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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A César o que é de César


Depois de meses em negação, atribuindo o aumento da inflação a um mal definido “choque internacional de oferta” (que teve o mau gosto de afetar apenas o Brasil, poupando países como Chile, Peru, ou Colômbia), o Banco Central parece ter finalmente acordado para o problema. Se não ainda para lidar com ele, ao menos para buscar novas desculpas sobre como – depois de reiteradas juras acerca da convergência da inflação à sua meta – esta teima em acelerar.

Agora é a depreciação da moeda no ano passado que tem sido repetidamente citada por fontes governamentais entre as explicações para a alta inflacionária, tomando o lugar antes reservado ao infame “choque internacional de oferta”.

Para ser sincero, sim, é claro que um real mais fraco (ou, de forma equivalente, um dólar mais caro) se reflete na inflação. Há bens que podem ser importados e exportados sem grandes custos; assim, seus preços costumam seguir os preços internacionais de produtos similares, convertidos em moeda nacional pela taxa de câmbio. Neste sentido, não há dúvida que a desvalorização da moeda tem efeito sobre os preços destes bens e, portanto, se traduz em inflação mais alta.

Ainda que possamos concordar acerca do efeito inflacionário da depreciação, não é possível aceitá-la como desculpa para o lamentável desempenho do BC no que diz respeito a seu mandato de estabilidade de preços por um simples motivo: porque foi ele quem engendrou a fraqueza do real à que hoje atribui a culpa pela inflação mais alta.

Uma simples vista d’olhos nas suas ações, na gestão da política monetária, na intervenção no mercado de câmbio, ou por meio de medidas regulatórias, mostra, além de qualquer dúvida razoável, que o BC buscou, de forma consciente, produzir um encarecimento do dólar.

Mesmo em face de uma elevação de preços internacionais das commodities, que, em condições normais, produziria – como o fez em outras economias da região – uma moeda mais forte, o BC tomou medidas em várias frentes para manter o dólar acima de R$ 2,00.

Não é sequer necessário ler as intenções do BC nas entrelinhas de suas ações, pois em mais de uma ocasião integrantes da diretoria do órgão vieram a público afirmar seu compromisso com uma taxa de câmbio acima daquele valor, assim como assegurar que agiriam para que “o Brasil não seja uma praça de desvalorização de outras moedas”.

Obviamente esta postura gerou um impacto sobre a inflação muito maior do que no caso dos países que deixaram suas moedas se fortalecer em resposta aos preços mais altos das commodities.

Posto de outra forma, se houve efeito da desvalorização cambial sobre a inflação no Brasil (e tudo indica que sim), ele também tem que ser debitado na conta da autoridade monetária, que, ao final da história, estimulou precisamente aquele movimento, pelo menos até perceber tardiamente que sua política era inconsistente com a prometida convergência da inflação à meta. O BC colhe agora aquilo que plantou e só hipocrisia pode justificar manifestar qualquer surpresa a respeito.

Hoje, porém, o problema adquiriu outra dimensão. Não se trata mais de fazer a inflação recuar para a vizinhança de 4,5%, mas sim de evitar que rompa o limite superior de tolerância (6,5%). Ainda creio se tratar de uma possibilidade remota este ano em face da intervenção pontual sobre alguns preços, assim como a possibilidade de moderar pressões no curto prazo pelo uso mais ativo das desonerações tributárias.

Estes artifícios, porém, têm vida curta, como exaustivamente demonstrado pela experiência histórica. A verdade é que as várias inconsistências da política econômica estão cobrando seu preço na forma de tensões inflacionárias crescentemente difíceis de esconder. Se o BC quer lidar com o problema, deveria começar assumindo sua responsabilidade na criação da desordem que ele próprio ajudou a fomentar.


Quem assina a moeda se responsabiliza por ela

(Publicado 27/Fev/2013)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Nem o bê-á-bá


O ministro da Fazenda afirmou recentemente que “o câmbio não é instrumento para controlar a inflação, o instrumento é o juro”. Poderia ser uma indicação que, finalmente, as coisas passaram a fazer sentido no Ministério, mas, sério, a (merecida) má reputação na condução da política econômica não se conserta tão facilmente, como veremos.

