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sábado, 31 de maio de 2008

O pouco que sei..


Flying the BS Fund

Finance Minister Guido Mantega has announced the main guidelines for the Brazilian Sovereign (BS) Fund. According to the minister:

1. Resources for the fund should come from the excess primary surplus relative to the official target (3.8% of GDP);

2. The government should aim, unofficially, for a primary surplus of 4.3% of GDP, which should warrant some 0.5% of GDP (BRL13 billion; US$8 billion) for the BS Fund;

3. Although the BS Fund could, in principle, constitute foreign currency assets (purchasing hard currency in the FX market), at the beginning it should invest only in domestic assets;

4. The National Treasury should be in charge of the BS Fund management.

We have already advanced our opinion that the BS is not, all things considered, positive news. We would note the following points:

* Whereas it is good news that the current level of the primary surplus (4.2% of GDP) will not be pushed toward the target, thus not generating a fiscal impulse of nearly 0.5% of GDP, the truth is that maintaining the primary surplus at the levels observed recently should not be of much help in terms of containing inflation. After all, inflation has accelerated even with a primary surplus hovering around 4.3% of GDP since January 2007.

* A meaningful fiscal adjustment at this point would require increasing the primary surplus to well above 4.3% through lower spending, not simply allowing cyclically higher collection to do the job.

* The decision to increase the primary surplus is actually independent of the constitution of the BS Fund (i.e., the government could raise the target in the absence of the BS Fund). The BS Fund is, thus, an alternative to allocate the primary surplus relative to a faster reduction of the domestic debt.

* Given that, the opportunity cost of the resources invested in the BS Fund is the cost of the domestic debt. The challenge BS Fund managers face, then, is to generate assets whose yields should beat the cost of the debt, a task that, as many experienced hedge fund managers in Brazil can attest, is easier said than done.

* Assets in the BS Fund should be highly correlated with local business cycle, meaning that they should do well when collection is booming, and not so well when collection dwindles, a feature that is unlikely to get any high praise in terms of financial soundness.

* It is good news that the BS Fund should refrain from further intervention in the FX market at this point, given that the last thing inflation needs now is an impulse coming from a weaker currency (even though our take is that all intervention would be sterilized, and therefore its impact on the FX level, if any, would not last long).

That said, the proposal came to light significantly watered down relative to initial versions circulated some time ago, which is, perhaps, the best part of the story.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Charlie don’t surf!

Atendendo à sugestão da Janaína extraí o seguinte trecho da coluna de Clóvis Rossi na Folha (27/Mai/2008).

"Tempos atrás, cruzei em um evento com Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos (poucos) economistas com que dá prazer conversar. Primeiro, porque é didático ao falar; segundo, porque não tem alinhamentos automáticos e, terceiro, por ser palmeirense. Belluzzo pôs em perspectiva os méritos do Plano Real na derrota da inflação ao lembrar que o dragão fora abatido no mundo inteiro. O Brasil, portanto, apenas surfara na onda."

A impressão que fica é que ninguém precisou fazer nada: a inflação caíra no mundo todo; por que não no Brasil? É a mesma "teoria" acerca da "inflação importada": sobe no mundo todo, logo aqui não haveria de ser exceção e, mais, não há o que fazer, já que tratamos de tendências globais. Em outras palavras, é o determinismo histórico aplicado à inflação.

Obviamente trata-se de uma bobagem. Uma das formas de ver isto é notar que Israel debelou sua superinflação em 1985, o México em 1988, a Argentina em 1991, mas nós só em 1994. Já a Colômbia e o Chile nunca passaram por hiper(super)inflação, a despeito mau exemplo de seus vizinhos. Como é que o “determinismo histórico” explica este fenômeno? Por que alguns países enveredaram pelo caminho de altas taxas de inflação e outros não? Por que a queda da inflação não ocorreu simultaneamente em todos eles, já que o “dragão fora abatido no mundo todo”?

A menos que alguém explicite com bastante cuidado os mecanismos de transmissão entre inflação externa e interna, a suposta observação inteligente não passa de uma constatação casual (e não causal). A inflação, nunca é demais lembrar, é sempre e em qualquer lugar um fenômeno monetário (que pode, ou não, ter uma raiz fiscal), ou seja, está associada à postura de política monetária de cada país. Não é algo que se pega por contágio (presumivelmente na piscina do clube, talvez até do Palmeiras), mas que se desenvolve pela sua dinâmica doméstica.

A exceção à regra – que não é realmente exceção, mas mais um caso particular – ocorre quando determinado país mantém uma taxa de câmbio fixa com relação à moeda de um outro país que sofre de inflação elevada. Neste caso, porém, o país que adotou o câmbio fixo abandonou sua política monetária e, consequentemente, adotou à do país que sofre de inflação elevada. A solução é abandonar o câmbio fixo, medida que, em geral, está ao alcance da autoridade monetária (dolarização, porém, deve ser bem mais difícil de reverter), como o exemplo de Singapura em 1973 (4?) nos mostra. Aliás, vários países que fixam suas moedas com relação ao dólar pensam agora em abandonar o peg precisamente por preocupação com inflação.

Daí minha pergunta (ao Belluzzo ou ao Clóvis Rossi). Como mesmo é que a inflação baixa no mundo se tornou inflação baixa no Brasil? Por que não ocorreu em 1986, quando Belluzzo estava no governo fazendo o Plano Cruzado e a inflação americana rodava abaixo de 2%?

