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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Professor Cano e a crise atual

No último número da inigualável revista Economia e Sociedade, o professor Wilson Cano [devo mencionar, autor de um influente livro sobre a concentração industrial em São Paulo há mais de 30 anos] do inigualável Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) publicou um texto, ou melhor, uma coleção de palavras às vezes conexas, sobre a crise atual.

Em termos substantivos, como de se esperar, o professor não apresentou nada mais sofisticado que as reclamações usuais sobre o neoliberalismo e o saudosismo das políticas econômicas do regime militar ou de Getúlio Vargas, além de uma descrição da crise mais rasa que um típico artigo de edição dominical de jornalão.

Mas é a primeira frase do artigo que me motiva a escrever este post. A futilidade da primeira frase anuncia e resume o deserto de ideias e nanismo intelectual do artigo:

Tanto a “Crise de 1929” quanto a atual apresentam algumas características semelhantes, porém outras muito distintas.

Que visão! Que intelectual! Santa Maria Conceição!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Os 12% de Héracles


Dizia Aristóteles que a tragédia se caracteriza, entre outras coisas, pela mudança da fortuna do herói, consequência de erro (intencional ou não) cometido no passado, através da qual o herói trágico e a audiência obtêm uma revelação acerca da natureza humana (ou da vontade dos deuses). Não me escapa a ironia (outra palavra grega) dessa definição encampar de forma tão completa os desenvolvimentos recentes na Eurolândia. A Grécia passa por uma mudança de fortuna, resultado de erros passados, e, como na tragédia, a queda traz uma revelação sobre a natureza da crise.

O problema se manifesta como um aumento considerável dos prêmios de risco associados à dívida helênica. Enquanto escrevo este artigo o custo de proteção contra um possível calote grego gira em torno de 350 pontos-base (3,5% ao ano para o prazo de 5 anos), vindo de valores ao redor de 100-150 pontos na segunda metade de 2009. Em comparação, o prêmio de risco no caso do Brasil para o mesmo prazo é próximo a 140 pontos, enquanto o argentino é de 1100 pontos. Estes preços sugerem que mercados consideram haver uma probabilidade razoável de um default grego nos próximos 5 anos.

A razão para tal desempenho parece clara. Enquanto outros países da Eurolândia fizeram um esforço para reduzir o endividamento do setor público (a dívida média da região atingiu 66% do PIB no final de 2007), a Grécia entrou na crise com uma dívida próxima a 100% do PIB, ou seja, praticamente sem espaço fiscal para incorrer em novos déficits. Apesar disto, em 2009 o déficit público alcançou 12% do PIB, valor não apenas elevado, mas, principalmente, muito superior ao divulgado originalmente pelas autoridades gregas (3,7% do PIB), levando o próprio governo a admitir que, em primeiro lugar, o país sofre de um “déficit de credibilidade”.

Em razão do descaso fiscal anterior, a Grécia enfrenta agora a necessidade de apertar sua política fiscal em meio a forte recessão, sofrendo ainda com o aumento do custo de capital associado à elevação do risco-país no contexto de uma taxa fixa de câmbio. Em outras palavras, o país está condenado a uma política fiscal pró-cíclica, por conta da falta de cuidado anterior. Nem no Hades, onde Tântalo passa fome e sede em meio à água e iguarias, e Sísifo empurra continuamente sua pedra morro acima,  seria possível imaginar punição mais rigorosa.  Reduzir o déficit nestas condições seria um desafio digno do 13o trabalho de Héracles.

Que o diga a Argentina, que, sob circunstâncias semelhantes em 2001, tentou heroicamente ajustar suas contas, embora sua dívida fosse, a bem da verdade, consideravelmente menor do que a grega. Por outro lado, nossos vizinhos não faziam parte de um clube exclusivo, disposto, aparentemente, a financiar o país nesse período delicado, desde que os gregos se comprometam com um pacote duríssimo de austeridade fiscal.

E, após a catarse, o que se revela para a audiência? Acima de tudo que países ganham e perdem facilmente os favores do mercado. Quando a fortuna muda não falta quem aponte os diversos erros cometidos nos anos de felicidade como motivo para a tragédia recente. Descuidos fiscais e truques contábeis, que parecem modestos nos anos de felicidade, têm o mau hábito de voltar para nos assombrar quando a maré vira, fato que não deveria ser esquecido em momento algum por qualquer gestor de política econômica, mas frequentemente é.

