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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Caminhando com o vento

Há algumas semanas fui pedalar na ciclovia às margens do Rio Pinheiros. Depois de Jurubatuba (para os não-paulistanos, é muito, muito longe mesmo) eu e um amigo nos congratulamos pelo estupendo preparo: pedalávamos a 37 km/h, sem o menor sinal de cansaço. Claro que, na volta, agora contra o vento que ajudara na ida, a média mal passou dos 20 km/h, e cheguei à minha casa à beira da exaustão. Enquanto ofegava e maldizia a ventania, refletia (o que mais me restava a fazer?) como é fácil atribuir o desempenho favorável aos nossos méritos e as dificuldades a fatores externos, embora, a bem da verdade, o vento tenha soprado na mesma direção o tempo todo.

No caso do Brasil, ventos externos têm sido – à exceção do final de 2008 e começo de 2009 – bastante favoráveis. Preços de commodities começaram a subir a partir do último trimestre de 2001 e, ao final de 2010, haviam aumentado nada menos do que 75%, já deduzida a inflação. Como o Brasil é um exportador líquido de commodities, a elevação dos seus preços traduziu-se também numa melhora expressiva dos termos de troca, isto é, da relação entre o preço das coisas que o Brasil exporta e o dos bens que importa. Nesse mesmo período (do quarto trimestre de 2001 ao quarto de 2010), esta variável teve uma melhora de 34%, como mostrado no gráfico.

Posta dessa forma, todavia, a afirmação fica algo abstrata. Certo, os termos de troca melhoraram, mas como mesmo isto beneficia o país? No que segue tentamos uma resposta (aproximada) a esta pergunta.

Para começar, precisamos de um marco de referência para aquela variável, isto é, um padrão contra o qual possamos medir os valores observados. A este respeito, a evidência empírica sugere (sujeita a dúvidas, porém) que os termos de troca no Brasil tendem a retornar à sua média, embora a uma velocidade glacial (são necessários cerca de dois anos para andar metade do caminho de volta). Esta característica permite que usemos a média como nosso padrão de referência.

Tomando, pois, esse padrão e considerando as quantidades observadas de bens exportados e importados, é possível estimar qual teria sido o valor do saldo da balança comercial caso os termos de troca tivessem se mantido na média, ao invés dos valores efetivamente observados.

Diga-se desde já, há uma simplificação considerável neste cálculo. Com efeito, caso os termos de troca observados sejam melhores do que a média histórica, a taxa de câmbio real deveria também se apreciar, o que se traduziria numa redução das quantidades exportadas e aumento das importadas em relação à situação hipotética de termos de troca iguais à média. Em nome da simplicidade, porém, ignoramos este efeito.

Feitas as contas, estimamos que a balança comercial – que nos 12 meses até novembro de 2010 apresentou superávit de US$ 17 bilhões – teria registrado um déficit de US$ 35 bilhões caso os termos de troca estivessem no seu valor médio. Houve, sob esta ótica, um ganho a favor do Brasil da ordem de US$ 52 bilhões, equivalente a 2,6% do PIB.

No gráfico traçamos as estimativas de ganhos e perdas associados ao desvio dos termos de troca relativamente à média. Assim, quando esses registravam seu pior momento no período (nos 12 meses terminados em agosto de 2003), calculamos que o país sofria uma perda equivalente a 1,3% do PIB, enquanto o maior ganho da série teria sido observado precisamente em novembro passado (os 2,6% do PIB já mencionados). Em outras palavras, a melhora dos termos de troca, decorrência do aumento do preço de commodities, implicou um ganho próximo a 4% do PIB nos últimos 7 anos.


Isto permitiria que a demanda doméstica crescesse em torno de 0,5% ao ano mais rápido do que o PIB no período mantendo a balança comercial inalterada. Como o crescimento da demanda interna relativamente ao PIB foi algo maior (em torno de 0,7% ao ano), houve alguma redução no saldo comercial relativamente ao observado em meados de 2003.