Não tem jeito: para surfar na onda, precisa saber subir na prancha. Na frase imortal do Tenente Coronel Bill Kilgore: “Charlie don’t surf!”

quarta-feira, 28 de maio de 2008

A inflação além do pé de feijão

O Fundo Soberano é o tema do momento, mas não meu assunto de hoje. Em primeiro lugar porque já tratei dele no ano passado (e minha opinião nada positiva a respeito não se alterou) e também porque, em artigo recente, Ilan Goldfajn já mostrou todos os aspectos negativos do “cofrinho” do ministro. Assim retomo aqui fio da meada da minha última coluna e volto à questão da aceleração da inflação no Brasil.

Mostrei no artigo anterior que a aceleração recente da inflação não pode ser atribuída ao aumento dos preços dos alimentos, pois as medidas de núcleo de inflação, que retiram do cálculo os movimentos mais exagerados de preços, revelam uma aceleração praticamente igual à da inflação cheia. Tal resultado sugere que a elevação da inflação observada no país está associada à piora da tendência subjacente de inflação, e não a movimentos acidentais de preços.

Dado este fato, restaria ainda saber a origem da deterioração da inflação subjacente, que, no meu entender, é o nível cada vez mais elevado de utilização dos recursos na economia, isto é, níveis crescentes de utilização de capacidade instalada, bem como uma redução persistente da taxa de desemprego, ambos tendo atingido patamares recordes nos últimos meses.

Na verdade, é possível combinar estes indicadores de uso de capital e trabalho, cada qual com ponderação equivalente à sua participação na renda nacional, de forma a construir um índice agregado de pressão sobre a utilização de recursos. Uma elevação deste índice corresponde a um grau maior de utilização de recursos na economia e, de forma equivalente, uma redução captura menor pressão sobre os fatores de produção. A partir daí, basta observar se esses movimentos guardam qualquer relação com a aceleração da inflação: se tal relação for positiva, há bons motivos para crer que a aceleração da inflação está de fato associada ao grau crescente de utilização de recursos.

O gráfico aqui exibido mostra que esse aparenta mesmo ser o caso no Brasil. Os dados revelam que a inflação se acelera em resposta à maior utilização de recursos com uma defasagem entre seis e sete meses, sugerindo que a aceleração da inflação que vemos hoje resulta do forte crescimento observado na segunda metade do ano passado.

Mais relevante, porém, é que, neste caso, os efeitos sobre a inflação do aumento da utilização de recursos para os atuais níveis recordes só se farão sentir mais para o final do ano. Isto indica que a inflação de 5% registrada nos 12 meses até abril ainda não representa o que veremos de pior em termos de aumento de preços em 2008.

Consequentemente, dadas as defasagens entre movimentos das taxas de juros e a reação da demanda, bem como entre a utilização de recursos e a inflação, não há muito que o Banco Central possa fazer acerca da inflação em 2008, já que esta resulta de decisões de política monetárias tomadas ainda em 2007. Isto dito, a batalha pela inflação de 2009 prossegue e é positivo notar que, mesmo isolado, o BC não desistiu do bom combate.

(Publicado 28/Mai/2008)

terça-feira, 27 de maio de 2008

Uma pergunta difícil e o esboço de uma resposta

Recebi este comentário do Júlio (está no post sobre o Fundo Soberano - em inglês BS Fund). Ele faz uma boa pergunta. Não sei se tenho a resposta, mas vejam abaixo.


* * *

Logo acima, notei vocês estavam discutindo sobre a taxa real de juros brasileira e você fez uma menção à teoria do Pérsio, e gostaria, se possível, de saber sua opinião a respeito. As únicas críticas que eu vi a respeito deste debate vinham do pessoal da Unicamp e de várias universidades federais, e na verdade, me pareceram no mínimo estranhas, já que o Belluzzo e cia. advogavam que a conversibilidade plena da moeda não eliminaria as fraquezas “genético-estruturais” do real, dentre outras idéias similares.

Como você deve saber, o Arida – também o Bacha e Lara Resende, se não me engano – argumentavam que, em regimes de conversibilidade restrita, no processo de arbitragem entre juros internos e juros externos, o risco de imposição, por via administrativa, de restrições à liberdade de capitais teria como resultado taxas de juros em reais mais altas do que se poderia ter realmente (ou então provocando maior depreciação da moeda doméstica, ou os dois fatores juntos). Isto se deveria “ao risco da espada de Dâmocles” do Banco Central ser posta em uso, nas palavras do Pérsio, que teria como impacto maior taxa de juros em dólares requerida pelo credor (e com ela as taxas de juros em reais) em função de uma possível suspensão geral ou seletiva dos pagamentos ao exterior, racionando desta forma, as divisas por esta via de controles ainda disponíveis.

Por outro lado, a manutenção de regimes de conversibilidade restrita mesmo com taxas de câmbio flutuantes implicaria em maior prêmio de risco exigido (na formação das taxas de juros internas), uma vez que tal procedimento sinaliza ao mercado (desnecessariamente), segundo estes autores, desconfiança na moeda como reserva de valor. Ou seja, seria um reflexo da própria percepção do Banco Central quanto à (menor) qualidade do padrão monetário doméstico e da jurisdição brasileira, já que o estado de confiança nos mercados financeiros depende, em parte, da interpretação das políticas anunciadas pela autoridade monetária.

Logo, eu gostaria de saber sua opinião, se de fato, após quase quinze anos de estabilidade de preços, que certamente deve ter contribuído para uma maior credibilidade da moeda nacional e do Banco Central, a maior conversibilidade do real a ser implementada gradualmente, associado a um programa de melhoria jurisdicional (dentre os quais a independência efetiva do Bacen), se poderia reduzir em algum grau o patamar dos juros internos. É claro que também temos que considerar outros fatores importantes que sobrecarregam a política monetária, como por exemplo, o que já se sabe, o tamanho do gasto público, assim como as questões relacionadas à TJLP e crédito direcionado, como você mesmo expôs acima.