À luz disso, só nos resta concluir, como Ésquilo: “não considere um homem feliz até que morra”. Os antigos helenos sabiam das coisas.

(Publicado 17/Fev/2010)

Resposta ao Carlos

Caro "O", o senhor até agora não tocou no aspecto mais importante tratado pelo Oreiro: Crescimento causando maior taxa de poupança. Ele usa o trabalho de Modigliani como "prova" do sentido causal do crescimento para a poupança e não o contrário.

O senhor tem algum evidência de que a causalidade é da poupança para o crescimento?

Saudações,
Carlos

Respondendo ao Carlos:

Interessante pergunta. A citação do Modigliani não configura ‘prova’, ela apenas descreve os resultados que podem ser gerados com o modelo de consumo no ciclo de vida daquele economista em sua versão mais simples e estilizada.

O modelo de ciclo de vida representou um grande avanço no entendimento de economistas sobre a determinação da poupança, mas nesta versão estilizada deixa a desejar em alguns aspectos. Por exemplo, existe evidência empírica de uma correlação positiva entre taxas de poupança e níveis de renda per capita – uma característica dos dados que não é explicada pelo modelo. Assim como existe evidência de correlação positiva entre taxas de crescimento e taxas de poupança – uma característica dos dados que pode ser racionalizada dentro do modelo de Modigliani (para a evidência empírica, veja [1]).

Quanto à questão da causalidade, tenho algumas observações:

(1) Há muito nós sabemos que existe um viés na estimação da relação entre crescimento da renda e poupança: ganhos temporários de renda (por exemplo, devido a um choque nos termos de troca) são poupados em maior medida, portanto criando a ilusão de uma conexão mais forte entre taxas de crescimento de longo prazo e taxa de poupança.

(2) Existem mecanismos que explicariam uma causalidade no outro sentido, das taxas de poupança para o crescimento. Por exemplo, em um modelo neoclássico de Solow em que o crescimento é exógeno, os níveis de renda per capita no estado estacionário são função crescente da taxa de poupança. Então economias que por algum motivo passassem a poupar permanentemente mais teriam crescimento mais rápido durante o período de transição para o estado estacionário com maior nível de renda per capita.

(3) Uma maior taxa de poupança também pode aumentar o crescimento de longo prazo via redução de vulnerabilidade a crises. Um dos resultados mais influentes da literatura recente sobre crises é um paper de Valerie Cerra e Sweta Saxena [2] que mostra que perdas de produto devido a crises financeiras são permanentes. Na medida que países com taxas de poupança mais alta são menos propensos a crises financeiras, existe uma conexão causal das taxas de poupança para o crescimento econômico.

(4) O sempre-prolífico professor Oreiro escreve “O trabalho pelo qual Franco Modigliani ganhou o Prêmio Nobel de Economia mostra que o crescimento econômico gera a sua própria poupança. Esse é um resultado eminentemente Keynesiano !!!!”. Com todo respeito, esta é uma bobagem tão grande quanto um sujeito que, após constatar que o céu é azul e o ar quente e úmido, exclama “Estamos no Rio de Janeiro!”. É perfeitamente possível que o mundo não seja keynesiano e exista uma correlação positiva entre crescimento econômico e poupança. Assim como é possível o céu azul e o ar quente e úmido em Kinshasa ou Savannah. Mas se você avistar o Pão de Açúcar, pode ter certeza que está no Rio de Janeiro... Este é um exemplo ilustrativo do problema de identificação em economia. Voltando à questão do Carlos (O senhor tem algum evidência de que a causalidade é da poupança para o crescimento?), é muito difícil identificar a direção de causalidade entre poupança e crescimento, pois diferentes teorias plausíveis sugerem uma causalidade positiva em ambas direções.

(5) Resumindo: tanto evidência empírica quanto teoria implicam que taxas de crescimento afetam positivamente as taxas de poupança e vice-versa.

