e, por conseqüência, perder de vista a dinâmica da dívida pública, o que termina de desmontar a tese. 

A suposta crítica à “visão ortodoxa” segue a estratégia comum dos “keynesianos de quermesse”, qual seja, criar um espantalho bem imbecil e bater nele como se estivesse enfrentando um oponente de verdade. Em particular, insistem que os “ortodoxos” pressuporiam “inelasticidade da oferta agregada a longo prazo” e não admitiriam a possibilidade de substituição da poupança interna pela externa.

 “Inelasticidade da oferta a longo prazo”, todavia, é um produto da imaginação dos autores, que pretendem com isso sugerir que a visão oposta não admite alterações do crescimento potencial. Este, contudo, não é uma grandeza gravada em pedra, mas uma variável que se altera com o nível de investimento, crescimento populacional, educação (capital humano) e “produtividade” (um termo deliberadamente vago para capturar, além de progresso técnico estrito, melhorias institucionais, como direitos de propriedade, aprofundamento de mercados,  expansão do crédito, etc). Em outras palavras, a tal “inelasticidade da oferta a longo prazo” não é mais que um espantalho conveniente: “vejam só como são burros estes cara que acreditam que o crescimento potencial é uma constante da natureza”.

Obviamente, a versão alternativa que querem vender é que o crescimento de longo prazo resulta da expansão da demanda agregada, isto é, não há restrição de oferta. A “prova” (risível) é o trabalho do próprio Oreiro em que ele e asseclas regridem o crescimento do PIB no crescimento das exportações, do investimento e do consumo do governo (além da oferta de moeda, M2, deflacionada).

Não vou nem tratar dos problemas econométricos (endogeneidade, por exemplo). No entanto, considerando que, por definição, o PIB inclui exportações, investimento e consumo do governo, a estimação nada mais é do que mais uma pérola do pensamento circular. Eu ficaria admirado caso o estudo (estou sendo generoso) não achasse qualquer relação entre estas variáveis. Na verdade, a única coisa surpreendente aqui é concluir que este achado ampararia a noção que não há restrições de oferta. (Pensando bem, não chega a ser uma surpresa).

Comentário a Oreiro e de Paula - 2

A outra premissa posta em dúvida refere-se ao caráter complementar da poupança externa. Segundo os autores, a elevação da poupança externa corresponde a uma redução da poupança doméstica, enquanto a “teoria ortodoxa” postularia que o aumento de uma se daria sem prejuízo da outra. Nas palavras dos autores

a terceira [premissa ortodoxa] é que a apreciação do câmbio real gera um aumento da taxa de poupança externa, sem que haja uma redução da taxa de poupança doméstica.

Esta caracterização da “teoria ortodoxa” é, para variar, apenas mais um espantalho. Como aprende qualquer um que estudou um pouquinho de economia internacional, a possibilidade de recorrer à poupança externa permite não só aumento de investimento, mas também do consumo. Não é difícil mostrar que um país em que a taxa de desconto intertemporal é mais alta do que seus parceiros tende a elevar seu consumo (reduzir sua poupança) quando se abre ao movimento de capitais. Obviamente, se descontar menos o futuro que seus parceiros reduzirá o consumo.

No primeiro caso temos uma queda da poupança doméstica como contrapartida à elevação da poupança externa (e câmbio mais apreciado); no segundo uma elevação da poupança doméstica e queda da poupança externa (portanto câmbio mais depreciado).  Em outras palavras, o modelo mais básico de consumo e conta corrente sugere, sim, troca de poupança doméstica pela externa, ao contrário do que afirmam Oreiro e de Paula.

Esta relação se torna mais complexa numa economia em que, adicionalmente ao consumo, temos também investimento. Acesso à poupança externa permite elevação do investimento sem a necessidade de redução do consumo (em outras palavras, permite suavizar o perfil de consumo), ou seja, seria possível elevar o investimento sem aumentar a poupança doméstica. No entanto, não há como saber a priori qual efeito prevalece, se a troca de poupança interna pela externa associada ao consumo, ou o complemento de poupança, associado ao investimento (pela suavização do consumo).