Então, você não acha que somado às políticas hoje consolidadas – câmbio flutuante, meta inflacionária, superávit fiscal primário – um programa gradual de erradicação dos controles no mercado de câmbio não poderia contribuir nesse sentido?

* * *
Júlio:

O Pérsio, junto com o Bacha e o André Lara Rezende, propôs a hipótese acerca das deficiências da jurisdição local (o que eles chamam de “incerteza jurisdicional”) estarem por trás das altas taxas de juros no Brasil. O Pérsio (sozinho) explorou um aspecto específico deste problema no que diz respeito à questão cambial, propondo a conversibilidade plena do real como maneira de reduzir a taxa local de juros.

Admirador confesso do trio não acho que o busílis esteja aí. Para começar, o Brasil não tem o monopólio da incerteza jurisdicional. Não preciso ir muito longe, só umas três horas de vôo ao Sul para achar uma jurisdição pelo menos tão ruim quanto a nossa e taxas de juros de equilíbrio consideravelmente menores. Aliás, um passeio pela região vai mostrar jurisdições piores com juros menores, o que me faz desconfiar da hipótese.

Há um trabalho do meu amigo (e brilhante economista) Andrei Spacov – salvo engano um dos papers da sua tese em Berkeley - no qual ele e mais dois colegas (Fernando Gonçalves e Marcio Holland http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/viewPDFInterstitial/1015/211) testam empiricamente a hipótese da incerteza jurisdicional e a rejeitam. Obviamente não é a palavra final sobre o assunto, mas eu diria que não se trata de resultado muito auspicioso para a hipótese.

Isto dito, no que se refere à conversibilidade, eu chamo a atenção para a mudança dramática da regulamentação cambial no país. Culminando (por enquanto) um processo de anos, a resolução 3265/2005 permite qualquer transação cambial, exceto aquelas que sejam explicitamente proibidas por lei (poucos casos, p.ex.. remessa de dividendos ou juros sem contrapartida de ingresso anterior de capital).

É verdade que se trata de mera resolução do CMN, podendo ser mudada a qualquer momento. É também verdade que tanto a Lei 4131 quanto a Lei 4565 prevêem que o CMN possa, por resolução, fechar completamente o país a ingressos de capitais. Mas, mesmo assim, acho que há um problema com esta abordagem.

De alguma forma ela se ancora na noção da comparação da taxa real de juros no Brasil com taxas no exterior, i.e., na paridade de taxas reais. Esta é uma condição de equilíbrio externo; não me diz nada sobre crescimento da demanda relativamente à oferta, expectativas e todo o mais que cerca a questão do equilíbrio interno.

Por este motivo eu acho que caminhos mais promissores para explicar o mistério dos juros altos no Brasil passam pela segmentação do mercado de crédito e pela política fiscal, em particular pela expansão fiscal extraordinária dos últimos 14 anos (um aumento de 8% do PIB no gasto primário, correspondendo a cerca de 50% do PIB marginal do período).

P.S. Falar em "fraquezas 'genético-estruturais' do real" como faz este pessoal sem especificar quais estas são é uma tremenda não-resposta. Palavreado bonito, analogias aparentemente inteligentes, mas vazias, vazias. Lembra o "Fashionable Nonsense" de Sokal & Bricmont.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Uns sambas

Não consegui escolher tudo o que eu queria, mas acho que ficou legal. Divirtam-se.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Quanto mais queijo, menos queijo...

Recebi de um leitor (que prefere permancer anônimo) a seguinte pérola do criador do jornalismo de serviço. Normalmente eu não perderia o meu (nem o seu) tempo com isso, mas é realmente delicioso.

"Chamo a atenção para três fatores que poderão determinar o rumo futuro da inflação e que aparentemente não estão sendo considerados pelo Banco Central:

1. O aumento dos preços dos alimentos corrói o poder aquisitivo das classes de menor renda, maiores responsáveis pelo aumento do consumo nos últimos tempos (...)"

Vejam que interessante: a inflação mais alta reduz a renda e o consumo das classes de menor renda e, portanto, reduz a inflação. Imagino que, por simetria, a inflação mais baixa eleva a renda e, portanto, o consumo das classes de menor renda, aumentando a inflação.

Ergo, quanto mais alta a inflação, mais baixa será a inflação e, quanto mais baixa a inflação, mais alta será a inflação. BCs ao redor do mundo podem parar de se preocupar: nunca haverá processo inflacionário persistente, pois a inflação se auto-corrige... Consigo até imaginar a festa na Argentina.

Isto dito, o melhor da história é que o mesmo autor do argumento, em outras circunstâncias, insiste que a inflação não é gerada por excesso de demanda (aparentemente só reage à demanda quando o argumento lhe interessa).

Honestidade realmente não é o ponto mais destacado da figura.

domingo, 18 de maio de 2008

De volta ao fundo soberano

Que eu ache a proposta do fundo soberano uma idéia sem pé, nem cabeça não deve ser novidade para ninguém. São tantas as minhas objeções ao fundo que, mesmo tendo escrito a este respeito há não muito tempo (http://maovisivel.blogspot.com/2007/11/uma-parbola-soberana.html), achei por bem, incentivado por alguns leitores do blog, a sistematizar minhas críticas.

