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quinta-feira, 26 de abril de 2007

Não foi profecia

Exatamente uma semana depois da Folha ter publicado o texto abaixo, a Cacex anuncia aumento de tarifas de importação para tecidos, vestuário e calçados, em nome da preservação da indústria nacional. Não chega a ser profético; era óbvio que os lobbies em algum momento iriam prevalecer.

A notar que as importações destes bens atingiram US$ 2,2 bilhões no ano passado, um aumento de cerca de US$ 600 milhões na comparação com 2005. Em bom português, é um zero-nada do mercado de tecidos, vestuário e calçados, mas serão devidamente apropriados pelos lobistas de sempre.

Engraçado é os que aprovaram a medida serem os mesmos que choramingam por conta do câmbio. Contribuem (marginalmente, é verdade) para a apreciação, mas acho que ainda não sabem disto.

Ignorância pode ser uma benção.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Nostalgia e tiro no pé

Onde trabalho é quase possível escutar (às vezes até ler) suspiros de nostalgia. Saudades dos bons tempos, quando era possível – com mínimo esforço – convencer algum burocrata de plantão dos inúmeros perigos que aguardavam o Brasil na virada de cada esquina do mundo. Uma guia de importação engavetada aqui, um aumento na tarifa acolá, invocações freqüentes à Lei de Sauer, e a vida estava garantida. Este surto nostálgico não ocorre por acaso. À medida que fica claro que, a despeito da apreciação cambial recente, o país manterá saldos elevados em conta corrente, com exportações em alta e demanda doméstica crescendo além dos 5% registrados no ano passado, a noção do “câmbio fora de lugar” fica cada vez mais frágil. Num ambiente como este é natural que a briga comece a passar para outros terrenos.

Um destes terrenos, velho conhecido dos jogadores, é a política comercial. Não é à toa que surjam lamentos acerca da decisão tomada anos atrás de promover uma maior abertura da economia brasileira aos fluxos comerciais. Na impossibilidade de reverter ao protecionismo escancarado (cujo exemplo mais triste foi a fracassada reserva de mercado de informática) começamos a ouvir os pedidos por tarifas de importação mais altas e outras formas de defesa de interesses específicos, devidamente apresentados como “nacionais”, “estratégicos”, ou qualquer outra variante do tema.

Há motivos de sobra para se opor a estas iniciativas, a começar porque tipicamente envolvem transferência de renda de setores menos organizados para os mais organizados, mas hoje quero me dedicar a um tema mais específico. Pretendo tratar dos efeitos do protecionismo sobre a taxa real de câmbio e, consequentemente, sobre o desempenho das exportações. De fato, é possível mostrar que um aumento da proteção implica (tudo o mais constante) apreciação do câmbio real e, consequentemente, pior desempenho das exportações.

Para entender esta proposição (formulada por Abba Lerner em 1936), imagine um país cuja balança esteja em equilíbrio e precise se manter assim, no qual impomos uma tarifa de importação. Isto reduz a importação e gera um saldo positivo na balança; porém, para manter o equilíbrio da balança comercial, a taxa real de câmbio tem que apreciar e, portanto, as exportações também caem. No novo equilíbrio o saldo é o mesmo que se observava anteriormente (por hipótese, zero), mas com volumes de importação e exportação menores que os originais.

Noto, antes que alguém salte sobre o óbvio irrealismo da hipótese de saldo zero, que este resultado pode ser generalizado para qualquer nível de saldo em conta corrente. Em caso de desequilíbrio externo, por exemplo, um saldo menor que o necessário, a imposição de uma tarifa de importação reduz a magnitude da desvalorização cambial que recolocaria as contas externas em equilíbrio, o qual será atingido com volumes de importação e exportação menores do que na ausência da tarifa. Por simetria, no caso de um saldo em conta corrente superior ao sustentável a introdução da tarifa levaria a uma apreciação cambial maior que a necessária, mais uma vez se traduzindo em volumes menores de importação e exportação.

O que dizem os dados? De acordo com a Funcex, entre 1977 (início da série) e 1991, quando a economia se abriu, o quantum exportado cresceu 6,6% ao ano, enquanto entre 1991 a 2006 o crescimento médio atingiu 8,5%.

Tal desempenho poderia ter resultado do comportamento distinto do comércio mundial em cada período, mas noto que o crescimento real das exportações brasileiras superou o das mundiais em 1,4% ao ano de 1991 a 2006, tendo sido superado em 1,6% ao ano no período anterior. Estendendo o período pré-abertura até 1957 observamos as exportações mundiais crescendo 1% ao ano à frente das brasileiras até 1991. Em outras palavras, o padrão de crescimento das exportações se conforma exatamente com o que sugeria Lerner, há mais de 70 anos.

