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terça-feira, 31 de maio de 2016

A morada do diabo

Ainda em sua primeira versão, a mesma que causou (justificado) escândalo em agosto do ano passado, o orçamento federal previa déficit de R$ 30 bilhões, rapidamente transformado em superávit de R$ 24 bilhões, embora, é claro, apenas no papel. Tanto que a administração anterior já reconhecia que o número seria negativo e bem pior do que as primeiras estimativas, na casa de R$ 100 bilhões.

Ainda assim, quem segue a questão fiscal de perto já havia manifestado sua descrença, apostando num buraco ainda maior, e valores na casa de R$ 150 bilhões não chegavam a escandalizar ninguém, uma triste ilustração de como nos adaptamos facilmente à miséria. Neste sentido, o anúncio de um déficit de R$ 170 bilhões, equivalente a 2,7% do PIB, foi recebido por uma sociedade anestesiada.

Não há dúvida que o valor é horroroso e retrato do grau de deterioração das contas do governo nos últimos anos. Contudo, não chega a ser o pior desenvolvimento nesta frente: o que me deixa ainda mais horrorizado é o grau de incerteza que existe em torno dos números fiscais.

Não bastassem as repetidas revisões de metas (fenômeno constante nos últimos anos), há ainda a possibilidade de perdas de montante desconhecido associadas a eventos tão distintos como a necessidade de capitalização da Petrobras, ou a incapacidade da Eletrobras em publicar seu balanço auditado segundo regras internacionais, ou ainda o montante de créditos de má qualidade nos bancos federais e seus impactos sobre as finanças públicas.

É lamentável, mas aprendemos como um governo mal-intencionado e/ou incompetente na gestão fiscal pode causar um estrago sem precedentes. O quadro institucional, expresso em diplomas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, ou a Lei de Diretrizes Orçamentárias, foi simplesmente despedaçado no processo. Recuamos ao menos 20 anos em termos de instituições fiscais. Idealmente estas deveriam ser reconstruídas, mas não temos sequer certeza se seremos capazes de tal tarefa.

Sob esta ótica as medidas anunciadas ontem são, em sua maioria, uma manifestação de intenções corretas, mas, para falar a verdade, não muito mais que isto.

Dessas, a antecipação de pagamentos por parte do BNDES para o Tesouro Nacional é a que deve produzir o maior impacto, R$ 100 bilhões. Da mesma forma, porém, que a concessão dos empréstimos não é despesa, sua amortização não é receita. Embora muito inferior ao tamanho da dívida (R$ 4 trilhões, ou 67% do PIB em março), o efeito equivale a algo como 1,7% do PIB, e pode reduzir a conta de juros em algo como R$ 7 bilhões/ano.

Já a fixação de um teto para as despesas do governo federal de acordo com a inflação antecipa uma queda destas relativamente ao PIB. No entanto, sem medidas mais claras no que se refere às vinculações e adequação da Previdência, não é claro como o teto será cumprido. O diabo mora nos detalhes e resta, portanto, saber como, na emenda constitucional sobre o tema, o governo pretende lidar com esta questão.

* * *

Segundo Alexandre Pombini, “a inflação em si jamais fugiu ao controle nesses dezessete anos do regime de metas”. O grau de alienação desta afirmação revela porque a inflação atingiu mais de 6% ao ano entre 2011 e 2014, 10,7% em 2015 e 9,6% nos últimos 12 meses, comparada a uma meta de 4,5%. Já vai tarde...



(Publicado 24/mai/2016)

terça-feira, 24 de maio de 2016

O tamanho da encrenca

As contas públicas se encontram em estado grave, fruto de anos de descaso, e a solução para o problema envolve uma equação política complicada. Não está claro que o novo governo consiga resolvê-la, embora suas chances sejam bem melhores do que as da administração anterior.

Para dar uma ideia do tamanho da encrenca, no ano passado o governo federal gastou quase R$ 1,2 trilhão (é “trilhão” mesmo), quase um quinto de tudo que foi produzido no país, o PIB, em 2015. O conjunto dos estados gastou R$ 536 bilhões, quase um décimo do PIB.

