Em 2010 (até a semana passada) as importações brasileiras aumentaram quase 40% relativamente ao mesmo período de 2009. Na verdade, sempre que a economia brasileira passa por um período de expansão acelerada as importações aumentam por um múltiplo da taxa de crescimento, motivando um dos 17 leitores do meu blog (que espero não serem os mesmos 17 leitores desta Folha) a me perguntar a razão deste comportamento. Refletiria isto uma incapacidade congênita do país, associada às dificuldades da estrutura produtiva de responder ao crescimento da economia? Acredito, porém, que a resposta seja bem mais simples. Pode parecer paradoxal, mas as importações crescem muito porque o Brasil importa pouco.
Caso reste algum leitor depois desta afirmação eu explico.
Imagine duas economias (B e C) idênticas em tudo, exceto seu volume de comércio internacional. Em ambas o PIB vale 100 unidades e a demanda doméstica equivale às mesmas 100 unidades. Só que na economia B as exportações e importações são de 10 unidades, enquanto na economia C atingem, cada uma, 50 unidades.
Suponha agora que a demanda doméstica em ambos os países aumente 5%, de 100 para 105 (por enquanto manteremos o PIB constante). Para equilibrar demanda e oferta, B precisa importar 15 (um aumento de 50%!), enquanto C importará 55, ou seja, apenas 10% a mais. Embora nos dois casos a resposta absoluta das importações à demanda doméstica seja a mesma, o crescimento percentual das importações na economia mais fechada ao comércio internacional é muito maior.
Uma conta simples mostraria que a elasticidade da importação (a reação percentual da importação à demanda doméstica) no país B seria 10 (50% de aumento das importações para 5% de expansão da demanda), enquanto no país C seria apenas 2 (10% contra os mesmos 5%). Assim, um economista pouco atento poderia até concluir (erradamente, como se vê) que a economia B sofreria de sérias “deficiências estruturais” e recomendar um tanto a mais de proteção à indústria local para que possa resistir à “invasão das importações”.
Parece que o argumento depende crucialmente da suposição de um PIB constante, mas é fácil ver que não se trata disso. Imagine, por exemplo, que nos dois países apenas 30% do crescimento da demanda seja atendido por importações (ou seja, 1,5 unidades), enquanto os 70% restantes vêm da produção local. Sob esta suposição, o PIB nos dois países passaria a 103,5, enquanto as importações no país B atingiriam 11,5 (crescimento de 15%) e no país C 51,5 (3% a mais). As respectivas elasticidades seriam 3 (15% de importações contra 5% de demanda) e 0,6 (3% contra 5%), ou seja, ainda seria 5 vezes maior em B do que em C, provavelmente o bastante para “justificar” os pedidos de proteção.
No entanto, acredito que o exemplo simples explorado nos parágrafos seja suficiente para que o escasso leitor se convença do cerne do argumento. Mesmo que uma fração relativamente reduzida do aumento da demanda doméstica seja destinada às importações, no caso de uma economia pouco aberta ao comércio internacional isto se traduzirá num enorme crescimento proporcional das importações, necessário para cobrir a diferença entre a demanda interna e a produção local.
Vale dizer, quanto mais fechada for uma economia, maior é a necessidade de apreciação cambial quando a demanda doméstica cresce a taxas muito superiores às do produto. Com a demanda crescendo a 10% ao ano e meros 11% do PIB em importações, me parece que o comportamento da taxa de câmbio no Brasil faz bastante sentido.
(Publicado 28/Abr/2010)
37 comentários:
Exatamente como penso. Porque é tão dificil convencer outros economistas e principalmente o governo desta realidade ?
Porque eles não fazem conta!
"Refletiria isto uma incapacidade congênita do país, associada às dificuldades da estrutura produtiva de responder ao crescimento da economia? "
Até onde sei, o processo de substituição de importação tão badalado se apresenta como uma farsa. O Ciro Gomes em desabafo de candidato a candidato lamentou que o Brasil, diferentemente da China, não tem uma marca de carro, de televisão e o escambau. A Embraer, para decolar seus jatos, precisa de uma caixa preta que vem da França. Assim, se tudo acima procede (só uma pesquisa in loco poderia melhor esclarecer), muita das exportaçoes brasileiras dependeriam fortemente de componentes importados numa magnitude exagerada. Considerando ainda que as empresas brasileiras pouco têm de inventivas (mais pesquisa in loco), o componente de importação até para produzir coisas relativamente simples seria exagerado. Dessa forma, me parece que a questão cartorial justifica sim uma incapacidade congênita do país de responder ao crescimento da economia. De qualquer forma, a mensagem é a de abertura comercial e fim de cartório. Mercado para essa paulicéia pouco competitiva e muito cartorial.
