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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Non sequitur


O Banco Central finalmente reconheceu que o baixo crescimento do Brasil não resulta da fraqueza do consumo, mas de limites à expansão da capacidade produtiva do país. Trata-se de uma mudança importante na atitude da autoridade monetária que, até semana passada, parecia comungar com o restante do governo a noção que o desenvolvimento do país viria na esteira do juro baixo e do dólar caro.

Na verdade, há uma importante suposição implícita nesta noção, a saber, que a economia disporia de suficiente capacidade ociosa para que o impulso do lado da demanda (consumo e investimento, pelas taxas de juros, e exportações, pelo efeito da taxa de câmbio) possa se transformar em aumento da produção.

“Capacidade ociosa” neste contexto tem um significado amplo, abrangendo – além da capacidade instalada na indústria – também a disponibilidade e qualificação de mão-de-obra, os serviços de infraestrutura, assim como todas as regras de organização da produção no país que se traduzem no nível de produtividade.

Ocorre que, se há ainda algum excesso de capacidade no setor industrial, nos demais as indicações são no sentido oposto. Não apenas as taxas de desemprego vêm em queda persistente, mas também os salários têm subido bem acima de qualquer estimativa honesta do aumento da produtividade. Em particular os sinais de falta de mão-de-obra são ainda mais pronunciados no caso do pessoal qualificado. A infraestrutura, por fim, está esgarçada, como sabe qualquer um que tenha usado estradas, portos ou aeroportos, culminando, mais recentemente, em elevações expressivas dos preços de energia no mercado à vista.

E, ao contrário do que ocorre no setor industrial, onde investimentos tendem a se materializar em capacidade adicional em prazos relativamente curtos (em torno de 18 meses), estes gargalos são de correção bem mais complicada. É risível acreditar, como andei lendo por aí, que imigração possa resolver o problema geral de falta de mão-de-obra (qualificada inclusive) num país das dimensões do Brasil, onde, de acordo com o último dado disponível (2009), o total de pessoas empregadas atingia pouco menos de 97 milhões.

Já no que diz respeito à educação, o tempo necessário para promover a mudança requerida se mede em anos, senão gerações, e isto na suposição que, de repente, fizéssemos todas as coisas certas, as mesmas que passamos as últimas décadas cuidadosamente evitando.

Adicionalmente, embora a iniciativa de conceder ao setor privado a responsabilidade por segmentos da infraestrutura seja louvável, os resultados obtidos pelas concessões anteriores não permitem nenhum otimismo quanto a uma solução de curto prazo. Trata-se de um caso exemplar de “muito pouco, muito tarde”, ao que poderia acrescentar: “e errado também”...

Por fim, o crescimento da produtividade tem sido pífio, e o padrão errático da política econômica contribui para enfraquecê-lo ainda mais. Desde meados da década passada não há uma agenda de reformas que busque acelerá-la e mesmo que uma milagrosamente surgisse (literalmente) do nada, a experiência sugere que seus efeitos só se manifestariam depois de alguns anos.

Assim, sem capacidade ociosa e sem que haja possibilidade de surgimento de nova capacidade no futuro imediato, não faz sentido tentar estimular o crescimento por meio de incentivos à demanda, como admitido pelo BC. Sob estas circunstâncias, o impulso monetário se transmite principalmente aos preços, ou seja, a divergência da inflação com relação à meta é apenas a outra face do esgotamento da capacidade de crescimento da oferta.

Mas, se isto é verdade, segue-se que a política monetária tem sido (e ainda é) inadequada para trazer a inflação à meta. Como, porém, o BC demorou quase ano e meio para entender o que estava ocorrendo, deve ainda encontrar dificuldades para atingir as conclusões lógicas de seu próprio argumento.

Epifania na última reunião


(Publicado 30/Jan/2013)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A desgraça de Santa Maria, RS


Estou ainda chocado com a notícia que veio de Santa Maria, RS.

Aos familiares das vítimas, duvido que alguma palavra que eu possa escrever lhes alivie a dor, mas não deixo de oferecer meus pêsames.

Mas ainda que seja um momento de dor para tantos, devemos fazer o que é necessário para evitar que tragédias como essa se repitam: cada um dos responsáveis pela operação de uma boate para 2000 pessoas sem saídas e luzes de emergência deve ir para a cadeia. 