A primeira delas é óbvia: ao contrário da maioria dos países que criaram um fundo soberano, o governo brasileiro não é superavitário; pelo contrário, mesmo com a melhora recente das contas públicas, permanece deficitário. Isto não é firula, mas a própria essência da idéia de fundo soberano.

De fato, governos fortemente superavitários (em alguns casos superavitários devido às receitas cíclicas associadas à exportação de uma commodity em particular, como óleo e gás na Noruega) precisam arrumar maneiras de transferir às gerações futuras os bons resultados fiscais. Há duas formas de se fazer isto: reduzir dívidas e acumular ativos. Caso a dívida já seja pequena, ou, mesmo não tão pequena, seja de baixo custo, vale a pena formar um fundo com o objetivo de preservar estes superávits e extrair deles receitas para o futuro.

A notar (um ponto ao qual retorno mais adiante) que não é necessário ser um gênio financeiro para concluir que, no caso de um fundo soberano, é uma boa idéia ter nele ativos que sejam muito pouco correlacionados com o desempenho econômico do país, i.e., um fundo que renda mais nas situações nas quais choques econômicos são adversos ao país, e possa render menos nas situações mais favoráveis.

Concretamente, no caso de um país exportador de petróleo e gás, o último ativo que deve fazer parte do fundo é uma empresa petrolífera, pois seu valor aumenta nos períodos positivos para o país (altos preços de petróleo) e cai nos períodos negativos (preços baixos), ou seja, perde valor quando o país mais necessita de recursos e ganha valor quando o país já vai indo bem.

Em outras palavras, diversificação relativamente aos riscos idiossincráticos deve ser um elemento central na estratégia de qualquer fundo soberano que se preze.

Retornando, porém, ao argumento central, o setor público brasileiro não é superavitário. Há um superávit primário (excluindo o pagamento de juros da dívida) que tem conseguido reduzir a relação dívida-PIB de forma contínua desde o final de 2003, mas, no cômputo geral, o setor público brasileiro ainda apresenta um déficit próximo a 1,6% do PIB, isto numa fase extremamente positiva do ciclo.

Como se sabe, a meta para o superávit primário equivale a 3,8% do PIB, embora, graças ao desempenho extraordinário da arrecadação (mesmo sem a CPMF), impulsionada pelo crescimento econômico, o nível efetivo de superávit primário seja mais alto, tendo atingido 4,5% do PIB nos 12 meses terminados em março de 2008. A proposta sugere manter o superávit primário em níveis algo inferiores aos atuais, da ordem de 4,3% do PIB, com a diferença (0,5% do PIB, cerca de R$ 13 bilhões) sendo canalizada para o fundo soberano (na verdade dois fundos: um constituído em moeda estrangeira, outro em moeda nacional).

Há um aspecto positivo nisto: se implementada, esta decisão impede uma aceleração adicional do gasto público para trazer o superávit efetivo dos atuais 4,5% do PIB para a meta de 3,8% (ou pior, a meta já deduzidos os gastos relativos ao Projeto Piloto de Investimento – PPI – equivalente a 3,35% do PIB). De qualquer forma, note-se, trata-se de expansão fiscal, pois reduz o superávit primário relativamente ao nível atual, ainda que a redução ocorra num montante menor do que ocorreria na sua ausência.

Isso dito, a primeira coisa que qualquer economista treinado vai se perguntar é o custo de oportunidade deste investimento. De fato, a decisão de canalizar estes recursos para o fundo soberano se dá às expensas de uma redução mais pronunciada da dívida pública. Em outras palavras, dado o superávit primário, cada real aplicado no fundo soberano é um real a menos utilizado para o abatimento da dívida pública. Vale dizer, o investimento no fundo soberano só faz sentido se acreditarmos que o retorno dos recursos aplicados no fundo superará o custo de oportunidade, i.e., o custo da dívida pública. Neste sentido é perfeitamente válida a analogia que equipara esta estratégia à de um indivíduo que toma recursos à taxa de cheque especial para comprar ativos cujos retornos (incertos) podem (ou não) ser superiores a esta taxa.

Considerando a estratégia já anunciada para utilização destes recursos, as chances de o retorno do investimento superar o custo de oportunidade parecem baixas, para colocar a questão de forma delicada. Os recursos associados à perna externa do fundo soberano referem-se ao apoio a projetos de interesse do Brasil no exterior. Nas condições atuais, porém, parece difícil que estes projetos rendam mais que o custo de oportunidade.

Mesmo com as turbulências recentes nos mercados financeiros internacionais, empresas brasileiras (e de outros países emergentes) conseguem se financiar a taxas menores que o custo de oportunidade da dívida. Assim, se o fundo soberano brasileiro quiser financiar estes projetos, terá que fazê-lo a taxas ainda menores que estas empresas pagariam no mercado de capitais (senão elas prefeririam tomar recursos no mercado), portanto inferiores ao custo de oportunidade.

Quanto à perna doméstica do fundo soberano, a incerteza é maior, pois não sabemos a que taxa os recursos serão oferecidos. Se vale a experiência nacional nesta área nos últimos 50 anos, porém, também neste caso as taxas praticadas serão provavelmente inferiores ao custo da dívida (certamente inferiores às taxas de mercado).

Em ambos os casos (certamente no primeiro, provavelmente no segundo), haverá subsídios pouco transparentes, cujo custo fiscal será difícil de avaliar.