Concretamente, pois, os ganhos de termos de troca permitiram que a demanda doméstica assumisse a liderança do crescimento, expressa numa taxa de expansão média pouco inferior a 5% ao ano, revertendo, na prática, o padrão observado no período anterior, marcado pela deterioração expressiva dos daquela variável.

Tais estimativas, ainda que aproximadas, têm implicações claras para a política doméstica. A menos que se espere, ao contrário de toda experiência, que o ciclo positivo de commodities seja infinito, o país deveria se preparar desde já para a possibilidade de reversão, em particular aproveitando o momento favorável de crescimento para deixar as contas fiscais em ordem. Ou então, quando o vento mudar, veremos que o preparo não é o que imaginávamos, e que o risco de exaustão está bastante presente.

Charlie don't surf!
(Publicado 6/Jan/2011)

15 comentários:

Essa imagem , sem dúvida, exemplifica perfeitamente o que quer dizer "hard landing".

Excelente exercicio de analise das tendencias ciclicas da economia. Me espanta como nao se ve na imprensa este tipo de coisa.
So uma pergunta me ocorre: "Charlie don't surf" se refere a Apocalipse Now ou ao grupo The Clash?

Você aguentou 37 km com aquele cheiro de merda?

"Charlie don't surf" se refere a Apocalipse Now ou ao grupo The Clash?""

Apocalypse Now!

"Você aguentou 37 km com aquele cheiro de merda?"

28 km (14 para ir, 14 para voltar). 37 km/h foi a velocidade que a gente atingou no fim do trecho de ida.

Quanto ao cheiro, no verão é quase suportável (a chuva dilui o Janjão); no inverno não dá para encarar. Depois da ponte Transamérica o cheiro some. Ao fim da ciclovia a impressão que dá é de outra cidade.

Excelente trabalho professor! Deveria ser aproveitado pela imprensa que se interessa em entender o momento atual e quem mais? Alô Brasília, aquela do "que me importa que a mula manca, que eu quero é rosetar", alô!!

Ei Alex, o que você achou das medidas do BC com relação as posições vendidas de cambio dos bancos?

Abraço
Márcio

Ainda não tive coragem de pedalar alí, uns amigos foram e me disseram que logo na entrada na usina da Traição na ponte Ary Torres beira ao insuportável o cheiro. Tem uma certa lógica o cheiro ir diminuindo, aquela região tem menos esgoto encanado e o pior uma parte enorme vai para a represa Guarapiranga. E no que interessa muito bom o texto, mas se o mundo não fizer a lição de se recuperar da crise, estamos fudidos e mal pagos com essa turma que está no governo.

A única vantagem dessa ciclovia é a segurança, um conhecido meu que é ciclista, acostumado a pedalar longas distâncias foi atropelado na rodovia dos Bandeirantes por uma carreta, perdeu uma perna e passou por inúmeras cirurgias para não perder a outra, enfim teve sua vida destruída. Detalhe ele estava parado no acostamento.

A,

esse joelho ainda aguenta um futebol?

MM

Para a sorte dos apreciadores do esporte bretão, não.

O mundo perdeu um beque central cujo maior feito futebolístico foi levantar dois atacantes em sequência (surpreendentemente não fui expulso; na verdade, nem falta o juiz marcou).

"Para a sorte dos apreciadores do esporte bretão, não.

O mundo perdeu um beque central cujo maior feito futebolístico foi levantar dois atacantes em sequência (surpreendentemente não fui expulso; na verdade, nem falta o juiz marcou)".

Quer dizer que o Felipe Melo perto de vc é uma Dama? lol!

Abs

Aí fica difícil. Mas a falta de intimidade com a pelota é semelhante.

Beque?

Vou chamar o Capitão Nascimento para acabar com esse papo de narcóticos.

Beque sim. Só uma geração depois de "center-forward" e "goal-keeper".