O dono da boate deve ir para a cadeia (e em sua cela, deve dispor de uma navalha afiada para que possa se entreter solitariamente). O inspetor da prefeitura responsável por permitir a operação daquela boate deve ir para a cadeia. O chefe dos bombeiros de Santa Maria – caso seja provado que ele não se opunha à operação daquela boate – deve ir para a cadeia.  

Cada dia que se passa com os responsáveis pela morte de tantos em liberdade é uma afronta aos familiares das vítimas e a qualquer brasileiro que desempenha seu trabalho honestamente.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Para quem só tem martelo...


Tudo é prego. Se tivesse que resumir as várias tentativas fracassadas para reviver a economia, acho que nada descreveria melhor o insucesso do que a imagem de alguém tentando resolver um problema com instrumentos inadequados e, pior, sem perceber o desajuste.

Na verdade, da mesma forma que dizem que os generais sempre lutam a última guerra, o governo parece resolvido a lidar com as dificuldades de hoje recorrendo aos instrumentos que usou para superar a recessão de 2008-09.

Ocorre que, na época, a natureza do problema era outra. Naquele momento a crise financeira levou a uma recessão mundial sincronizada, traduzida, por exemplo, em quedas de dois dígitos na produção industrial em qualquer meridiano ou paralelo que se olhasse. Era um caso clássico de insuficiência de demanda, expressa na queda tanto do consumo quanto do investimento.

Por conta disso, o desemprego (já ajustado à sazonalidade e à fuga de parcela da população do mercado de trabalho, o chamado “desalento”) saltou de 7% para 9% da força de trabalho em poucos meses. Sob estas circunstâncias, políticas de incentivo ao consumo têm boa chance de recolocar a economia na rota de expansão, às vezes até demais, como os exageros de 2009 e 2010 demonstraram (mas, vocês sabem, havia eleição a ganhar).

Em contraste, a desaceleração do crescimento em 2011 e 2012 para níveis inferiores a 2% ao ano foi acompanhada de queda persistente do desemprego. Neste contexto, a tentativa de impulsionar a economia pelo aumento do consumo perde muito da sua eficácia.

Parte deste aumento se dirige ao consumo de serviços, que, em sua esmagadora maioria, têm que ser produzidos localmente (quase ninguém manda os filhos para a escola em Buenos Aires, ou vai se tratar com um médico nova-iorquino), exigindo maior emprego no setor. Isto não é um problema enquanto a mão de obra é abundante, mas, com desemprego reduzido, leva a aumentos salariais que superam em muito o crescimento acanhado da produtividade.

O setor de serviços convive com isso aumentando seus preços, o que nos ajuda a entender porque a inflação deste segmento tem rodado na casa dos 9% ao ano e segue acelerando. Já a indústria, pressionada pela competição externa, não consegue fazê-lo, o que se traduz em redução de margens e problemas de competitividade, e, portanto, dificuldades para aumentar a produção.

Assim, o aumento das importações (o “vazamento” da demanda para o exterior) é a forma pela qual a economia consegue compatibilizar a maior demanda por bens e a incapacidade industrial em competir, não apenas com o exterior, mas, principalmente, com os serviços pela mão-de-obra agora escassa. Por este motivo, políticas de incentivo à demanda acabam apresentando pouca tração em termos de crescimento. E, por não entender esta dinâmica, o governo insiste com o martelo, na esperança de achar, em algum lugar, um mísero prego.

É contra este pano de fundo que se entende o abandono do tripé macroeconômico. Seu arranjo impedia as marteladas, já que o limite para a taxa de juros era a meta de inflação, enquanto a meta fiscal restringia (ainda que de modo muito imperfeito) a expansão desmesurada do gasto.

Não se trata, portanto, de dizer que a desaceleração econômica resultou do abandono do tripé, mas, pelo contrário, que a conjugação de baixa expansão com a percepção errônea da natureza do problema levou à deterioração da política macroeconômica.

O Brasil cresce pouco por problemas do lado da oferta: expansão medíocre da produtividade, educação inadequada, e investimento insuficiente. Por falta deste entendimento o governo acredita que pode sacrificar a estabilidade em troca de mais crescimento, mas colhe apenas mais inflação sem ganho perceptível de produto. E, pelo andar da carruagem, prosseguirá com os sacrifícios, sem a devida atenção aos efeitos colaterais das suas marteladas.