(6) Nosso país tem uma taxa de poupança bem baixa, em parte porque nossa taxa de crescimento é medíocre, mas também porque nossas políticas públicas são inconsistentes com taxas de poupança mais altas. Déficits públicos reduzem a taxa de poupança nacional; aposentadorias precoces e ricas para a elite dos servidores públicos também reduzem a taxa de poupança. Não por acaso, somos um país devedor líquido do resto do mundo e sofremos com os riscos inerentes a esta condição devedora.

Referências

[1] Norman Loayza & Klaus Schmidt-Hebbel & Luis Servén, 2000. "What Drives Private Saving Across the World?," The Review of Economics and Statistics, MIT Press, vol. 82(2), pages 165-181, May.

[2] Valerie Cerra & Sweta Chaman Saxena, 2008. "Growth Dynamics: The Myth of Economic Recovery," American Economic Review, American Economic Association, vol. 98(1), pages 439-57, March

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A Oreiro o que é de Oreiro!

Acabei de visitar o blog do professor Oreiro e ele tem uma explicação convincente para o parágrafo pró-Chavez que ele escreveu: foi uma tentativa (em minha opinião, fracassada) de ironia que foi tomada fora de contexto pelo jornalista do Monitor Mercantil. Tendo sofrido no passado com citações fora de contexto por jornalistas, ofereço minha simpatia ao professor evidentemente não-chavista.

Em um outro texto (link) o ilustre professor deixa bem claro sua opinião rejeitando o modelo econômico bolivariano.

Tendo dito isto, não posso deixar de comentar as bataquadas do texto do professor hoje (link). Transcrevo e comento abaixo:

Está ficando sem graça debater (?) com os (pseudo-)ortodoxos brasileiros.

Não entendo a necessidade de rotular e o ridículo ‘pseudo’.

Os caras estão tão desesperados com a perda de espaço no debate econômico nacional e com o fato óbvio de que, ganhe Dilma ou Serra, eles estarão fora da equipe econômica do próximo governo, que resolveram subverter a longa tradição de seu próprio referencial teórico, qual seja a ênfase na análise dos resultados de longo-prazo dos processos econômicos, e se refugiam no curto-prazo (além de ataques ad hominem, os quais demonstram a existência de um certo Complexo de Édipo por parte dos expoentes menores dessa tradição de pensamento).

Essa foi boa... Primeiro o bom professor abre com uma referência pimpona às eleições e a possibilidade que competência técnica vai se tornar um estigma na seleção de economistas para a equipe do próximo governo(o que ele parece aprovar!), depois ele fecha com psicanálise de botequim citando até um suposto complexo de Édipo (creio que dirigida a mim?). Tudo isso no mesmo parágrafo em que ele acusa aqueles que em um laivo de arrogância ele enxerga como rivais de praticar ataques ad hominem!

Repitam comigo: Oy vey.

Tudo bem, vamos relevar a dissonância cognitiva, afinal é carnaval! Mas ainda no espírito festivo, vamos analisar o que o professor tem a dizer sobre economia:

Nesse contexto, os pseudo-ortodoxos brasileiros criticam os heterodoxos com base na tese de que as políticas defendidas pelos últimos são contra-producentes … no curto-prazo.

Sim, são políticas contra-producentes no curto prazo.

Com efeito, os pseudo-ortodoxos brasileiros afirmam que a política correta para obter uma desvalorização da taxa de câmbio é aumentar a taxa de poupança, quando o seu próprio referencial teórico mostra que, no equilíbrio de longo-prazo, uma taxa de poupança mais elevada estará associada, na falta de uma política deliberada de administração da taxa de câmbio como faz a China, com um câmbio mais apreciado …

Exatamente. Um aumento de poupança hoje tem o efeito inequívoco de depreciar a taxa de câmbio real e aumentar a competitividade de nossas exportações. Você discorda disso, professor Oreiro?

(...) a depreciação é apenas um efeito temporário, não sistemático, de um aumento persistente da taxa de poupança.

Non-sense, professor! Ninguém está dizendo que o efeito de um aumento permanente da taxa de poupança causa um efeito ‘não sistemático’ na taxa real de câmbio. Eu não disse isso, o Renato e o Pedro não disseram isso, nenhum economista que mereça respeito tem dito isso. Este espantalho não existe. Não existe no debate econômico brasileiro, não existe nos manuais de economia, não existe na literatura publicada em journals acadêmicos.

