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quinta-feira, 26 de março de 2009

A "put" de Geithner

Desde a publicação do Plano Geithner tenho tentado arrumar um tempo para escrever a respeito, mas a vida anda corrida. Pior: o argumento que eu queria fazer já apareceu em mais de um lugar, em particular no blog do Krugman (http://krugman.blogs.nytimes.com/2009/03/23/geithner-plan-arithmetic/) e, acho que até melhor explicado, nesse blog (https://self-evident.org/?p=502). Trata-se, essencialmente, de oferecer um subsídio disfarçado (talvez nem tanto) à aquisição de ativos “herdados” (não os chamamos mais de “tóxicos”; questão de educação), cuja explicação está em ambos os links acima (e possivelmente em muitos outros).

Ainda assim, para quem não viu, não tem paciência de clicar no link, ou prefere prestigiar o blogueiro, segue minha versão da historinha.

Como se sabe, pelo menos no que diz respeito aos créditos hoje no balanço dos bancos (os chamados “legacy loans”), o grande criação do Plano é a possibilidade de eventuais compradores destes ativos obterem alavancagem garantida pelo Tesouro americano. Isto deve, tudo o mais constante (mais sobre isto à frente), elevar o preço dos legacy loans relativamente ao que seria o “valor justo” (muitas aspas aqui, como, espero, ficará claro).

Imaginem que o Hell Bank tenha hoje no seu ativo um empréstimo que, se pago, valha 200. Caso contrário, o valor de recuperação deste ativo seria 80. Para facilitar nossa vida, vamos presumir que cada estado da natureza (“pagou”; “quebrou”) tenha 50% de chance de ocorrer. Quanto um possível comprador (neutro com relação a risco) estaria disposto a pagar?

A resposta é meio óbvia, mas vamos tomar o caminho mais tortuoso (ajuda a elucidar o problema mais interessante). Se o investidor está disposto a pagar p* por este ativo, a sua estrutura de recompensa é a seguinte:

1) No estado favorável da natureza o investidor ganha (200-p*)

2) No estado da não-favorável da natureza o investidor ganha [a rigor se enluzia em] (80-p*)

O lucro esperado é, portanto, 0,5(200-p*) + 0,5(80-p*). Como vários investidores podem concorrer para comprar este ativo, seu preço de equilíbrio é dado pelo valor de p* que zera o lucro esperado, i..e:

0,5(200-p*)+0,5(80-p*) = 0, ou seja, p* = 140.

Como eu avisei, é um jeito tortuoso de se chegar ao óbvio. Em condições “normais”, portanto, o “valor justo” para este ativo é 140.

No entanto, as condições oferecidas pelo plano não são normais. Para cada $ 1 colocado pelo investidor privado, o Tesouro coloca também $ 1. Melhor: o FDIC pode garantir dívida emitida pelo investidor até um limite de 6x, isto é, para cada $ 2 de capital ($ 1 do setor privado e $ 1 do Tesouro), o fundo que adquire os empréstimos (aqui chamado de Hades Fund) pode tomar $ 12 no mercado, com a garantia do FDIC, i.e., em última análise, do próprio Tesouro americano.

Se o fundo for comprar este ativo pelo “valor justo” (140, como visto), o investidor pinga $10, o Tesouro pinga outros $ 10, e o Hades emite $ 120 de dívida. Assim, a um ativo de 140 corresponde um capital de 20 e uma dívida (non-recourse) de 120.

Agora, com 50% de chance este ativo vale 200. Isto ocorrendo, o ganho vai integralmente para os investidores (privado e Tesouro), isto é, o ativo do fundo vale 200, dos quais, deduzido o valor da dívida (120), sobram 80 para os acionistas. Cada um deles leva 40 para casa (um ganho de 30 por cabeça, deduzido o investimento inicial) e ninguém chama o FDIC, já que a dívida será devidamente quitada.

Só que também há a possibilidade do ativo, no final da história, valer apenas 80. Como na famosa lenda, não tem para todo mundo. Não dá para pagar a dívida (então o FDIC é convocado para cobrir a diferença entre o valor da dívida e dos ativos, isto é, 40) e todo mundo volta para casa devidamente enluziado (cada acionista perde 10).