A equipe econômica em ordem unida
(Publicado 23/Jan/2013)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O discreto charme do fracasso


Durante os anos em que vigorou no Brasil o “tripé macroeconômico” (câmbio flutuante, metas para a inflação e um compromisso sério com o superávit primário) cansei de ouvir economistas que prometiam o paraíso caso o país abandonasse o regime. Não se trata de caricatura. Basta ver o tanto de tinta usado para afirmar que todos os problemas do país se resumiam a dois preços “fora de lugar”: a taxa de câmbio e a taxa de juros; portanto, uma vez “corrigidos” estes preços, o caminho para o crescimento se acharia desimpedido.

Este desejo de mudança foi atendido. Desde 2009 não sabemos o que é ter inflação na meta (está no intervalo permitido, mas – vejam que curioso – sempre na sua parte superior, mais perto do teto que da meta). Já de flutuante a taxa de câmbio só preservou o nome, encaixotada entre R$ 2,00 e R$ 2,10/US$. Por fim, em apenas um dos últimos quatro anos a meta de superávit primário foi atingida sem artifícios contábeis.

A valer o que esse pessoal assegurava, a economia brasileira deveria estar crescendo a taxas aceleradas, mas, bem sabemos, não é o caso. Depois de aumento medíocre em 2011, a expansão do PIB não deve ter superado 1% no ano passado e, apesar da nova rodada de promessas dos elfos videntes, provavelmente nos encaminhamos para mais um ano de baixo crescimento em 2013 (cerca de 3%). Não bastasse isso, o investimento cresce como rabo de cavalo, caindo por cinco trimestres consecutivos (provavelmente seis, mas isto só se saberá em março).

Economistas sérios se aproveitariam disto para tentar entender o que deu errado. Já o presidente da Associação Keynesiana Brasileira, antro da fina flor dos “keynesianos de quermesse”, prefere inovar. Segundo artigo cometido no jornal Valor Econômico na semana passada, a culpa pelo baixo crescimento é a “herança maldita”, isto é, o regime de política econômica (“ortodoxa”) que vigorou no país.

Sob outras condições chegaria a ser engraçado: o mesmo regime não impediu a economia de crescer em torno de 4% ao ano (e o investimento mais do que isso, vindo de 15% para 19% do PIB), mas, em virtude de alguma mágica não explicitada, seria atualmente o responsável pelo baixo desempenho, e isto durante o período em que foi solenemente abandonado. Segundo tal lógica a causa da obesidade não é comer muito e se exercitar pouco, mas sim ter, anos atrás, comido pouco e se exercitado muito...

Ainda no domínio impecável da lógica, o líder quermesseiro afirma que não se pode comparar o Brasil aos demais países latino-americanos (Chile, Colômbia e Peru) para avaliar o efeito negativo dos fatores externos sobre o crescimento porque se tratam de economias “de pequeno porte (...), cujo dinamismo é derivado primordialmente da exportação de commodities e produtos agrícolas”.

Parece ter esquecido que economias deste tipo são precisamente as que mais sofreriam, seja em termos de crescimento, seja de investimento, caso a origem da desaceleração econômica fosse a crise externa. Seu desempenho superior ao brasileiro em ambos quesitos, pelo contrário, apenas reforça a noção que os problemas nacionais têm origem doméstica.

A verdade é que a cada dia se torna mais claro que as promessas de aceleração do crescimento pela adoção de um novo regime de política econômica não se materializarão. Mesmo sabendo que a estabilidade não é condição suficiente para o crescimento acelerado, ela não deixa de ser condição necessária, e os custos do abandono do tripé se tornam crescentemente visíveis, em particular no campo inflacionário, piorando o ambiente em que as empresas tomam suas decisões de investimento.

Só o discreto charme do fracasso, na definição precisa de Mário Mesquita, justifica o espaço dedicado àqueles que, mesmo confrontados com o fiasco de suas proposições, ainda se arrogam o direito de negar o que a realidade insiste em revelar.

“Aha: só pode ser culpa da herança maldita!”


(Publicado 16/Jan/2013)

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Eu não disse?