Sem contar, portanto, os mais de 5.500 municípios, a despesa não financeira do setor público “comeu” pouco menos de 30% do PIB, montante que deve se manter aproximadamente constante em 2016. Muito gasto, mas pouco investimento, que, entre estados e União, não passou de 2% do PIB, irrisório face às necessidades do país.

Não é só o tamanho do gasto que preocupa; também seu ritmo de crescimento tem superado persistentemente o do produto. Entre 2012 e 2015, descontada a inflação, os gastos federais cresceram 5% ao ano, enquanto no caso dos estados a expansão foi algo mais modesta, na casa de 2% ao ano. Já o PIB...

Esta dinâmica perversa se origina principalmente do dispêndio obrigatório do governo, que subiu 6% ao ano no caso do governo federal e 3% ao ano para o conjunto dos estados. Os motivos são vários: regras de reajustes de previdência e funcionalismo, ausência de idade mínima para aposentadoria, vinculações orçamentárias, limites mínimos para certas despesas, para mencionar apenas alguns.

Isto se traduz num orçamento público no Brasil extraordinariamente amarrado. No caso federal, de cada R$ 100 de gasto, o governo pode dispor livremente de pouco menos de R$ 10; o resto é mandatório.

Boa parte disto resulta de disposições constitucionais, algumas datando ainda de 1988, outras de períodos mais recentes. De uma forma ou outra, contudo, significam que, sem mudança de regras, as despesas seguirão crescendo em ritmo superior ao do PIB, impossibilitando na prática qualquer ajuste fiscal e, portanto, o controle do endividamento público.

A conclusão inescapável é que a principal tarefa da nova administração envolve convencer o Congresso a mudar a Constituição para adequar o ritmo de crescimento das despesas à expansão do PIB, escapando da armadilha em que fomos colocados pela política econômica anterior.

No entanto, o que parece óbvio para nós, tecnocratas, envolve custos significativos para qualquer político, que certamente terá imensas dificuldades para explicar a seu eleitor ter apoiado medidas que postergaram seu acesso à aposentadoria, ou que reduziram o montante de recursos direcionado à saúde ou à educação.

Houve, é bom que se diga, momentos em que o país conseguiu se mobilizar para levar adiante reformas significativas, esforço que se estendeu por vários mandatos, de Collor a Lula, e que foi imprudentemente negligenciado nos últimos dez anos.


Não é claro, porém, que a atual configuração das forças políticas se alinhe no sentido de avançar sobre estes temas; pelo contrário, o Brasil permanece dividido, senão hostil à mensagem reformista. Apesar de bons nomes na equipe econômica, simplesmente não consigo ficar otimista com o que nos espera.



(Publicado 18/Mai/2016)

Íntegra do Roda Viva | Desafios do Governo Temer | 23/05/2016

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Seminário FGV (16/Mai/2016)

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Síndrome de Campinas

Depois de “o cachorro comeu minha lição de casa”, o Oscar de Desculpa Mais Esfarrapada vai para Márcio Holland (ex-secretário de Política Econômica) que assim justificou o excesso de gastos, origem da crise atual: “passamos quatro anos no escuro, achando que os investimentos no País estavam caindo porque as estatísticas do IBGE apontavam para taxas inferiores a 20% do PIB”.


A hipocrisia, porém, tem perna curta. No final de 2012 Holland afirmava, em entrevista proclamando as virtudes da Nova Matriz Econômica, que estávamos “numa fase de expansão muito forte do investimento” e que “o Brasil [era] um dos poucos países do mundo que [tinham] uma expansão acumulada de investimento acima de 60% nos últimos oito anos”.

É verdade que o IBGE promoveu uma revisão das contas nacionais em 2015, revelando que o crescimento em 2011 fora maior do que o inicialmente estimado, mas isto não justifica o erro, ainda mais em face de sinais inequívocos dos desequilíbrios gerados  pela Nova Matriz, como a persistência da inflação, que registrou média superior a 6%, a despeito do controle de preços administrados e da nova metodologia no cálculo do IPCA.

Em particular, a inflação de serviços, impulsionada pelo aumento dos salários acima da produtividade, se manteve entre 8% e 9% - outro sintoma da inadequação da política devidamente desconsiderado pela equipe econômica.

