teste

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

The Kindness of Strangers


• Whoever might be paying attention to Brazilian external accounts may have stumbled upon a curious development: whereas the 12-month trade surplus has been decreasing relatively fast, from a recent peak over US$ 30 billion to US$ 24 billion, the current account deficit has remained roughly stable around US$ 50 billion;
• This did not happen by chance. As we intend to explore in more detail along this report, this pattern results from two key features. The first is the change in the balance of payments financing, more concentrated on equity investment than debt issuance;
• The second is a floating currency that – in the absence of intervention – tends to strengthen in good times, when growth is robust and commodity prices high, weakening, however, when the opposite happens.;
• As a result of these two developments the payments associated to foreign capital have become strongly procyclical. During good times, when profits are high and the currency strong, dividend remittances are generally high as well; yet, when this is reversed, and both the economy and the currency weaken, remittances dwindle;
• In other words, the current account deficit becomes more sensitive to growth and the exchange rate than under a scenario in which the bulk of financing would still come from debt, rather than equity;
• This development alone ought to provide a good case for favoring foreign investment, but recent measures indicate that the government has yet to understand the point.

Jornal das 10

Pequena participação, mas prestem atenção ao Sérgio Vale: na mosca.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Quem nos navega é o mar


O Brasil permanece uma economia bastante fechada ao comércio internacional. Apesar do crescimento expressivo nos últimos anos, o comércio representa apenas cerca de um quarto do PIB, deixando o país nas últimas colocações do ranking mundial neste quesito. Assim, ao contrário de países como a China, a economia não tem muito do seu impulso atrelado diretamente ao comércio global. Apesar disso, as exportações desempenham um papel relevante, a saber, pagar pelas importações necessárias para sustentar o ritmo forte de aumento do consumo interno. É assim fundamental entender o excelente desempenho das exportações brasileiras nos últimos anos.

Há meros dez anos essas equivaliam a pouco mais de US$ 83 bilhões (a preços de 2011), correspondentes a 0,92% do comércio global. No ano passado atingiram US$ 256 bilhões, expansão média pouco superior a 13% ao ano, já deduzida a inflação, cerca de 3 vezes mais rápido que observado nos 10 anos anteriores e também superior ao ritmo mundial. A participação no comércio global chegou assim a 1,42%, a maior desde 1955.

Este último resultado parece contradizer a noção que o Brasil teria apenas surfado na onda de prosperidade mundial. Uma decomposição simples do crescimento das exportações brasileiras no período revelaria que quase 30% das novas exportações se originaram do aumento da participação no comércio mundial, enquanto 65% provêm do aumento do comércio mundial em si e o restante da interação entre estes dois fatores. De 2009 para cá o resultado é ainda mais significativo: quase metade das exportações adicionais resultou da crescente participação de mercado.

As razões para o ufanismo, no entanto, começam a se dissipar quando aprofundamos ligeiramente a análise. Ocorre que há dois canais pelos quais um país pode aumentar sua participação no comércio internacional: as quantidades exportadas podem crescer a um ritmo maior do que as quantidades transacionadas globalmente, ou os preços dos produtos exportados podem crescer mais rapidamente do que os preços globais. No caso do Brasil, o que prevaleceu foi o segundo mecanismo.

Com efeito, entre 2002 e 2011 os preços das exportações brasileiras aumentaram 163%, enquanto o aumento médio global alcançou 65%. Neste mesmo período as quantidades exportadas pelo Brasil se expandiram 61%, em linha com o crescimento mundial de quantidades (67%). Não é difícil concluir, portanto, que foi o aumento extraordinário dos preços dos produtos brasileiros no mercado internacional – fruto do crescimento não menos extraordinário dos preços internacionais de commodities – a razão pela qual a participação brasileira no comércio global cresceu de forma tão acentuada.

Assim, ao decompor o crescimento das exportações brasileiras de 2002 a 2011 chegamos ao seguinte: como adiantado, 65% se originaram do crescimento do comércio mundial; 40%, por sua vez, resultaram do aumento dos preços (relativamente aos globais), cabendo aos demais componentes, inclusive o crescimento das quantidades, contribuições negativas para a expansão das vendas ao exterior.

Tais números sugerem que, de fato, o desempenho exportador brasileiro decorreu de forças globais, sobre as quais o país dispõe de nenhum controle.  Em particular o aumento dos preços das exportações relativamente às importações permitiu que cada unidade exportada pelo Brasil comprasse em 2011 36% a mais do que comprava em 2002, possibilitando que o consumo crescesse cerca de 1-1,5% ao ano mais rápido que o PIB nos últimos anos.