A notar, além disto, que tais aplicações não diversificam risco. Os retornos de empresas brasileiras são, como seria de se esperar, fortemente correlacionados com o desempenho do país, de modo que – como no hipotético caso de um fundo soberano de um país exportador de petróleo que adquire ações de uma empresa petrolífera – a performance do fundo deverá ser ruim nas fases negativas do ciclo econômico e boa durante os períodos de vacas gordas. Em outras palavras, quando a arrecadação estiver em queda e o superávit primário ameaçado não haverá alívio vindo do “cofrinho” do ministro. Como tive a oportunidade de escrever no meu texto original, isto equivale a por os ovos dentro de duas cestas, e uma dentro da outra.

Quanto ao papel do fundo soberano na aquisição de moeda estrangeira, que alguns acreditam ser capaz de reverter a tendência de apreciação do real, bem, acho que a experiência dos últimos anos já deve ter deixado bem clara a pouca (ou nenhuma) eficácia da intervenção esterilizada. Tudo que o fundo soberano comprar de moeda estrangeira será devidamente esterilizado pelo BC (e não poderia ser diferente, senão a meta de inflação não poderia ser atingida), apenas adicionando à intervenção esterilizada já ocorrida. Por que deveríamos acreditar que, sob a batuta do Tesouro Nacional, ela seria mais eficaz para evitar a apreciação do real?

Em suma, se o fundo soberano se tornar uma realidade: (1) estaremos nos endividando à taxa de juros doméstica para aplicar em ativos de retorno incerto, alguns deles com alta probabilidade de apresentar retornos inferiores; (2) não estaremos diversificando os riscos, de modo que, nos períodos negativos do ciclo econômico o fundo soberano seria de pouca valia; (3) abrimos a porta para subsídios pouco transparentes via aplicações do fundo soberano; e (4) não há de ajudar em nada a evitar a apreciação do real, ilusão que seus formuladores parecem não ter perdido.

Enfim, no ranking das más idéias ocupa lugar bastante elevado (não tanto como adotarmos a política econômica argentina), certamente merecedora do prêmio IgNoble de economia.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Nova (?) política industrial

* The so-called Productive Development Policy (PDP), the Brazilian Government new attempt of industrial policy was announced with great fanfare and heralded as a “turning point” for industrial development in Brazil. The program consists of a combination of tax breaks (roughly 0.3% of GDP) and BNDES (Development Bank) financing at even more advantageous conditions than usual, aiming at increasing investment from 17.5% to 21% of GDP between 2007 and 2010, as well as increasing the share of Brazilian exports in global trade from 1.18% to 1.25% over the same time period, helping reduce balance of payments vulnerability.

* However well-intentioned, my take is that it should do little to actually achieve these objectives. For a start, the program paid little, if any, heed to macroeconomic consistency, that is, the need to reduce government spending to actually allow investment to grow. Second, it creates additional monetary impulse in an already economy facing inflationary problems, which is curious, to say the least, if one recalls that the Central Bank is, at this point, actually moving in the opposite direction, i.e., removing monetary impulse. Finally, the program elects some 24 sectors as priority, which raises the obvious question: what is NOT a priority these days? Moreover, it did not explicitly address the market failures that the program should tackle, which makes me think that the only justification for industrial policy (correcting market failures) played no relevant role in the process.

* Hence I have no high hopes that this policy should actually play any meaningful role in accelerating long term growth. At the same time, the additional monetary impulse it creates plays against CB efforts to curb domestic demand growth, a factor that can increase to some extent the amount of tightening required to bring inflation back to the target path.

The new Brazilian industrial policy was announced this week, calling for tax breaks of about R$ 21.4 bn (US$ 13 bn) between 2008 and 2010, a value corresponding to roughly 0.3% of GDP/year. In addition to that, BNDES is expected to extend credit ranging from R$ 62.5 bn (US$ 38 bn) in 2008 to R$ 77.7 bn (R$ 47 bn) in 2010, supporting the elected sectors. While BNDES reference rate (the Long Term Interest Rate, TJLP) should, at least for the time being, remain constant at 6.25%, spreads should be reduced by 60 bps/annum.

In addition to giving a boost to specific sectors (more on that below), the program aims at increasing investment from 17.5% of GDP in 2007 to 21% of GDP in 2010, and also increasing the share of Brazilian exports in global trade from 1.18% in 2007 to 1.25% in 2010. Both objectives are commendable. My calculations suggest that every additional percentage point of investment relative to GDP may increase potential GDP growth by an amount ranging from 0.20% to 0.25% per year, meaning that such increase could enhance trend growth by something like 0.7% to 0.9% per annum, pushing it towards the 5% per year mark.

The increase in exports, in turn, is tantamount to tighter integration of Brazil in international markets, with positive consequences for economic competition and productivity growth.

That said, whereas the objectives are laudable, there are issues related to macroeconomic consistency that do not seem to have been properly addressed. For one, increasing investment from 17.5% to 21% of GDP requires (a) a decrease in private consumption (i.e., an increase of private savings); or (b) a reduction of government spending; or (c) an increase of the current account deficit; or (d) some combination of the elements above. Given that the program brings no measures to increase private savings (which, to be fair, no one really knows how to do), and no measures to reduce government spending, the only way left for financing additional 3.5% of GDP in investment would be the increase of the current account by the same amount.

To be sure, this is not really an issue for whoever thinks and implements industrial policy, since these are not the same people that run fiscal policy. Nevertheless, it is ironic that the very same government that frets about the current account deficit to the point of imposing IOF on fixed income inflows to weaken the currency, closes an eye to the process just described, and takes no steps to curb government consumption. The presentation of the program makes clear that maintaining low external vulnerability -- which some government circles identify with low current account deficits, if not surpluses -- is an objective of the policy, but it is difficult to reconcile this with the objective of increasing investment in the absence of a lower government spending.