Como fica o valor esperado neste caso? Com 50% de chance o investidor privado ganha 30 e com 50% de chance perde 10, ou seja, espera ganhar 10. O Tesouro americano, acionista do mesmo jeito, também tem um ganho esperado de 10. Já o FDIC, com 50% de chance não ganha nada (e não perde nada), mas com 50% de chance agasalha 40, ou seja, espera perder 20. Consolidando o Tesouro e o FDIC de um lado e o investidor privado do outro, temos este último com um ganho esperado de 10, devidamente financiado pela perda esperada do Tesouro/FDIC.

Só que, se houver ganho esperado na operação, deve haver gente competindo por ela, isto é disposta a pagar um valor acima do “justo” (isto é do valor que reflete apenas as probabilidades de cada resultado), até o ponto em que o ganho esperado – como no exemplo anterior – vá a zero. Qual será o preço (p+) que os investidores admitem pagar?

A estrutura de recompensas agora é a seguinte:

1) Com 50% de chance os investidores ganham (200-p+)
2) Com 50% de chance os investidores ganham (0-(1/7)p+)

Por que (1/7)? Porque os investidores (privado e Tesouro) só põem 1/7 do valor do ativo, já que os outros 6/7 são dívida garantida pelo FDIC. Assim, o preço que os investidores estão dispostos a pagar é dado por:

0,5(200-p+)-(0,5p+)/7 = 0, ou seja, p+ = 175

Em outras palavras, em equilíbrio, os investidores estariam dispostos a pagar 25% a mais do que o “valor justo”, basicamente porque – graças à alavancagem graciosamente providenciada pelo FDIC – têm suas perdas limitadas a uma fração do ativo total.

Seguindo o mesmo raciocínio acima, se “q” é a probabilidade do estado mais favorável da natureza, “L” é a alavancagem (aqui tomada como a relação dívida/capital) e V é o valor do ativo no estado mais favorável da natureza, o preço que equilibraria os leilões (p+) seria dado por:

p+ = [q(1+L)/(1+qL)]V

Pode-se mostrar que esta expressão é crescente em L (precisa de um raciocínio econômico, na verdade, não só matemático, mas deixo isto com as mentes mais curiosas). Em outras palavras, a alavancagem aumenta o prêmio sobre o “valor justo”. Também se pode mostrar que, pelo menos nos termos do exemplo acima, em que a alavancagem é determinada sobre o valor de mercado (não valor de face) do “legacy loan”, o efeito da alavancagem é tanto maior quanto pior for a qualidade do ativo, i.e., quanto menor for q [noto que, segundo alguma interpretações, a alavancagem no Plano é calculada sobre o valor de face do ativo, não o valor pago, o que deve levar a resultados algo diferentes, mas ainda não fiz estas contas].

Vale dizer, a alavancagem de cortesia deve fazer com que investidores tenham um apetite maior por estes ativos, às custas, é claro, do contribuinte. Isto dito, se há bons motivos para crer que o setor privado tem condições melhores de apreçar os ativos dos bancos (acho que isto é verdade e um ponto positivo do plano), ao mesmo tempo há distorções que podem levar à má formação de preços.

De qualquer forma, está longe de ser claro que o ágio sobre o “valor justo” irá resolver a questão. Dada a qualidade dos ativos bancários, a verdade é que não se sabe se isto será suficiente para cobrir a diferença entre os preços a que estão marcados estes ativos e eventuais preços que apareçam nos leilões. Assim, não sabemos também, se isto será suficiente para cobrir a insuficiência de capital no sistema.

Por fim, a qualidade dos ativos não é uma constante da natureza. Em meio à deterioração da atividade econômica é pouco provável que não haja piora na qualidade dos ativos (na nossa notação, “q” estaria se reduzindo, o que inequivocamente diminui o valor dos ativos).

Resumindo: permaneço cético. Se estiver correto no meu ceticismo veremos ainda o governo americano tendo que voltar ao Congresso para pedir mais dinheiro e, aí sim, adotar uma estratégia distinta, mas tendo perdido muito tempo (além de recursos) numa trilha que pode ser um beco sem saída.