Desafio-o a encontrar um artigo teórico que negue o argumento que um aumento persistente na taxa de poupança -como por um exemplo uma reforma na previdência ou uma redução na taxa de crescimento dos gastos públicos – tenha o efeito de depreciar o câmbio real persistentemente.

Além disso, os pseudo-ortodoxos criticam os heterodoxos afirmando que uma política de desvalorização da taxa de câmbio teria o efeito de aumentar a participação dos lucros na renda nacional, ou seja, a concentração de renda nas mãos dos capitalistas …

Não é bem assim. Posso afirmar sem sombra de dúvida que os heterodoxos [como o Professor Oreiro] são abertamente a favor de uma política de desvalorização da taxa de câmbio porque eles entendem que isso levaria a mais concentração de renda nas mãos dos capitalistas e esse deveria ser o objetivo da política cambial (segundo os heterodoxos).

O problema é que esse resultado é apenas um efeito temporário, não persistente, da política de administração da taxa de câmbio. No longo-período ( o qual é uma sucessão de curtos-períodos, para não confundir com o longo-prazo neoclássico), o câmbio desvalorizado atua no sentido de acelerar a exportação de manufaturados, o que aumenta a produtividade do trabalho devido a lei de Kaldor-Verdoorn, o que leva, ao fim e ao cabo, a um aumento sustentado dos salários reais.

Bela ideologia, professor!

Para mim que li meu Gramsci quando ainda adolescente, não é nenhuma surpresa que exista terreno fértil no Brasil para justificativas ideológicas para o uso da política macroeconômica para concentrar a renda. Afinal, o Brasil não se tornou um dos países com renda mais concentrada do mundo por falta de intelectuais capazes de concatenar um argumento justificando mais concentração de renda (enquanto mantem uma auto-imagem de progressista).

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

domingo, 14 de fevereiro de 2010

O Carnaval do Professor Oreiro

O Rogério Ferreira me indicou mais uma pérola do Professor Oreiro, no transcrito de uma entrevista que o ilustre mestre concedeu ao Monitor Mercantil e publicou em seu blog.

‘uma taxa de câmbio mais depreciada gera (...), pelo mecanismo da distribuição funcional da renda, um aumento da taxa de poupança doméstica, produzindo, assim, o fenômeno da “substituição de poupança externa” por poupança doméstica, enfatizado por Bresser-Pereira em seus escritos.’


Vertendo do economês para o português leigo: O professor gostaria que a taxa de câmbio fosse mais depreciada para assim transferir renda da classe trabalhador (que supostamente poupa menos) para a classe capitalista (que supostamente poupa mais).

E mais (aqui tenho minhas dúvidas se ele está sendo irônico ou falando sério, afinal boçalidade geralmente tem limites):

‘Esqueçam, então, esse papo furado de aumentar a frugalidade das famílias, via reformas como a da Previdência, ou completar o ajuste fiscal. A política certa para o longo prazo é estimular as pessoas a consumir mais e os governos a gastar mais. Nesse contexto, parafraseando o presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, “Hugo Chávez é o cara”. A Revolução Bolivariana é o caminho para se obter uma taxa de câmbio depreciada e competitiva no longo prazo.’

Oy vey.

Correção (15 de fevereiro de 2010, depois de pular carnaval e 'jantar' uns 2 litros de caldo verde): Este autor verificou que a citação em que o professor Oreiro parece estar elogiando a política econômica chavista é fruto do erro de um jornalista que citou um trecho irônico do professor como se representasse seu pensamento. Uma leitura atenta do blog do professor demonstra que este não nutre simpatias pelo chavismo ou as políticas macroeconômicas associadas com o caudillo venezuelano. Retiro também o marcador ‘boçalidade’ que não se aplica a este post. Mantenho entretanto a menção a ‘políticas públicas visando a concentração de renda no Brasil’.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Kindle: primeiras impressões


Comprei e estou usando um Kindle DX (9.7”). Espetacular.