A base do crescimento nacional está, pois, alicerçada em fundamentos externos. Não por acaso as exportações têm perdido o fôlego em 2012, em linha com o fraco crescimento mundial e a queda no preço das commodities. Sem esta ajuda, o modelo de crescimento baseado no consumo encontra limitações crescentes, aparentes no fraco desempenho de 2012.

Só não olhe para baixo...

(Publicado 29/Ago/2012)


domingo, 26 de agosto de 2012

No Painel

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

The tide, the wave, the crest


• Brazilian exports enjoyed a phenomenal run during the last 10 years, even facing a major international crisis in 2009: deducting dollar inflation (PPI), they rose at an astounding pace of 12% per annum, while the preceding 10 years growth averaged modest 5% per annum and was even weaker between 1981 and 1991;
• In this report we investigate the reasons behind this. We argue that the extremely favorable combination of rising global trade and higher commodity prices explain virtually all export growth during the past 10 years;
• As these favorable conditions started to unwind, on the back of declining commodity prices and weaker global trade, Brazilian exports lost steam, as seen in the first two quarters of 2012. Brazil rode the crest of a commodity wave during a rising tide; now things do not look that bright anymore;
• This alone should be motive for a weaker exchange rate, and we have indeed observed a weaker real, but, even so, I believe there are reasons to ask whether all recent weakening reflects worse fundamentals;
• As authorities – concerned about the strong real and shouting “currency wars!” – started to intervene aiming at producing a weaker currency, there was a clear break in the hitherto stable relation between commodity prices and the currency, which produced nearly stable domestic commodity prices between 2006 and 2010 . Commodity prices measured in domestic currency increased visibly since then;
• These are strong indications that the depreciation of the currency has gone beyond what appears to be anchored in its fundamentals. No wonder, thus, inflation was so high last year and rising again during 2H12: this phenomenon only illustrates the inconsistencies between targeting the currency and targeting inflation, as Brazilian authorities are painfully learning as we speak;
• While the going was good difficult choices could be avoided; now, as tide lowers, we will find who was swimming naked.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O fardo do BCE


Em minha última coluna tratei do que pode ser a “solução ideal” para a crise europeia. Num mundo sem restrições políticas, em que apenas os aspectos técnicos do problema prevalecessem, esta passaria por três ações: (a) elevação substancial da inflação alemã relativamente à meta para a Zona do Euro; (b) federalização (ou “mutualização”) das dívidas nacionais, em troca da centralização das decisões de política fiscal (ou seja, a criação de um Tesouro Europeu); e, finalmente, (c) mutualização das garantias bancárias, como contrapartida à unificação do poder financeiro em alguma entidade europeia supranacional.

Como escrevi então, os obstáculos políticos à materialização destas propostas são praticamente intransponíveis. Ainda assim é importante saber o que é requerido do ponto de vista técnico para sanar a crise; só assim poderemos medir a distância entre uma eventual solução concreta e o “ideal platônico”, embora, diga-se, não haja ainda nenhuma alternativa na mesa.

A saída, “torta”, deverá provavelmente passar de alguma forma pelo Banco Central Europeu (BCE), hoje a única instituição supranacional no contexto europeu com poder de fogo para endereçar a questão. Por outro lado, ainda não está claro como o BCE lidaria com o problema; apenas sabemos que, cedo ou tarde, isto se materializará na forma de uma expansão considerável dos ativos do BCE, financiada por criação de moeda, à moda do Federal Reserve (Fed), ou do Banco da Inglaterra (BoE).

Há algumas formas de intervenção do BCE, mas duas, em particular, parecem ser as mais prováveis. A primeira é semelhante à adotada pelo Fed e pelo BoE, isto é, a aquisição maciça de títulos públicos, mas com uma diferença importante; enquanto o Fed e o BoE compram bônus de seus respectivos governos, o BCE teria que concentrar suas compras (na ausência de um equivalente europeu genérico) nos papéis emitidos pelos países periféricos. Seria algo como o Fed comprando títulos apenas da Califórnia, ou do Texas.

Não se trata de iniciativa totalmente nova. O BCE já comprou pouco mais que € 200 bilhões, com efeitos, na avaliação mais favorável, apenas temporários no sentido de reduzir os juros pagos pela periferia europeia. Mas a verdade é que, se o BCE acredita que pode afetar permanentemente os prêmios de risco dos títulos periféricos, ele deve, em primeiro lugar, estar preparado para comprar bem mais do que já comprou. Em segundo lugar, por motivos que já explorei nesta coluna, ele deve abrir mão de qualquer direito de preferência na fila de credores, sem o que cada compra sua apenas reduziria o que cabe aos credores privados, dando motivo para que estes vendam agressivamente os papéis periféricos, o contrário do que se pretende.