Enfim, tenho certeza que isto não esgota o assunto e espero os comentários (e correções) inteligentes dos suspeitos de sempre.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Quando o samba acabou

A crise econômica trouxe de volta ao debate o papel da política fiscal no arcabouço geral de política econômica brasileira. Ao contrário de episódios anteriores, nos quais o choque externo também implicava deterioração das condições fiscais do setor público, desta vez a dívida pública caiu bruscamente, graças à criticada política de acumulação de reservas (e derivativos cambiais) por parte do Banco Central, que gerou um imenso ganho de capital a partir da desvalorização da moeda, cumprindo seu papel de “seguro” no caso de crise.

Assim, ao invés de sermos forçados, como de hábito, a uma forte contração fiscal nas pegadas da crise internacional para compensar o efeito da desvalorização sobre a dívida, podemos hoje discutir a conveniência de adoção de uma política fiscal anticíclica para mitigar os efeitos da “marolinha” sobre o Brasil.

No entanto, apesar da melhora no quesito dívida pública, uma análise mais cuidadosa revela um conjunto ponderável de entraves ao uso mais ativo da política fiscal, essencialmente por conta da forte expansão do gasto corrente.

De fato, nos últimos cinco anos o PIB per capita brasileiro se expandiu à taxa média de 3,2% ao ano, seu melhor desempenho desde 1980. Em que pese a aceleração do crescimento durante o auge cíclico da economia mundial, os gastos públicos não pararam de aumentar. Pelo contrário, entre 2003 e 2008 o gasto federal primário se elevou de 15,1% para 17,6% do PIB, aumento este concentrado nos gastos correntes e financiado pelo crescimento rápido da arrecadação que, no mesmo intervalo, se ampliou em 3,7% do PIB.

Este padrão foi colocado em xeque, porém, pela queda severa da arrecadação a partir do agravamento da crise externa. Parece claro agora que as receitas federais irão se reduzir como proporção do PIB, ao mesmo tempo que a elevação real do salário mínimo e, talvez, os aumentos salariais a serem concedidos ao funcionalismo, contribuirão para elevar o gasto corrente.

Esta combinação perversa já ameaça a meta fiscal deste ano. Assim, não por acaso, a exemplo do que observamos em meados de 2007 quando da definição da meta de inflação para 2009 (4,5%, porém, como escrevi à época, permitindo ao BC buscar um número mais baixo, desde que as condições macroeconômicas permitissem e a Lua se alinhasse a Escorpião, mas apenas se a migração das borboletas birmanesas não fosse prejudicada pela menstruação das lhamas) vivemos um caso de ambiguidade “desconstrutiva”. A meta, dizem, ainda equivale a 3,8% do PIB, podendo ser reduzida, se usados o Programa Piloto de Investimentos e o Fundo Soberano, mas talvez não, ou sim, quem sabe?

A triste verdade é que o comportamento do governo durante a expansão gerou o problema. Tivéssemos, a exemplo do que fez o Chile, poupado as receitas cíclicas, ao invés de usá-las para aumentar o gasto corrente – cuja redução futura é quase impossível num ambiente de baixa inflação – o acanhado espaço hoje disponível para expansão do investimento público seria bem maior.

E é justamente o investimento quem teria melhores condições de desempenhar um papel anticíclico. Enquanto um aumento permanente do gasto público implica uma elevação futura equivalente dos impostos, reduzindo o gasto privado corrente, gastos temporários requerem menor expansão da carga e, portanto, têm efeito depressivo menor sobre o dispêndio privado.

Infelizmente, a conta da expansão descontrolada do gasto corrente está sendo cobrada agora. Resta esperar que aprendamos a lição a tempo do próximo ciclo econômico.

(Publicado 18/Mar/2003)

quinta-feira, 12 de março de 2009

O que estamos celebrando mesmo?

Da Folha de S. Paulo de hoje:

"Palestrante do seminário sobre desenvolvimento realizado ontem em São Bernardo do Campo, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, encerrou sua exposição com um prognóstico:
-Ainda neste semestre teremos juros de um dígito!
Ciente da popularidade desse bordão numa plateia repleta de sindicalistas, o apresentador repetiu:
-Vamos frisar: um dígito ainda neste semestre!"