Alex, parabéns, excelente coluna.
"quanto mais fechada for uma economia, maior é a necessidade de apreciação cambial quando a demanda doméstica cresce a taxas muito superiores às do produto."
Poderia desenvolver mais este argumento? Me parece que a conclusão natural do que vc disse na coluna seria que, quanto mais fechada uma economia, maior o esforço necessário para se evitar uma grande depreciação cambial.
Abraço do Pai Alex.
PS: e não me venha perguntar se eu quero a versão para ligar os pontos.
E daí? Eu preciso ir a um médico para curar meu tornozelo torcido. E quando preciso de carne, vou para o açougue. Pior ainda, para produzir minha pesquisa econômica (minhas exportações), tenho que usar software que adquiro no mercado também!!!
Sem querer contestar os argumentos, com os quais concordo. Apenas estendendo o assunto.
Até março as exportações cresceram 25,8% (em relação ao mesmo período do ano passado), as importações 36,0%. O IGPM subiu 2,78%, o IPCA 2,06%, acumulado até março. Evidente que existiu uma pressão de demanda (muito acima da sazonalidade e das chuvas). A Selic quando foi fixada em 8,75% (demanda em queda) o DI 360 estava em 9,23%. Hoje o DI 360 está acima de 11% (é uma das variáveis que demonstram, juntamente com outras pressão de demanda, inclusive por crédito). A demanda pressiona produtos nacionais e importados. A demanda insatisfeita ainda é grande em nosso país. A importação de insumos para atender a demanda doméstica sobe. Como os preços internos são maiores do que no exterior é melhor atender o mercado doméstico. Os argentinos preferem exportar automóveis para o Brasil do que vender internamente (os preços aqui são maiores).
A grande maioria dos consumidores pensa assim: minha poupança rende 0,5 a 0,75% ao mês, os preços estão subindo muito mais (estou perdendo dinheiro, vou consumir ou investir).
Política menetária frouxa faz a demanda, as importações e as taxas de juros de mercado longas subirem.
"e não me venha perguntar se eu quero a versão para ligar os pontos."
Não. Por falta de espaço no final este parágrafo ficou meio obscuro mesmo.
Há um resultado já bem estabelecido (do qual este artigo é só mais uma manifestação). Sujeitas ao mesmo choque (digamos negativo), duas economias idênticas, exceto pelo volume de comércio distinto, não reagem de forma igual.
A economia mais fechada precisa aumentar proporcionalmente mais suas exportações e reduzir proporcionalmente mais suas importações, i.e., dada a mesma elasticidade-preço das exportações/importações, a taxa real de câmbio de uma economia mais fechada reage mais forte que a de uma economia mais aberta.
Da mesma forma, sujeitas a um choque de demanda doméstica, a apreciação cambial consistente com o crescimento das importações (líquidas) numa economia mais fechada deve ser maior do que no caso de uma economia mais aberta.
Agora tente comprimir isto em 150 caracteres...
Alex,
mesmo em muito mais caracteres ainda não entendi bem a ideia... a que artigos você se refere? Diante de um choque adverso, uma economia não precisa necessariamente ajustar suas exportações e importações. Pode aumentar os gastos do Governo, por exemplo. Talvez o exercício seja "dado que o ajuste se dê integralmente via comércio exterior", esse ajuste teria que ser maior para a economia mais fechada. Mas essa hipótese parece bastante restritiva.
Abs,
"Diante de um choque adverso, uma economia não precisa necessariamente ajustar suas exportações e importações."
Não fui preciso Guilherme. Me referia a um choque de balanço de pagamentos (parada súbita, por exemplo) que force a um ajuste da conta corrente.
Ficou mais claro?
Obrigado, Alex. Então fica assim: diante de um choque de balanço de pagamentos (parada súbita, por exemplo) que force a um ajuste da conta corrente, dada a mesma elasticidade-preço das exportações/importações, a taxa real de câmbio de uma economia mais fechada reage mais forte que a de uma economia mais aberta.