15/01/2013 - 05h30

Dilma pede, e SP e Rio congelam a tarifa de ônibus para conter inflação

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EVANDRO SPINELLI
DE SÃO PAULO
PEDRO SOARES
DO RIO
Diante do temor de que a inflação oficial (IPCA) batesse em 1% em janeiro e alimentasse as expectativas para o ano, o governo decidiu procurar os prefeitos das duas maiores capitais do país e pedir que adiassem os reajustes das tarifas de ônibus
Se São Paulo e Rio de Janeiro aumentassem as passagens, a taxa prevista, de 0,80%, superaria o 1% e, no acumulado em 12 meses, ficaria muito perto de 6,5%, trazendo receio ao mercado (leia texto ao lado).
Em São Paulo, a prefeitura paulistana informou que o assunto foi tratado "com o governo federal". A Folha apurou que o prefeito Fernando Haddad (PT) falou diretamente com a presidente Dilma Rousseff (PT).
No Rio, o prefeito Eduardo Paes (PMDB), disse que recebeu um pedido do ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Rivaldo Gomes/Folhapress
Ônibus em rua do bairro Santana, zona norte de São Paulo; cidade adiou reajuste da tarifa a pedido de Dilma
Ônibus em rua do bairro Santana, zona norte de São Paulo; cidade adiou reajuste da tarifa a pedido de Dilma
SÃO PAULO E RIO
A tarifa na capital paulista está congelada em R$ 3 há dois anos. Desde então, o IPCA, índice usado na correção, já acumula alta de 11,84%. Se fosse integralmente aplicado, a tarifa iria para R$ 3,36.
Haddad disse que a tarifa só será corrigida em maio ou junho. O valor não foi definido, mas não será maior que a inflação acumulada, disse.
Para manter o preço congelado, ele precisa subsidiar o sistema.
O Orçamento da prefeitura paulistana para 2013 prevê R$ 660 milhões de subsídios, mas Haddad já sabe que o valor não será suficiente. Haddad terá de gastar ao menos mais R$ 150 milhões além do valor orçado. Assim, o subsídio em 2013 pode ficar próximo do recorde, de 2012: R$ 960,7 milhões.
Além do congelamento da tarifa, Haddad terá de bancar a criação do Bilhete Único Mensal, sua promessa de campanha, que deve custar cerca R$ 400 milhões ao ano. A ideia é implantar o programa até meados do ano.
Também até o meio do ano a prefeitura tem de licitar a substituição das empresas de transporte. Haddad disse que, se a licitação permitir redução do custo, a tarifa pode subir menos que o previsto.
No Rio, quando Paes reuniu-se com Mantega, no fim de dezembro, a correção (5,5%) e a tarifa (R$ 2,90) já tinham sido anunciadas e entrariam em vigor em 1º de janeiro. O ministro pediu que o prefeito postergasse o reajuste da tarifa porque muitos reajustes e pagamentos de tributos se concentram no começo do ano. Não há nova data prevista.
OUTROS ESTADOS
As Prefeituras de Belo Horizonte e Recife já aumentaram as passagens de ônibus entre o fim do ano passado e o início de 2013.
Curitiba pretende aumentar o preço da passagem em fevereiro, mas o valor não foi definido. Em Porto Alegre, a prefeitura ainda avalia se haverá mudança.
Salvador já mexeu no preço em junho do ano passado.
As prefeituras não quiseram comentar se receberam pedidos do governo federal em relação às tarifas de transporte urbano, com exceção de Recife, que diz não ter recebido solicitações.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Ganhei a aposta

Não sobre a inflação, é claro (eu esperava "entre 5-5.5% (mais perto dos 5.5%)" [ver comentário de 7/junho, às 15:58] ) e ela fechou o ano a 5,84%. Fui otimista demais.

Mais, se sou um otimista incorrigível nas questões econômicas, sou absolutamente pragmático nos meus julgamentos de (falta de) caráter. No mesmo comentário acima respondi ao Anônimo de 6/junho às 22:35:

Aposto que você não voltou aqui quando a inflação surpreendeu para cima em abril e tenho certeza que não voltará a aparecer em janeiro de 2013, quando ficar claro que a inflação de 2012 ficou entre 5-5.5% (mais perto dos 5.5%).
E, querem saber? O fulano não deu as caras mesmo! Errei a inflação, mas a (falta de) caráter foi na mosca...