Já as contas externas mostravam piora visível desde meados de 2012, mesmo com preços de commodities ainda elevados, culminando no déficit recorde de 2014.

Holland quer nos convencer (ou se convencer?) de que o carro foi dirigido apenas com o olho no velocímetro, sem atenção às trepidações e ruídos, indicações dos problemas graves que hoje enfrentamos.


Este pretexto também não se mantem. Embora em 2012 Holland ainda se achasse qualificado para falar de política fiscal, jurando que no ano seguinte a meta fiscal seria cumprida (o que, claro, não ocorreu), não faltava quem alertasse para as trapaças cometidas pelo Ministério da Fazenda.

Basta um passeio rápido pelo excelente Blog do Mansueto Almeida para perceber que as críticas à contabilidade criativa de governo já eram consensuais entre economistas que acompanhavam as contas públicas. Se o então secretário de Política Econômica preferiu ignorar os avisos, o fez por sua conta e risco.

O elemento comum a ambas as afirmações é a dificuldade insuperável de encarar os problemas de forma adulta. A culpa é sempre de um terceiro; jamais de si próprio.


Obviamente Holland é irrelevante. Já os sintomas que apresenta são reflexos de uma síndrome que acomete nossos keynesianos de quermesse, e, por extensão, o governo: a completa incapacidade de admitir seus próprios erros.



(Publicado 11/Mai/2016)

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Adoro debater com gente consistente

“Não estou culpando as estatísticas, muito menos o IBGE” (Marcio Holland, 12/maio)


“Algumas medidas anticíclicas que adotamos e que acabaram contribuindo para o agravamento da crise não precisariam ter sido tomadas se tivéssemos estatísticas de qualidade. Passamos quatro anos no escuro, achando que os investimentos no País estavam caindo porque as estatísticas do IBGE apontavam para taxas inferiores a 20% do PIB para todo o período que estivemos no governo. Só depois descobrimos que os investimentos superavam os 20% do PIB. Mas já tínhamos adotado medidas anticíclicas fortes que não precisariam ser feitas.” (Marcio Holland, 5/maio)



- Não foi culpa do IBGE
- Mas a gente só aumentou o gasto porque o IBGE apontava para investimento baixo

terça-feira, 10 de maio de 2016

As consequências econômicas de Dilma Rousseff

O governo Dilma é o pior da República, talvez o pior da história. Não é fácil receber um país crescendo decentemente, contas públicas razoavelmente em ordem (com tarefas a cumprir, registre-se), histórico de inflação ao redor da meta, contas externas controladas e, em meros quatro anos, demolir este legado, construído ao longo de mais de uma década por vários governos.

Não é por outro motivo que sua administração, assim como seus cúmplices, tem imensa dificuldade para assumir a responsabilidade pelo desastre. Originalmente a desculpa era a crise externa, convenientemente deixando de lado que o crescimento mundial de 2011 a 2014 foi igual ao registrado nos quatro anos anteriores, enquanto a relação entre os preços das coisas que exportamos e as que importamos (os termos de troca) foi a melhor da história recente, algo como 24% superior à sua média de 38 anos.

A desculpa agora é a oposição, que não teria compactuado com “as propostas de ajuste das contas públicas”, eufemismo para aumento de impostos, em particular a CPMF. Nas palavras da presidente, os opositores “são responsáveis pela economia brasileira estar passando por uma grande crise”.

Nada é dito, claro, sobre o aumento dos gastos observado sob seu governo, muito menos sobre seu papel no extermínio (em 2005, ainda no governo Lula) da proposta de ajuste fiscal de longo prazo, formulada pela equipe de Antonio Palocci, e fulminada por ela como se fosse uma “proposta rudimentar” sob o argumento de que “gasto corrente é vida”.

Pelo que me lembro, também não foi a oposição quem baixou, na marra, as tarifas de energia, medida elogiada à época por ninguém menos que Delfim Netto, o mesmo que hoje reconhece o erro da política, apenas se esquecendo de dizer que estava entre os que a aplaudiram.

Desconheço também qualquer papel da oposição na decisão de aumentar o volume de crédito do BNDES em R$ 212 bilhões (a preços de hoje) entre 2010 e 2014, valor integralmente financiado por créditos do Tesouro Nacional, que se endividou no mesmo montante para beneficiar um punhado de setores e empresas selecionadas por critérios muito pouco transparentes.