Em primeiro lugar pela comodidade da coisa. Qualquer livro disponível é entregue em segundos e facilmente navegável. No caso baixei o This Time is Different do Ken Rogoff e da Carmen Reinhard (prometo comentar o livro mais tarde, quando acabá-lo). É possível usar mecanismos de busca para achar nomes, temas, passagens, etc (adeus índices remissivos); há links para apêndices, notas, gráficos, tabelas, boxes e coisas do gênero (chega de segurar a página que se está lendo enquanto se procura o gráfico mencionado no texto, que pode estar em outro capítulo); há um dicionário incorporado, o que permite saber o sentido da palavra só colocando o cursor ao lado dela. Quer anotar? Há como. Quer sublinhar o texto? Não tem problema. Quer marcar a página? OK.

Assinei o Financial Times e agora, todo dia de manhã, lá está ele pronto para ser lido (não há a diagramação de jornal, é um texto de cada vez e, cá entre nós, o índice podia ser melhor, mas bate de longe ler pela internet). Há quase uma centena de jornais (só três brasileiros: o Globo, Zero Hora e Diário Catarinense, se não me engano), muitas revistas (a “The Economist” não, pelo menos por enquanto).

A qualidade da tela é impressionante. Quase tão boa quanto papel. Os ajustes permitem, entre outras coisas, aumentar ou diminuir o tamanho da letra, e reduzir o número de palavras por linha. O tamanho da tela é bom e o peso não é maior que o de um livro parrudo. A bateria dura muito.

O acesso à Amazon é bom, mas depende de sinal de celular (com sinal fraco vai demorar um bocado). Se o leitor já tem um histórico bom com a loja as recomendações que normalmente aparecem no sítio são “carregadas” para o Kindle, isto é, no momento que você acessou a loja irão aparecer os livros que a Amazon normalmente recomendaria (não há ainda “graphic novels” – quadrinhos, para quem, como eu, gosta da coisa).

Obviamente, quem comprar estará se ligando à Amazon, única provedora – até onde sei – de conteúdo, mas, no fim das contas, os preços são menores do que os vigentes para cópias físicas do livro (há a desvantagem, pelo menos para mim, da inexistência do objeto livro, mas as vantagens de entrega imediata e, para quem tem pouco espaço físico, a capacidade de armazenamento de mais de 3 mil volumes). É verdade que o custo de distribuição deve ser perto de zero e a Amazon deve espremer as editoras para manter o custo marginal do livro bem baixinho (desconfio que a margem deste negócio é boçal).

Não achei muita coisa de Economia. Quem está pensando que pode ser uma boa solução para livros-texto é melhor esperar mais um tanto. A ver também como ele lida com equações.

No geral é, como disse, espetacular.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Kriptonita e déficit externo

Imagine uma empresa que fature R$ 100 milhões/ano. Usa $ 62 milhões para pagar seus funcionários, R$ 21 milhões para a diretoria e os restantes R$ 17 milhões para investir e aumentar seu faturamento nos próximos anos, configuração que mantém seu fluxo de caixa devidamente equilibrado. No entanto, novas oportunidades de investimento aparecem e não há dúvida que, no melhor interesse dos seus acionistas, a empresa deve aproveitá-las. O que fazer?


Para financiar o investimento adicional só existem três alternativas: reduzir o pagamento aos funcionários; baixar a remuneração da diretoria; ou ir a mercado, seja tomando empréstimos, seja emitindo novas ações. Considere, porém, que a empresa decida pela terceira opção. Caso o retorno dos projetos seja maior que o custo do capital não há maiores problemas: com a maturação dos projetos o fluxo suplementar de caixa será superior à remuneração do capital adicional e a empresa, após certo tempo, terá plenas condições de remunerar seus credores e acionistas.

É fácil concluir que, sob as condições acima, tomar recursos no mercado, o equivalente a um déficit no seu fluxo de caixa, é uma boa decisão e qualquer analista digno deste título irá louvar a estratégia empresarial.

Caso, porém, a empresa estivesse incorrendo em déficits devido a investimentos ruins, ou gastos maiores com funcionários e diretoria, a reação seria a oposta. Sem o crescimento adicional do seu faturamento, ela teria dificuldades para servir seus novos compromissos e, assim, não apenas os preços de suas ações cairiam, mas também os custos associados a novas dívidas se tornariam maiores, refletindo riscos mais elevados quanto à sua capacidade de pagamento.