Brilhante. O secretário comemora o fato do país enfrentar uma crise internacional sem precedentes. Eu, algo antiquado é verdade, tinha a impressão que deveríamos nos regozijar com o crescimento, mas aparentemente o maior objetivo de política econômica é ter uma taxa de juros baixa, não interessa o motivo.

Deve ser por este motivo que o Japão festeja incessantemente desde a década de 1990 e o mundo celebra a maior recessão mundial desde a Grande Depressão.

A aplicar o mesmo critério, o secretário deveria comemorar a pneumonia que o impeça de ir ao trabalho.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Comentário ao seu artigo Eistein, Israel e Churchill

Recebi há algum tempo o comentário abaixo do Marcelo Castro, hoje na Pharo Management, um analista que eu respeito muito e não é de agora. Eu queria publicar antes, mas nunca me lembrava de pedir a autorização do Marcelo. Bom, antes tarde do que nunca.

* * *

Prezado Alexandre,

Aqui vai meu comentário:

De acordo com dados do FED (flow of funds), os bancos comerciais têm $ 1.4 tri the capital e $ 2.5 tri de dívidas não securitizadas. O capital inclui ações preferenciais, as dívidas são subordinadas ou seniores.

Se o Roubini estiver certo, os bancos comerciais americanos ainda têm $1.8 tri the perdas se colocarem os ativos podres a valor de mercado. Neste caso o sistema teria capital negativo de $400 bi. Está claro que é politicamente impossível que o Tesouro Americano capitalize todo o sistema de novo, sairia caríssimo para o contribuinte Americano, e no longo prazo diminuiria PIB potencial. Mas note as $2.5 tri de dividas. Se o capitalismo funcionasse como deveria ser, a conversão de uns 70% destas dívidas em capital seria a ordem natural das coisas, e resolveria o problema da alavancagem sem custo para o contribuinte. Os bancos teriam então $1.35 tri de capital, 750bn de dividas. Neste ponto seria possível atrair mais capital privado para suplementar a necessidade de capitalização robusta dos bancos.

O problema é a implementação desta mega reestruturação do passivo dos bancos. Eu desconheço a lei bancária americana, mas entendo que o FED possui enormes poderes com as instituições sob sua supervisão. Não vejo porque a implementação deveria ser tão rápida. Eu vejo os determinados passos:

1) FED realiza o estresse dos balanços e determina quem está insolvente, quem está bem (porque não fizeram isto antes? Esta é a pergunta para a qual não tenho resposta – afinal o Geithner era o presidente do FED de NY, e o FED deveria ter recursos para isso; é o maior banco central do mundo, em termos de staff per capita)

2) Coloca em “conservatorship” aqueles bancos insolventes. Num período de alguns meses, limpa todos os CDS e demais derivativos negociados em balcão, garante o mercado interbancário e os depositantes – muito semelhante ao que fez com o AIG

3) Depois de uns 6 meses, começa a liquidar os ativos podres, no mesmo molde da RTC dos anos 90;

4) No final do ano, vai sobrar um rombo no capital, é claro. Neste ponto o governo vai ter que decidir se adianta mais capital ou força a conversão de dívida em capital. O governo tem bastante tempo – eu chutaria uns 10 meses - para aprovar o marco legal necessário para estas operações.

5) Privatiza o banco resultante.

Nesta solução, não vejo risco sistêmico. As ações vão para zero, as dividas subordinadas também, as dividas sêniores devem sofrer alguma perda. Mas o mecanismo de crédito deve continuar (bancos estatais costumam emprestar dinheiro – vejam o Fannie Mae e Freddie Mac depois da intervenção), os depositantes vão ser protegidos, bem como o “money market”.

O governo poderia até mesmo colocar mais capital NOS BANCOS BONS, ou relaxar temporariamente as necessidades de capital NOS BANCOS BONS. Eu chamo de bancos bons, aqueles bancos que passaram no teste de estresse do balanço.