Da mesma forma, a oposição não parece ter sido ouvida quando o governo decidiu segurar artificialmente os preços dos combustíveis, levando não apenas a Petrobras a uma situação delicada do ponto de vista de seu endividamento (limitando assim sua capacidade de investimento), como também, de quebra, desarticulando o setor sucroalcooleiro.

A lista poderia se estender ainda mais, tendo como fator comum a ausência de deliberação da oposição em decisões que, ao final das contas, caíam todas na esfera governamental. Não deve restar dúvida que há um único responsável pelo desastre econômico em que o país se encontra: o governo federal, sob comando da presidente Dilma Rousseff.

E que não se exima o PT, que apoiou entusiasticamente a política econômica (assim como os keynesianos de quermesse que hoje fingem não ter nada a ver com assunto), mas se opõe ferozmente às tentativas de corrigir a previdência, ou atacar vinculações orçamentárias.

A oposição não é grande coisa, mas há apenas um culpado pela crise: o atual governo, presidente à frente e PT no apoio. O resto é apenas covardia e (mais) mentira para a campanha de 2018.




(Publicado 4/Maio/2016)

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Há limites para a vontade popular? Não para Vladimir Safatle...

Vladimir Safatle hoje na Folha, promovendo uma confusão deliberada de democracia com democratismo.
Leiam vocês mesmo e já volto:
"Chamar uma eleição de golpe é um claro sintoma a mostrar o que estes que julgam poder nos 
governar entendem por legitimidade e poder. Em uma democracia, eleição nunca é
golpe, porque todo poder, todas as instituições e todas as leis fundamentam sua legitimidade em uma relação de expressão, direta ou indireta, com a vontade popular.
Por ser soberana, a vontade popular pode desfazer a qualquer momento as leis e os procedimentos que
ela mesma enunciou e pode suspender a qualquer momento as escolhas que ela mesmo fez.
Na democracia, o povo é o legislador de si mesmo e, por isto, pode enunciar diretamente sua vontade
no momento que bem entender. Ele não é escravo das decisões passadas. Se todo poder emana do povo, 
então cabe ao povo decidir também quando o poder e os governos devem ser destituídos."
Algumas perguntas óbvias:
1) A vontade popular pode eliminar direitos de minorias?
2) A vontade popular pode instituir a censura?
3) A vontade popular pode instituir a pena de morte?
4) A vontade popular pode proibir a existência de outros partidos políticos que não tenham a sorte
de representar a maioria naquele exato momento?
A resposta para qualquer destas perguntas, segundo se depreende dos parágrafos de Safatle, é “sim”.
Talvez ele não tenha atentado para isto; talvez (e isto seria pior) tenha. Mas esta é a principal distinção entre 
ditaduras e democracias. O que esperar de um cara que idolatra o Zizek?
http://www1.folha.uol.com.br/coluna...

quarta-feira, 4 de maio de 2016

A educação de Marcio Holland

O ex-secretário de Política Econômica de Guido Mantega tenta se justiçar do fracasso associado à Nova Matriz Macroeconômica, mas sem jamais admitir que estivesse errado. Para refrescar sua memória, certamente combalida pelo fiasco retumbante de sua política, segue uma comparação com melhores momentos de sua entrevista ao Pravda, perdão, Valor Econômico no final de 2012 (17 /12/2012).
Mais um exemplo gritante de honestidade intelectual nas hostes quermesseiras.

2016

Broadcast: O senhor está para publicar o livro “Economia do Ajuste Fiscal - Porque o Brasil quebrou”. E por que o Brasil quebrou?
Márcio Holland: Porque o País vive uma incapacidade de fazer resultados fiscais que reduzam a relação dívida bruta/PIB ao nível de 2014, por exemplo, em torno de 53%, 55% do PIB. Há uma incapacidade de geração de superávit não só hoje, mas no próximo ano e muito provavelmente em 2018 e 2019. (...) Porque ocorreu um colapso nas despesas públicas nos últimos anos. Mantidas as condições atuais de gastos e a estrutura de benefícios não podemos mais apostar em uma recuperação da economia que leve a um aumento de arrecadação que cubra os gastos.