A esta altura os 17 leitores já chegaram a duas conclusões importantes. A primeira é que déficits não são, em si mesmos, bons ou ruins; o que interessa é o que se faz com os recursos tomados ao longo deste período, isto é, se os investimos em bons projetos, ou se os consumimos em despesas que não gerarão receita adicional.

A segunda conclusão é que não estou falando de uma empresa, mas sim do Brasil, país em que, nos 12 meses terminados em setembro de 2009, o consumo privado respondeu por 62% do PIB, o consumo público por 21%, e o investimento por modestos 17%.

Esperamos (na verdade ansiamos) que o investimento se eleve como proporção do produto, pois se trata de fator crucial para que o país possa acelerar sua taxa de crescimento de longo prazo, mas, como no caso acima, as alternativas existentes são apenas três: reduzir o consumo privado (aumentar a poupança), reduzir o consumo público (fazer o ajuste fiscal), ou incorrer em déficits externos. Não há dúvida que optamos pelo terceiro caminho.

Nossos “keyenesianos de quermesse” associam esta escolha ao ressurgimento da chamada “vulnerabilidade externa”, mas, pela discussão acima, deve ficar claro que esta vulnerabilidade depende do que for feito com os recursos que forem tomados, seja sob a forma de investimento estrangeiro, seja sob a forma de dívida (há uma diferença importante entre eles que, por falta de espaço, não vou abordar).

Caso estes recursos sejam utilizados para financiar o ritmo crescente dos gastos públicos provavelmente enfrentaremos problemas à frente, quando a expansão do PIB não se mostrar suficiente para servir ao capital tomado. Usados, porém, para investimentos que acelerem não apenas nosso crescimento, mas também as exportações, não há porque temer déficits externos. Déficit não é kriptonita; o que fazemos com ele é.


(Publicado 3/Fev/2010)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Apelo aos professores Gala e Rocha

Em meados de dezembro, em minha primeira contribuição a este blog, eu analisei um artigo de Paulo Gala e Marcos Rocha, ambos autores da EESP/FGV.

Como de costume quando comento sobre as tentativas de pesquisa empírica da quermesse, eu encontrei farto material merecedor de críticas de natureza metodológica (por exemplo, entre outras maluquices, os autores regrediram a taxa de poupança doméstica na conta corrente, que por construção é igual a diferença entre a taxa de poupança e a taxa de investimento).

Entretanto, uma critica que fiz até agora me embrulha o estômago. Na Figura 1 do artigo, os autores mostram uma linha de regressão que aparentemente não tem nada a ver com a dispersão dos dados. Comentei até, com algum sarcasmo: “Deve ser um daqueles pontos em que a ciência encontra sua intersecção com a arte.”

Entretanto, arrependo-me do comentário sarcástico, e gostaria de oferecer uma oportunidade para os professores Gala e Rocha oferecerem uma defesa.

Afinal, é bem possível que meus olhos tenham me enganado e a reta de regressão que os autores postaram reflita de fato o relacionamento entre as variáveis. Se os autores enviarem-me o arquivo com os dados (email: oanonimo2009@live.com), eu posso verificar essa possibilidade e testemunhar a favor dos autores.

Também é possível que os autores tenham se enganado no código do STATA e acabaram, acidentalmente, elaborando um gráfico mostrando uma reta de regressão que não corresponde à dispersão de pontos no gráfico. Quem trabalha com pesquisa empírica sabe que snafus são bem corriqueiros.

Outra possibilidade, ainda que mais remota, é que algum inimigo pessoal desses autores tenha sabotado o documento que eles submeteram à comissão de seleção do encontro da ANPEC.

Vamos torcer para esse blog ter visibilidade suficiente entre os ilustres professores da quermesse brasileira e o recado chegue aos professores Gala e Rocha. Afinal, seria bem desagradável se o meu post de dezembro levantasse dúvidas sobre a honestidade acadêmica desses pesquisadores. Eu pessoalmente acredito que deve ter sido algum erro no código do STATA! Esperemos por alguma resposta.

Quem caiu e qual o porquê?

Artigo interessante do Ashoka Mody sobre os determinantes da intensidade da queda do produto em 2009. As conclusões são parecidas com o que sugeria a análise no começo do ano passado.