Vale lembrar que economia é a ciência do que se vê, e do que não se vê. Principalmente o último. O que se vê é que os bancos ruins não vão emprestar mais, e como são os maiores, a economia americana vai entrar em depressão. O que não se vê, é que se há demanda por crédito, os bancos menores, que não têm grande participação atual na economia, podem crescer. Investidores externos podem querer comprar os ativos podres vendidos na bacia das almas, financiando uma parte do crédito. Um caso típico do que se vê e o que não se vê foi a história do Banco Pactual. Como que é que o banco Pactual no Brasil passou de um banco de uns $300 milhões de dólares em 2000 (quando o Luis Cesar Fernandes saiu) para um banco de $2 bilhões em 2007? Como foi que o banco atingiu a liderança da abertura de capital de empresas nacionais? Competência certamente, mas também a visão de que depois de tanta crise (1999 e 2002), a atividade bancária oferecia oportunidades grandes num ambiente de pouca competição.

A solução me parece simples, o que não significa fácil. Obviamente a implementação será difícil, a oposição política enorme. Mas francamente não vejo outro jeito. Se o Churchill estiver certo, é por aí que vamos.

Um abraço grande,

Marcelo

sexta-feira, 6 de março de 2009

Kléber S. sobre a crise

COMO MONTAR UM CDO

1- Um banco qualquer estabelece uma companhia paralela, fora do seu balance sheet para nao comprometer sua alavancagem vis-a-vis seu patrimonio liquido.

2- Essa companhia chamada SIV lanca commercial paper no mercado. Como a liquidez e' estupidamente alta, os juros pagos por CP sao uma merreca. A contrapartida e' que esse credito tem que ser renovado entre 1 e 270 dias.

3- A SIV vai entao a companhias mortgage originators - que sao as que emprestam dinheiro diretamente para o mortuario, digo, mutuario - e pergunta: "Voces tem contratos de hipoteca pra vender?". A mortage originator (Countrywide, por exemplo) diz: "Claro que sim!". Qual a vantagem? Segurar a hipoteca paga um juro de digamos 7 pct ao ano. Mas nao vem de graca, pois a originadora tem que pagar juros sobre o emprestimo junto ao seu financiador, etc. Entao ela ganha X a partir de um risco. Caso ela venda a hipoteca, ela fica com o dinheiro da taxa administrativa, ou seja, ganha algum a partir de nenhum.

4- A SIV entao poe um montao de hipotecas numa lista que e' chamada de underlying assets.

5- Isto posto, a SIV elabora um contrato chamado de CDO. Esse contrato estabelece 3 fatias que basicamente trata da distribuicao do rendimento proveniente das hipotecas listadas.

- Fatia Equity: digamos uns 10 do bolo. Essa fatia recebera' juros de X pct, bem acima da media dos juros pagos pelas hipotecas subjacentes. Mas tem um porem: esta fatia e' a ultima a receber os proventos. Caso o calote seja do tamanho da fatia - os tais 10 pct - eles nao recebem porra nenhuma.

- Fatia Mezzanine: recebe menos juros que a Equity, mas so' perde dinheiro se as perdas do pacote de hipoteca for maior que os 10 pct da Equity. Suponhamos que estao fatia englobe 15 dos ativos. Veja o amigo que eles nao tem uma lista com os nomes 15 pct dos mortuarios, digo, mutuarios. A fatia detem 15 pct do total.

- Fatia Senior (AAA): recebe um juro contratual bem menor que as outras, mas so' perde grana caso as perdas globais do pacote sejam superiores a 25 pct, no exemplo dado.


4- A SIV - que se financiou no curtissimo prazo para receber no longuissimo prazo - vai entao atras de otarios, digo, investidores para vender cotas nas tais fatias.

5- Uma vez que o pacote fatiado e' vendido, a SIV lucra com as taxas contratuais e comissao, e os otarios, digo, investidores ficam com seu contrato de acordo com a fatia especificada.

COMO LUCRAR COM UM CDO

1- Um hedge fund ou financeira qualquer toma dinheiro de seus cotistas, e estabelecem o patrimonio do fundo.

2- Ai' eles tomam dinheiro emprestado dos bancos, se alavancando 10 vezes.

3- Suponhamos que o juro pago aos bancos seja 8 pct. O hedge fund entao vai 'a SIV e compra uma Fatia Equity que rende 12 pct.