In addition to that, the reduction in BNDES cost of lending is equivalent to an increase in the monetary impulse, given the sheer size of the bank (BNDES lending represents something like 17% total credit), precisely at a moment in which the Central Bank is moving in the opposite direction, that is, removing monetary impulse to reduce the speed at which domestic demand has been moving. Whereas it is hard to quantify the precise impact of BNDES “easing” on monetary conditions, it seems safe to assume that this should not make the Central Bank be less hawkish on monetary policy.

As for the priorities of the program, the sheer truth is that I am possibly not the person in the best position to evaluate each one the programs for each one of the sectors and industrial complexes that are supposed to benefit from industrial policy initiatives. That said, it did not escape me that the policy elected some 24 segments as priorities, which makes me wonder precisely what has been left out.

Moreover, I could not find in the documents any analysis that made explicit the market failures that would justify any help for, say, the sector of personal hygiene (are people not taking sufficient baths, so a shower subsidy would be in order?), or the auto sector (whose domestic sales and production are, respectively, up by 35% and 20% year-to-date).

In all, I do not expect much result of industrial policy in terms of actually increasing trend growth by a significant amount in the next 3 years (the program horizon), although some of the elected sectors can actually benefit from it. From a fiscal perspective, furthermore, the impact is small, raising little concern on the ability of the government to keep meeting the fiscal targets, even if they were raised to something like 4.5% of GDP. That said, the additional monetary impulse does not help the Central Bank job, and clearly does not contribute to reducing the amount of monetary tightening required to push inflation back to the target path.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

A inflação e o pé de feijão

É comum ouvir afirmações do tipo: "Se desconsiderarmos o aumento de preço do feijão (ou do leite, ou da manteiga), a inflação não seria 5% nos últimos 12 meses, mas apenas (escolha um número)%, logo" -prossegue o argumento- "o Banco Central não precisa aumentar os juros". Variações em torno do tema também incluem "logo não adianta subir os juros, pois eles não terão efeito sobre os preços do feijão (ou do leite, ou da manteiga), que estão aumentando a inflação". Essa é, porém, uma visão simplista e errônea do fenômeno inflacionário..

Para começar, se removemos do índice de inflação os preços que sobem mais rápido, o que sobra deve, por definição, mostrar uma taxa de inflação mais baixa, indicando que o argumento acima é muito menos inteligente do que se pretende. Afinal, se essa análise fosse válida, a inflação jamais seria um problema em nenhum lugar do mundo, pois sempre haveria um grupo de produtos que, devidamente expurgado do cálculo, mostraria uma taxa de inflação sob controle.

Uma análise mais isenta se concentra não apenas nos preços que mais crescem mas também naqueles que mais caem (ou que crescem à menor velocidade), de forma a isolar da medida de inflação movimentos acidentais, isto é, fruto de choques setoriais que não estão necessariamente associados à dinâmica de demanda da economia. Tais medidas ("núcleos" de inflação), supõe-se, capturam melhor a tendência subjacente da inflação e seus movimentos ao longo do tempo e deveriam, portanto, sinalizar se o comportamento da inflação decorre mesmo de fatores acidentais ou de um fenômeno mais profundo. Aqui analisamos a evolução de duas dessas medidas.

A primeira (núcleo por exclusão) retira do IPCA o efeito do preço dos alimentos consumidos no domicílio, bem como dos preços administrados (tarifas de energia, telefone, etc.). A segunda (o núcleo de "médias aparadas") remove do IPCA os maiores e menores aumentos de preços, sob a suposição de que tais movimentos mais exagerados estariam provavelmente associados a fenômenos acidentais.

Isso dito, convido o leitor a uma breve inspeção do gráfico aqui exibido. Nele medimos a aceleração da inflação "cheia" -isto é, o quanto subiu (ou desceu) a inflação- contra a aceleração das medidas de núcleo da inflação. Se a aceleração da inflação for muito diferente da aceleração dos núcleos, seria correta a afirmação acerca de a inflação em alta resultar de choques específicos, contra os quais pouco pode a política monetária. Em contraste, caso a aceleração da inflação e dos núcleos seja parecida, é claro que a alta da inflação resulta de uma tendência subjacente a ser devidamente combatida.

Os dados são eloqüentes: a aceleração recente da inflação coincide pontualmente com a das medidas de núcleo, mostrando que a inflação mais alta não vem do preço do feijãozinho (ou do leitinho, ou da manteiguinha), mas de uma piora da tendência de inflação. Não é difícil sair da análise superficial, mas certa integridade intelectual é condição absolutamente necessária.

(Publicado 14/Mai/2008)

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Um pouco de jazz

Espero que gostem tanto quanto da "fita" de rock. Sing, sing, sing está algo deslocada das demais (tudo bebop e depois), mas não há como resistir à bateria de Gene Krupa segurando o ritmo por mais de 8 minutos.

sábado, 3 de maio de 2008

Rocks dos anos 70 (quase todos)


Oldies

A "fita cassete" acima traz alguns rocks da minha adolescência (quase tudo anos 70). Foi divertido montá-la (até a imagem da fita cassete me lembra de horas passadas com vários LPs emprestados, tentando fazer caber tudo em dois lados de 30 minutos - meus primeiros exercícios de otimização) e espero que vocês gostem.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Freud explica? Acho que não...

Recebi o seguinte comentário do Pedro Barbosa:

"Alex,

Não sei se você viu no blog do Nassif uma crítica a este texto [refere-se ao post abaixo], sobre a promoção a grau de investimento]. Pelo que entendi ele não acredita que melhorar a capacidade de pagamento da dívida é uma melhoria para o país."