De fato, ao mesmo tempo em que o distinto ministro tece loas ao uso da política monetária para controlar a inflação (a mesma em que manifestava descrença até há pouco), alega que o país mantém uma taxa de câmbio flutuante, “desde que o dólar flutue dentro de um patamar de competição para a indústria”, ou seja, que permaneça ao redor de R$ 2,00/US$. Não é necessário ser nenhum gênio em termos de semântica ministerial para perceber que de flutuante nossa taxa de câmbio tem muito pouco, talvez nada além de um rótulo vencido.

Estas duas afirmações, porém, são inconsistentes e me surpreenderia se fossem feitas por um economista bem treinado. Neste caso não houve surpresa alguma.

A começar porque, se o câmbio não é um instrumento para controlar a inflação (pelo menos não num regime de câmbio flutuante), ele é certamente um dos canais por onde opera a política monetária. Alterações nas taxas de juros tipicamente afetam preços por uma variedade de canais de transmissão: a escolha entre consumir hoje ou no futuro, o encarecimento (ou barateamento) do crédito, as expectativas de inflação e também a taxa de câmbio.

Tudo o mais constante, uma redução da taxa de juros tende a desvalorizar a moeda, e, portanto, elevar os preços dos produtos que podem ser importados ou exportados (“comercializáveis”). E, como seria de se esperar, uma elevação da taxa de juros gera um efeito simétrico, reduzindo os preços dos “comercializáveis”.

Caso, porém, a taxa de câmbio seja, de alguma forma, impedida de se alterar em resposta às taxas de juros, porque sairia do “patamar de competição para a indústria”, o BC perde um dos canais de transmissão. Consequentemente, caso embarque num processo de ajuste da taxa de juros para conter a inflação, se verá obrigado a fazer um esforço adicional em termos de elevação da Selic para obter o mesmo resultado que obteria caso o canal cambial não estivesse obstruído.

Em outras palavras, com o câmbio fixo por determinação ministerial, o BC teria que subir mais o juro do que sob câmbio flutuante. Isto já seria o bastante para levantar sérias dúvidas sobre a capacidade de execução da política monetária, mas há outro problema, bem mais grave.

Se a taxa de câmbio é fixa, torna-se mais difícil para qualquer BC da galáxia executar uma política monetária independente. A elevação da taxa de juros tende a gerar um ingresso de dólares. Num regime de câmbio flutuante, isto se transforma numa moeda mais forte; já sob câmbio fixo, o BC se verá obrigado a comprar estes dólares via emissão de moeda, a qual, em seguida, será trocada por títulos públicos da carteira do BC, para evitar que a taxa de juros caia. Isto, porém, leva a novas rodadas de ingressos de dólares, restabelecendo o problema.

Muito embora o governo possa (e certamente tentará) erguer novos obstáculos à entrada de moeda estrangeira, a experiência nacional (leia-se Marcio Garcia e vários coautores) mostra que estes controles são geralmente ineficazes.

Não há, portanto, como fazer da taxa de juros o instrumento de controle da inflação sem permitir, simultaneamente, que a taxa de câmbio flutue, seja para dotar a política monetária de um canal relevante de transmissão, seja para que esta possa ser determinada de forma autônoma.

Isto nada mais é do que o bê-á-bá da gestão de política monetária numa economia aberta a fluxos de capital. O fato do ministro da Fazenda ignorar tais restrições ajuda, e muito, a entender os motivos da piora de desempenho do Brasil nos últimos anos.

- O instrumento é o juro, não o câmbio
- Mas aí o juro sobe muito
- Então usa o câmbio
-Mas o instrumento é juro, não o câmbio
- Então sobe o juro
...


(Publicado 20/Fev/2013)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Ah, tá... (sério: dá para ser mais tosco?)


