Não é segredo que o Banco Central trata o
recente aumento do preço internacional de commodities
agrícolas como um “choque de oferta”, com implicações fortes para a política
monetária. Pressupõe-se que seja um fenômeno semelhante à elevação das tarifas
de serviços públicos, ou dos preços de petróleo, que tendem a elevar a inflação
e reduzir a renda, limitando a propagação do aumento inicial de preços.
Em tais casos o BC combate os chamados “efeitos
secundários”, por exemplo, tentativas de repasse dos preços mais altos, mas
acomoda o impacto do choque no intervalo ao redor da meta. Diga-se, aliás, tal
intervalo existe apenas para tal fim, certamente não para que o BC mire a priori na parcela entre a meta e o
limite superior do intervalo.
Diga-se também que, pela mesma lógica, no caso
de um choque de oferta positivo, por exemplo, uma redução de tributos sobre um
insumo relevante (energia?), o BC igualmente não deveria reagir ao efeito
primário; apenas às reações que pudessem levar a inflação abaixo da meta, mas estas
são apenas divagações de um obsessivo, não o ponto central do artigo.
A questão é saber se podemos caracterizar a seca
nos EUA, que contraiu a produção agrícola naquele país, como um choque de
oferta do ponto de vista do Brasil? Tenho dito que não. Os preços se elevaram,
mas, como o Brasil é exportador líquido destas commodities, o efeito sobre a renda nacional é positivo: não há
plantador nacional de soja chorando pela quebra da safra americana. Na
perspectiva deste fazendeiro o que houve foi um aumento na demanda por seu
produto, levando a preços internacionais mais elevados.
Na verdade, na visão do fazendeiro brasileiro o
motivo para alegria é ainda maior. Não houve apenas aumento dos preços em
dólar, mas também um aumento dos preços medidos em reais, elevando adicionalmente
sua renda às expensas dos consumidores nacionais, em particular a fração mais
pobre da população, cujo gasto com alimentos compromete parcela maior do seu
orçamento (argumento algo demagógico, sim, mas não menos verdadeiro).
Alguém poderia imaginar que isto é inevitável:
se os preços aumentam lá fora devem também subir por aqui e que, portanto, nada
poderia ser feito, mas a evidência sugere precisamente o contrário.
Começo notando que de 2006 a 2010, a despeito de
uma elevação considerável dos preços internacionais de commodities (em torno de 35%), os preços em reais subiram
consideravelmente menos (9%). O motivo é claro: a elevação dos preços das commodities corresponde a um aumento dos
preços das exportações brasileiras relativamente às importações. Tal melhora de
termos de troca tende a fortalecer a moeda, atenuando o impacto dos preços.
Em contraste, a recente elevação de preços
internacionais de commodities se
traduziu integralmente sobre preços domésticos porque a taxa de câmbio, ao
contrário do ocorrido anteriormente, foi mantida fixa.
Isto fica claro no contraste da experiência
brasileira com a de países latino-americanos que, como o Brasil, são exportadores
líquidos de commodities, mas que, ao
contrário do que ocorre por aqui, mantiveram o regime monetário e cambial que
vigorava até há pouco nestas plagas, a saber, metas para a inflação e câmbio
flutuante.
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Fonte:
Autor, com dados do CRB, BCB, BCCh, BRC, e BCRP |
A comparação é reveladora: preços de commodities (índice CRB) medidos nas
moedas destes países (Chile, Colômbia e Peru) têm caído desde o começo do ano,
enquanto os preços em reais seguem pronunciada trajetória de elevação, mesmo
antes da elevação dos preços em dólar, que permanecem algo abaixo de onde
estavam no início de 2012. É óbvio que o desempenho distinto se deve ao
comportamento díspar das moedas: enquanto o dólar encareceu 10% no Brasil, se
tornou mais barato (de 3% a 8%) nas demais economias.
É interessante notar que, até 2010, estas moedas
eram fortemente correlacionadas. Foi, portanto, a política brasileira de
manipulação do câmbio que implicou a elevação dos preços domésticos de commodities. Caso a moeda flutuasse de
verdade, o real provavelmente teria de apreciado em linha com as demais e
estaria hoje entre R$ 1,70-1,80/US$. Neste caso os preços domésticos de commodities seriam em torno de 15% mais
baratos e a inflação consideravelmente mais baixa.
Este resultado traz duas conclusões relevantes.
Em primeiro lugar que, conforme argumentado, a elevação de preços domésticos de
commodities nada tem de choque de
oferta. Revela, além disso, os limites muito claros da possibilidade de manter
a inflação na meta quando o BC tem como um de seus objetivos principais fixar a
taxa de câmbio. Nada que não soubéssemos; apenas o que nossas autoridades resolveram
ignorar.
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Quem vai
juntar os pedaços?
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(Publicado 1/Nov/2012)