A alternativa à compra direta de títulos, sobre a qual pairam dúvidas legais, consiste em dotar o nascente Fundo Europeu de Estabilização (ESM) de uma licença bancária. Com um capital de € 500 bilhões, o ESM poderia tomar recursos do BCE para então proceder à compra dos papéis, mas com um poder de fogo consideravelmente superior ao seu capital e mais adequado para o tamanho do desafio que enfrentaria.

Obviamente, em ambos os casos a aquisição dos títulos viria acompanhada de condições, sem o que qualquer programa correria o risco de gerar os incentivos opostos aos necessários. Dado, porém, que os países devedores já se encontram em processos de ajuste, as condições impostas não seriam necessariamente mais duras do que as já existentes.

Estas alternativas não estão livres de resistências políticas, embora provavelmente menores do que as observadas pela “solução ideal”. Todavia, é cada vez mais difícil conciliar o objetivo de preservação do euro com tais resistências. Ou bem os políticos europeus se entendem, ou o experimento monetário continental estará destinado ao fracasso.

- Pode fazer a omelete, mas quero todos eles de volta...


(Publicado 15/Ago/2012) 

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Anything goes


• Fiscal figures until two months back would still win (undeserved, as I see it) praise. Recent developmentS, however, suggest otherwise, as the federal primary balance for the first half of 2012 has reached below the level observed in the same period of 2011;
• Superficially, this seems a collection problem, as revenue growth slowed down. A deeper look, however, reveals that the actual issue is the pace of expenditure expansion, which can only be made consistent with the fiscal targets if revenues (including non-traditional ones, such as dividends and concessions) keep pouring in generously;
• There are indeed indications that federal spending accelerated strongly during the second quarter of 2012, as seasonally adjusted primary expenditures broke new ground, reaching for the first time levels above 18% of GDP. Whereas the seasonal adjustment itself is problematic, the truth is that even the non-seasonally adjusted figures indicate that the observed level of spending in 2Q12 is the highest for any second quarter since 1999, when federal authorities started the fiscal adjustment process;
• Adjusting fiscal data for non-traditional revenues (and expenditures) we estimate that the federal primary balance stood at about 1.5% of GDP in the 12-month period to June (official data put it at 2% of GDP);
• As a result, the consolidated primary balance (encompassing, besides the federal government, states, municipalities and some government-owned companies) would be at about 2.2% of GDP, whereas the official figures would put it at 2.7% of GDP;
• Yet, Copom inflation forecasts depart from the assumption that the primary balance would be around 3.1% of GDP from 2012 to 2014. Likewise, these forecasts assume that the government would halt the concession of subsidized credit; nevertheless, figures disclosed by BCB itself reveal that the Treasury extended additional R$ 29.8 billion to BNDES in the first half of the year;
• Had I not obtained the data from BCB’s own website I could almost imagine that this development had escaped the usually vigilant Copom;
• It seems, thus, that the Committee has based its forecasts on overly optimistic assumption about both fiscal and quasi-fiscal policy. Both fiscal and quasi-fiscal policies seem more expansionary than the assumptions contemplated in BCB models. Yet, these developments have been willfully ignored, and risk leading to a significant underestimation of inflationary pressure ahead. 

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Good jobs, higher wages and an unholy combination


• We explore a new dataset on wages provided by CAGED, namely wages of newly admitted workers broken down by sector. This allows us to investigate further the dynamics of the labor market, which – as we have argued in our previous report – is the source of the discrepancy in the performance between manufacturing and services;
• Our first finding is that, contrary to lore, good jobs are no monopoly of the manufacturing sector. Quite the opposite, wages in the services sector are generally higher than those in manufacturing, although the difference has been declining over time. In other words, the notion that the good jobs are in manufacturing simply does not survive the confrontation with the data;
• That said, the decline of services wages relative to manufacturing seems to reflect the gradual tightening of the labor market. As labor becomes scarce and the sectors have to compete for workers, manufactures cannot afford to pay lower wages under penalty of losing more workers than optimal;
• Yet, services (non-tradable) and manufactures (tradable) sectors are subject to distinct price dynamics. The former can pass-through higher costs to the extent that domestic demand sanctions it; the latter, however, is constrained by international competition. As a result, higher wages translate into higher unit labor costs in both sectors, but, whereas this implies squeezed margins for manufactures, the services sector has been able to keep, if not improve, its margin;
• This is aggravated by the asymmetry of the performance of unit labor costs across sectors. Not only have wages increased faster in manufactures, but also there is some evidence of slower productivity growth in the industry as a whole, comprising manufactures, explored in previous reports. We find, thus, evidence of unit labor costs rising significantly faster in the manufacturing sector;
• Against this background we can understand the relative weakness of industrial output. Yet, as the currency depreciates there is additional room for the sector to pass-through some of these costs to final prices shielded from international competition. This may be at the heart of the recent acceleration of industrial wholesale prices, even in an environment of weaker manufacturing prices in a global scale;
• Yet, as the Central Bank has signaled that it does not want the currency to strengthen, it seems unlikely that it would be worried to the point of doing anything to prevent this outcome. As its commitment to the inflation target weakens and its concern about output grows, it is likely to welcome this development