2012

Valor: Quais são os outros aspectos da matriz macroeconômica?
(...) O terceiro aspecto da matriz é o que, internacionalmente, se chama de "consolidação fiscal amigável ao investimento e ao crescimento".
(...)
Valor: Em 2012, o governo não cumpriu a meta de superávit primário. Esse programa de investimento público não impedirá que a meta de 2013 também seja cumprida?
Holland : Em hipótese alguma. A política fiscal tem sido anticíclica. Há um efeito adicional: a cada ano, a base de arrecadação tem crescido por causa do aumento considerável da formalização do mercado de trabalho. A desoneração da folha favorece esse processo porque, agora, o custo do trabalho é menor. A inclusão social também ajuda. No ano que vem, voltamos à meta de superávit cheia, sem desconto [3,1% do PIB]. [Comentário: em 2013 o número oficial (“pedalado”, portanto), foi 1,7% do PIB]

2016

Broadcast: O governo fez escolhas equivocadas de políticas econômicas?
Holland: Algumas medidas anticíclicas que adotamos e que acabaram contribuindo para o agravamento da crise não precisariam ter sido tomadas se tivéssemos estatísticas de qualidade. Passamos quatro anos no escuro, achando que os investimentos no País estavam caindo porque as estatísticas do IBGE apontavam para taxas inferiores a 20% do PIB para todo o período que estivemos no governo. Só depois que descobrimos que os investimentos superavam os 20% do PIB. Mas já tínhamos adotado medidas anticíclicas fortes que não precisariam ser feitas. A culpa não são dos técnicos do IBGE, que aliás são de uma extrema competência. O problema é que no Brasil o governo vê as estatísticas como se fosse uma coisa secundária e não libera os recursos necessários para o IBGE fazer bem o seu trabalho.

2012

Holland :  (...) Estamos numa fase de expansão muito forte do investimento.
Valor: Mas como, se a Formação Bruta de Capital Fixo cai desde o primeiro trimestre de 2011?
Holland : O Brasil é um dos poucos países do mundo que têm uma expansão acumulada de investimento acima de 60% nos últimos oito anos. De 2004 até 2011, o país está entre os cinco com maior acúmulo de crescimento do investimento. Em relação ao PIB, a FBCF cresceu, nesse período, quase três pontos percentuais. A média anual de avanço no mesmo período foi superior a 6%, enquanto em muitos países houve recuo.

2016

Broadcast: Há muitas críticas às interferências do governo e do Ministério da Fazenda na economia.
Holland:
Claro, mas o que inicia uma queda do humor são as intervenções em taxas. Tanto que quando foram feitas as concessões, discutimos por mais de um ano se tabelaríamos ou não a TIR (Taxa de Retorno Interno). Depois que o assunto foi para a Fazenda houve efetivamente a ruptura desse paradigma e nós até fizemos bons leilões. Mas discussão de taxas nesse nível gera desconforto do setor privado.

2012

Valor: Como o senhor reage à crítica de que o investimento ainda não se recuperou porque os empresários estariam temerosos com o excesso de intervenção do governo na economia?
Holland : O empresário brasileiro não está com medo. Quem está com medo são aqueles que faziam aplicações financeiras de curtíssimo prazo no Brasil; aqueles que tinham concessões com tarifas e margens muito altas; os especuladores em geral. Não temos espaço para essa atividade daqui para frente. Temos conseguido feitos históricos, como a redução dos juros e o desincentivo da atividade especulativa. (...) Estamos trocando esses investidores.
Valor: De que forma?
Holland : Trazendo investidores para grandes projetos no Brasil. Certamente, isso mexe no status quo de alguns poucos, que fazem muito barulho. Montamos uma estrutura, ao longo desse período de transição para a nova matriz macroeconômica, de investimento público, novas concessões e estímulo ao investimento do privado, com redução de custos em vários níveis. Isso nos faz acreditar que a taxa de investimento crescerá daqui em diante, em média, duas vezes a velocidade do PIB. E a estrutura do investimento público está pronta.