Governo vai reforçar discurso de BC autônomo

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VALDO CRUZ
NATUZA NERY
DE BRASÍLIA
A presidente Dilma Rousseff orientou a equipe econômica a deixar claro que o BC tem total autonomia para decidir subir os juros quando considerar necessário.
O objetivo é influenciar nas expectativas de mercado, tentando afastar percepções de interferência sobre a condução da política da entidade.
Segundo assessores, Dilma quer transmitir esse recado porque estava se cristalizando o conceito de que o BC está de "mão atadas" e não subiria a Selic neste ano devido a pressões do Planalto.
Para interlocutores presidenciais, o próprio governo contribuiu para que fosse criada essa imagem de que o BC na era Dilma tem menos autonomia do que no governo Lula, o que dificulta a ação do banco em momentos mais turbulentos na economia.
Para reforçar a imagem de autonomia, assessores dizem que, na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), o BC pode emitir sinais de uma eventual mudança na taxa de juros, suprimindo suas últimas recomendações de manutenção da política atual por um "tempo suficientemente prolongado".
Essa mudança pode ocorrer caso o BC avalie que há riscos de alteração no cenário atual do banco sobre o comportamento da inflação. A previsão é que a inflação fique acima de 6% no primeiro semestre, recuando no segundo. Caso esse cenário se confirme, tanto o BC como o Palácio do Planalto consideram que o Copom pode ter condições de deixar inalterados os juros, hoje em 7,25%.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Teoria gravitacional da inflação


O IBGE registrou em janeiro a inflação mais elevada para o mês desde 2003, 0,86%. O número é alto, mas sua análise revela características ainda mais inquietantes.

Nada menos do que 75% dos itens pesquisados registraram aumento de preços em janeiro, também a maior proporção observada desde 2003, sugerindo que – ao contrário da história oficial – a aceleração da inflação não está ligada à evolução de uns poucos preços, mas se trata de fenômeno disseminado. Além disto, as medidas de inflação que buscam atenuar os movimentos exagerados de preços (os chamados “núcleos” de inflação) também alcançaram níveis recordes para o mês.

Registre-se, por fim, que o mau desempenho ocorreu a despeito do apelo patético feito aos prefeitos de grandes capitais para que adiassem a elevação das passagens de ônibus, assim como da antecipação da redução das tarifas de energia. Sem tais manobras, a encrenca seria ainda maior.

Há, é bom que se diga, um tanto de sazonalidade na história: a inflação mensal é, em geral, mais alta no começo e no final do ano e perde força no período maio-julho. Seria, portanto, despropositado tomar o resultado do mês como valor representativo do que nos espera ao longo de 2013. Ainda assim, a inflação medida em 12 meses (portanto livre de sazonalidade) superou os 6%, sacudindo, aparentemente, o torpor que tem caracterizado a atuação do BC nos últimos anos, a ponto deste admitir, embora com ressalvas, preocupação com a evolução da inflação “no curto prazo”.

Foi o que bastou para que o mercado passasse a questionar a estratégia (com perdão da palavra) antiinflacionária do BC. É sabido que este não revela a menor intenção de alterar a taxa de juros “por um período de tempo suficientemente prolongado”. À luz, porém da aceleração inflacionária e do aparente desconforto do BC com tal situação, já há quem aposte na possibilidade de que a promessa de estabilidade da Selic se mostre impossível de ser mantida, pelo menos por um período tão longo quanto o prometido pelo Copom.

Não por outro motivo as taxas de juros futuras se elevaram, incorporando uma probabilidade mais alta do BC ser obrigado a retomar uma postura mais ativa na condução da política monetária, condizente com o que se espera de uma instituição minimamente comprometida com a estabilidade de preços.

Em momentos como este é que se espera de um economista que diga a que veio, isto é, se haverá (ou não) aumento das taxas de juros este ano, contrariando o consenso da profissão, que ainda aponta para estabilidade da Selic até dezembro de 2013.

Por mais que me desagrade repetir o consenso, desta vez me parece mais provável que o BC mantenha a Selic inalterada. De qualquer forma, mesmo que, em cenário mais remoto, o BC venha a elevar as taxas de juros, creio que não o fará (como não o fez) em intensidade suficiente para domar o processo inflacionário, ainda mais considerando a proximidade com o ciclo eleitoral.

A verdade é que a definição da taxa Selic, que deveria ser um instrumento para controlar a inflação, tornou-se um objetivo de política econômica e, mais que isto, uma bandeira eleitoral. Em tais circunstâncias o BC enfrenta obstáculos consideráveis à sua autonomia, como a redução dos juros em meio à aceleração inflacionária permite inferir.

É mais provável que o governo lide com a inflação da forma como tem feito nos últimos tempos, isto é, por meio de reduções pontuais de tributos, adiando o momento de encontro com o teto da meta (6,5%), sem tratar, porém, das causas fundamentais do problema.

Não há, porém, como trazer a inflação de volta à meta sem uma verdadeira estratégia de política monetária, apenas alívios temporários, que não mudam a tendência central do processo. Inflação não volta à meta por gravidade, nem por torcida; apenas quando o BC faz o seu trabalho de forma consistente.