Pedro:

Quando chegamos a qualquer assunto que envolva pagar dívidas este cidadão começa a ter reações esquisitas (presumo que seja alergia). Como o histórico de crédito dele sugere, ele não acredita mesmo que pagar o que se deve possa ser coisa boa, daí a “crítica”. Melhor, acho, é não prestar muita atenção, mas quem se interessar pelo assunto pode seguir uma historinha interessante aqui (http://arrastao.apostos.com/) e aqui (http://bndesnassif.blogspot.com/).

Abs,

Alex

Grau de investimento: e daí?

A elevação da avaliação de risco do Brasil a “grau de investimento” pela agência S&P não surpreende. Era, creio, um dos eventos mais esperados do ano e, em particular, já em maio de 2007 meu colega Cristiano Souza publicou um trabalho no qual afirmava ser muito alta a probabilidade que pelo menos uma das agências promoveria o país a esta categoria ainda na primeira metade de 2008.

Há pelo menos duas conseqüências importantes que deverão resultar deste fato, mas, antes de me aprofundar nelas, permitam-me uma breve reflexão sobre o caminho que nos trouxe ao tão-desejado “grau de investimento”. Da forma como o vejo, é o resultado da persistência, ao longo de 10 anos, de uma política econômica coerente, baseada no tripé responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e metas de inflação.

Não que a execução deste regime tenha sido exemplar. A responsabilidade fiscal tem sido guiada pelo objetivo parcial de redução da dívida pública (que foi essencial à recente promoção), mas presta pouca atenção à questão do gasto público, em especial o gasto corrente, cujo principal efeito é limitar a capacidade de crescimento de longo prazo do país.

No entanto, o foco das agências de risco não é o crescimento, ou o bem-estar da população, ou mesmo uma análise completa de todos os aspectos da economia de um país. Trata-se tão-somente de uma avaliação acerca da probabilidade que o país pague aquilo que deve, e, neste aspecto, a melhora da economia brasileira é visível e dois fatores merecem especial atenção.

Em primeiro lugar, a política econômica atual é vista como sustentável, ou seja, capaz de ser mantida, porque implica não apenas estabilidade, mas porque se mostrou também consistente com a retomada de um ritmo de crescimento mais forte, desmentindo os críticos que viam na busca da estabilidade o abandono do crescimento. Em segundo lugar, a promoção foi obtida em meio a uma séria crise internacional, mostrando que os esforços pela melhora da capacidade de resistência da economia a choques (como a acumulação de reservas internacionais) valeram a pena.

Isto dito, a primeira grande conseqüência da promoção do país deve ser uma redução adicional do custo de capital para os setores público e privado. Grandes investidores internacionais que, por motivos regulatórios, enfrentavam limites à ampliação de seus investimentos no Brasil agora poderão fazê-lo, trazendo ao país recursos antes inacessíveis. A principal implicação deste fenômeno deverá ser uma aceleração suplementar do investimento e, portanto, do crescimento, ampliando os dividendos da estabilidade.

A outra grande conseqüência é o reforço à continuidade desta política. Uma vez obtido o grau de investimento será muito custoso perdê-lo, o que gera incentivos poderosos à manutenção (e, com um pouco de sorte, aprofundamento) do atual regime de política. Aventuras populistas e idéias exóticas deverão ter menor respaldo, empurrando nossos keynesianos de quermesse cada vez mais para as margens da formulação de política.

Claro que haverá protesto. Em linha com a valorização dos ativos brasileiros, a moeda deverá se apreciar, gerando choradeira por parte dos suspeitos de sempre, que ainda se recusam a ver a ligação entre a melhora do país e a apreciação da moeda, bem como o efeito do gasto público sobre a taxa de câmbio. Talvez agora reclamem das agências de risco...

(Publicado 2/Mai/2008)

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Ainda o fardo do economista neolássico

O Gustaf mandou o seguinte comentário. Acho que ele ainda precisa de ajuda. Colaborem com o rapaz.

Bem, eu já anotei as respostas que eu queria lê. Mas estou surpreso que desconhecessem tanto o pensamento dos heterodoxos tupiniquins, já que falam tanto deles. Vamos lá:

1-Sobre não haver “qualquer menção a custos marginais crescentes”. Não acho que isso seja tão problemático. Com bases em estudos empíricos é adotada a hipótese simplificadora de que nem as margens de lucro dos setores flexprice, nem a produtividade média do trabalho são sensíveis, “no médio prazo” (termo usado por Olivier Blanchard para descrever o que acontece numa economia em dez anos ou mais), a variações em Q/Qp (produção efetiva/ produção potencial). Isso é visto até na 3ª edição do “Macroeconomia” de Blanchard, quem dirá em livros de heterodoxos. Apesar disso, acredito que admitir uma “inflação temporária” já seria um grande perigo.

Gustaf: de novo você vai me desculpar, mas 10 anos é um bocado de tempo para chamar inflação de temporária (algo assim: não se preocupe com o hiato do produto porque em 10 anos [ou mais] a oferta vai crescer o suficiente para acomodar a demanda que está crescendo hoje. Desconfio que o Blanchard não recomenda esta estratégia para lidar com crescimento da demanda acima do PIB potencial). A tal hipótese simplificadora que você usou supôs que não há inflação para concluir que não há inflação, o que desde já garante o primeiro lugar no concurso Raciocínio Circular de 2008.