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A produtividade desprezada


Os bons empregos estão no setor industrial e é por este motivo que tantas almas caridosas têm se preocupado com a saúde do setor; não a busca de vantagens para si, é claro, mas apenas apreensão acerca do bem-estar do trabalhador. Ou, pelo menos, esta é uma das justificativas que por aí se ouve dos paladinos da desindustrialização. E, mantendo a tradição, ninguém parece ter se dado ao trabalho de checar os dados para ver se porventura a suposição do monopólio industrial dos bons empregos é um fenômeno real, ou só uma criação da fértil mente dos keynesianos de quermesse.

Ocorre que os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), a que geralmente se dá atenção no quesito da criação de empregos formais, também nos trazem informações sobre o comportamento dos salários, em particular o desempenho dos salários por setores, dentre eles o de serviços e o manufatureiro.

É bom que se diga, porém, que estes dados não necessariamente refletem a média dos salários em cada setor. Sabemos, por exemplo, qual é o salário médio dos admitidos em dado setor num determinado mês, mas não qual o salário médio de todos os empregados naquele setor na mesma data.

Feita a ressalva (com a qual lidaremos à frente), podemos então examinar os números do CAGED. No caso, corrigi os dados salariais pela inflação (medida pelo IPCA), de modo a expressar todos os valores a preços de junho de 2012 e calculei a média salarial por setor ao longo de 12 meses, para amenizar os efeitos de flutuações sazonais e acidentais. Uma vez de posse destas séries, computei a razão entre salários de admissão no setor de serviços e no setor manufatureiro, devidamente resumida no gráfico.

Fonte: Autor a partir de dados do CAGED

Como se vê, o salário de admissão no setor de serviços é maior que o observado no setor manufatureiro, embora a diferença venha caindo de 2004 para cá. Naquele momento os salários de admissão no setor de serviços eram cerca de 10% mais altos que na manufatura, enquanto no período mais recente esta distância se reduziu para modestos 1%. De qualquer forma, estes números não condizem com a noção que os bons empregos sejam privilégio da manufatura.

É verdade que tratamos aqui, como explicado, do salário de admissão no setor, não do salário médio lá observado. Podemos, contudo, checar a validade da conclusão acima utilizando dados das contas nacionais do IBGE, disponíveis apenas em frequência anual e só até 2009.

Partindo das mesmas definições dos setores de serviços e manufaturas usadas no CAGED descobrimos que o salário médio do setor de serviços entre 2004 e 2009 têm se mantido de 10% a 15% superior à média do setor manufatureiro (entre 2000 e 2003 o intervalo era de 15% a 20% superior). Em outras palavras, a noção do monopólio industrial dos bons empregos não sobrevive ao embate com a realidade.

Resta ainda explicar o motivo da queda relativa dos salários do setor de serviços (ou, de forma equivalente, o aumento relativo dos salários manufatureiros), mas o leitor que por acaso já tenha inspecionado o gráfico há de saber a resposta: a queda persistente da taxa de desemprego.

De fato, à medida que a demanda se expande e a economia começa a operar mais próxima ao pleno emprego um fenômeno interessante se materializa. Pelo lado dos serviços a maior demanda implica necessariamente expansão da produção doméstica, visto que serviços não podem ser importados.

Enquanto há folga no mercado de trabalho, não há maiores consequências, mas, quando esta se reduz, aumenta a competição entre setores pela mão de obra e, assim, o salário manufatureiro, originalmente mais baixo, deve se aproximar do pago no setor de serviços, crescendo a taxas bastante superiores à expansão da produtividade. Posto de outra forma, há um aumento persistente dos custos do trabalho no setor manufatureiro, assim como no setor de serviços.