Ótimo. Mas aí perdeu totalmente a interpretação para o movimento recente de apreciação do Real.
Quanto a isso, aliás, fico com seu post anterior: diante de despoupança pública e privada, sobra poupança externa para financiar investimento fracamente crescente.
Abs,
Não entendi onde você está indo... O que o Alex falou é bem básico, eu acho, para um dado ajuste quantitativo, uma economia mais fechada precisa maior ajuste de preços. Isso vale para modelos keynesianos, neo-clássicos, etc...
"Mas aí perdeu totalmente a interpretação para o movimento recente de apreciação do Real."
Acho que não Guilherme. É mais complicado do que vou expor, mas suponha a absorção exógena (ou um choque exógeno de política que eleve a absorção). Caso o câmmio tenha que se ajustar endogenamente ao aumento da absorção, se as elasticidades-preço em ambos os países são iguais (são idênticos - exceto comércio - por suposição), mas a elasticidade-absorção é maior no paíss mais fechado, a reação do câmbio à absorção tem que ser maior no país mais fechado.
Se M é importação (vou deixar exportação de lado), A é absorção, e "e" é câmbio:
(A/e)(de/dA) = [(A/M)(dM/dA)]/[(e/M)(dM/de)]
O numerador é a elasticidade-absorção e o denominador é a elasticidade-preço.
Abs
A
Estudo num centro heterodoxo e sou bombardeado todos os com dias idéias que vão contra o meu bom senso.
Sei que a ANPEC na parte de Macro exige o conhecimento um livro de macro (Dornbush ou Simonsen).
Até que ponto estudar um manual deste é suficiente para entender macroeconomia?
Eu nao estou questionando o livro, mas não tenho acesso a materiais melhores que estes e sei que hoje a macroeconomia é muito mais avançada do que tem nestes livros.
Para acompanhar o debate aqui é suficiente entender bem um livro destes?
O livro do Simonsen é velho, mas tem muita informação. Se você entender ele, não vai passar vergonha. E vai ter aumentado sua produtividade até o ponto que você terá condições de digerir o material mais novo e vai ter o apetite para tanto.
claro! você tem toda a razão, desculpe... se a elasticidade-preço é a mesma, então a variação do câmbio necessária para promover o mesmo ajuste de quantidades vai ter que ser maior na economia que começou com menos importações...
honestamente não tenho ideia se a hipótese de que a elasticidade das importações em relação ao câmbio não varia (muito) entre economias com diferentes graus de abertura tem apelo... mas achei o ponto de fato relevante (depois de entender hehe)
Abs,
São bons livros de Macro: Blanchard (MIT); Mankiw (Harvard); existem traduções. Economia Internacional: Krugman.
O livro de Macro do Simonsen e Cysne tem partes ótimas (exige um conhecimento acumulado), pois é menos didático do que os dois citados.
Querido amigo,
Quanto aos 17 leitores, atente ao que diz o sapientíssimo Sr. Smith ("Teoria dos Sentimentos Morais" págs. 316/17): “O homem que não se atribui, nem deseja que outros lhe atribuam, nenhum mérito além do que realmente lhe pertence não receia humilhação, não teme ser desmascarado, pois repousa, contente e seguro, sobre a genuína verdade e solidez de seu próprio caráter.
Seus admiradores podem não ser muito numerosos, nem muito ruidosos em seus aplausos, porém o sábio que o avistar de perto e que o conhecer melhor muito há de admirá-lo.
Para um homem realmente sábio, a aprovação judiciosa e ponderada de um único sábio concede mais satisfação interior do que todos os ruidosos aplausos de dez mil admiradores ignorantes, embora entusiásticos.
Que faça suas palavras de Parmênides que, enquanto lia um discurso filosófico perante uma assembléia pública em Atenas, observou que toda a gente, salvo Platão, o deixara; não obstante continuou a leitura, afirmando que Platão sozinho lhe bastava como audiência”.
Abs,
Lu Felix Lamy (18ª)
Queria ver este tal de "o" falar algo sobre o funcionamento da taxa de juros na economia brasileira no presente instante. Será que o que tem no Simonsen poderá explicar algo de útil?
Pedro
Caro "O" e Alex
Por que o BC não deu um arrochão no compulsório em vez de atochar a Selic?
Com abraços, Carlos
Carlos,
O instrumento eficiente para demanda é a taxa de juros...