Se o país é mais impaciente, haverá queda de poupança doméstica e elevação da poupança externa (em maior proporção para financiar o acréscimo do investimento). Se, por outro lado, for mais paciente, a poupança doméstica se eleva, mas, ainda assim, o balanço final depende do aumento do investimento relativamente ao adicional de poupança. De qualquer forma, há nada na teoria que sugira a priori que a poupança doméstica permaneça necessariamente constante enquanto a poupança externa aumenta. Minha dúvida, no caso, é apenas se os autores simplesmente não sabiam disso (ignorância), ou sabiam, mas fingiram que não (má-fé). Por ora, tendo pela primeira alternativa.

Isto dito, o que se observa em termos de poupança externa e investimento no Brasil? O gráfico abaixo sugere uma relação positiva entre ambos (não é necessário discutir causalidade aqui, mesmo porque as duas variáveis, no caso, provavelmente resultam de outros fatores), qual seja, o aumento de poupança externa (a redução do saldo de bens e serviços não-fatores) está associado a níveis de investimento mais elevados. Não necessariamente a relação é de 1:1, mas empiricamente, não parece que a poupança externa substitua integralmente a interna. Fosse este o caso, a poupança doméstica cairia significativamente e o investimento não aumentaria, como parecem sugerir os autores ao afirmar

Como a propensão a consumir a partir dos salários é maior do que a propensão a consumir a partir dos lucros, segue-se que uma apreciação da taxa real de câmbio irá produzir uma redução da taxa de poupança doméstica

Fonte: IBGE (dados trimestrais dessazonalizados)

Não apenas o aumento do investimento está associado à queda das exportações líquidas (elevação da poupança externa), como também níveis de investimento superiores a 17,5-18% do PIB parecem associados a exportações líquidas negativas (nem todas as observações, diga-se, mas a grande maioria delas). Isto sugere taxas reduzidas de poupança no país e que, ao contrário da crença ingênua oriunda de modelos muito simples de preços fixos em economias fechadas (“a poupança agregada resulta das decisões empresariais de investimento”), gerar poupança não é uma questão trivial.

Isto dito, sobra evidência acerca do gasto público no Brasil ser bastante elevado. De acordo com os dados divulgados pelo International Comparison Program de 2007, o gasto público no Brasil (gasto na provisão de serviços públicos, como defesa, justiça, segurança, medido como proporção do PIB) era o segundo maior (19% do PIB) dentre as economias com PIB superior a US$ 100 bilhões [em economias muito pequenas isto é distorcido por gastos com alto componente de custo fixo], perdendo apenas para a China, por conta dos gastos militares desta. Já a média da América Latina (ex-Brasil) atingia em 2007 apenas 11% do PIB regional, ou seja, menos de 60% do nível então observado no país.

Por fim, o PIB brasileiro (base PPP) correspondia a pouco menos de 3% do PIB global, mas os gastos brasileiros equivaliam a 5% do gasto público mundial. É difícil escapar da conclusão que parcela relevante da baixa poupança nacional resulta de um gasto público elevado.  


Edit
said

Comentário a Oreiro e de Paula - 3

A questão fiscal nos traz para a tese dos autores acerca do motivo por trás das elevadas taxas de juros no Brasil. Segundo eles, 

a razão fundamental para a persistência de um juro real tão elevado deve-se, em parte, ao fato de que nosso país é o único no mundo onde o mercado monetário e o mercado de dívida pública estão conectados por intermédio das chamadas Letras Financeiras do Tesouro.

Como  

“a fragilidade ainda remanescente das contas públicas brasileiras acaba por fazer com que a taxa de juros requerida pelo mercado para a rolagem da dívida pública seja excessivamente alta” e “a taxa Selic é obrigada a cumprir duas funções: ela é a taxa de juros que regula os empréstimos no mercado interbancário, ao mesmo tempo é a taxa pela qual o Tesouro rola uma parte significativa da dívida pública” então “a função de instrumento de política monetária acaba sendo contaminada pela função de rolagem da dívida pública federal”.

Em outras palavras, o problema estaria nas LFTs. As taxas de juros muito altas requeridas para rolar a dívida forçariam as taxas de juros de curtíssimo prazo serem muito altas também. Já as taxas longas de juros não seriam um problema, pois: 

o contrato de DI futuro/swaps com vencimento em julho de 2014 estava pagando um juro real ex-ante de 7,4% ao ano no dia 14/06/2011. Trata-se de um juro elevado, mas não absurdo na comparação com outros países em desenvolvimento.