O buraco negro é mais embaixo.

(Publicado 13/Fev/2013)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A mecânica da ilusão


Sempre imaginei que economistas, especialmente os que se especializaram no estudo do mercado de trabalho, soubessem identificar uma situação de pleno emprego, mas me enganei. Por incrível que isto possa soar, ainda há quem acredite numa versão mecânica do fenômeno, igualando pleno emprego ao esgotamento “físico” do universo de pessoas em idade ativa, apenas atingido quando praticamente todos (exceto idosos e crianças) na População em Idade Ativa (PIA) estiverem empregados. Já pela ótica econômica, a configuração do pleno emprego é bastante distinta.

A qualquer momento as pessoas em idade ativa se defrontam com uma decisão nada trivial: participar ou não do mercado de trabalho. Há, é claro, aqueles para quem trabalhar é um imperativo, sem o que não conseguiriam sobreviver. Estes, quase por definição, farão parte da População Economicamente Ativa (PEA), ou seja, os engajados no mercado de trabalho, empregados ou buscando emprego.

Para outros, porém, há alternativas ao mercado, desde estudos até o cuidado com os filhos, sem obviamente esgotar as possibilidades. Neste caso a decisão de participação depende do balanço entre custos e benefícios.

Os custos refletem a probabilidade de obtenção de um emprego. Em períodos de crise, por exemplo, quando a probabilidade é baixa, espera-se que a PEA se reduza face à PIA, ou, posto de outra forma, que a taxa de participação (a razão entre PEA e PIA) caia. Isto foi observado, por exemplo, no começo de 2009 (ver gráfico), refletindo a crise internacional.

Fonte: Autor (a partir de dados dessazonalizados do IBGE)
Em particular, como a taxa de desemprego é calculada com relação àqueles engajados no mercado, tal redução fez com que a taxa observada de desemprego aumentasse apenas marginalmente no período, dando a falsa impressão que o mercado de trabalho teria sofrido pouco na crise. Já a estimativa de desemprego ajustada a movimentos da taxa de participação revela, ao contrário, uma elevação de quase dois pontos percentuais no desemprego (ver gráfico), “mascarada” pela queda da taxa de participação.

Os benefícios, por sua vez, refletem o salário esperado, isto é, a taxa de participação cresce em linha com salários, como, aliás, observamos no período mais recente e de forma mais intensa no trimestre final do ano passado. Isto, por sua vez, tende a “mascarar” a queda da taxa de desemprego, já que mais pessoas se juntam à PEA, elevando a quantidade ofertada de mão-de-obra.

Caso a elevação dos salários necessária para convencer estas pessoas a se engajar no mercado se dê no mesmo ritmo que a expansão da produtividade os custos unitários do trabalho permanecem inalterados. Significa que o ritmo de crescimento da demanda por mão-de-obra é consistente com a expansão da oferta (seja pelo crescimento populacional, seja pela maior taxa de participação) e também congruente com a inflação na meta. Isto configura o pleno emprego na ótica econômica.

Se, porém, o aumento da taxa de participação exigir elevações salariais em excesso ao crescimento da produtividade (portanto elevação do custo unitário do trabalho), surgirão pressões inflacionárias, indicando que a economia está operando além do pleno emprego.

A perspectiva econômica do mercado de trabalho, portanto, sugere que a disponibilidade de mão-de-obra fora da PEA está longe de ser suficiente para determinar se a economia opera abaixo do pleno emprego. O crucial é saber se a elevação salarial necessária para convencê-los a se juntar à PEA é alinhada com o crescimento da produtividade.

Este não parece ser o caso no Brasil de hoje. Pelo contrário, salários médios nominais têm crescido a taxas superiores a 10% na comparação com o mesmo período do ano anterior. Já o crescimento da produtividade, tomado ao pé da letra, foi negativo em 2012, uma vez que a expansão do emprego (pouco mais que 2%) superou largamente o crescimento do PIB.

Mesmo tomando (como acho correto) uma medida de tendência da produtividade, ao invés da observação pontual do ano passado, a conclusão não se alteraria: salários crescem acima da produtividade, forte indicação de uma economia em que o mercado de trabalho está excessivamente aquecido.