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Operação Chacrinha


É chato, eu sei, e já me desculpo aos 18 leitores por voltar ao tema, mas, como o governo insiste em repetir os mesmos erros, tenho que comentá-los. Em nome dos 18 aproveito para deixar meu apelo por erros novos, por favor.

Feito o pedido, ao trabalho. Soubemos na semana passada, mesmo antes da divulgação oficial dos números de dezembro, que naquele mês o governo lançou mão, não de uma, mas de várias manobras contábeis para garantir, formalmente, o cumprimento da meta fiscal, cerca de R$ 140 bilhões (3,1% do PIB), definida pelo próprio Executivo.

Pelo que foi noticiado, a Caixa Econômica Federal e o BNDES anteciparam dividendos para o Tesouro, num valor próximo de R$ 7 bilhões (devidamente financiados... pelo Tesouro!). Além disto, o governo teria sacado também cerca de R$ 12 bilhões do Fundo Soberano (parte em ações da Petrobrás, vendidas... ao BNDES!). Caso o raro leitor tenha ficado confuso, não se apoquente: isto foi feito para confundir (não para explicar) e, no final das contas, não faz a menor diferença, pois são todas transações entre os diversos bolsos de um mesmo governo, com o intuito de obscurecer o óbvio, a saber, que, apesar das promessas, o governo ficou muito longe da meta.

Há duas ordens de consequências. A mais óbvia é que, apesar da Operação Chacrinha, não há como fugir do fato que a política fiscal foi bem mais expansionista do que normalmente presumido, em particular pelo Banco Central, que, ainda em dezembro, baseava suas projeções na suposição que o superávit primário atingiria “em torno de 3,1% do PIB”.

Talvez ainda haja alguém no governo que vá defender esta postura como uma estratégia anticíclica, isto é, uma política mais expansiva em anos de baixo crescimento, a ser compensada por uma política mais restritiva em anos de crescimento mais forte. Exceto, é claro, que tal compensação nunca ocorre, senão como explicar o crescimento persistente das despesas federais, de 14% do PIB em 1997 para mais de 18% do PIB ano passado?

No curto prazo isto significa inflação mais alta, ainda mais dado o descaso do BC. Não é por acidente, portanto, que a inflação permaneça teimosamente há 3 anos acima da meta e deva continuar assim até onde a vista alcança.

A médio e longo prazo, porém, além da questão inflacionária, também o crescimento é afetado. O gasto adicional não foi direcionado ao investimento, que continua insuficiente, mas à despesa corrente. Além de tal gasto tipicamente não se traduzir em elevação do potencial de crescimento do país, ele sofre o inconveniente de ser praticamente impossível de ser reduzido, sugerindo que, para fazer espaço no orçamento dos próximos anos, o investimento federal se tornará ainda mais escasso.

Por fim, a contrapartida do gasto mais alto são tributos mais pesados, cujo impacto sobre o crescimento não é apenas óbvio, mas principalmente negativo.

Já a segunda ordem de consequências é mais sutil, embora não menos importante. Ao longo dos últimos anos o governo tem abusado de manobras contábeis como as empregadas no final do ano passado, de dividendos extraordinários de empresas estatais à aquisição das reservas de petróleo pela Petrobrás (em troca de ações, não de dinheiro), passando pelas operações com o BNDES e outras feitiçarias.

Não sei, sinceramente, a quem o governo quer enganar. Talvez a si próprio, pois qualquer analista com um tanto de experiência consegue identificar a macumba fiscal, ainda que alguns, talvez por dever de ofício, se omitam valentemente da tarefa de denunciá-la.

De qualquer forma, isto só serve para acrescer à perda de credibilidade das instituições. Não bastasse o BC fazer letra morta do regime de metas para a inflação, temos agora o Tesouro cuidadosamente rasgando a Lei de Responsabilidade Fiscal. Estamos, é verdade, ainda longe do ponto em que isto se tornará um problema patológico, mas já na estrada que leva para lá.

Õ Teresinha!


(Publicado 9/Jan/2013)

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Nova entrevista à CBN


'Seria mais honesto governo admitir que não atingiu a meta de superávit'

Entrevista com Alexandre Schwartsman, economista e Consultor da Schwartsman e Associados. Ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.