Entretanto, enquanto o setor manufatureiro tem seus preços contidos pela competição externa, os preços de serviços são restritos apenas pela demanda interna, o que explica a enorme diferença da inflação de serviços e bens observada no IPCA. O resultado é um forte aperto das margens industriais e, portanto, limites à expansão da produção no setor relativamente aos serviços. A demanda por manufaturas passa a ser atendida pelo aumento das importações líquidas.

Em suma, boa parte das dificuldades enfrentadas hoje pelo setor industrial resulta do aperto do mercado de trabalho e não há solução para isso que não passe pelo aumento da produtividade. Apesar disto, o tema continua ausente de qualquer discussão séria de política econômica.

Não me mostre os dados; prefiro minhas convicções...


(Publicado 2/Ago/2012)

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Os limites da onipotência


Às vezes é interessante imaginar o que faria um gestor onipotente para resolver a crise europeia, não porque seja desejável alguém com tamanho poder, mas sim para avaliar a distância entre o que seria tecnicamente requerido para por fim à turbulência na Zona do Euro (ZE) e o que o sistema político, felizmente democrático, é capaz de produzir. Obviamente um ser onipotente poderia tão somente desejar que a crise se acabasse por força da sua vontade sobrenatural, mas não é disso que falo aqui. Refiro-me à solução dentro da ordem humana, que obedeça às restrições impostas pelo funcionamento dos mercados.

Feita a advertência, o consenso que emerge das análises mais sérias e (paradoxalmente, no contexto deste artigo) menos religiosas do problema, aponta para três elementos complementares.

Em primeiro lugar, dada a distorção gerada por anos de inflação mais alta na periferia europeia com relação ao centro, seria necessário agora que este permitisse que sua taxa de inflação fosse superior à periférica. Por exemplo, entre 1999 e 2008 a inflação espanhola superou a alemã em 15 pontos percentuais (cerca de 1,5% por ano), diferença que agora precisaria de correção a ritmo bem mais rápido. Para evitar, porém, que tal correção obrigasse a um devastador processo deflacionário na Espanha, a inflação na Alemanha teria que ser bem mais alta que a meta para a ZE como um todo, e, crucialmente, mais elevada que os 2,5-3% ao ano que as autoridades germânicas consideram aceitável.

Adicionalmente a solução passa também por alguma forma de mutualização dos passivos, isto é, a assunção das dívidas nacionais por parte de uma autoridade supranacional, medida que gera duas ordens de preocupação.

A primeira é se isto não acabaria tendo o efeito inverso ao desejado, qual seja, ameaçar a sustentabilidade de todos os países da ZE, ao invés de ajudar aqueles em dificuldade. No entanto, como sempre é lembrado, caso a ZE já fosse uma federação, seus números fiscais seriam melhores que os americanos, sugerindo não haver razão para crer que o custo de sua dívida deveria ser maior que os baixíssimos níveis a que Tesouro dos EUA hoje se financia.

O fato, porém, é que a ZE ainda não tem uma autoridade federal, o que nos leva diretamente à segundo preocupação. Se apenas a dívida fosse supranacional, nenhum país teria incentivos para manter a disciplina e, portanto, cedo ou tarde o desempenho fiscal da ZE se deterioraria. Portanto, a contrapartida da mutualização da dívida deve ser a centralização fiscal a cargo de um Tesouro supranacional, com poderes para impor suas decisões aos países membros da união monetária.

O terceiro elemento da solução diz respeito aos bancos e é analiticamente similar à questão fiscal. Hoje bancos e países estão presos num “abraço de afogados”. A má forma dos bancos onera o custo dos tesouros, vistos como a garantia do sistema, derrubando os preços dos títulos governamentais; por outro lado, a perda de valor dos títulos públicos piora o balanço bancário.

Assim, para quebrar o “abraço” é necessário também mutualizar as garantias bancárias o que, como no caso fiscal, requer a centralização do poder financeiro em alguma instituição supranacional, sem o que os incentivos à gestão temerária dos bancos seriam intoleráveis.

Trata-se de uma lista formidável de requerimentos e não é preciso nenhum senso sobrenatural para concluir que, do ponto de vista político, ela é simplesmente inviável.

Todavia, se isto é verdade, o que resta para salvar a Europa? Apenas soluções tortas, que, de uma forma ou de outra, passarão pelo Banco Central Europeu (BCE). O exame das alternativas fica para as próximas colunas, mas desde já é bom deixar claro que hoje, em face do impasse político, não há outra instituição que possa endereçar, ainda que de forma imperfeita, a armadilha em que a Europa se enfiou.

Oxímoros...


(Publicado 1/Ago/2012)