Uma vez analisada a questão sob a perspectiva econômica, que envolve pessoas tomando decisões à luz de custos e benefícios, fica difícil escapar à conclusão que, a despeito de possível disponibilidade de mão-de-obra além da PEA, a economia brasileira opera sim a pleno emprego. Apenas ignorando os aspectos econômicos do problema, em particular a evolução dos preços, é que se pode iludir acerca dos obstáculos hoje enfrentados no mercado de trabalho.


Um problema de perspectiva

(Publicado 7/fev/2013)

Improviso e tema


Se restava ainda alguma dúvida acerca do grau de improviso que tem marcado a condução da política econômica nos últimos anos, a confusão da semana passada deve tê-la dissipado em definitivo. O que talvez não seja tão claro é o motivo da gambiarra.

Não é segredo que a evolução da inflação tem sido pior do que o BC parecia imaginar há pouco. Apenas no primeiro trimestre, apesar do adiamento dos reajustes de transportes coletivos e da redução mais forte dos preços de energia, a inflação deve superar em cerca de meio ponto percentual as previsões do BC feitas em dezembro, um padrão que provavelmente se repetirá ao longo do ano.

Ainda que não tenha explicitado esta preocupação na sua ata mais recente, parece claro que o BC (finalmente) compreendeu as dificuldades, o que talvez explique a ausência de qualquer menção à convergência (linear ou “não linear”) da inflação à meta.  Ao mesmo tempo, porém, se aferra à estratégia de manter as condições monetárias inalteradas “por um período de tempo suficientemente prolongado”, afastando a possibilidade de voltar a subir taxas de juros possivelmente até o final de 2013, senão mais adiante.

A percepção de que o BC abdicou do instrumento monetário, enquanto exprime certo desconforto com a inflação, levou o mercado a se perguntar que ferramenta ainda poderia ser usada.

A resposta veio pouco depois, quando o BC antecipou a rolagem de suas vendas de dólares no mercado futuro, sinalizando a intenção de trazer a taxa de câmbio para baixo do piso informal de R$ 2,00 por dólar que vigorou na maior parte do ano passado. O real mais forte poderia baratear tanto as importações quanto os preços domésticos dos produtos exportados. Curiosamente, houve até menção a fontes da Fazenda sugerindo que isto auxiliaria o investimento, depois de anos alardeando o contrário.

Se tal estratégia existiu (ou existe), foi vítima imediata de “fogo amigo”, manifesto na entrevista do ministro da Fazenda, que afirmou com todas as letras: “não permitiremos uma valorização especulativa do real e isso veio para ficar”. Ato contínuo, reafirmou seu compromisso com o câmbio flutuante, obviamente desde que nos limites que considera apropriados, um oxímoro em construção.

Raras vezes se viu tamanha descoordenação entre partes do governo, mesmo num que não prima pela unidade de propósito. Mais do que acidente de percurso, porém, acredito que o episódio ilustra muito bem as inconsistências no arranjo atual de política econômica.

Não faltam objetivos: o governo quer crescimento alto, inflação baixa, câmbio desvalorizado e uma Selic reduzida. Não há maiores dificuldades quanto ao último objetivo, dado que se trata de variável controlada pelo BC, assim como, em certa medida, pode sê-lo o câmbio. Faltam, porém, instrumentos.

Assim, ao fixar a taxa de juros o governo abre mão do instrumento que deveria ser usado para controlar a inflação. Daí a tentação de usar o câmbio para este fim, colidindo com a meta do dólar caro. Na impossibilidade de usar, de forma torta, o fortalecimento do real para este fim, sobra a possibilidade de atuar diretamente sobre preços, no caso através de desoneração tributária e/ou subsídios, os quais contribuem para erodir o desempenho (já nada brilhante) das contas públicas, obrigando a tentativas cada vez mais complexas de tapar o sol com peneiras contábeis, quando não sacrificando a geração de caixa e a capacidade de inversão das empresas estatais.

O improviso é, pois, decorrência direta do abandono de uma estrutura que combinava objetivos e instrumentos em favor de uma condução discricionária que, em nome de metas conflitantes, nos tem levado a situações como a vivida na semana passada.

Já inflação alta e crescimento baixo não se improvisam; são resultados de uma política deliberada, fruto da mistura ingrata de voluntarismo e ignorância.

Vai dar tudo certo.

(Publicado 6/Fev/2013)