Atualização: link para entrevista na Globo News sobre o mesmo assunto

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Vacina contra realidade


Aproveito esta primeira coluna de 2013 para retornar a um tópico que havia tangenciado no final do ano passado: a queda do investimento. Assim como no caso do PIB o Brasil tem apresentado um desempenho muito aquém de seus pares na América Latina. Em particular o investimento vem caindo em termos absolutos desde o segundo trimestre de 2011, recuando para pouco mais de 18% do PIB no terceiro trimestre do ano passado de 19,4% do PIB em seu pico mais recente.

Dada a forte queda da taxa real de juros no período tal desempenho é surpreendente, no mau sentido da palavra. Isto obviamente não quer dizer que a taxa de juros não tenha qualquer efeito sobre o investimento, mas implica concluir que há provavelmente outros elementos atuando no sentido contrário e com maior intensidade.

Tenho chamado a atenção para a pesada intervenção governamental e sua orientação antilucro como possíveis fatores que contribuem para a perda de atratividade do investimento, mas confesso que ainda não consegui dar uma expressão quantitativa a esta hipótese, que permanece como conjectura não testada.

Há, porém, outra possibilidade, que me foi levantada pela lamentável entrevista do secretário de Política Econômica aqui mesmo no Valor. Questionado sobre a possibilidade da desvalorização da moeda ter encarecido os bens de capital o secretário alegou que “[a] taxa de câmbio (...) foi corrigida para um nível que não afeta o custo de importação dessas máquinas”.

Esta afirmação pode ser confrontada facilmente com os fatos. A Funcex estima os preços, em dólares, dos bens de capital importados. Este índice, multiplicado pela taxa de câmbio, nos fornece uma estimativa de quanto tais bens custam em moeda local. Uma vez corrigindo estes dados pela inflação (o deflator do PIB) temos uma ideia da evolução dos preços reais dos bens de capital importados (ou do preço destes bens relativamente ao PIB, que é a mesma coisa).

O gráfico revela sua evolução desde 2004, mostrando queda apreciável destes preços no período, com uma breve, ainda que intensa, interrupção em 2008-09, dada a forte depreciação da moeda em seguida à crise internacional. Mais recentemente, porém, os preços reverteram este comportamento, aumentando 16% a partir do terceiro trimestre de 2011, já deduzida a inflação.

Dado que preços em dólares permaneceram praticamente estáveis no período, a única conclusão possível foi que o encarecimento dos bens de capital importados reflete a desvalorização do real face ao dólar. Como, porém, estes bens são competidores potenciais de produtos locais, seus custos mais altos tendem a se traduzir na elevação dos preços da produção nacional, fato que é comprovado, por exemplo, pela evolução dos itens máquinas e material de transporte (exceto automóveis) no Índice de Preços ao Produtor do IBGE.

Ocorre que preços mais elevados de bens de capital devem necessariamente reduzir o retorno do investimento, pois obrigam a desembolsos maiores nas fases iniciais dos projetos. Em teoria, ao menos, o aumento do preço dos bens de capital importados deve implicar redução do investimento. O gráfico ilustra precisamente este processo, muito embora esteja longe de ser a palavra final sobre o assunto.

Fonte: Autor (a partir de dados do IBGE e Funcex)
 É possível aprofundar o estudo, na prática estimando um modelo que explica o desempenho do investimento como função dos custos de bens de capital (capturando seu impacto no desembolso inicial), da taxa real de juros, assim como de outras variáveis macroeconômicas (hiato do produto, crescimento e preços de commodities), que afetam diretamente o lucro dos projetos.

Conforme esperado o modelo sugere que taxas de juros e o custo dos bens de capital são negativamente associados ao investimento (sua redução eleva o investimento), enquanto as demais têm uma relação direta com a inversão.

O modelo pode então ser usado para chegarmos a uma conclusão reveladora: caso os preços dos bens de capital importados tivessem se mantido em níveis observados no terceiro trimestre de 2011, antes da depreciação da moeda, o investimento teria atingido ao redor de 19,5% do PIB no terceiro trimestre de 2012, ao redor do pico anterior e bem acima dos valores observados naquele momento.