4- Viram que maravilha, cambada? Imaginemos que eles botaram 100 milhoes de patrimonio e emprestaram 1 bizinho do banco. Pagam 80 milhoes de juros e recebem 120. Rendimento sobre o patrimonio: 40 PORCENTO AO ANO!

COMO A MERDA DESANDOU

1- Conforme visto na licao anterior dessa escolinha do Professor Imundo, as empresas de originacao de hipotecas passaram a ganhar dinheiro basicamente pela prestacao do servico.

2- Ora, ja' que ela nao tem mais risco, pois tudo o que ela consegue emprestar aos mutuarios ela repassa com lucro para as SIV, ela nao tem mais a preocupacao de analise de risco.

3- A empresa passa entao a ganhar exclusivamente por volume.

4- Numa dessa, qualquer neguinho que saiba assinar o nome recebe um emprestimo. Porque se ele nao pagar, o "pobrema num e' meu".

5- Para que o volume nao caia, no decorrer do tempo se torna necessario abaixar o criterio de concessao de emprestimos para ex-inadimplentes, carinhosamente apelidados de subprime.

6- Como o cara ja' tem o credito fodido, e a empresa originadora nao exige garantia de qualquer especie, ele topa a parada.

7- Como a prestacao e' menor que um aluguel por um certo tempo, antes do reset da taxa de juros para valores cheios - nos 3 primeiros anos o neguinho pagaria so' uma parte dos juros, a tal ARM - o neguinho nao tem nada a perder.

8- Quando a taxa vai para as nuvens, o subi refinancia a quantia que o imovel se valorizou no periodo, e continua a pagar sua prestacao com esse refinanciamento. E' isso que eu chamo de comer o proprio braco para saciar a fome.

9- Um dia, os precos das moradias ficaram tao altos que os subis comecaram paulatinamente abrir o biquinho. Emprestimos ja' entravam em default em questao de meses.

10- As fatias Equity foram rapidamente para o vinagre. As outras foram indo pelo mesmo caminho.

11- Com a foreclosure das casas "perdidas" pelos subis, os precos dos imoveis entraram na descendente. Refinanciar e "comer o proprio braco" ja' nao era mais uma opcao. Com isso a quantidade de foreclosures cresceu aceleradamente.

COMO OS BANCOS SE ENLUZIARAM


1- Com o passar do tempo, as SIVs perceberam que os clientes estavam particularmente interessados nas Fatias Mezzanine. As duas outras comecaram a encalhar.

2- Os bancos ficaram com esses micos em suas SIVs.

3- 'A medida em que os subis iam para o vinagre, os hedge funds que entraram naquela jogada mencionada no capitulo anterior, tambem comecaram a ir para o vinagre, pois da mesma maneira que a alavancagem jogava seus rendimentos para estratosfericos 40 pct, um pequeno acrescimo na inadimplencia era suficiente para leva-los a falencia.

4- Por consequencia, os CDOs se tornaram toxicos. Ninguem mais queria saber deles porque aquela pergunta crucial de probabilidade condicionada nao podia ser respondida: "Qual a probabilidade de default de A DADO que seu vizinho B entrou em foreclosure?". Como nao ha' resposta para este risco, nao ha' definicao de preco - nem de modelo, muito menos de mercado. Por isso mesmo ninguem compra.

5- Billy the Ben concluiu: "Ahah! Se ninguem compra e' porque eles sao iliquidos. Entao vou dar liquidez para o auditorio". Como os cumpadres ja' sabem, num adiantou porra nenhuma.

6- O que concluiu Kleber S., o neguinho que vos fala? O problema e' solvencia, pois o volume e velocidade de inadimplencia dos subis - e pouco depois, dos naosubis - nao iria dar folego pra ninguem levar o tranco e se levantar. A tal da marcacao a mercado se assegurou de fazer com que o tempo jogasse contra.