2012

Valor: O senhor acredita ser possível sustentar a taxa de juros no patamar atual. Por quê?
Holland : Os investidores têm capacidade de calcular e fazer análise de retorno 12 meses à frente porque sabem muito bem que as taxas são altamente sustentáveis. Os juros não voltam aos níveis anteriores. Esta é a expectativa de todos os analistas. (...)
Valor: Por que tanta certeza?

Holland : Porque a inflação no Brasil se acomoda com capacidade impressionante. Há 13 meses, estava acumulada em 7,31%. Os analistas falam agora em 5,5% para este ano, num cenário de choque de preços...[Comentário: foi 5,84% naquele ano e 5,91% no ano seguinte]. 

Gastamos porque achávamos que o investimento estava caindo
Mas pensávamos que estava subindo
Aí os empresários ficaram com medo da gente
Mas só queríamos assustar os especuladores

terça-feira, 3 de maio de 2016

De fato e ficção

Mais do que uma guerra de slogans há em curso um conflito de “narrativas”, para usar o termo da moda. A mais comum é o conto do “golpe”, que, como notado, entre outros, por Demétrio Magnoli, não é uma tentativa de convencer a opinião pública, mas, na verdade, uma forma de manter a militância aguerrida para as eleições presidenciais de 2018.

Dentre as demais, me chamou a atenção a mais recente justificativa para o fracasso estrondoso do governo Dilma: seria resultado da “agenda do caos” promovida pela oposição, que teria recusado as propostas de reforma econômica, preferindo apostar no “quanto pior, melhor”. Em que pese a atuação abaixo da crítica do PSDB no que tange à eliminação do fator previdenciário, trata-se de mais uma história que não para em pé.

A começar porque as raízes do fracasso vêm de muito antes e têm pouco a ver com a atuação do Congresso.  A recessão propriamente dita, é bom lembrar, começou ainda em meados de 2014, seguindo-se a um período de crescimento muito abaixo do observado em anos anteriores.

Há, entre economistas que mantêm o saudável hábito de não se esquecer de olhar os dados, um virtual consenso acerca das causas desta forte desaceleração que culminou na atual crise: por um lado uma expansão fiscal sem precedentes, da qual fez parte um aumento extraordinário do crédito por meio de bancos oficiais; por outro, um grau de intervenção na economia que só tem paralelo ao registrado durante os governos militares nos anos 70.

A primeira nos levou a um processo de aumento acelerado da dívida pública, solapando a confiança quanto à sua sustentabilidade. Não por acaso, o risco-país saltou de 1% a.a. para quase 5% a.a., antes da perspectiva de mudança de governo levar a um recuo para 3,5% a.a.

Já a intervenção excessiva provocou forte queda do ritmo de expansão da produtividade, de 1,6% a.a. para -0,5% a.a., segundo estimativas de Samuel Pessoa.

Ambas resultaram de ações do Executivo, sob comando de Guido Mantega, mas, na prática, como se sabe, da própria presidente. Não se ouviu falar do Congresso; ainda menos das oposições.

Mais revelador ainda, não se pode deixar de lado o comportamento do PT, que, chamado a apoiar o programa de reformas elaborado pelo então Ministro da Fazenda Joaquim Levy, fugiu da responsabilidade de forma acintosa. Pesquisa de 0,45 segundo no Google mostra a reação contrária do PT à proposta de reforma da Previdência, por exemplo, e exercícios similares revelam a mesma resposta no que diz respeito a temas como mudanças na política de salário mínimo, ou vinculações orçamentárias.

De forma simples: quem se opôs às reformas foi principalmente o PT e seus líderes, que, a propósito, derrubaram Levy.

Não é por outro motivo que o mercado “comemora” (de maneira otimista demais, mas fica para outro dia) cada passo mais próximo do impedimento da presidente como um passo a mais no sentido de adotar as medidas que permitam ao país recuperar sua saúde financeira e restaurar o crescimento da produtividade.


Neil Gaiman escreveu memoravelmente que uma história não precisa ter acontecido para ser verdadeira. O que vale, porém, no reino da ficção, lá deve permanecer; no mundo real esta ficção nada mais é do que outra mentira, a coroar as várias sob as quais vivemos nos últimos anos.



(Publicado 27/Abr/2016)