Doutrinador
O Marcio Garcia tem um artigo que diz que elevar compulsórios não tira a necessidade de elevar a Selic.
http://www.econ.puc-rio.br/Mgarcia/Artigos/Artigos%20Valor/100227%20Compulsorios%20v04.pdf
Doutrinador,
Discorra mais sobre isso. Com certeza deve existir um multiplicador tal que o compulsório se iguale a um aumento da selic. Mas, sinceramente, deve ser complicadíssimo fazer um de-para dos dois instrumentos x demanda.
Alex, qual sua opinião sobre a existência de compulsórios no Brasil? Acha saudável?
"Mas, sinceramente, deve ser complicadíssimo fazer um de-para dos dois instrumentos x demanda."
E é isso mesmo! Eu sempre digo que a Selic não é um instrumento de precisão, mas, comparada aos compulsórios, vira um bisturi a laser.
Os compulsórios funcionaram bem em 2008 (e 2005) para atender as dificuldades localizadas de liquidez, i.e., me parecem muito mais um instrumento para lidar com problemas de "empoçamento" do que com a gestão de demanda agregada.
Abs
A
Carlos, errando na taxa básica (a selic) errou em tudo.
A taxa de mercado (a curva) é a verdadeira taxa básica (a que os bancos pagam em suas captaçõe).
Uma selic inadequadamente baixa faz os juros longos de mercado subirem (o DI 360 bateu 11,47%).
O pior é que com o tempo além de subirem os juros nominais os reais também sobem. Pior ainda é que após um período de festa vem a estagflação (já vivemos isto).
Fuja desta turma de pensamento mágico (desnvolvimentistas de araque). Já viu esta turma escrever sobre juros de mercado (curva de taxas de juros)? Uns são demagogos, outros desconhecem.
Compulsórios x SELIC
O "O", por ser "Onônimo", ainda pode defender o Compulsório. Mas o Alex, coitado, o patrão mete-lhe o pé no traseiro!
Abs Camilo
Com base no artigo do Marcio Garcia, se este fosse um país sério, não sobrava um banqueiro fora da cadeia!
Esse Marcio Garcia é corajoso, hem!!!
"Com base no artigo do Marcio Garcia, se este fosse um país sério, não sobrava um banqueiro fora da cadeia!"
Ou analfabeto, ou egresso da Dimensão Z. Votem agora:
Analfabeto: 0800 ANARFA
Dimensão Z: 0800 ZURRO
0800 ZURRO.
Pai Alex.
Diz aí Dr. como se usa o bisturi para conter a inflação.
Pedro
Eu diria, mas a presença de polegar opositor é pré-requisito para perguntar neste blog.
Prezados, meu voto: 0800 ANARF (?)
Agora, se prendem os banqueiros, o "O" e o Alex vão receber em precatórios! Aí é que o bicho pega!
Que mania de perseguição. Fica a pergunta:como se usa o bisturi da selic para conter a inflação?
Pedro - primo do "o".
Sem exceções. Polegar opositor é obrigatório.
Queiram ou não, dessa vez o Marcio Garcia sofreu de incontinência epistemológica e deixou expostos os fundilhos do sistema bancário. Tem gente que até ficou brava. Agora, que é um verdadeiro lance de sorte o roceiro abrir um banquinho de uma porta numa cidade do interior paulista e, passadas algumas décadas, a portinha converter-se num megaconglomerado financeiro, ah!, isso é! O office boy ou o economista-chefão podem até inventar as mais ousadas racionalizações (nem precisamos do velho Freud), mas os fundilhos estão lá: FEDENDO! Cala-te boca!
Abração, Rogger
"Queiram ou não, dessa vez o Marcio Garcia sofreu de incontinência epistemológica e deixou expostos os fundilhos do sistema bancário."
Nossa enquete continua valendo:
Analfabeto: 0800 ANARFA
Dimensão Z: 0800 ZURRO
Grande Alexandre, boa noite!
Mais uma coluna na FOLHA que serve de "aula" para quem perdeu algumas no curso de Economia.
Eu tinha lido o texto no dia da publicação, mas recebi via e-mail do nosso grupo de economia política da UnB e, claro, tive que publicar no meu blog, pois o seu exemplo é fora de série.
Abraço,
João Melo, direto da selva!!!
Valeu João. Grande abraço.
Alex
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