6- O mercado concordou com o Ben da boca pra fora. Botaram pressao ate' que ele zerou a FFR. Mas concordou com o Kleber S. do bolso pra dentro, uma vez que as acoes dos bancos viraram "coisa de Agilulfo".

quarta-feira, 4 de março de 2009

O Cavaleiro Inexistente e o Visconde Partido ao Meio

As últimas decisões do governo americano indicam que a estatização de parte do sistema financeiro é inevitável. Mesmo acreditando que a solução do problema passe pela estatização de instituições financeiras, ainda não me parece que isto, isoladamente, tenha condições de recolocar o sistema em funcionamento. E, sem crédito, qualquer política de recuperação do crescimento enfrentará dificuldades talvez instransponíveis, como sugerido pela longa agonia da economia japonesa.

Na prática, o problema do sistema financeiro pode ser resumido de forma simples: o valor de seus ativos não é suficiente para honrar todas suas obrigações (depósitos de clientes, dívidas, e outros). Sob tais circunstâncias, seria de se esperar que o valor de suas ações fosse a zero.

No entanto, isto ainda não ocorreu, talvez pelo mesmo motivo alegado por Agilulfo Emo Bertrandino dei Guildiverni e degli Altri di Corbentraz e Sura, cavaliere di Selimpia Citeriore e Fez, para explicar como, sem existir, cumpria seu papel no campo de batalha. Se o Cavaleiro Inexistente o conseguia “pela força de vontade e fé em nossa santa causa”, as ações desses bancos parecem manter algum valor amparadas na fé e na vontade que um plano de resgate, de alguma forma, ainda reserve algo aos acionistas.

Esta possibilidade, porém, parece a cada dia mais remota. Todavia, se o acionista deve terminar sem nada, o credor dessas instituições ainda tem motivos para achar que pode sair bem da história, o que nos traz de volta à estatização dos bancos e suas implicações para a retomada do crédito.

Quando o governo injeta capital para cobrir as perdas dos bancos ele aumenta seus ativos pelo valor de sua intervenção. Caso o montante cubra exatamente a diferença entre os ativos originais e as obrigações dos bancos o valor destas últimas é preservado, mas o capital continua sendo zero. Em outras palavras, embora o contribuinte salve tanto o credor quanto o depositante, os bancos seguem sem capital.

Nesta situação, entretanto, a capacidade dos bancos de retomar o crédito é tão inexistente quanto Agilulfo. Para que possam voltar à sua atividade de intermediação financeira, é necessário que a injeção de capital cubra não apenas a diferença entre ativos e obrigações, mas que também reponha o capital. Vale dizer, o contribuinte teria que pagar duas vezes: uma para salvar o credor/depositante; outra para fazer o crédito voltar. Por enquanto, o governo americano parece estar fazendo a primeira parte e, em algum momento, terá que fazer a segunda.

Ou não. Uma alternativa que poderia limitar o custo para o contribuinte consiste na divisão das instituições em duas, na linha adotada pelo Proer brasileiro. Ativos de má qualidade seriam transferidos para o chamado “banco ruim”, assim como parcela da dívida dos bancos. Estes credores teriam direito a receber aquilo que fosse eventualmente recuperado.

No “banco bom” ficariam os ativos rentáveis além daqueles que são contrapartida da injeção de capital, suficientes para pagar as obrigações restantes e com folga para que o banco voltasse a emprestar. Este arranjo daria maior poder de fogo aos recursos do governo em termos de reiniciar a concessão de crédito, à custa, é claro, dos credores, pois deve ficar claro que a estatização não pode criar valor, apenas redistribuí-lo entre credores e contribuintes. A solução para o problema do Cavaleiro Inexistente passa, pois, por partir o Visconde ao meio, mas será que há um Ítalo Calvino na equipe de Obama?

(Publicado 4/Mar/2009)

terça-feira, 3 de março de 2009

Vale a pena

Nos comentários do post abaixo percebe-se um tópico que tem sido discutido pelos leitores do blog há tempos: a origem da crise está na política monetária ou na regulação falha. Pelo visto, ainda vamos passar muito tempo debatendo o assunto.

Isto dito, o Claudio Shikida (do De Gustibus http://gustibusgustibus.wordpress.com/) preparou um texto sobre a crise (http://nepom.wordpress.com/2009/02/27/para-entender-a-crise-pequeno-guia-para-leitores-deste-blog/) que, acredito, vocês acharão muito útil. Fica o link acima e continuamos a (não) nos entender (ainda bem, senão ficaria muito chato).