Restam, assim, duas alternativas: ou as propostas de proteção resultam do habitual desconhecimento dos fatos acima, ou apenas fingem desconhecê-los, para de novo vender interesses específicos como sendo de toda sociedade. Em qualquer caso, o melhor é não aceitá-las.

(Publicado 18/Abr/2007)

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Mudando de lugar

Abordei na minha última coluna a taxa real de câmbio, argumentando que o comportamento da economia (saldos elevados em conta corrente acompanhados de expansão vigorosa da demanda doméstica) sugere uma taxa próxima ao seu equilíbrio. Coincidentemente alguns expoentes do “desenvolvimentismo”, que passaram os últimos anos ano a reclamar da taxa de câmbio, parecem ter finalmente se rendido a estas evidências, reconhecendo que o câmbio veio para ficar.

A taxa real de equilíbrio, porém, não é uma grandeza imutável. Ela é determinada, entre outras coisas, pelos preços das exportações brasileiras, que, do seu pior momento em 2002 ao começo de 2007, cresceram cerca de 50%, seguindo o preços das commodities (aumento de 65% no período). Da mesma forma, a taxa real de câmbio reage à disposição dos estrangeiros em investir no país, variável que pode ser auferida pela evolução dos prêmios pagos pelos papéis brasileiros no exterior. Esses também mostraram notável redução, caindo para cerca de 1,7 pontos percentuais nos últimos meses, contra mais de 13 pontos percentuais em 2002 (também nosso pior momento).

Não é difícil concluir, portanto, que a apreciação da taxa real de câmbio de equilíbrio se deve à combinação favorável de preços mais altos de exportações e redução da percepção de risco-país (bem como a outros fatores que exploro à frente), em particular na comparação com 2002. Até “desenvolvimentistas” empedernidos já aceitam os fatos, mesmo que presumivelmente não gostem deles. Curioso, porém, é que não atentam, em sua maioria, para políticas que poderiam levar a taxas reais de câmbio de equilíbrio menos apreciadas que a atual.

Uma forma de olhar a taxa real de câmbio equivalente à tradicional medida da taxa nominal ajustada pela diferença entre a inflação doméstica e externa é a relação entre os preços dos produtos comercializáveis internacionalmente (como aviões, carne, etc.) e os preços dos produtos não comercializáveis internacionalmente (tipicamente serviços). Com efeito, se o preço dos comercializáveis sobe mais que o dos não-comercializáveis, as mensagens que a economia ouve são: (a) produza mais produtos comercializáveis e menos não-comercializáveis; e (b) consuma menos comercializáveis e mais não-comercializáveis. À diferença entre a produção e o consumo interno de bens comercializáveis dá-se a alcunha de saldo comercial, que cresce com a elevação deste preço relativo.

Assim, um aumento do preço dos bens comercializáveis em relação aos não-comercializáveis corresponde à depreciação real do câmbio; já uma queda equivale à apreciação real da moeda. Logo, se os gestores de política querem alterar a taxa real de câmbio, tudo que têm a fazer é achar variáveis que afetem a demanda e a oferta de bens comercializáveis e não-comercializáveis. Em particular, se querem uma taxa real de câmbio mais depreciada, basta reduzir a demanda por bens não-comercializáveis.

Acontece que gasto público brasileiro, além de afetar a demanda doméstica, é bem mais concentrado em produtos não-comercializáveis. Uma forma evidente, portanto, de reduzir a demanda por estes produtos e depreciar a taxa real de câmbio seria reduzir de forma persistente o gasto, mas – como tenho argumentado há tempos – a trajetória desta variável tem sido bastante diversa: o dispêndio federal (sem contar estados e municípios) aumentou mais de 3 pontos percentuais do PIB entre 1997 e 2006, dos quais 1,5 pontos percentuais de 2002 para cá.

Há, pois, razões bastante sólidas para acreditar que a política fiscal tem contribuído para a apreciação cambial. Olhando o mesmo fenômeno por um prisma distinto, é fácil concluir que as taxas de juros consistentes com as metas de inflação teriam sido menores que as observadas se os gastos fossem mais baixos, implicando taxas nominais de câmbio mais depreciadas para a mesma trajetória de inflação, ou seja, taxas reais também mais depreciadas.

Ironicamente, os mesmos que se dizem preocupados com o câmbio são os grandes defensores das políticas que contribuem para a valorização da taxa real de câmbio. Triste, mas verdadeiro.

P.S. A Henry Sobel. Grandes feitos não garantem a absolvição; erros, porém, jamais apagarão os grandes feitos. Shalom.

(Publicado 4/Abr/2007)