2- Sobre a alegação de que “os recursos não caem do céu”. Para o Princípio da Demanda Efetiva, a poupança é um fluxo simultâneo ao investimento e por ele determinado. Quem financia o investimento é o crédito, que por sua vez é um estoque criado ex nihilo pelo sistema bancário. Para Serrano (que é um sraffiano e não um pós-keynesiano), a flexibilidade do banco para criação de moeda é plenamente elástica. Na visão dele, o poder dos bancos em responder ao aumento da demanda por moeda pode ser aumentado mediante os empréstimos em moeda estrangeira, gerenciamento de ativos e passivos, empréstimo de redesconto, etc. Outros, como o Cardim de Carvalho e o Sicsú, são mais cautelosos e vêem que a proteção às reservas bancárias pode ser uma restrição séria, daí eles admitem que haverá crowding out parcial no caso de uma política fiscal expansionista no contexto de uma economia operando a plena capacidade. De qualquer forma, para Serrano, se vivêssemos numa economia fechada, bastaria uma política expansionista para termos o “supermultiplicador sraffiano” (que foi tema de sua tese de doutorado em Cambridge). Independentemente de a economia está ou não em plena capacidade, ele no máximo só geraria uma inflação (temporária) de demanda. Para os outros, talvez eles vissem a necessidade de combinar política monetária e fiscal.

Crédito não financia investimento em lugar qualquer do planeta. A única coisa que crédito faz é dar poder de compra para quem quer investir, mas os recursos para o investimento têm que existir, em particular se a economia opera próxima ao potencial. Bancos podem criar quanta moeda quiserem e isto não vai adicionar uma unidade de recurso real à economia (eu me lembro de economistas heterdoxos dizendo que não havia falta de poupança do país porque o BNDES tinha "recursos"). Em outras palavras, você e seus professores heterodoxos continuam acreditando que recursos reais caem magicamente dos céus, o que não vai te levar muito longe como economista.

3- Sobre a questão dos retornos decrescentes levarem a taxa de crescimento à taxa de aumento da produtividade, “tornando irrelevante a expansão da demanda agregada”. Esse argumento é irrelevante para quem leva em consideração a crítica teórica de Sraffa de que o mecanismo neoclássico de substituição entre capital e trabalho não funciona. “Retornos marginais decrescentes para os fatores só poderiam ser confirmados se alguém conseguisse mostrar evidência de que existem no mundo real funções de produções com uma imensa quantidade de técnicas alternativas ordenáveis em termos das proporções estritamente físicas em que os diversos fatores são utilizados.
Sraffa 1960 mostrou que isto é impossível teoricamente fora do mundo onde o capital é homogêneo com o produto. Empiricamente então nem se fala”, disse uma vez Serrano numa de suas comunidades no orkut. Os pós-keynesianos também apóiam Sraffa.

A crítica teórica de Sraffa que você menciona ganhou o Concurso de Raciocínio Circular de 1960, uma vez que o modelo sraffiano parte do pressuposto de coeficientes fixos (ou seja, não há substituiçao por hipótese), o que, diga-se de passagem, é a única justificativa do valor trabalho. Quanto à questão do "switching "de técnicas (a controvérsia do capital), ela não se aplica em modelos de equilíbrio geral no qual você não precise agregar capital, i.e., num mundo Arrow-Debreu este ponto também já foi mostrado irrelevante, um assunto sobre o qual você e o tal Serrano precisam se informar melhor. Sobre os pós-keyensianos apoiarem Sraffa, a informação é bonitinha, mas de uma inutilidade atroz.

4- Eu só tomei conhecimento da versão de economia fechada da teoria de crescimento de Serrano, então vou falar de outro modelo. No modelo de Thirlwall, a taxa de crescimento do produto compatível com o equilíbrio no balanço de pagamentos de um país será tão maior quanto: (i) maior a taxa de crescimento do resto do mundo; (ii) maior a elasticidade-renda das exportações; (iii) menor a elasticidade-renda das importações. Esses seriam os fatores de não-convergência de crescimento. De resto, sei que as teorias de natureza demand driven postulam que a taxa de crescimento da força de trabalho e da produtividade tendem a subir quando o crescimento econômico se acelera, devido ao aproveitamento de mão-de-obra que estava subempregada (desemprego oculto), ganhos estáticos e dinâmicos de escala associados ao volume de produção e ao progresso tecnológico incorporado no capital acumulado, learning by doing e learning by using, etc. Alguns admitem que a taxa de crescimento do estoque de capital pode ser um limitante do crescimento, na medida em que se supõe que o investimento possui outros determinantes que podem impedir que ele se dê sempre na medida necessária para acomodar todo o crescimento da demanda.

Acho interessante um modelo de crescimento no qual não há menção à oferta agregada. Sobre a taxa de crescimento da força de trabalho e da produtividade tenderem a subir quando o crescimento econômico se acelera, não fico surpreso, dada a hipótese básica destes modelos, qual seja a inexistência de restrições de recursos (até a demografia e a tecnologia respondem à demanda; o que dirá do investimento. Eu bem que gostaria de morar neste lugar, se o custo para chegar lá não envolvesse ter que deixar meu corpo aqui na Terra). Num mundo como este, realmente é só escolher o quanto se quer crescer e mandar bala, o que necessariamente leva à conclusão que o mundo é povoado (ou governado) por masoquistas. Mesmo com ganhos de escala e "learning by doing" (veja o trabalho de Paul Romer, Aghion & Howitt, Helpman & Grossman e toda nova teoria do crescimento do final dos anos 80 e começo dos 90) as restrições orçamentárias continuam valendo. Meu conselho: sai dessa e começa a estudar economia séria.