Quanto a este último ponto, o “O” já comentou, mas acho curioso que um juro real de quase 7,5% ao ano por 3 anos não seja considerado absurdo. Será que nossos “keynesianos de quermesse” são também rentistas que não ousam dizer seu nome?

De qualquer forma, se o argumento estivesse correto, o problema seria sanado pela separação do mercado monetário do mercado de dívida pública. Em outras palavras, pela eliminação das LFTs e a conversão da dívida toda em papéis prefixados. Este argumento está, contudo, errado, pois ignora como se dá a relação entre juros de curto prazo e juros de longo prazo. Faço aqui uma breve digressão sobre o assunto.

Comecemos por um mundo simples, de dois períodos, sem incerteza. Imagine que haja dois ativos: um título de um ano e um título de 2 anos. Digamos que se saiba que a taxa de juros será de 5% no primeiro período e 3% no segundo. Assim, quem aplicar no título curto a 5% hoje receberá seu dinheiro no começo do segundo ano e irá reaplicá-lo a 3%. Seu rendimento total deverá ser 8,15% por dois anos [1,05 x 1,03 – 1], ou seja, o equivalente a 4% ao ano [(1,05 x 1,03)^(1/2)-1].

Neste caso, é claro que o papel de dois anos tem que pagar 4% ao ano. Se pagar mais do que isso permite arbitragem: agentes poderiam tomar recursos por um ano, renovar o empréstimo pelo segundo ano e embolsar a diferença; se pagar menos, fariam a operação inversa (tomariam dinheiro por dois anos e aplicariam nas taxas curtas). Em outras palavras, a taxa de juros longa, sob as condições acima descritas, nada mais é do que a composição das taxas curtas.

Este raciocínio segue sendo a base do apreçamento de taxas de juros, mas, sob incerteza, surgem complicações adicionais. Se conhecemos a taxa curta de juros hoje, mas não a do segundo ano, deve surgir um prêmio de risco na taxa longa. Da mesma forma, se não houver certeza dos agentes acerca de sua capacidade de rolar os recursos tomados para o segundo período, eles só farão a arbitragem acima descrita se a taxa longa incorporar um rendimento adicional para compensá-los pelo risco de não conseguirem obter recursos no segundo período para continuar a arbitragem.

Isto sugere que, mesmo sob a expectativa de manutenção das taxas curtas de juros, a curva de juro apresenta tipicamente inclinação positiva. Posto de outra forma, sob incerteza, títulos de diferentes maturidades (ou, mais precisamente, duração distinta) não são substitutos perfeitos.

Encerrada, por enquanto, esta digressão, voltemos ao argumento. Pelo que vimos acima, o mercado monetário e o mercado de dívida pública devem estar umbilicalmente ligados, seja no Brasil, seja nos EUA, seja em qualquer ponto do Quadrante Alfa da galáxia, pela simples razão que, na base da formação da taxa longa de juros há a composição das taxas curtas corrente e esperadas, isto é, a trajetória de política monetária afeta toda estrutura a termo. Atribuir a conexão do mercado monetário ao mercado de dívida à existência da LFTs é tomar forma (LFT) pelo conteúdo (a arbitragem das taxas longas e curtas).

Não se segue, portanto, que mudanças na duração da dívida pública tenham o condão de mudar a taxa de juros de curto prazo, pelo menos não pelos motivos expostos pelos autores.

Numa situação ideal, em que títulos de duração distinta sejam substitutos perfeitos, deixar de emitir títulos curtos e só emitir longos não afeta a taxa de juros. Já numa situação de incerteza, a emissão de títulos adicionais de prazo longo obrigaria uma elevação da taxa de juros longa relativamente à curta (a inclinação da curva de rendimento ficaria mais positiva), refletindo a elevação do prêmio de risco para convencer os agentes a aumentarem a participação de títulos longos em suas carteiras.

Entretanto, será que a elevação da taxa longa teria efeitos contracionistas sobre a demanda, permitindo assim a queda da taxa curta? A resposta é negativa. 

