Ainda em sua primeira
versão, a mesma que causou (justificado) escândalo em agosto do ano passado, o
orçamento federal previa déficit de R$ 30 bilhões, rapidamente transformado em
superávit de R$ 24 bilhões, embora, é claro, apenas no papel. Tanto que a
administração anterior já reconhecia que o número seria negativo e bem pior do
que as primeiras estimativas, na casa de R$ 100 bilhões.
Ainda assim, quem segue
a questão fiscal de perto já havia manifestado sua descrença, apostando num
buraco ainda maior, e valores na casa de R$ 150 bilhões não chegavam a escandalizar
ninguém, uma triste ilustração de como nos adaptamos facilmente à miséria.
Neste sentido, o anúncio de um déficit de R$ 170 bilhões, equivalente a 2,7% do
PIB, foi recebido por uma sociedade anestesiada.
Não há dúvida que o
valor é horroroso e retrato do grau de deterioração das contas do governo nos
últimos anos. Contudo, não chega a ser o pior desenvolvimento nesta frente: o
que me deixa ainda mais horrorizado é o grau de incerteza que existe em torno
dos números fiscais.
Não bastassem as
repetidas revisões de metas (fenômeno constante nos últimos anos), há ainda a
possibilidade de perdas de montante desconhecido associadas a eventos tão
distintos como a necessidade de capitalização da Petrobras, ou a incapacidade
da Eletrobras em publicar seu balanço auditado segundo regras internacionais,
ou ainda o montante de créditos de má qualidade nos bancos federais e seus
impactos sobre as finanças públicas.
É lamentável, mas
aprendemos como um governo mal-intencionado e/ou incompetente na gestão fiscal
pode causar um estrago sem precedentes. O quadro institucional, expresso em
diplomas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, ou a Lei de Diretrizes
Orçamentárias, foi simplesmente despedaçado no processo. Recuamos ao menos 20
anos em termos de instituições fiscais. Idealmente estas deveriam ser
reconstruídas, mas não temos sequer certeza se seremos capazes de tal tarefa.
Sob esta ótica as medidas
anunciadas ontem são, em sua maioria, uma manifestação de intenções corretas,
mas, para falar a verdade, não muito mais que isto.
Dessas, a antecipação
de pagamentos por parte do BNDES para o Tesouro Nacional é a que deve produzir
o maior impacto, R$ 100 bilhões. Da mesma forma, porém, que a concessão dos
empréstimos não é despesa, sua amortização não é receita. Embora muito inferior
ao tamanho da dívida (R$ 4 trilhões, ou 67% do PIB em março), o efeito equivale
a algo como 1,7% do PIB, e pode reduzir a conta de juros em algo como R$ 7 bilhões/ano.
Já a fixação de um teto
para as despesas do governo federal de acordo com a inflação antecipa uma queda
destas relativamente ao PIB. No entanto, sem medidas mais claras no que se
refere às vinculações e adequação da Previdência, não é claro como o teto será
cumprido. O diabo mora nos detalhes e resta, portanto, saber como, na emenda
constitucional sobre o tema, o governo pretende lidar com esta questão.
* * *
Segundo Alexandre
Pombini, “a inflação em si jamais fugiu ao
controle nesses dezessete anos do regime de metas”. O grau de alienação
desta afirmação revela porque a inflação atingiu mais de 6% ao ano entre 2011 e
2014, 10,7% em 2015 e 9,6% nos últimos 12 meses, comparada a uma meta de 4,5%.
Já vai tarde...
(Publicado 24/mai/2016)