Posto de outra forma, a política do enfraquecimento deliberado da moeda teve um efeito negativo substancial sobre o investimento, sem contar potenciais efeitos indiretos por meio das variáveis acima listadas. Conforme alertado por vários economistas, a mudança do regime de política trouxe de fato crescimento mais baixo, mas para uma equipe econômica vacinada contra a evidência empírica nada disso importa.

Polyanna, a caminho da Fazenda

(Publicado 3/jan/2013)

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Negócio x mercado

Pouco antes do final do ano passado a jornalista Claudia Safatle, no Valor Econômico, relatou conversa com fonte na área econômica tratando, entre outras coisas, da percepção do governo acerca de suas relações com o setor privado. O tema  foi a mudança de orientação do governo Dilma, que teria dado uma “guinada no estatismo” típico do Programa de Aceleração de Crescimento em prol de uma orientação mais empresarial.

Segundo a fonte: “A Dilma, ministra-chefe da Casa Civil do governo Lula, acreditava que o Estado, com seus investimentos, faria o país crescer. A Dilma, presidente da República, entendeu que há limitações e que é preciso trazer a iniciativa privada para o crescimento econômico”.

Parece boa notícia, mas desconfio que nem a fonte, nem a presidente entenderam muito bem o que significa “trazer a iniciativa privada para o crescimento econômico”.

Para usar categorias empregadas pelo economista Luigi Zingales, o governo parece confundir uma política pró-negócio com uma orientação pró-mercado. A primeira consagra vencedores em setores eleitos a dedo, sem que saibamos ao certo os critérios de escolha. A segunda buscar criar condições para que empresas possam florescer em um ambiente competitivo, abstendo-se de eleger a priori os campeões nacionais.

Os resultados destas abordagens não poderiam ser mais distintos, como expresso, por exemplo, no indispensável Why Nations Fail (Por que nações fracassam?) de Daron Acemoglu e James Robinson. Como argumentado por estes economistas, políticas pró-negócio tipicamente levam a lucros de monopólio, beneficiando uns poucos setores à custa do resto da sociedade. Com lucros garantidos (o chamado “capitalismo de compadres”) reduz-se o incentivo à atividade inovadora e assim o impulso ao crescimento de longo prazo, sustentável apenas pela expansão persistente da produtividade.

Políticas pró-mercado, em contraste, não se ocupam da eleição de vencedores, mas sim em forjar um ambiente econômico que facilite a proliferação de inovadores para que da quantidade surja a qualidade. Tributos mais baixos (e, principalmente, mais simples), agilidade na criação (e destruição) de empresas, respeito aos direitos de propriedade são medidas, entre outras, que fazem parte deste ambiente, cujo sucesso é fartamente documentado na literatura econômica, inclusive no livro citado.

Não é preciso clarividência para perceber que a orientação governamental aproxima-se do primeiro caso, sem muito parentesco com o segundo grupo de políticas. O governo crê que sua ação, seja por meio de políticas setoriais, seja pela manipulação da política tributária ou creditícia, criaria os “incentivos corretos” (segundo seus próprios e inescrutáveis critérios) para o investimento empresarial e é neste sentido que acredita ter se aproximado do setor privado.

O viés intervencionista, porém, não se esgota nisso. Por coincidência (ou não), na mesma coluna, ao discorrer sobre o pacote de concessões (privatização permanece como palavra tabu no dicionário governista), faz-se menção explícita aos limites impostos sobre o retorno do capital investido nestes projetos. Assim, ao mesmo tempo em que oferece lucros extraordinários a setores eleitos, o governo arbitra o retorno em outros segmentos e ainda se ofende quando os prejudicados reclamam.

Não é assim que uma economia capitalista prospera. Sob um regime como o que vigora no Brasil há mais a ganhar tentando influenciar decisões de política do que na atividade empresarial propriamente dita. É de se esperar, portanto, que empresas reajam racionalmente a isso, direcionando seus recursos para o lobby ao invés do investimento produtivo e a inovação.

Num momento em que o esgotamento da mão-de-obra ociosa deixa claros os limites ao modelo de crescimento do país, investimento e produtividade são as saídas possíveis, mas, sob o regime pró-negócio, cada dia mais remotas.

Indústria infante


(Publicado 2/Jan/2013)