O aumento do prêmio apenas compensa a elevação da participação do papel longo na carteira, isto é, trata-se de uma discussão sobre a distribuição dos ativos, já condicionada à decisão poupança-consumo. Posto de outra forma, a taxa longa de juros ainda é equivalente à composição das taxas curtas mais um prêmio que apenas compensa o investidor pelo risco, sem alterar sua decisão de consumo. O resultado seria apenas uma elevação do custo (não ajustado a risco) da dívida pública.
long interest rates would not be a problem

Comentário a Oreiro e de Paula - 4

Há, contudo, outra complicação. Segundo os autores 

o Estado brasileiro ainda possui uma postura financeira "Ponzi", ou seja, as receitas líquidas do governo não são capazes de cobrir a totalidade das despesas de juros. 


eleva o risco de financiamento do Tesouro, aumentando assim o poder de mercado dos compradores de títulos, os quais podem exigir taxas de juros mais altas para a colocação dos papéis do governo. 

Seria, portanto, o risco de solvência que contaminaria as taxas de juros.

Este argumento é triste. Poderia ter validade em circunstâncias bastante diversas das atuais em termos de dinâmica de dívida, mas é rigorosamente falso hoje.

De fato, afirmam os autores que o esquema “Ponzi” se caracterizaria porque 

os juros nominais da dívida (5,4% do PIB em 2009 e 5,3% 2010) superam em muito o superávit primário (3,3% do PIB [sic] em 2009 e 2,6% em 2010). 

Eu imaginava que a diferença entre juros reais e juros nominais e sua implicação para a dinâmica de dívida pública fossem conceitos já bem estabelecidos, mas vejo que me enganei. Ainda há quem se diga economista e não entenda do assunto.

Com efeito, simplificando muito (isto já está bem mais extenso do que eu pretendia), a evolução da razão dívida-PIB (d) é dada pela incidência da taxa de juros nominal (i), deduzida a inflação (p) e o crescimento real do PIB (g) sobre a razão no período anterior, descontado ainda o superávit primário (h), isto é:

d(t) = {(1+i)/[(1+p)(1+g)]}d(t-1) – h(t)

Neste caso é fácil ver que o superávit primário que estabiliza a razão ao nível d* é dado por:

h* = {(i - p - g - pg)/[(1+p)(1+g)]}d*

A mera inspeção da expressão acima já indica que o superávit primário que estabiliza a dívida deve ser inferior ao custo nominal da dívida (id). Concretamente, no caso brasileiro, partindo do atual patamar da dívida bruta (55% do PIB), tomando a taxa de juros próxima aos valores de hoje (ao redor de 12% ao ano) e usando a meta de inflação (4,5% ano) e uma estimativa algo moderada do crescimento potencial (4% ao ano), estima-se que o superávit primário que estabiliza a dívida bruta se encontra ao redor de 1,7% do PIB.

Por mais problemas que haja com a política fiscal brasileira, da qual sou crítico há tempos, não há como dizer que o Estado brasileiro exiba uma postura “Ponzi”; pelo contrário, solvência não é o problema. A conclusão dos autores se apóia na confusão entre taxas nominais e reais de juros, além de ignorar o efeito do crescimento real do produto.

Recapitulando, pois, por mais sofisticado que se pretenda o argumento da conexão do mercado de dívida e mercado monetário, a verdade é que: (1) taxas longas e curtas de juros são ligadas em qualquer lugar do planeta, dado que, na base da taxa longa, temos a trajetória (esperada) das taxas curtas; (2) em situações de incerteza a taxa longa incorpora um prêmio de risco, mas isto não implica que alterações no perfil da dívida tenham impacto sobre taxas curtas de juros; e (3) não é justificável afirmar que as taxas longas de juros no Brasil incorporem risco de insolvência e, assim, contaminem as taxas curtas, dado que a trajetória de dívida pública é de redução, por conta de um superávit primário que, mesmo inferior ao que seria desejável do ponto de vista de controle da demanda doméstica, ainda é bem superior ao mínimo requerido para estabilizar a dívida.

Posto de outra forma, o argumento dos autores sobre a origem das altas taxas de juros no Brasil não para em pé. Alguém ainda se surpreende?
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